Esta será uma série de cinco artigos:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5
A Igreja Romana ensina que após as palavras do sacerdote, o pão e o vinho se transformam literalmente no corpo e sangue de Cristo, há uma mudança na natureza dos elementos, por isso o termo transubstanciação. Ao comer o pão e tomar o vinho, acredita-se estar consumido literalmente a carne e o sangue de Cristo. Assim declarou o Concílio de Trento:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5
A Igreja Romana ensina que após as palavras do sacerdote, o pão e o vinho se transformam literalmente no corpo e sangue de Cristo, há uma mudança na natureza dos elementos, por isso o termo transubstanciação. Ao comer o pão e tomar o vinho, acredita-se estar consumido literalmente a carne e o sangue de Cristo. Assim declarou o Concílio de Trento:
Se alguém negar que no
Santíssimo Sacramento da Eucaristia está contido
verdadeira, real e substancialmente o corpo e sangue juntamente com a alma e
divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, e por conseguinte o Cristo todo, e
disser que somente está nele como sinal, figura ou virtude — seja excomungado.
(Concílio de Trento, Cânones Sobre a Santíssima Eucaristia)
A
Igreja Romana ensina também que na Missa, Cristo é oferecido a Deus como
sacrifício propiciatório. Trata-se de um sacrifício não cruento (sem sangue).
Portanto, a doutrina eucarística romana tem dois aspectos: a transubstanciação e
o sacrifício da missa.
Os
católicos adoram a eucaristia. Se Cristo está ali presente, estará sendo
adorado, caso contrário, é um exemplo clássico de idolatria, em que a criação é
adorada ao invés do criador. Um detalhe importante: os Pais da Igreja não ensinaram a adoração aos elementos da eucaristia,
esta prática não fazia parte da Igreja dos primeiros séculos, tendo ganhado
força no segundo milênio. Só por esse fato, já podemos suspeitar que não
sustentavam a posição romana.
Para
efeitos apologéticos, vou usar o termo eucaristia, que neste caso é sinônimo de
Santa Ceia ou Ceia do Senhor. No meio protestante, há basicamente três visões:
a) Consubstanciação:
é a visão luterana, segundo a qual Cristo está fisicamente e espiritualmente
presente na eucaristia, estando juntamente com o pão e o vinho. Diferentemente
da visão romana, não se acredita que as substâncias pão e vinho deixam de
existir e transformam-se no corpo e sangue de Cristo. O pão e o vinho continuam
sendo pão e vinho.
b)
Presença espiritual: Cristo não está
fisicamente presente, mas há uma presença espiritual especial na eucaristia.
Assim, não se trata de mero simbolismo, os crentes comungantes alimentam-se espiritualmente
da eucaristia. Essa era a posição de Calvino.
c)
Memorialista: Essa posição, que é adotada
pela maioria dos evangélicos, afirma que a presença de Cristo é apenas
simbólica. A Eucaristia nos lembra do único e definitivo sacrifício de Cristo
realizado na cruz. As palavras de Cristo devem ser tomadas de forma metafórica.
Como
de costume, o romanista alega que sua visão da eucaristia sempre foi a crença
da Igreja. Neste artigo, veremos que não procede. Os pais da Igreja tinham
diferentes visões da presença de Jesus na Eucaristia, e por vezes, contrariavam
a posição romanista. Não por acaso, a doutrina da transubstanciação somente foi
oficialmente definida no século XIII, não sem controvérsia. Mesmo na Idade
Média, no século IX, a eucaristia era objeto de debate, cujo exemplo mais
notável foi a controvérsia entre Radbertus e Ratramnus.
Faremos
então uma longa análise história que mostra o testemunho de vários pais da
Igreja. Antes de tudo é preciso evitar um equívoco muito comum – afirmar que
presença real é sinônimo de transubstanciação. Os defensores da presença real
usam esse termo em oposição à visão meramente simbólica da Ceia, sendo que
existem outras posições além da transubstanciação que defendem a presença real:
consubstanciação e presença espiritual. Desta forma, o papista não deve apenas
demonstrar que determinado autor cria na presença real, ele precisa provar que
a natureza desta presença era conforme a transubstanciação.
Inácio
de Antioquia (35 – 100)
A
seguinte citação de Inácio é a mais utilizada pelos apologistas católicos:
Eles se afastam da
eucaristia e da oração, porque não
professam que a eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que
sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou. Desse modo,
aqueles que recusam o dom de Deus, morrem nas suas disputas. Seria melhor para
eles praticarem o amor, a fim de ressuscitarem também. (Aos Esmirniotas 7:1)
Quem
são esses que se afastam da eucaristia e da oração? Nos capítulos 2 e 5 da
mesma carta temos a resposta:
Ele sofreu tudo isso por
nós, para que sejamos salvos. E ele sofreu realmente, assim como ressuscitou
verdadeiramente. Não sofreu, apenas na
aparência, como dizem alguns incrédulos. São eles que existem apenas na
aparência. Assim como pensam, para eles
acontecerá serem sem corpos e semelhantes a espíritos.
De fato, o que adianta
alguém me louvar, se ele blasfema contra
o meu Senhor, confessando que ele não se encarnou? Aquele que assim diz, o
renega completamente, tornando-se portador de morte.
Inácio
está combatendo o ensino dos docetistas. Eles diziam que Jesus não tinha um
corpo físico, apenas aparentava tê-lo. Para eles, Cristo era apenas espírito e,
portanto, não havia encarnado de fato. Os docetistas negavam o sofrimento real
e a ressurreição de Cristo.
Por
que Inácio os considerava hereges infiéis? Por que eles negavam a encarnação, o
sofrimento e a ressurreição. Exatamente por isso, eles se afastavam da
Eucaristia, pois essa representa a paixão de Cristo, o sacrifício verdadeiro
que nos traz salvação. Não seria preciso que os cristãos cressem numa
transubstanciação para os hereges se afastarem da Eucaristia, pois mesmo na
perspectiva simbólica, os hereges também negariam a eucaristia, uma vez que não
creriam na realidade ali simbolizada.
Inácio
não os repreende por que supostamente negavam que o pão era literalmente o
corpo de Cristo, mas por negarem as realidades as quais a eucaristia representa.
Não há nada no contexto desta carta que sugira transubstanciação. O bispo de
Antioquia a escreveu para exortar a Igreja a permanecer na unidade e na verdade
do evangelho, e combater heresias como o docetismo.
Esforçai-vos para vos reunir
mais frequentemente, para agradecer e
louvar a Deus. Quando vos reunis com
frequência, as forças de satanás são abatidas e sua obra de ruína é dissolvida
pela concórdia de vossa fé. Não há nada mais precioso do que a paz, que põe
abaixo toda a guerra das potências aéreas e terrestres. (Aos Efésios 13)
Inácio
deixa claro o objetivo principal de se reunir: agradecer e louvar a Deus. Como
já dito, não há nada nas sete cartas de Inácio que remeta ao sacrifício da
missa. Aqui isso fica bem óbvio, se ele acreditasse numa missa como a
reapresentação do sacrifício propiciatório de Cristo, exortaria a Igreja a se
reunir com frequência para esta finalidade, pois este é o motivo principal pelo
qual o católico considera pecado mortal faltar deliberadamente a missa aos
domingos. Mas Inácio, não sendo um católico romano, dá uma resposta mais
parecida com a de um evangélico – reunir em culto para agradecer e louvar a
Deus e não para comer literalmente sua carne.
Vemos
em outras partes de suas cartas que Inácio utiliza bastante a linguagem
simbólica:
Não me dignei escrever o
nome deles, pois são infiéis. Não os recordarei, enquanto não se converterem à paixão, que é a nossa
ressurreição. (Aos Esmirniotas 5:3)
Refugiando-me no evangelho como na carne de Jesus e
nos apóstolos, como também nos presbíteros da Igreja. (Aos Filipenses 5:1)
Portanto, armai-vos com doce
paciência e recriai-vos na fé, que é a
carne do Senhor. (Aos Tralianos 8:1)
Deveríamos
interpretar que a nossa ressurreição se transubstancia de alguma forma na
paixão de Cristo? O evangelho é literalmente a carne de Cristo? A fé é
literalmente a carne do Senhor? Obviamente não, percebe-se o uso de metáforas e
simbologias.
Nada do que é visível é bom.
De fato, nosso Deus Jesus Cristo, estando
agora com o seu Pai, torna-se manifesto ainda mais. (Aos Tralianos 3:3)
Essa
é uma afirmação que não se esperaria vir de alguém que acredita na presença
física de Jesus Cristo na Eucaristia. Inácio parece compreender que Jesus não
está fisicamente na terra, mas apenas junto do Pai no Céu.
Permiti-me ser pasto das
feras, pelas quais me é dado alcançar Deus. Sou trigo de Deus, e pelos dentes das feras hei de ser moído, a fim de ser apresentado como limpo pão de
Cristo. (Aos Romanos 4:1)
Mais
linguagem simbólica. Inácio faz eco ao ensinamento bíblico de 1 Coríntios
10:17: “Porque nós, sendo muitos, somos
um só pão e um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão”. O pão
eucarístico não representa apenas o corpo de Cristo sacrificado por nós, mas
também a nossa unidade com ele. Jesus também disse que iremos sofrer
perseguição por nos unirmos a ele, assim como o mundo nos odiaria por que
também odiava a ele. Desta forma, Inácio enxergava no martírio uma forma de se
unir a Cristo, de ser participante da paixão de Cristo. Essa é a chave para
entender a seguinte citação:
Mesmo se eu estiver junto de
vós e vos implorar, não vos deixeis persuadir. Persuada-vos aquilo que vos
escrevo. É vivo que eu vos escrevo, mas
com anseio de morrer. Meu desejo terrestre foi crucificado, e não há mais
em mim fogo para amar a matéria. Dentro de mim, há uma água viva, que murmura e
diz: “Vem para o Pai.” Não sinto prazer pela comida corruptível, nem me atraem
os prazeres desta vida. Desejo o pão de
Deus, que é a carne de Jesus Cristo, da linhagem de Davi, e por bebida desejo o
sangue dele, que é o amor incorruptível. (Aos Romanos 7:2-3)
Ele
escreveu a carta aos romanos para desencoraja-los da ideia de tentar evitar seu
martírio. Desejava ardentemente o martírio, quando afirma “Desejo o pão de Deus, que é a carne de Jesus Cristo”. Ele não está
se referindo ao pão eucarístico, mas a participar da paixão de Cristo através
do martírio. Ele ainda termina recorrendo a mais simbolismo comparando o sangue
de Cristo não ao vinho caso se referisse à eucaristia, mas ao amor
incorruptível de Deus.
Concluir
transubstanciação nos escritos de Inácio é inadequado. A visão da presença
espiritual seria tão ou mais compatível que a transubstanciação. Isso
explicaria porque chamou o pão eucarístico de “remédio da imortalidade” (Aos Efésios 20), uma vez que a
eucaristia seria um meio de graça e vigor espiritual.
Didaquê
(100?)
A
Didaquê é um documento cristão bem antigo. Não sabe-se ao certo a sua data,
alguns a colocam no final do século I, outros mais para metade do segundo
século.
Celebre a Eucaristia assim:
Diga primeiro sobre o
cálice: “Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da santa vinha do teu servo
Davi, que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre”.
Depois diga sobre o pão
partido: “Nós te agradecemos, Pai nosso, por causa da vida e do conhecimento
que nos revelaste através do teu servo Jesus. A ti, glória para sempre.
Da mesma forma como este pão partido havia sido semeado sobre
as colinas e depois foi recolhido para se tornar um, assim também seja reunida
a tua Igreja desde os confins da terra no teu Reino, porque teu é o poder e
a glória, por Jesus Cristo, para sempre”.
Que ninguém coma nem beba da
Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o
Senhor disse: “Não dêem as coisas santas aos cães”. (Cap. 9)
A
Didaquê continha instruções sobre a Eucaristia. Sendo uma instrução de como
deve se proceder nesta ordenança, era de se esperar alguma menção a transformação
dos elementos, ou ao sacrifício de Cristo acontecendo naquele momento e instruiria
os cristãos a adorarem os elementos transubstanciados. Mas não há nada disso.
Imagine que alguém pedisse a um sacerdote romano para elaborar uma breve
instrução sobre a eucaristia, inevitavelmente faria menção a todos os elementos
supracitados, seria inexplicável não mencionar nada sobre. O autor ainda emprega
linguagem simbólica ao referir o pão como símbolo de unidade na Igreja.
Reúna-se no dia do Senhor
para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o
sacrifício seja puro.
Aquele que está brigado com
seu companheiro não pode juntar-se antes de se reconciliar, para que o sacrifício oferecido não seja profanado.
Esse é o sacrifício do qual
o Senhor disse: "Em todo lugar e em todo tempo, seja oferecido um
sacrifício puro porque sou um grande rei - diz o Senhor - e o meu nome é
admirável entre as nações". (Cap. 14)
O
autor se refere à eucaristia como um sacrifício, citando Malaquias 1:11. Seria
esperado que mencionasse o sacrifício de Cristo, caso pensasse como um
romanista. Pelo contrário, a Didaquê fala sobre o sacrifício como uma oferta de
louvor oferecida a Deus, não há nada referente ao sacrifício de Cristo ou uma
reapresentação deste sacrifício.
O
Novo Testamento ensina os crentes a se apresentarem a Deus como um sacrifício
de louvor, ensina também a comungar com espírito de santidade e apresentarmos
nossos corpos a Deus como sacrifício santo e puro. A leitura correta de
Malaquias seria interpretar o sacrifício como algo que o cristão oferece de si
mesmo em louvor a Deus. A leitura romanista de que a oferta é o próprio Deus
sacrificado sendo oferecido a Deus não faz sentido.
Portanto, irmãos, rogo-lhes
pelas misericórdias de Deus que se
ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto
racional de vocês. (Romanos 12:1)
Por meio de Jesus, portanto,
ofereçamos continuamente a Deus um
sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam o seu nome.
Não se esqueçam de fazer o
bem e de repartir com os outros o que vocês têm, pois de tais sacrifícios Deus se agrada. (Hebreus 13:15,16)
Justino
Mártir (100 – 165)
Em
sua primeira apologia, Justino dá uma descrição detalhada da celebração da
eucaristia, fazendo um contraste com práticas pagãs que distorciam a verdade:
Depois àquele que preside
aos irmãos é oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele
louva e glorifica ao Pai do universo através do nome de seu Filho e do Espírito
Santo, e pronuncia uma longa ação de graças, por ter-nos concedido esses dons
que dele provêm. Quando o presidente termina as orações e a ação de graças,
todo o povo presente aclama, dizendo: "Amém." Amém, em hebraico,
significa "assim seja". Depois que o presidente deu ação de graças e
todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a
cada um dos presentes parte do pão, do vinho e da água sobre os quais se
pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes. Este
alimento se chama entre nós Eucaristia, da qual ninguém pode participar, a
não ser que creia serem verdadeiros nossos ensinamentos e se lavou no banho que
traz a remissão dos pecados e a regeneração e vive conforme o que Cristo nos
ensinou. De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária,
mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do
Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que,
por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi
dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso
sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado.
(I Apologia 65-66)
No
início de sua apologia, ele defende os cristãos da acusação de comerem e beberem
carne e sangue humanos. Nessa citação, ele está esclarecendo que os cristãos
não fazem isso, mas usam pão, vinho e água. Era esse o alimento, e não carne ou
sangue humano. É comum católicos alegarem que Justino não se defendia das
acusações de canibalismo aos cristãos, portanto, criam na transubstanciação.
Isso é falso, nesta citação, e em outras, veremos o contrário.
Alguns
podem alegar que Justino diz que não se trata de “pão comum ou bebida
ordinária”, o que indicaria uma presença física. Até alguém que acredita na
presença simbólica diria a mesma coisa. O fato de o símbolo representar algo
importante ou sagrado faz com que respeitemos o símbolo de forma especial,
diferentemente do que faríamos com o mesmo elemento em situação normal.
Outro
argumento é que Justino diz que por “transformação nutrem nosso sangue e nossa
carne”. Ele se refere à transformação que sofrem em nosso organismo o nutrindo.
A intenção é mostrar que os Cristãos não eram canibais.
No
capítulo 26 da mesma obra, Justino cita vários hereges como Simão e Marcião,
que eram chamados de Cristãos pelos pagãos. Eles, porém, não eram condenados
nem perseguidos como os cristãos:
Ora, se também eles praticam todas essas vergonhosas obras que se propalam
contra nós, isto é, jogar por terra o castiçal, unirmo-nos promiscuamente e alimentarmo-nos de carnes humanas, não
o sabemos. Todavia, estamos certos de que não são perseguidos, nem condenados
por vós, ao menos por causa de suas doutrinas. Além disso, nós mesmos
compusemos uma obra contra todas as heresias que existiram até o presente. Se
quiserdes lê-Ia, nós a colocaremos em vossas mãos. (Ibid., 26:7-8)
Justino
classifica alimentar-se de carne humana como “obra vergonhosa”. Seria
inexplicável essa opinião se sustentasse a doutrina da transubstanciação, em
que se consome a carne de Cristo. Mais a frente, em conformidade com essa
defesa, mostrará que a eucaristia não é um ritual canibal.
Em
sua Segunda Apologia, Justino prossegue demonstrando que se alimentar de carne
humana não é uma prática cristã:
Eu mesmo, quando seguia a
doutrina de Platão, ouvia as calúnias contra os cristãos. Contudo, ao ver como
caminhavam intrepidamente para a morte e para tudo o que é considerado
espantoso, comecei a refletir que era
impossível que tais homens vivessem na maldade e no amor aos prazeres. Com
efeito, que homem amante do prazer, intemperante e que considere coisa boa devorar carnes humanas, poderia abraçar alegremente a morte, que
vai privá-lo de seus bens, e que não procuraria antes, de todos os modos,
prolongar indefinidamente a sua vida presente e esconder-se dos governantes, e
menos ainda sonharia em delatar a si mesmo para ser morto? (II Apologia 12:1-2)
Em
um debate com Trifão, Justino lida diretamente com a Eucaristia. Ele escreveu
sobre muitos tipos do Antigo Testamento e como eles apontavam para Cristo e Sua
Igreja. Com relação à Eucaristia, ele disse:
E a oferta de farinha,
senhores, eu disse, que foi prescrito para ser apresentado em favor daqueles
purificado da lepra, era um tipo do pão da eucaristia, a celebração que nosso
Senhor Jesus Cristo prescreveu, em
lembrança do sofrimento que Ele suportou em nome daqueles que são purificados
na alma de toda a iniquidade, a fim de que possamos, ao mesmo tempo agradecer a Deus por ter criado o mundo,
com todas as coisas, por causa do homem, e por livrar-nos do mal em que
estávamos, e para derrubar completamente os principados e potestades por
Aquele que sofreu de acordo com Sua vontade. (Diálogo com Trifão 41)
A
tipologia estabelecida é incompatível com a doutrina romanista. Da mesma forma
que o leproso oferecia a farinha em agradecimento por ter sido purificado da
lepra, na eucaristia, lembramos do sofrimento de Cristo que nos purificou.
Também diz que a eucaristia, assim como a oferta do leproso, é um agradecimento
pelo que Deus fez. Na visão de Justino, Jesus não está sendo sacrificado, mas o
seu sacrifício é recordado e ao mesmo tempo louvado e agradecido. É incoerente
lembrar-se de algo que está acontecendo no presente, lembra-se é uma ação
sempre referente a fatos passados que não persistem no presente. Justino
continua a apontar tipologias do Antigo Testamento:
‘Pão deve ser dado a ele, e
sua água [será] segura. Vereis o Rei de glória, e teus olhos o verão longe. Sua
alma deve buscar diligentemente o temor do Senhor. Onde está o escriba? onde
estão os conselheiros? (...) Agora, é
evidente que nesta profecia [alusão é feita] para o pão que nosso Cristo nos
deu para comer, em memória dele que foi feito carne para o bem dos que Nele creem,
por quem também sofreu; e para o cálice que Ele nos deu para beber, em memória
de seu próprio sangue, com ações de graças. (Ibid., 70)
Ele
não afirma que Cristo deu seu corpo para literalmente ser comido, mas deu o pão
para ser comido em memória dele. Nem afirma que Cristo deu literalmente seu
sangue para ser bebido, mas o cálice para ser bebido em memória do seu sangue.
Como Justino poderia afirmar “cálice em memória do seu sangue” se ele
acreditasse que o vinho se transforma no próprio sangue de Cristo?
Ainda
define claramente qual é o verdadeiro sacrifício cristão:
Ezequiel diz: "Não
haverá outro príncipe na casa, mas Ele". Porque Ele é o escolhido
Sacerdote e Rei eterno, o Cristo, na medida em que Ele é o Filho de Deus; e não creio que Isaías ou os outros
profetas falavam de sacrifícios de sangue ou libações sendo apresentadas no
altar até sua segunda vinda, mas de verdadeiros e espirituais louvores e ações
de graças. (ibid 118)
Ações de graças, quando
oferecido por homens dignos, são os únicos
sacrifícios perfeitos e agradáveis a Deus. (Ibid 117)
Em
Diálogo com Trifão, Justino diz várias vezes que a Eucaristia é um sacrifício,
mas qual é a natureza deste sacrifício? Nada pode ser mais claro do que essas
últimas citações. Tais sacrifícios eram o oferecimento da eucaristia em
agradecimento e louvor a Deus por sua obra, eram ofertas espirituais, que não
envolvia sangue ou libações.
Esse
autor definitivamente não acreditava na missa romana. Diferente desta, a oferta
não era o próprio Cristo sacrificado pelos pecados, não havia menção a uma
expiação presente de pecados. O caráter era espiritual, envolvendo louvor e
agradecimento. A ideia da eucaristia como uma oferta propiciatória pelos
pecados apareceria somente alguns séculos depois. Os Pais ante nicenos não
sustentavam essa visão.
Teófilo
de Antioquia (? – 186)
Teófilo
foi Bispo de Antioquia no final do segundo século. Ele nos dá um importante
testemunho de como os cristãos respondiam a acusação de que comiam carne
humana. Os pagãos, ao os verem dizendo que comiam o corpo de Cristo e bebiam o
seu sangue, entendiam assim como os católicos romanos de forma literal. O Bispo
respondeu:
Eu nem deveria estar
refutando essas coisas, se não fosse porque te vejo agora duvidando sobre a
doutrina da verdade. Mesmo sendo sensato, suportas de boa vontade os
ignorantes. De outra forma, não terias deixado desviar-te pelos vãos discursos
de homens insensatos, nem acreditado nesse boato preconceituoso de bocas
ímpias, que mentirosamente caluniam a nós, que adoramos a Deus e nos chamamos
cristãos, espalhando que temos mulheres em comum e que não nos importamos com
quem nos unimos; além disso, dizem que mantemos relação carnal com nossas
próprias irmãs e, o que é mais ímpio e
cruel, que nos alimentamos de carnes humanas. (Teófilo para Autólico 3:4)
Imagine
um católico romano sofrendo esta acusação. Ele diria que não come qualquer
carne, mas o corpo de Cristo e com certeza faria alguma defesa de sua crença na
transubstanciação. Não é o que Teófilo faz, simplesmente diz que os cristãos
não se alimentam de carne humana, sem fazer maiores esclarecimentos.
Atenágoras
(133 – 190)
Atenágoras foi um apologista
cristão do século II. Assim como outros Pais da Igreja, se defendeu da acusação
de os cristãos comerem carne e sangue humanos. Ele não excetua, nem dá maiores
explicações sobre a eucaristia. Seria uma resposta estranha vinda de alguém que
acredita que o pão e o vinho são de fato corpo e sangue:
Para que falar dos corpos
que não são destinados a ser alimento de nenhum animal e aos quais resta apenas
a sepultura na terra, para honra da natureza, se o Criador não destinou nenhum
animal como alimento dos de sua própria espécie, embora possam transformar-se
em alimento natural para outros de espécie diferente?
Ora, se se pode demonstrar que as carnes humanas
estão destinadas a servir de alimento para os homens, nada se oporá a que a
antropofagia esteja de acordo com a natureza, como qualquer outra das coisas
que a natureza permite, e os que se atrevem a dizer tais atrocidades poderão
saciar-se com os corpos de seus mais queridos, como mais apropriados para si,
ou dar seus banquetes com estes para seus melhores amigos. Todavia, se apenas falar isso é uma impiedade e os homens comerem os
homens é coisa horrorosa e abominável, e não há comida ou ação contra a lei e a
natureza mais sacrílega do que esta; e como o que é contra a natureza não
pode se transformar em alimento para as partes que dele necessitam, e se não se
transforma em alimento também não pode se assimilar ao que naturalmente não
pode alimentar, segue-se de tudo isso
que os corpos dos homens jamais podem assimilar corpos de sua mesma espécie,
por ser alimento contra a natureza, embora passasse muitas vezes por seu
ventre para uma amarga desgraça; ao contrário, separados da força nutritiva e
espalhados entre aqueles elementos, dos quais receberam sua primeira
composição, identificam-se com estes pelo tempo que tocar a cada um. (Da Ressurreição dos
Mortos 8)
No didaque, a Eucaristia era mesmo a ceia do Senhor? Eu li num local que o termo eucaristia significa apenas ação de graças.
ResponderExcluirDigo isso, pq a ceia dos evangelhos, a primeira benção era feita sobre o pão e a segunda sobre o vinho. Ai está invertido, primeiro sobre o vinho, podendo ser uma benção de qdo estivessem fazendo uma refeição comunal e não a ceia instituida na Páscoa.