Aqui damos continuidade ao
nosso estudo sobre os pais da igreja e o culto às imagens e ícones. Vamos
elencar os pais nicenos (séc. IV), especialmente Eusébio e Epifânio. Antes de
tudo, vejamos o panorama da situação no séc. IV. O especialista em história da
Arte Ernst Kitzinger escreveu:
Quando,
no início do século IV, a arte
cristã tornou-se objeto de comentários mais articulados, estes eram a princípio ou de alguma forma restritivos. Não foi antes da segunda metade do quarto
século que algum escritor começou a falar da arte pictórica cristã em termos
positivos. Ainda assim, era uma questão com referências fugazes ao invés de
uma defesa sistemática (...) Estas justificativas das imagens cristãs como
foram tentadas durante a segunda metade do século IV baseava-se exclusivamente em sua utilidade como ferramentas
educacionais, particularmente para os analfabetos. (Kitzinger,Ernst, "The Cult of Images in the Age before Iconoclasm", DumbartonOaks Papers, Vol. 8, (1954), p. 87)
Mesmo durante o século quatro,
as vozes mais importantes da igreja eram contrárias às imagens. E mesmo entre
as vozes apoiantes, não havia qualquer culto envolvido. O argumento favorável
apelava à utilidade pedagógica das imagens para instruir uma população
predominantemente analfabeta. Ernst Kitzinger prossegue:
A aversão primitiva do
cristianismo às artes visuais estava enraizada em sua espiritualidade. "É chegada a hora em que os
verdadeiros adoradores adoram o Pai em espírito e em verdade" (João 4:23).
O conceito espiritualizado de culto encontrou o que é talvez a sua expressão
mais eloquente nas palavras de Minucio
Felix (...) (Ibid.,
p. 89)
Não transcrevi a citação de
Minúcio porque está contida na primeira parte de nosso estudo. Kitzinger
prossegue:
Como
esta passagem mostra [a citação de Minúcio], a rejeição radical das artes visuais pela Igreja primitiva foi parte de
uma rejeição geral aos acessórios materiais na vida religiosa e no culto. A
resistência para fazer representações foi, no entanto, particularmente forte,
em parte devido à proibição de imagens
que fazia parte da Lei Mosaica, e em parte por causa do papel central que as estátuas e as imagens em geral ocupavam
nas religiões do paganismo greco-romano. (Ibid., 89)
Observem que os cristãos
primitivos tinham razões teológicas (a lei mosaica) e razões práticas (as
religiões pagãs) para rejeitar o uso de imagens. Kitzinger vai então nos dar
importante informações de quando e como o culto às imagens se originou no seio
da Igreja cristã:
O
caminho para o culto às imagens foi pavimentado no século IV pela adoção
generalizada de outros suportes materiais que não eram barrados por quaisquer
proibições específicas, nomeadamente cruzes e relíquias. A veneração da cruz
pode ter sido praticada aqui e ali mesmo durante o período de perseguições, mas recebeu seu maior impulso através da
identificação simbólica do instrumento da Paixão de Cristo com o padrão
vitorioso do exército de Constantino o Grande, uma identificação expressa
graficamente no sinal do labarum, que aparece em moedas na terceira década do
quarto século. No final do século IV, a proskynesis [veneração] diante do sinal
da paixão [a cruz] foi considerada perfeitamente natural para um cristão. O
culto das relíquias deve ter se espalhado ainda mais amplo e rapidamente. Pequenas partes da cruz verdadeira,
supostamente redescoberta no reinado de Constantino, foram logo ansiosamente
procurados pelos fiéis em todo o mundo, de acordo com Cirilo de Jerusalém
(ano 350) (...) O culto da cruz e das relíquias estava em pleno andamento no
tempo dos grandes padres da Capadócia. O
culto às imagens, no entanto, não veio ao seu alcance, mesmo de forma
negativa. Ao menos o culto de imagens
religiosas não veio. É bom lembrar ao considerar a ascensão das práticas
idólatras entre os cristãos que os Pais
do quarto século admitem a justeza das honras e cumprimentos tradicionalmente
prestados à imagem do Imperador. De acordo com Malalas, Constantino instituiu a prática de ter sua
própria imagem carregada em procissões solenes no dia do aniversário da
fundação de sua capital e ter o dia de ser curvar diante dela (...) Não
faltam evidências de que o culto
tradicional ao imperador sofreu pouca ou nenhuma interrupção por causa do
triunfo do cristianismo. Numerosas fontes do século IV mostram que uma vez
que o imperador se tornou um cristão, tais
práticas não foram mais contestadas pela maioria das autoridades clericais.
A famosa citação do Tratado de São Basílio sobre o Espírito Santo, tantas vezes
utilizada em séculos posteriores em defesa do culto de imagens de Cristo, bem
como passagens de outros escritores desse período no qual o culto à imagem imperial é apresentado para ilustrar um ponto,
mostram que essa forma de culto era de fato considerada costumeira e apropriada.
Gregório Nazianzeno, em sua primeira diatribe contra Juliano, afirmou que a
atitude cristã com relação ao que ele chama de “costumeira honra ao soberano”
mais explicitamente: “(...) eles devem ter adoração para que eles possam
parecer mais terríveis - e não apenas a adoração que recebem em pessoa, mas também que recebem em suas estátuas e
retratos, a fim de que a veneração pode ser mais insaciável e mais completa
(Contra Juliano 1:80). Quanta
influência o culto à imagem do imperador teve sobre o culto às imagens
religiosas é bem ilustrado por duas passagens na História Eclesiástica de
Philostorgio, escrita durante a primeira metade do quinto século. Se nós
podemos confiar no testemunho de Potios (...) O culto à estátua de Constantino no fórum era, no tempo de
Philostorgio, era completo com sacrifícios propiciatório, queima de velas e
incenso, orações e súplicas (...) Finalmente, na primeira metade do sexto século, encontramos a primeira alusão na
literatura de proskynesis [veneração] sendo praticada diante das imagens nas
igrejas. Isto parece ter sido contido em um inquérito recebido pelo Bispo
Hypatio de Éfeso de um de seus subordinados, Juliano de Atramytion. (Ibid.,
p. 90-95)
Assim como outras práticas
heréticas, o culto às imagens nasceu a partir da influência pagã sobre o
cristianismo. O embrião desse desenvolvimento foi o culto à imagem do imperador
que não foi devidamente censurado pelos cristãos. Já havia no séc. IV o
precedente do culto à cruz e às relíquias. Daí para o culto às imagens foi um
passo não muito grande. Contudo, a primeira alusão à veneração de imagens na
igreja remonta ao século VI. Isto é absolutamente incompatível com a afirmação
de que a veneração das imagens foi sempre praticada pela Igreja Cristã. O bispo
ortodoxo oriental Kallistos Ware confirma o relato acima:
O primeiro tipo de ícone que
recebeu veneração não era religioso, mas secular - o retrato do imperador. Este era considerado como uma extensão
da presença imperial, e as honras que eram mostradas ao imperador em pessoa
eram prestadas também ao seu ícone. Incenso e velas eram queimados diante dele,
e como um sinal de respeito os homens inclinavam-se até ao chão perante ele,
tal prostração era normalmente descrita pelo termo proskynesis [1]. Este culto da imagem imperial remonta aos
tempos pagãos: com a conversão do imperador ao Cristianismo ele foi prontamente
aceito pelos cristãos, e não houve qualquer objeção levantada por parte das
autoridades eclesiásticas.
Se
os homens dispensam tal respeito à imagem do governante terreno, não devem
mostrar igual reverência à imagem de Cristo o Rei celestial? Foi uma inferência óbvia e natural, mas não
foi uma inferência que foi feita de uma só vez. Na verdade, proskynesis foi
mostrado para com as relíquias dos santos e da Cruz antes de começar a ser
mostrado para com o ícone de Cristo. Foi
só no período seguinte a Justiniano - durante os anos 550-650 - que a veneração
dos ícones em igrejas e casas particulares tornou-se aceito na vida devocional
dos cristãos orientais. Pelos anos 650-700
foram feitas as primeiras tentativas por escritores cristãos de fornecer uma
base doutrinal para este crescente culto de ícones e de formular uma teologia
cristã da arte. De particular interesse é a obra, que sobrevive apenas em
fragmentos, de Leôncio de Neápolis (em Chipre), rebatendo críticas judaicas.
A veneração dos ícones não foi
aceite em todos os lugares sem oposição.
No final do século VI foram feitos protestos em extremos geográficos distantes,
em ambos os casos fora dos limites do Império Bizantino - a Ocidente, em
Marselha, e a Oriente, na Arménia». (Extraído de “Christian
Theology in the East,” in A History of Christian Doctrine, editado por Hubert
Cunliffe-Jones [Philadelphia: Fortress Press, 1980], pp. 191-92)
O estudioso ortodoxo aponta a
origem espúria do culto às imagens – o culto pagão à imagem do imperador. Ele
ainda atesta que este culto, embora tenha surgido apenas no século VI,
encontraria ainda ferrenha oposição no seio da igreja.
Eusébio
de Cesareia
A Evidência mais contundente a
respeito de Eusébio está contida em sua carta à Constância Augusta – irmã do
Imperador Constantino. Ela pede uma imagem de Cristo, mas a resposta de Eusébio
é a seguinte:
Você
escreveu a mim a respeito de um certo ícone de Cristo e o seu desejo de que eu
enviasse tal ícone a você: o que você tinha em mente, e de que tipo este ícone
de Jesus deveria ser? Como você chama isto? (...) Qual ícone de Cristo você
está procurando? A verdadeira e imutável imagem que tem por natureza a
semelhança de Cristo, ou melhor, aquela que ele tomou para nós quando se vestiu
com a forma de um servo (Fp 2:7)? (...) Eu
não posso imaginar que você está requerendo um ícone de imagem divina. O
próprio cristo instruiu você de que ninguém conhece o Pai exceto o filho, e de
ninguém é digno conhecer o filho exceto somente o Pai que o gerou (...) Então,
eu presumo que você deseje um ícone de sua forma como um servo, a forma da
carne humilde a qual ele próprio vestiu para nosso amor. Já a respeito disso
nós aprendemos que ela está misturada com a glória de deus e o que é mortal foi
engolido pela vida (...) é repugnante só
a ideia de que possa haver pinturas nos lugares destinados ao culto.
(Carta a Constância)
O renomado estudioso ortodoxo George
Florovsky escreveu:
A
carta não pode ser datada com precisão. Foi uma resposta a Constância Augusta
- uma irmã de Constantino. Ela pediu a
Eusébio que lhe enviasse uma imagem de Cristo. Ele ficou surpreso. Que tipo de
imagem ela quis dizer? Ele nem conseguia entender por que ela deveria querer
um. Seria a imagem verdadeira e imutável, que teria em si o caráter de Cristo?
Ou era a imagem que ele assumira quando tomou a forma de um servo por nossa
causa? A primeira, observa Eusébio, é
obviamente inacessível ao homem, pois somente o pai conhece o filho. A
forma de um servo, que ele assumiu na Encarnação, foi amalgamada com sua
Divindade. Após sua ascensão ao céu, ele havia mudado essa forma de servo para
o esplendor que, por antecipação, revelara aos seus discípulos (na
Transfiguração) e que era mais elevado do que a natureza humana. Obviamente, esse esplendor não pode ser representado
pelas cores e sombras sem vida. Os apóstolos não podiam olhá-lo. Se mesmo
em sua carne havia tal poder, o que dizer agora quando ele transformou a forma
de um servo na glória do Senhor e de Deus? Agora ele descansa no insondável
peito do Pai. Sua forma anterior foi transfigurada e transformada naquele
esplendor inefável que passa a medida de qualquer olho ou ouvido. Nenhuma imagem desta nova forma é
concebível, se esta substância deificada e inteligível ainda pudesse ser
chamada de forma. Não podemos seguir o
exemplo dos artistas pagãos que retratam coisas que não podem ser retratadas e
cujas imagens são sem qualquer semelhança genuína. Assim, a única imagem
disponível seria apenas uma imagem em estado de humilhação. No entanto, todas essas imagens são formalmente
proibidas na Lei, e nenhuma dessas é conhecida nas igrejas. Ter essas imagens
significaria seguir o caminho dos pagãos idólatras. Nós, cristãos,
reconhecemos a Cristo como o Senhor e Deus e estamos nos preparando para
contemplá-lo como Deus na pureza de nossos corações. Se quisermos antecipar essa imagem gloriosa, antes de encontrá-lo face
a face, há apenas um bom pintor - a própria Palavra de Deus. O ponto
principal deste argumento eusebiano é claro e óbvio. Os cristãos não precisam de nenhuma imagem artificial de Cristo. Eles
não têm permissão para voltar, mas devem olhar para frente. A imagem
histórica de Cristo, na forma de sua humilhação, já foi superada por seu esplendor
divino no qual ele agora habita. Este
esplendor não pode ser visto ou delineado, mas no devido tempo, os
verdadeiros cristãos serão admitidos na glória da era vindoura. Seria supérfluo, para nosso propósito
atual, compilar os paralelos dos outros escritos de Eusébio. (George Florovsky, Origen, Eusebius and the Iconoclastic Controversy', ChurchHistory, Vol. 19, No. 2 (Jun., 1950), pp. 77-96)
É notório que o argumento de
Eusébio é cristológico. Florovsky identifica Orígenes como a fonte da
iconoclastia de Eusébio:
Não
poderíamos deixar de observar a íntima
semelhança entre as ideais de Orígenes e aquelas na carta de Eusébio a
Constancia. A cristologia de Orígenes foi o pano de fundo e a pressuposição
de Eusébio. Ele tirou conclusões
legítimas dos princípios estabelecidos por Orígenes. Se alguém caminha nas
etapas de Orígenes, ele realmente se
interessaria por alguma imagem histórica do Senhor? O que poderia ser
representado já foi superado e
substituído e a verdadeira e gloriosa realidade do Senhor ressuscitado
escapa de qualquer descrição. Além disso, do ponto de vista origenista, a verdadeira face do Senhor dificilmente
poderia ser descrita mesmo nos dias de seu corpo.
(Ibid)
O estudioso David M. Gwynn expressa
o mesmo:
Por
volta do ano 327, o famoso historiador da igreja primitiva Eusébio, que morava
em Jerusalém, recebeu uma carta da irmã do imperador, Constancia, pedindo-lhe
uma imagem de Cristo. Eusébio
escreveu-lhe uma resposta muito severa. Ele sabia que tais imagens existiam
nos mercados, mas ele não acreditava que
as pessoas que faziam tais coisas eram cristãs. Ele tomou como certo que apenas os artistas pagãos sonhariam em fazer
tais representações. Eusébio insistiu que mesmo o Cristo encarnado não pode aparecer em uma imagem, pois “a
carne que Ele assumiu por nós ... foi mesclada com a glória de Sua divindade,
de modo que a parte mortal foi engolida pela Vida”. Esse foi o esplendor
daquele Cristo revelado na Transfiguração e que não poderia ser capturado na arte humana. Descrever puramente a forma humana de Cristo antes de sua
transformação, por outro lado, é quebrar o mandamento de Deus e cair em erro
pagão. (From Iconoclasm to Arianism: The Construction ofChristian Tradition in the Iconoclast Controversy [Greek, Roman, and ByzantineStudies 47 (2007) 225–251], p. 227)
A objeção mais comumente
levantada questiona a autoria desta carta. No entanto, a maioria dos estudiosos
a considera autêntica devido ao estilo de escrita e ao fato de a teologia nela
expressa estar contida em outras obras de Eusébio. Por isso, Florovsky afirma
que “seria supérfluo, para nosso propósito atual, compilar os paralelos dos
outros escritos de Eusébio”. A cristologia da carta à Constância é atestada
como sendo de Eusébio a partir de suas outras obras e também pelo fato de ele
ser um reconhecido Origenista. Florovsky também escreve: “Não há razão alguma
para questionar sua autenticidade”. Ele cita como autoridade a opinião do
renomado historiador da igreja Karl Holl. O estudioso de Havard Peter Van
Nuffelen escreveu:
Ele cita os seguintes
estudiosos na nota de rodapé 41 em apoio a autenticidade da carta:
(41)
Gero 1981; Thümmel 1984; Stockhausen 2000; Gwynn 2007: 227n5 e 6. Barnes 2010
argumenta que a carta é genuína, mas retocada após a morte de Eusébio.
O arcebispo de Viena Christoph
Schönborn também afirma a autenticidade da obra:
Nós
acreditamos que o estilo da carta e a teologia se encaixam bem na obra deste
grande historiador. (Fonte)
Um forte argumento para
autenticidade da carta é que mesmo em meio a controvérsia iconoclasta que
emergiria séculos depois, os partidários do culto aos ícones não questionaram
sua autenticidade. Eles apenas desqualificaram o testemunho de Eusébio
acusando-o de ser um ariano. É digno de nota que a maioria dos historiadores
não vê justiça nesta acusação. Eusébio não era ariano, mas sim um origenista.
Florovsky escreve:
A
evidência de Eusébio, curiosamente, nunca recebeu muita atenção. Tem sido
frequentemente citada, mas nunca analisada adequadamente. Não há razão alguma
para questionar sua autenticidade. Parece ser o argumento-chave em todo o
sistema do raciocínio iconoclástico. Não
foi por acaso que São Nicéforo se sentiu compelido a escrever um antirrético
especial contra Eusébio. O nome de Eusébio exige atenção por outro motivo:
toda a concepção iconoclástica do poder e autoridade imperial na Igreja remonta
a Eusébio. Havia uma tendência óbvia de arcaísmo na política iconoclasta. A
carta de Eusébio não é preservada na íntegra. Algumas partes dela foram citadas e discutidas no Concílio de Nicéia e
novamente por Nicéforo, e todos os trechos disponíveis foram reunidos por
Boivin e publicados pela primeira vez nas notas de sua edição da História de
Nicéforo Gregoras (1702). (Fonte)
Obviamente, partidários dos
ícones como Nicéforo teriam toda a predisposição para colocar em dúvida o
testemunho de Eusébio caso houvesse algum motivo razoável para tal. A posição
pró-autenticidade é tão dominante que até mesmo fontes como a Enciclopédia
Católica atribuem a carta a Eusébio:
A
história [mostra] a preservação das três cartas, (45) a Alexandre de
Alexandria, (46) a Eufrásio ou Eufração, (47) à Imperatriz Constancia, que é bastante curiosa. Constancia pediu a
Eusébio que lhe enviasse uma certa imagem de Cristo, da qual ela havia ouvido
falar. Sua recusa foi expressa em termos
que séculos depois foram apelados pelos iconoclastas. Uma parte desta carta foi
lida no Segundo Concílio de Nicéia. (Fonte)
E em outro artigo da
enciclopédia também lemos:
Mas
é interessante ver que no final do primeiro período havia alguns bispos que reprovavam o crescente culto de imagens.
Eusébio de Cesaréia (d. 340), o Pai da História da Igreja, deve ser contado
entre os inimigos dos ícones. Em
vários lugares de sua história, ele
mostra sua antipatia por eles. Eles
são um "costume pagão" (História Eclesiástica, VII, 18). Ele
escreveu muitos argumentos para
convencer a irmã de Constantino, Constancia, a não guardar uma estátua de
nosso Senhor (ver Mansi, XIII, 169). (Fonte)
Observem que a Enciclopédia
Católica cita a mais famosa obra de Eusébio – a História Eclesiástica. Não há
dúvida quanto a autoria deste livro. Portanto, não dependemos apenas da Carta à
Constância para estabelecer a iconoclastia de Eusébio:
Mas
já que fizemos menção a esta cidade [Paneia], creio que não é justo passar por
alto um relato digno de memória inclusive para nossos descendentes. De fato, a
hemorrágica, que pelos Evangelhos sabemos que encontrou a cura de seu mal por
obra de nosso Salvador, diz-se que era originária desta cidade e que nela se
encontra sua casa, e que ainda subsistem
monumentos admiráveis da boa obra nela realizada pelo Salvador.
Efetivamente, sobre uma pedra alta, diante das portas de sua casa, alça-se uma estátua de mulher em bronze,
com um joelho dobrado e com as mãos estendidas para a frente como uma
suplicante; e em frente a esta, outra do mesmo material, efígie de um homem em
pé, belamente vestido com um manto e estendendo sua mão para a mulher; a
seus pés, sobre a mesma pedra, brota uma estranha espécie de planta, que sobe
até a orla do manto de bronze e que é um antídoto contra todo tipo de enfermidades.
Dizem que esta estátua reproduzia a
imagem de Jesus. Conservava-se até nossos dias, como comprovamos nós mesmos
de passagem por aquela cidade. E não é estranho que tenham feito isto os pagãos
de outro tempo que receberam algum benefício de nosso Salvador, quando perguntamos por que se conservam
pintadas em quadros as imagens de seus apóstolos Paulo e Pedro, e inclusive do
próprio Cristo, coisa natural, pois os antigos tinham por costume honrá-los
deste modo, simplesmente, como salvadores, segundo o uso pagão vigente entre
eles. (História Eclesiástica, VII, 18)
Impressiona o fato de
apologistas católicas usarem tal citação para contradizer a iconoclastia de
Eusébio. Ele reconhece que havia imagens de Jesus e dos Apóstolos, mas como
atesta a Enciclopédia Católica, este não era o costume cristão e sim pagão.
Caso a prática de usar estas imagens num contexto cristão fosse vista como
natural e costumeira por Eusébio, algumas explicações das diferenças entre o
uso pagão e cristão das imagens seriam esperadas. Além disso, há dúvidas entre
os historiadores sobre se tais imagens eram de Jesus. O arcebispo Christoph
Schönborn menciona:
Alguns
historiadores pensam que esta pode ser
uma estátua de Asclépio, o deus da cura, somente reinterpretada neste
período como uma estátua de Cristo. (Fonte)
Por fim, um último argumento
usado pelos defensores do culto aos ícones é a obra Vida de Constantino (aqui)
escrita por Eusébio. A obra contém referências ao uso da arte cristã na cidade
de Constantinopla, bem como na decoração das igrejas:
E
estando totalmente decidido a distinguir a cidade que recebeu seu nome com
honra especial, ele a embelezou com numerosos edifícios sagrados - tanto
memoriais de mártires em grande escala, como outros edifícios do tipo mais
esplêndido, não apenas dentro da própria cidade, mas em sua vizinhança. E
assim, ao mesmo tempo, prestou honra à memória dos mártires e consagrou sua
cidade ao Deus dos mártires. Sendo preenchido também com a sabedoria Divina,
ele determinou purgar a cidade, a qual deveria ser distinguida por seu próprio
nome, da idolatria de todo tipo. A
partir de então nenhuma estátua poderia ser adorada ali nos templos daqueles
falsamente reputados como deuses, nem quaisquer altares profanados pela
poluição do sangue - para que não haja sacrifícios consumidos pelo fogo, nem
festivais de demônios, nem quaisquer outras cerimônias geralmente observadas
pelos supersticiosos.
Por
outro lado, pode-se ver as fontes no
meio do mercado enfeitadas com figuras representando o bom Pastor, bem
conhecido por aqueles que estudam os oráculos sagrados, e o de Daniel também com os leões, forjados em latão e
resplandecentes com placas de ouro. De fato, uma medida tão grande do amor
Divino possuía a alma do imperador que
no aposento principal do próprio palácio imperial, em uma vasta placa
exposta no centro de seu teto revestido de ouro, ele fez com que o símbolo da Paixão de nosso Salvador fosse fixado,
composto de uma variedade de pedras preciosas ricamente enriquecidas com ouro. Ele pretendia que este símbolo fosse a
salvaguarda do próprio império. (Livro 3:49)
Esta citação refere-se à
cidade de Constantinopla. Constantino teria mandado destruir as estátuas do
culto pagão e teria construído igrejas na cidade e vizinhanças. Os defensores
do culto aos ícones tentam a partir desta citação demonstrar que Eusébio era
favorável a tal culto. Ocorre que não há nenhuma contradição explícita aqui.
Eusébio refere-se ao uso da arte cristã através de símbolos cristãos (como o
bom pastor) para fins decorativos. Não há menção de estátuas de santos em
igrejas, nem de pessoas prestando qualquer tipo de culto aos ícones. Não há
nada que se assemelhe ao culto praticado por católicos romanos e orientais.
Peter
Van Nuffelen escreve sobre esta aparente contradição:
Ou seja, Eusébio não era
contrário a qualquer tipo de uso das imagens. Ele não seria contrário à arte decorativa
por exemplo. No entanto, os requisitos que ele estabelecia não permitiria a
feitura de imagens de Jesus ou dos apóstolos, afinal tais imagens não poderiam
representar o modelo real que andou pela terra. Isto, por óbvio, coloca Eusébio
em oposição ao culto às imagens praticado atualmente.