A
doutrina católica ensina a existência de uma purificação pós-morte àqueles que
morrem na graça de Deus, conforme diz o catecismo:
§1030 Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão
completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam,
após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para
entrar na alegria do Céu.
O
purgatório é destinado aos que morrem na graça de Deus, mas não se arrependeram
de pecados veniais ou não cumpriram as penas temporais devidas pelos pecados veniais
ou mortais. Percebe-se que apesar de ser destinado aos salvos, o purgatório é
um lugar de punição, onde os salvos cumprirão as penas temporais que não foram
satisfeitas nesta vida.
Este
artigo objetiva fazer uma minuciosa análise patrística desta doutrina e
demonstrar que a evidência histórica contra o purgatório é esmagadora. A Igreja
Romana alega que essa doutrina foi ensinada nas Escrituras e que sempre fez parte
da tradição da Igreja, portanto, é de se esperar que haja provas cabais de que
os Pais da Igreja desde as épocas mais primitivas criam nela. Veremos que
definitivamente este não é o caso. Iremos refutar supostas evidências do
purgatório apontadas pelos romanistas – que podem ser vistas no site Veritatis e apresentar evidências contrárias ao purgatório. Já existe um excelente artigo
em português refutando a argumentação católica aqui. Iremos fazer argumentos adicionais aos contidos nesse artigo.
A
Oração pelos Mortos
Um
argumento muito comum é deduzir a crença no purgatório a partir de citações que
mostram orações pelos mortos. O raciocínio é que se alguém orava pelo morto, necessariamente
cria no purgatório. Trata-se de uma falácia, pois na Igreja primitiva, havia
uma diversidade de crenças sobre o pós-morte. Os pais da Igreja criam em
diversos tipos de estado intermediário que não eram o purgatório e acreditavam
que as almas poderiam ser beneficiadas pelas orações, aumentando a alegria e paz
que desfrutavam. Tradições cristãs como o catolicismo ortodoxo ensinam a oração
pelos mortos sem acreditarem no purgatório. Encontramos também a crença de que
os que morreram sem Cristo ainda poderiam ser salvos depois da morte, e neste
contexto, a oração faria todo sentido. Portanto, não é suficiente demonstrar
que determinado autor cristão ensinou a oração pelos mortos, é necessário
demonstrar que ele cria num tipo de estado intermediário com todas as
características que a Igreja romana atribui ao Purgatório.
Inscrições
em catacumbas também são utilizadas para pressupor purgatório. Esse é um tipo
problemático de “prova”, pois não sabemos que eram essas pessoas, se eram
ortodoxos ou hereges, não sabemos quão disseminadas suas opiniões eram, sem
contar que há diversos problemas quanto à correta datação das inscrições. A
piedade popular comportava uma série de crenças que hoje são consideradas
heréticas como a já mencionada salvação pós-morte.
Observa-se
também que as inscrições nas catacumbas e as orações antigas pelos mortos não
pressupõe que eles estejam num lugar de sofrimento ou penúria. O que é
transmitido é um clima de descanso, aquele que é alvo das orações está num
estágio de refrigério e gozo. Jacques Le Goff diz:
O abundante material
epigráfico e litúrgico sobre as preces pelos defuntos de que se dispõe dos
primeiros séculos do cristianismo tem sido explorado com frequência para
demonstrar a antiguidade da crença cristã no purgatório. Porém, estas
interpretações me parecem abusivas. As
graças que se suplicam a Deus que sejam outorgadas aos mortos evocam
essencialmente uma imagem paradisíaca, em todo o caso, um estado definido pela
paz (pax) e luz (lux). Temos que
aguardar até o final do século V e começo do século VI para encontrar uma
inscrição que fale da redenção da alma de um defunto. Trata-se de uma
mulher Gallo - Romana de Briord cujo epitáfio ostenta a fórmula “pro
redemptione animae suae. Por outro lado, não se menciona nada nestas inscrições
e orações um lugar de redenção ou de espera distinto do tradicional, a partir
do Evangelho, o Seio de Abraão (...) Numerosas
inscrições funerárias ostentam as palavras refrigerium ou refrigerare,
literalmente refresco, refrescar, somente associadas com paz (pax): in pace
et refrigerium, esto in refrigério (que está no regrifério); in refrigério
anima tua (que tua alma esteja no refrigério), Deus refrigeret spiritum tuum
(que Deus refresque teu espírito). (Jacques Le Goff, El nacimiento del purgatório, Ed. Taurus 1989, p. 62)
O
proeminente historiador Philip Schaff escreve:
Estas visões do estado
intermediário em conexão com orações para o falecido mostra uma forte tendência
para a doutrina católica romana do Purgatório, que depois veio a prevalecer no
Ocidente através da grande peso de St. Agostinho e o Papa Gregório I. Mas
existe, afinal de contas, uma diferença considerável. A ideia ante-nicena do estado intermediário dos piedosos exclui, ou em
todos os casos, ignora a ideia do sofrimento penal, que é uma parte essencial
da concepção católica do purgatório. A
condição dos piedosos é representada como uma felicidade comparativa, inferior
apenas à felicidade perfeita depois da ressurreição. Onde quer que o
Paraíso esteja, ele pertence ao mundo celestial; enquanto o purgatório é suposto
ser uma região intermediária entre o céu e o inferno, e na fronteira com o
último. As inscrições sepulcrais nas
catacumbas têm um tom predominantemente alegre, e representam as almas que
partiram como estando "em paz" e "viver em Cristo", ou
"em Deus”. A mesma opinião é substancialmente preservada na Igreja
Oriental, que sustenta que as almas dos fiéis defuntos podem ser ajudadas pelas
orações dos vivos, mas estão, no entanto, "em luz e descanso, numa
antecipação da felicidade eterna”. (Fonte)
Clemente
de Roma (35 – 100)
Ele
escreveu sobre vários cristãos como os apóstolos Paulo e Pedro, presbíteros e
uma multidão de eleitos estando no céu, sem referência ao purgatório. Pode-se
argumentar que algumas pessoas irão direto ao céu, mas como Clemente poderia
afirmar com convicção quem teria que passar ou não pelo purgatório? O mais
provável é que desconhecia essa doutrina:
Pedro, pela inveja injusta,
suportou, não uma ou duas, mas muitas fadigas e, depois de ter prestado
testemunho, foi para o lugar glorioso
que lhe era devido (...) Por causa da inveja e da discórdia, Paulo mostrou
o preço reservado à perseverança (...) deixou o mundo e se foi para o lugar santo, tornando-se o maior modelo de
perseverança. A esses homens, que
viveram santamente, ajuntou-se imensa multidão de eleitos que, devido à
inveja, sofreram muitos ultrajes e torturas, e se tornaram entre nós belíssimo
exemplo. (I Carta aos Coríntios 5-6)
Felizes os presbíteros que
percorreram seu caminho e cuja vida terminou de modo fecundo e perfeito. Eles
não precisam temer que alguém os afaste do lugar que lhes foi designado (...) Muitas
gerações passaram, desde Adão até hoje; mas, aqueles que, pela graça de Deus,
se tornaram perfeitos no amor permanecem
no lugar dos piedosos. Esses hão de
tornar-se manifestos, quando aparecer o Reino de Cristo. (I Carta aos
Coríntios 44:5, 50:3)
Inácio
de Antioquia (35 – 100)
É
uma fonte importante devido sua antiguidade, sendo de especial importância ao
assunto em questão, pois a esperança escatológica e o pós-morte são assuntos
presentes em todas as suas sete cartas, portanto, seria esperado encontrar
referências diretas ou indiretas ao purgatório. Quem tiver essa expectativa
será frustrado, o bispo desconhecia tal doutrina.
Sede,
portanto, surdos quando alguém vos fala sem Jesus Cristo, da linhagem de Davi,
nascido de Maria, que verdadeiramente nasceu, que comeu e bebeu, que foi
verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos, que foi verdadeiramente
crucificado e morreu à vista do céu, da
terra e dos infernos. (Aos Tralianos 9:1)
Aqui, Inácio parece descrever todas as dimensões
existentes (céu, terra e inferno), seria um contexto onde se esperaria menção a
outro lugar que não é nem o céu nem o inferno.
A epístola aos romanos é de especial interesse,
pois Inácio adverte seus irmãos a não tentarem impedir seu martírio, ele via
nisso a oportunidade de ir para junto de Deus. É importante notar que ele
escreve a respeito de sua esperança de ir para junto do Pai, mas em momento
algum, sugere algum tipo de etapa de purificação antes do grande encontro.
Escrevo a todas as Igrejas e
anuncio a todos que, de boa vontade, morro
por Deus, caso vós não me impeçais de o fazer. Eu vos suplico que não
tenhais benevolência inoportuna por mim. Deixai
que eu seja pasto das feras, por meio das quais me é concedido alcançar a Deus.
(Aos Romanos 4:1)
Alguns
poderiam argumentar que Inácio estava disposto a morrer por Cristo, então não
preveria a hipótese do purgatório. Acontece que a autoimagem do bispo era mais
humilde que isso, ele se via como imperfeito e indigno, e frequentemente pedia
oração aos irmãos para que fosse achado digno por Deus. Como a doutrina romana
ensina que a maioria dos cristãos terá que passar pelo purgatório, e Inácio se
via como imperfeito, seria esperado que também cresse na necessidade de
purificação antes de chegar a Deus:
Depois de rezar a Deus,
obtive dele ver vossos rostos santos, pois eu tinha pedido insistentemente
receber esse favor. Acorrentado em Jesus Cristo, espero saudar-vos, se é vontade de Deus que eu seja encontrado
digno de ir até o fim. (Aos Romanos 1:1)
Meus irmãos, transbordo de
amor por vós e, numa grande alegria, procuro fortalecer-vos, não eu, mas Jesus
Cristo. Acorrentado nele, temo bastante, pois
ainda sou imperfeito. (Aos Filadelfienses 5:1)
Penso muitas coisas em Deus,
mas limito-me, a fim de não me perder em vanglória. De fato, sobretudo agora, é preciso que eu tema e não dê atenção
àqueles que me enchem de orgulho. Aqueles que me falam assim, na verdade me
flagelam. Desejo sofrer, mas não sei se
sou digno disso. Minha impaciência,
para muitos não transparece, mas me combate muito. Necessito de mansidão,
que pode destruir o príncipe deste mundo. (Aos Tralianos 4:1-2)
Inácio
exorta seus irmãos de Roma a não tentarem evitar o seu martírio. Seu desejo é
morrer em Cristo, pois o que lhe espera é muito melhor do que o mundo presente.
Ele pressupõe que após a morte irá para Deus sem ter que passar por nenhuma
etapa intermediária de purificação ou pagamento:
O príncipe deste mundo quer
arrebatar-me e corromper o meu pensamento dirigido a Deus. Que ninguém dos que
aí estão presentes o ajude. Antes, colocai-vos do meu lado, isto é, do lado de
Deus. Não tenhais Jesus Cristo na boca, desejando, ao mesmo tempo, o mundo. Que
a inveja não habite em vosso meio. Mesmo se eu estiver junto de vós e vos
implorar, não vos deixeis persuadir. Persuada-vos aquilo que vos escrevo. É vivo que eu vos escrevo, mas com anseio
de morrer. Meu desejo terrestre foi crucificado, e não há mais em mim fogo
para amar a matéria. Dentro de mim, há
uma água viva, que murmura e diz: “Vem para o Pai”. (Aos Romanos 7:1-2)
Policarpo
de Esmirna (69 – 155)
Assim
como Clemente, Policarpo menciona vários crentes no céu:
Portanto, eu vos exorto a
todos, para que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda a
perseverança, que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-aventurados Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros
que são do vosso meio, no próprio Paulo e nos demais apóstolos. Estejam
persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e na justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido
junto ao Senhor, com o qual sofreram. Eles não amaram este mundo, mas
aquele que morreu por nós e que Deus ressuscitou para nós. (Epístola aos
Filipenses 9)
O
católico poderia argumentar que todas essas pessoas tinham completado sua
santificação até o final desta vida, e, portanto, eles não precisam ir para o
Purgatório. Mas, como explicado em relação a Clemente, como Policarpo poderia
saber que todas essas pessoas tinham completado sua santificação? Sabemos que
pessoas como o profeta Daniel e o apóstolo Paulo viveram vidas justas e
louváveis, mas mesmo eles acreditavam ser necessário buscar o perdão por seus
pecados (Daniel 9:20) e sabiam que ainda eram imperfeitos (Filipenses 3:12).
Além disso, só a partir de observação comum, parece implausível sugerir que alguém
seria perfeitamente santificado nesta vida. Todos nós tropeçamos em muitas
coisas (Tiago 3: 2). É implausível sugerir que cada pessoa referida por
Policarpo foi perfeitamente santificada, e que ele de alguma forma sabia
confiavelmente sobre isso. Como ele poderia saber? A explicação mais provável
para estes Pais da Igreja sempre se referindo aos cristãos falecidos estando no
céu é que não tinham noção do Purgatório. Se alguém viveu uma vida que sugeria
que era um cristão, foi presumido que iria para o céu no final desta vida.
O procônsul insistiu: “Já
que desprezas as feras, eu te farei queimar no fogo, se não mudares de ideia.”
Policarpo respondeu-lhe: “Tu me ameaças
com um fogo que queima por um momento, e pouco depois se apaga, porque ignoras
o fogo do julgamento futuro e do suplício eterno, reservado aos ímpios. Mas
por que tardar? Vai, e faze o que queres”. (O martírio de Policarpo 11:2)
Tanto
Policarpo como outros ansiavam o martírio, o viam como a oportunidade de ir
para junto do Pai. A questão é – se eles cressem no purgatório, segundo o qual
a alma ainda poderia ficar anos e anos sob o fogo purificador, ainda distante
da comunhão plena com Deus, porque eles esperariam tão ansiosamente pelo
martírio? Policarpo seria morto pelo fogo, e diante da ameaça deste fogo
passageiro, ele aponta o fogo eterno que é muito pior, mas não faz menção
alguma ao fogo do purgatório que muitos cristãos teriam que passar.
Eu te bendigo por me teres
julgado digno deste dia e desta hora, de
tomar parte entre os mártires, e do cálice de teu Cristo, para a
ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na incorruptibilidade do Espírito
Santo. Com eles, possa eu hoje ser
admitido à tua presença como sacrifício gordo e agradável, como tu
preparaste e manifestaste de antemão, e como realizaste, ó Deus sem mentira e
veraz. (O martírio de Policarpo 14:2)
O
bispo de Esmirna deixa claro que naquele mesmo dia seria admitido à presença de
Deus, não seria tempos depois de alguma punição temporária.
Por sua perseverança, ele
triunfou sobre o iníquo magistrado, e assim foi cingido com a coroa da
incorruptibilidade. Juntamente com os
apóstolos e todos os justos, na alegria, ele glorifica Deus, Pai
todo-poderoso, e bendiz nosso Senhor Jesus Cristo, o salvador de nossas almas,
guia de nossos corpos, e pastor da Igreja católica no mundo inteiro. (O
martírio de Policarpo 19:2)
Vejam
que não somente o grupo seleto dos Apóstolos e Mártires estaria na presença de
Deus, mas todos os justos. Alguém poderia objetar que justo é apenas o
completamente santificado, mas seria uma tese absurda. O contexto da obra
permite inferir que justo era todo verdadeiro Cristão:
Erguendo os olhos ao céu,
disse: “Senhor, Deus todo-poderoso, Pai de teu Filho amado e bendito, Jesus
Cristo, pelo qual recebemos o conhecimento do teu nome, Deus dos anjos, dos poderes, de toda criação e de toda a geração de
justos que vivem na tua presença! (O martírio de Policarpo 14:1)
Fica
óbvio que Policarpo se referia a todos os verdadeiros crentes. Ele parecia não
ter conhecimento da doutrina católica romana.
Papias
de Hierápolis (70 – 155)
Como os presbíteros dizem - então aqueles que são considerados dignos
de uma morada no céu devem ir para lá, outros devem desfrutar das delícias
do Paraíso, e outros devem possuir o esplendor da cidade; pois em todos os
lugares o Salvador será visto, conforme a dignidade de quem o vê. Mas, não há
esta distinção entre a morada de quem produz cem vezes, e daquele que produz
sessenta vezes, e daquele que produz trinta vezes; o primeiro será tomado para
os céus, a segunda classe irá habitar no paraíso, e a última vai habitar a
cidade, foi por essa causa que Senhor disse: 'Na casa de meu Pai há muitas
moradas’ por que todas as coisas
pertencem a Deus, que fornece a todos uma morada adequada, mesmo quando Sua
palavra diz, que uma parte é distribuída a todos pelo Pai, de acordo como cada
um é ou deve ser digno. Os presbíteros, os discípulos dos apóstolos, dizem que esta é a graduação e arranjo
daqueles que são salvos, e que eles avançam através de passos desta
natureza; e que, além disso, eles ascendem através Espírito ao Filho, e através
do Filho ao Pai; e que, no devido tempo, o Filho entregará o seu trabalho ao
Pai, assim como é dito pelo apóstolo: "Pois Ele deve reinar até que Ele
ponha todos os inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é
a morte. (Fragmentos 5)
Papias
também se refere a todos os crentes estando no céu. Ele diz que há níveis de
recompensa no céu, de acordo com a dignidade de cada um, e que há possibilidade
de avanço lá. Refere-se “aqueles que são salvos” e cristãos de diferentes
níveis de dignidade, o que implica que não se refere apenas aos “totalmente santificados”.
Papias também cita Jo 14:2, uma passagem que se refere a todos os crentes. Ele
não parece ter noção da existência de algo como o purgatório.
II
Clemente (140 ou 160)
Conforme
testemunha Eusébio, II Clemente não tem como autor Clemente de Roma. Trata-se
de um documento bem antigo, do qual não se sabe o autor, provavelmente o sermão
mais antigo fora do Novo Testamento. Dele, tiramos as seguintes citações:
Enquanto estamos ainda na
terra, vamos nos arrepender. Porque nós somos barro na mão do oleiro. Por
exemplo: se um oleiro ao fazer um vaso, ele se tornar disforme ou quebrar em
suas mãos, ele simplesmente vai refaze-lo; mas se colocá-lo no forno, não será
mais possível o reparo. Assim é conosco: enquanto
estamos neste mundo, vamos nos arrepender de todo o nosso coração das coisas
más que temos feito na carne, a fim de que possamos ser salvos pelo Senhor
enquanto ainda temos tempo para arrependimento. Porque depois que partimos deste mundo, nós não teremos mais a
possibilidade de confissão e arrependimento. (Michael
W. Holmes, ed. The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations
(Michigan: Baker Books, 1999), p.115.)
Não
é preciso grandes esclarecimentos, o autor de II Clemente acreditava que não
havia a possibilidade arrependimento depois da morte, ele entende que, se
alguém partir desta vida com pecados não arrependidos, estará condenado, não há
purgatório algum lhe esperando.
Justino
Mártir (100 – 165)
As almas dos piedosos
permanecem num lugar melhor, enquanto as dos injustos e perversos estão num
pior, esperando o momento do julgamento. (Dialogo com Trifão, 5)
Percebe-se
que Justino não acredita num estágio intermediário. Ao definir os destinos
possíveis após a morte, refere-se apenas a dois: um lugar melhor para os justos
e um lugar pior para os injustos.
Atos
de Paulo e Tecla (século II)
Essa
é uma obra apócrifa provavelmente da segunda metade do século II, com claras
influências gnósticas. Quando se trata de defender as doutrinas romanistas, até
apócrifos são utilizados. Tecla seria uma virgem que conheceu Paulo e resolveu
segui-lo. A obra possui uma série de narrativas exageradas e fantasiosas que
não lembram nem de perto o apóstolo Paulo do Novo Testamento. Nenhum
historiador acredita que esse seja um relato real, portanto, seria temerário
sustentar alguma doutrina com base nela, mas vejamos:
E após a exibição, Trifena
novamente a recebeu. Sua filha Falconila havia morrido e disse para ela em
sonhos: 'Mãe: deverias ter esta estrangeira, Tecla, como a mim, para que ela
ore por mim e eu possa ser levada para o lugar dos justos. (Atos de Paulo e
Tecla)
Não
há como ver purgatório ai. Trifena não era cristã antes de conhecer Tecla,
assim como sua filha Falconila. Portanto, ela não poderia estar no purgatório,
já que morreu sem ter abraço a fé e ter sido batizada. A oração que Tecla faz é
para sua salvação, o que fica bem claro no trecho: “eu possa ser levada para o lugar dos justos”. De todas as provas do
purgatório na Igreja Primitiva, esta definitivamente é mais desqualificada. O
que essa obra defende de fato é a oração do cristão poderia tirar alguém do
inferno e leva-lo para o céu – uma heresia do séc. II.
Atenágoras
de Atenas (133 – 190)
Atenágoras
acredita que os crentes vão para o céu quando morrem. A única outra opção
segundo ele é “caindo com o resto” no fogo:
Porque, se cremos que
viveremos apenas a vida presente, então podemos ser suspeitos de pecar, sendo
escravos da carne e sangue, ou vencidos pelo ganho ou desejo carnal; mas como
sabemos que Deus é testemunha do que pensamos e do que dizemos tanto de noite e
de dia, e que Ele, sendo Ele mesmo luz, vê todas as coisas em nosso coração,
estamos convencidos de que quando formos retirados da vida presente vamos viver outra vida, melhor do que a
presente, e celestial, não terrena (já que habitaremos junto de Deus, e com
Deus, livres de todas as alterações ou sofrimento na alma, não como carne,
apesar de termos carne, mas como espírito celestial), ou, caindo com o resto,
uma pior e no fogo; pois Deus não nos fez como ovelhas ou animais de carga,
uma mera mão-de-obra, e que devamos morrer e ser aniquilados (Apelo em favor
dos Cristãos 31).
Irineu
de Lyon (130 – 202)
Ele
diz que as almas dos justos irão para o paraíso, onde aguardarão a ressurreição
do corpo, só após isso entrarão na presença de Deus. Esse paraíso é o lugar
onde Paulo foi (2 Coríntios 12:2-4). Irineu cria num estado intermediário (o
paraíso), mas este é substancialmente diferente do purgatório. Cabe mencionar
também que enquanto alguns católicos citam Lucas 16:19-31 como prova do
purgatório, ele pensava que o homem rico estava no Inferno (Contra as Heresias,
2:24:4, 4:2:4-5).
Portanto, também os
anciãos que eram discípulos dos apóstolos nos dizem que aqueles que foram
trasladados foram transferidos para esse local (porque o Paraíso foi preparado
para os homens justos, aqueles que têm o Espírito; em cujo lugar também o
apóstolo Paulo, quando foi preso, ouviu palavras que são indizíveis quanto a
nós na nossa presente condição), e que aí devem os
que foram trasladados permanecer até a consumação de todas as coisas, como um
prelúdio para a imortalidade (...) pois como o Senhor foi ao meio da sombra da
morte onde as almas dos mortos estavam, mas depois ressurgiu no corpo, e após a
ressurreição foi elevado ao céu, é manifesto
que também as almas dos seus discípulos, por quem o Senhor passou estas coisas,
irão para o lugar invisível que lhes foi atribuido por Deus, e ali permanecerão
até a ressurreição, esperando esse evento; então recebendo os seus corpos,
e ressuscitando na sua totalidade, ou seja corporalmente, exatamente como o
Senhor ressurgiu, eles chegarão assim à presença de Deus. “Porque nenhum
discípulo está acima do Mestre, mas todo aquele que é perfeito será como o seu
Mestre”. Como o nosso Mestre, portanto, não partiu logo para o céu, mas
aguardou o momento da Sua ressurreição prescrito pelo Pai, que tinha sido
também manifestada através de Jonas, e ressurgindo três dias depois foi elevado
ao céu; assim devemos também aguardar o momento da nossa ressurreição prescrito
por Deus e preanunciado pelos profetas, e assim, ressurgidos, sermos elevados,
tantos quantos o Senhor considerar dignos deste privilégio. (Ibid., 5:5: e
5:31:2).
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