Quando
algum católico romano é desafiado a demonstrar base bíblica para suas doutrinas
sobre a eucaristia, o capítulo 6 de João é sempre citado. Sem dúvida, é o
principal fundamento apresentado para a doutrina da transubstanciação. Neste
artigo, veremos como os argumentos católicos não resistem a uma análise profunda.
Vários
pais da Igreja interpretavam João 6 de forma diferente dos Católicos. Eles não
tomavam literalmente as palavras de Jesus, e alguns sequer à eucaristia se
referiram. Como os protestantes, entendiam que comer a carne de Jesus e beber
seu sangue significava ir a Cristo com fé [incluir link para os “Os Pais da
Igreja e a Eucaristia”].
A
melhor forma de saber se uma passagem é simbólica ou literal e analisar o
contexto. A partir dele podemos tirar as seguintes conclusões que enfraquecem a
posição romanista:
1. João 6 ocorre antes de a eucaristia ser
instituída por Cristo;
2. Jesus menciona a fé repetidamente
(versículos 29, 35, 40, 47, 63), mas não fala da eucaristia;
3. Jesus nos diz que a nossa fome e sede
são satisfeitas por chegarmos a Ele e cremos Nele (versículo 35), e não por uma
eucaristia transubstanciada;
4. Vinho, um dos elementos da eucaristia,
nunca é mencionado no discurso;
5. Jesus realizou vários milagres que
envolviam mudança física, como transformar água em vinho. Já os católicos nos
dizem que não há nenhuma evidência física da transformação da eucaristia.
Exegese
do texto
Vs. 26-29 – Jesus tinha
acabado de realizar o milagre da multiplicação dos pães e peixes. Após isso,
ele se retira do meio da multidão por que queria o proclamar reino. A multidão
o segue. Cristo diz que eles o seguiram por terem ficado fartos e não pelos
milagres realizados. A incredulidade daqueles ouvintes começa a ser mostrada
aqui. O vs. 27 é chave “Não trabalhem
pela comida que se estraga, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a
qual o Filho do homem lhes dará. Deus, o Pai, nele colocou o seu selo de
aprovação", o católico defende que essa comida é a eucaristia. Como
Jesus afirma que seus ouvintes deveriam trabalhar por essa comida, eles então
perguntam que trabalho é esse que deveriam fazer no vs. 29. A resposta é
reveladora, para a interpretação católica fazer sentido, deveria ser comer
(trabalho/obra) a Eucaristia (comida). Mas, a resposta foi “crer naquele que
ele [o Pai] enviou". Aqui há um indício claro da mensagem dos próximos
versículos. João 6 não fala da eucaristia, mas sim da salvação para os que se
achegam a Cristo com fé.
Vs. 30-31 – Os ouvintes
pedem um sinal para poderem crer. Eles citam um milagre do passado – o maná do
deserto. Interessa notar que a figura do pão foi introduzida no discurso pelos
ouvintes e não por Jesus. Até então o termo era comida. Se Cristo desejasse
ensinar sobre a Eucaristia, seria mais natural que começasse o discurso
mencionando os elementos pão e vinho, e não comida de forma genérica.
Vs. 32 e 33 - Nosso Senhor começa a estabelecer paralelos
entre o maná do deserto (alimento físico) e o “pão vivo que desceu do céu”
(alimento espiritual). As palavras são obviamente simbólicas e espirituais.
Ninguém acredita que Jesus desceu do céu em forma de pão, muito menos que quem
come a eucaristia nunca mais terá fome ou sede. O contexto inicial remete a
algo simbólico.
Vs. 34 e 35 – A multidão se anima e deseja saber como
obter sempre desse pão. A resposta de Cristo é que venham e creiam nele. É por
se achegar com fé que somos salvos e sustentados, não por participar do
sacramento da eucaristia. É simplesmente inexplicável não se falar do
sacramento nesses momentos em que Jesus responde diretamente aos
questionamentos do povo.
Vs. 36-40 – Esses versos claramente falam de eleição, nota-se
que a ênfase continua sendo em aceitar Cristo com fé para salvação. Muitos que
o ouviam não eram verdadeiros crentes, apesar de o considerarem um profeta.
Vs. 41-42 – Os judeus criticam Jesus por dizer que desceu
do céu e não por ter dito que ele era um pão. Afinal eles conheciam sua família
e sua origem.
Vs. 43-47 – Jesus afirma que apenas aqueles que o Pai
atrair poderia vir a Ele. É dito vs. 47
que os crentes terão a vida eterna.
Vs. 48-51 – Cristo afirma ser o pão da vida. Diferente do
maná do deserto, os que creem em Cristo não morrerão, mas serão ressuscitados.
Sabemos que suas palavras são simbólicas, pois Cristo não desceu do céu como um
pão. Além do mais, todo o contexto anterior mostra que comer = crer. Ele ainda
diz que o pão é sua carne que será dada pela vida do mundo – uma alusão ao seu
sacrifício na cruz que salvará os que nele creem. Cristo alude ao seu
sacrifício e não ao consumo literal da sua carne. O valor da sua carne não está
em ser consumida pelo crente, mas no fato de que será sacrificada pelos
pecadores.
Vs. 52 – Os judeus não compreenderam as palavras e
pensaram que Cristo estava oferecendo sua carne para ser comida. O ponto chave
é que Cristo disse que daria sua carne pela vida do mundo. O católico que
interpreta isso como eucaristia está fazendo uma exegese errada. É óbvio que
Cristo se refere ao seu sacrifício na cruz, este é o único momento em que ele
dá sua vida pelo mundo, portanto, a única interpretação cabível. Não é de se
espantar que os Judeus não tenham compreendido corretamente, afinal eles não
sabiam nada sobre o sacrifício, esse ainda aconteceria.
Vs. 53-56 – Esses são os versículos chaves da
interpretação romana. Por todo o contexto já demonstrado aqui, poderíamos
concluir que as palavras de Jesus são simbólicas. Como os ouvintes continuavam
erroneamente interpretando suas palavras no plano físico, Ele utiliza as ações
de comer e beber para expressar verdades espirituais. Vejam que em outras
partes do evangelho de João, há construções paralelas a comer e beber como
sendo ouvir sua palavra e crer. Em Jo 5:24 “Na
verdade, na verdade vos digo que quem
ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte
para a vida.” Em Jo 6:40 “Porquanto a
vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha
a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.” Também o vs. 47 “aquele
que crê em mim tem a vida eterna”.
É visível que são construções paralelas a “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei
no último dia”. No vs. 44 “Ninguém
pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.”. A evidência é muito
clara, Jesus menciona em vários momentos o que é preciso fazer para ter a vida
eterna e participar da ressurreição – é preciso crer. Paralelamente, ele diz a
mesma coisa só que substituindo crer por beber seu sangue e comer sua carne,
logo, a conclusão é que se trata de uma metáfora para crer Nele.
Nos vs. 56 e 57, é dito que ao se alimentar de sua carne
e sangue faz com que permaneçamos e vivamos Nele. A metáfora aqui está em
consonância com outra metáfora que nenhum católico compreende de forma literal
– a metáfora da videira e dos seus ramos em João 15. Ao nos achegarmos a Cristo
e confiarmos Nele, passamos a ser como ramos que se alimentam dele que é a
videira. É dele que vem nosso alimento espiritual que nos sustenta em nossa
caminhada cristã, pois sem Ele nada podemos fazer. Este é o significado de
“comer sua carne e beber se sangue” para estar Nele.
Vs. 58-60 – Jesus reafirma ser o pão vivo que desceu do
céu. No vs. 60, João diz que muitos de seus discípulos acharam o discurso muito
duro. Os católicos argumentam que se a interpretação não literal protestante
for correta, esses homens não teriam achado seu discurso duro e difícil. Jesus
já havia dito que eles eram incrédulos e caso não cressem não poderiam ter a
vida eterna, não teriam vida em si mesmos e não poderiam estar Nele, que era
equivalente a estar no Pai. Jesus também disse que só poderia vir a Ele se o
Pai os trouxessem, o que implica que eles não haviam sido atraídos pelo Pai.
Independente da forma como estes discípulos interpretaram as palavras de
Cristo, algo ficou muito claro – as consequências de não obedece-lo seriam
nefastas. Portanto, o discurso era sim duro, não importando a literalidade do
texto, pois o que estava em jogo era a vida eterna.
Vs. 61-62 – Jesus os repreende por se escandalizarem com
verdades espirituais tão básicas.
Vs. 63 – Esse verso destrói qualquer pretensão de
fundamentar a transubstanciação nesta passagem. Se a questão era a Eucaristia
que consiste na presença física de Cristo em virtude da transformação dos
elementos, como ele poderia dizer “a
carne para nada se aproveita”.
Vs. 64-66 – Jesus sabia que muitos não criam e explica
que isso se dava por que eles não tinham sido dados pelo Pai.
Vs. 67-69 – Cristo volta-se para os doze. Vemos que nem
todos compreenderam as palavras da forma errada. Nota-se que neste momento de
desfecho se esperaria uma menção direta a eucaristia, caso esse fosse o
direcionamento do capítulo. Mas Pedro, ao responder a Cristo não fez menção
alguma ao sacramento. Ele havia entendido que Cristo era o salvador ao dizer “tu tens as palavras de vida eterna”.
Respostas
aos argumentos católicos
1. Jesus
não usaria a linguagem de comer carne e beber sangue se não falasse em termos
literais.
R – O uso de linguagem chocante era
comum na tradição judaica para realçar um ensinamento. Jesus inclusive a
utilizou em outras passagens do evangelho, portanto, uma leitura metafórica de
João 6 estaria de acordo com a tradição judaica. Em Deuteronômio 8:3 há uma
analogia entre o pão e receber a palavra de Deus. “Assim,
ele os humilhou e os deixou passar fome. Mas depois os sustentou com maná, que
nem vocês nem os seus antepassados conheciam, para mostrar-lhe que nem só de
pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca do Senhor.”
2. João
6:66 mostra pessoas abandonando Jesus por conta de seu ensinamento da
transubstanciação.
R – Esta é uma petição de princípio,
pois tenta provar o argumento de que Jesus estava ensinando a transubstanciação
partindo do pressuposto que ele estava ensinando essa doutrina. Ao fazer isso,
os católicos ignoram o contexto imediato da passagem. Os versículos anteriores
(64 e 65) falam sobre a presciência e predestinação de Cristo, em que afirma
saber que eles não criam Nele. É possível então que aquelas pessoas tenham
abandonado a Cristo por isso, pois o próprio os acusou de serem incrédulos. Por
que deveríamos acreditar que foi por conta do suposto ensino eucarístico de
Jesus? Eles ouviram repetidas vezes essas palavras que supostamente ensinavam o
consumo literal de sua carne e sangue e mesmo assim não o abandonaram, somente
depois de serem chamados de incrédulos é que o fazem. Ainda que aceitemos a
hipótese menos provável – de que eles abandonaram Jesus por tomarem suas
palavras literalmente, isso não provaria que compreenderam de forma correta.
Interpretar de forma errada palavras simbólicas de Jesus é muito frequente em
todos os evangelhos, principalmente em João.
3. Se
Jesus não estivesse falando de forma literal ao ensinar que comessem sua carne
e bebessem seu sangue, teria esclarecido o real significado àquelas pessoas,
não as deixando ignorantes.
R – Jesus sabia que elas nunca acreditariam
Nele (Jo 6:64). Em várias outras passagens, especialmente no Evangelho de João,
Jesus não corrige os entendimentos errados de seus ouvintes. Em Mateus
13:10-17, Ele diz que fala por parábolas intencionalmente para que certas
pessoas não compreendessem a mensagem. Em João 2:19-22, refere-se a seu corpo
como um "templo", que muitas pessoas interpretaram incorretamente
como uma referência ao templo real em Jerusalém. Ele não explicou a essas pessoas
o que realmente queria dizer. Lemos em Marcos 14:56-59 que algumas pessoas,
muito tempo depois que Jesus tinha feito a declaração em João 2:19, ainda pensavam
que Ele se referia ao templo real em Jerusalém. E em João 21:22-23, lemos outra
vez Jesus dizendo algo que foi mal interpretado por algumas pessoas, com o
mal-entendido que conduziu à falsa conclusão de que o apóstolo João não
morreria. No entanto, nenhum esclarecimento foi prestado. Foi João quem o
esclareceu décadas mais tarde, em seu evangelho. Em João 3:3-4, Nicodemos não é
corrigido por Jesus em sua errada compreensão sobre nascer de novo. Em João
4:4-15, a mulher samaritana entende erroneamente como literal a água que Jesus
tinha a oferecer, mas em momento algum, Jesus diz “você está errada, estou
falando de forma simbólica” ainda assim, ninguém tomaria suas palavras como
literais. Nos versículos 31-34 do mesmo capítulo, ele fala sobre comer de forma
metafórica ao afirmar "A minha
comida é fazer a vontade daquele que me enviou e concluir a sua obra”.
É impressionante a quantidade de vezes
que Jesus utiliza linguagem metafórica para ensinar. Em todos os Evangelhos,
constantemente, pessoas compreendem o Filho de Deus da forma errada por não
entenderem os simbolismos. Da mesma forma fazem os católicos em João 6. O
argumento romanista é enfraquecido quando se observa que isso é ainda mais frequente
no Evangelho de João.
A premissa católica de que Jesus não
esclareceu suas palavras também é defeituosa. No Versículo 35, ele diz ”Então
Jesus declarou: "Eu sou o pão da
vida. Aquele que vem a mim nunca terá
fome; aquele que crê em mim nunca terá sede.” No verso 63 “O Espírito dá vida; a carne não produz nada que se aproveite. As palavras que eu lhes
disse são espírito e vida.” Ele claramente esclareceu o sentido das suas
palavras, tudo se referia a vir e crer Nele.
4. Jesus
passa usar o verbo grego trógó nos versos 54, 56, 57 e 58 em substituição ao
verbo phago dos versos anteriores para enfatizar a literalidade do “comer” e “beber”.
R – Esse argumento só tem força quando
se parte do pressuposto que a transubstanciação estava sendo ensinada nestes
versículos, e como já visto, não era o caso. Trógó e phago são sinônimos e ambos
podem ser usados para comer. Jesus poderia ter mudado o verbo apenas porque são
sinônimos. É comum no Novo Testamento a utilização de palavras sinônimas dentro
do mesmo discurso.
Há outro problema. No vs. 53, o mais
utilizado pelos católicos, após o protesto dos judeus, não temos o verbo trógó,
e sim phago. Se a intenção era enfatizar literalidade, deveria ter começado
deste verso. No vs. 58, em “que comeram o maná e morreram”, temos
novamente phago. Se Jesus queria enfatizar literalidade ao trocar de verbo,
porque voltaria a usar o verbo menos literal? E no vs. 55 “minha carne é
verdadeira comida”, a palavra comida
é brósis, sendo que no vs. 27 também é usado para expressar comida num sentido
não literal “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna”.
5. Jesus
disse que a carne dele era verdadeiramente comida e verdadeiramente bebida.
R – Quando os católicos usam o batido
argumento de que Jesus disse “isto é o meu corpo” e não “isto simboliza meu corpo”,
os protestantes mostram diversas passagens em que o Filho de Deus usa a mesma
fórmula para expressar algo simbólico como “Eu sou a porta” em João 10:9, “Eu
sou o caminho” em João 14:6 e “Eu sou a luz do mundo” em João 8:12. O romanista
pode então responder que Jesus não disse verdadeiramente sou a luz, o caminho
ou a porta. Assim o termo “verdadeiramente” que no grego é “aléthés”, seria a
prova da literalidade do texto. Mas, Ele disse em João 15:1 “Eu sou a videira
verdadeira”, nem por isso poderíamos interpretar que Ele é literalmente uma
videira. Portanto, esse argumento é falho.
Para encerrar este artigo, queria fazer
dois apontamentos simples que passam despercebidos nesta discussão:
1. Se
interpretamos comer a carne e beber o sangue de Jesus de forma literal, como
uma referência a eucaristia, teríamos que concluir que alguém terá a vida
eterna apenas por participar do sacramento. Afinal, essa é a promessa que Jesus
faz. E mesmo na teologia romana, participar do sacramento não é suficiente para
ter a vida eterna. No entanto, se interpretamos como se achegar a Cristo e
confiar Nele, podemos concluir que isso é suficiente para a salvação, pois está
acordo com a doutrina bíblica da salvação pela graça mediante a fé.
O Evangelho de João
não narra os elementos centrais da última ceia. O momento em que Cristo diz
“isto é o meu corpo” está registrado nos outros três evangelhos, mas não no
evangelho de João. Ele se limita a dizer nos vs. 1-2 do capítulo 13 “Ora, antes da festa da páscoa, sabendo Jesus
que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia
amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim. E, acabada a ceia,
tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o
traísse”. Se João 6 é um texto eucarístico, devemos concluir que participar
do sacramento é uma condição para a salvação. Em João 20:31, é dito que o
Evangelho foi escrito para crermos e termos vida em seu nome, logo tudo que é
necessário para ser salvo deve estar neste evangelho. Portanto, se João 6 se
refere à eucaristia naqueles termos, seria esperado que narrasse a instituição
da Ceia – essa seria uma das mais importantes narrativas do Evangelho.
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