Leão I (400-461)
Apenas o Senhor Jesus Cristo, entre os filhos dos homens, nasceu imaculado, porque apenas Ele foi concebido sem a associação
e a concupiscência da carne. (Sermão 25)
Essa
citação por si só fecha a questão. Cristo é o único preservado do pecado
original.
Pois a terra da raça
humana, a qual no primeiro transgressor foi amaldiçoada, na prole da abençoada virgem somente produziu uma semente que foi
abençoada e livre de culpa. (Sermão 24: 3)
Veja
que o único livre de culpa foi da prole de Maria e não a própria Maria.
E, portanto, na ruína geral de toda a raça humana só
havia um remédio no segredo do plano Divino que poderia socorrer o caído, e
esse foi um dos filhos de Adão que deveria ter nascido livre e inocente do
pecado original, prevalecendo para o resto tanto por seu exemplo e méritos.
Ainda mais, porque isso não foi
permitido pela geração natural, e porque não poderia haver alguma
descendência com semente sem defeito, da qual a Escritura diz: "Quem pode
fazer uma coisa pura ser gerada de uma semente impura? Não és somente tu que é capaz?" (Sermão 28:3)
Leão
I esclarece porque Jesus é o único imaculado. Ele não nasceu de geração
natural. Como esse não é o caso de Maria, não poderia estar livre do pecado
original. Alguns católicos, na tentativa de desacreditar o significado óbvio
dessas palavras, afirmam que Leão exaltava a pureza e santidade de Maria em
seus sermões. Isso obviamente não contraria o fato de que ela foi concebida em
pecado. Leão I ainda escreveu:
E considerando que em
todas as mães a concepção não ocorre sem
mancha de pecado, esta [Maria] recebeu a purificação da fonte de sua concepção.
Nenhuma mancha de pecado penetrou onde
não ocorreu relação sexual. (Sermão 22:3)
Ele
parece acreditar que Maria foi santificada antes da concepção de Jesus. Se
Maria foi purificada por causa de sua concepção, logo não houve uma imaculada
conceição. Além do mais, Maria nasceu de uma relação sexual natural, logo a
macha do pecado também nela penetrou.
O
estudioso católico romano Michael O'Carroll comenta que Leão viu o pecado como
sendo comunicado por meio de relações sexuais (Theotokos [Wilmington, Delaware:
Michael Glazier, Inc., 1988], p. 217).
O
historiador protestante Philip Schaff lista Leão I e outros seis bispos romanos
que rejeitaram a imaculada conceição de Maria:
Até
mesmo sete Papas são citados no mesmo lado, e entre eles três dos maiores como
Leão I (que diz que somente Cristo era livre do pecado original, e que Maria
obteve sua purificação através de sua concepção de Cristo), Gregório I e
Inocêncio III. [FN233 Os outros papas, que ensinaram que Maria foi concebida em
pecado, são Gelásio I, Inocente V, João XXII e Clemente VI. (d. 1352). A prova
é fornecida pelo jansenista Launoy, Proescriptions, Opera I. pp. 17 sqq (...) (The Creeds of Christendom [Grand Rapids: Baker Books, 1998], Vol. I, p.
123) (Fonte)
Schaff
cita a obra do jansenista Launoy que pode ser vista aqui em latim.
Gelásio I (410-492)
Gelásio
dá muita dor de cabeça aos apologistas romanistas. Além de negar atransubstanciação, também negou a
imaculada conceição:
Pertence somente o Cordeiro imaculado não ter nenhum pecado. (dicta adv. Pelag.Haeresin)
Trata-se
de uma obra contra os pelagianos. Uma das melhores formas de saber qual era a
fé da igreja num determinado período é verificar a sua reação quando algum
oponente nega um artigo de fé. Os pelagianos afirmavam que Maria não
teve pecados. A reação da igreja não foi afirmar uma suposta doutrina da
imaculada conceição, mas afirmar que Maria nasceu sob o domínio do pecado
original.
Consequentemente o
que os pais geraram de sua prole é obra de Deus, de acordo com a instituição da
natureza, mas não sem o contágio daquele
mal que eles obtiveram através de sua própria transgressão. (Epístola 7)
Gregório o Grande
(540-603)
Pois nós, apesar de
termos sido feito santos, não nascemos santos, porque pela mera constituição de
uma natureza corruptível a qual estamos amarrados e sujeitos, devemos dizer com
o profeta: Eis que eu nasci em iniquidade, e em pecado concebeu-me minha mãe. Somente ele é realmente nascido santo,
para que pudesse superar a condição da natureza corrupta, não sendo
concebido segundo a maneira dos homens. (Livro sobre moral, uma exposição de Jó,Livro 18, em Jó 27)
Essa
passagem foi citada por Tomás de Aquino na Suma Teológica, 3ª parte, questão
34, artigo 1, resposta à objeção de 3 - veja aqui.
Além disso, uma vez que ninguém entre os homens neste
mundo é sem pecado (e o que mais é pecar do que fugir de Deus?), eu digo
com confiança que esta minha filha também tem alguns pecados. (NPNF2: Vol. XII,
Selected Epistles, Book VII, Epistle 30)
Uma
clara afirmação da pecaminosidade universal sem exceção à Maria.
João IV (?-642)
E, em primeiro lugar,
é loucura blasfema dizer que o homem é
sem pecado, o que ninguém pode ser, mas somente o único mediador entre Deus e
os homens, Cristo Jesus homem, o qual foi concebido e nasceu sem pecado.
Todos os outros homens tendo nascido no
pecado original, são conhecidos por ter a marca da transgressão de Adão,
mesmo quando eles estão sem pecado atual, de acordo com a palavra do profeta:
"Pois eis que fui concebido em iniquidade; e no pecado minha mãe deu à luz
a mim." (HistóriaEclesiástica de Beda, Livro II, Cap. 19)
É
autoexplicativo.
Inocêncio III
(1161-1216)
Mas imediatamente
[sobre as palavras do Anjo: "O Espírito Santo virá sobre ti '] o Espírito
Santo veio sobre ela. Ele tinha antes de vir para dentro dela, quando no ventre de sua mãe, ele limpou sua
alma do pecado original; mas agora
também Ele veio sobre ela para limpar seu corpo do desejo do pecado, para que
ela possa ser totalmente sem mancha nem ruga. (Sermão sobre a purificação da Virgem)
Maria
foi purificada no momento da encarnação de Jesus e não em sua própria concepção. Logo,
ela não somente nasceu no domínio do pecado original como cometeu pecados antes
de ser purificada.
Eva foi gerada sem
pecado, mas deu à luz no pecado. Maria
foi gerada em pecado, mas deu à luz sem pecado. (Segundo discurso sobre a Assunção)
Diferentes
de outras citações que afirmam que Jesus foi o único sem pecado, essa diz
explicitamente que Maria foi gerada em pecado. Sobre a Festa de João Batista,
Inocêncio escreve:
De João [Batista], o
anjo não fala da concepção, mas do nascimento. Mas de Jesus ele profetiza tanto
o nascimento como a concepção. Para Zacarias o pai é profetizado: "A tua
mulher te dará um filho e lhe porás o nome de João". Mas, para Maria a mãe
é profetizado: "Eis que em teu ventre conceberás e terás um filho e porás
o nome de Jesus." João foi concebido em culpa, mas Cristo somente foi concebido sem culpa. Mas cada um nasceu na
graça, e, portanto, a Natividade de cada um é celebrada, mas a concepção de
Cristo somente é comemorada. (Sermão 16 sobre dias de festas)
Num
contexto em que Maria é citada, é afirmado que Cristo somente é sem culpa. Não
poderia ser mais claro.
Inocêncio V
(1225-1276)
Inocêncio
dá abaixo uma bela demonstração de como a imaculada conceição foi negada por um
papa no séc. XII:
Quanto mais perto
alguém se aproxima do Santo dos Santos, maior grau de santificação ele deveria
ter, pois não há aproximação a Ele, exceto através da santificação. Mas a mãe se aproxima mais do que todos ao
filho, que é o Santo dos Santos. Portanto, ela deveria ter um maior grau de
santificação após seu Filho. O grau de santificação pode ser entendido como
quádruplo: se têm santidade (1) antes da concepção e nascimento (2) após a
concepção e nascimento; (3) na própria concepção e nascimento; (4) no nascimento,
não na concepção. Pois "na concepção e não no nascimento” é impossível.
O primeiro grau não é
possível, tanto porque a perfeição pessoal (como o conhecimento ou virtude) não
é transmitida dos pais; e também porque nas crianças o ser da graça não pode
tomar lugar, antes do ser real da natureza, sobre a qual se funda. O segundo
grau é comum a todos, de acordo com a lei comum de santificação através dos
sacramentos. O terceiro é peculiar ao
Santo dos Santos, em quem somente toda santificação acontece de uma só vez, a
concepção, a santificação e a assunção. Resta então o quarto. Mas esse tem
quatro graus porque o feto, quando concebido no seio materno, pode ser
santificado antes animação ou na animação, ou logo após a animação ou muito
depois da animação.
O primeiro grau é
impossível, porque de acordo com Dionísio (de div. nom. c. 12) "A
santidade é a limpeza livre de toda contaminação, e perfeita e imaculada",
mas a imundícia da falha não é expelida senão por "graça fazendo
graciosamente", como as trevas pela luz, da qual a criatura racional é
objeto da graça. O segundo grau não era
adequado para a Virgem, porque ou ela não teria contraído o pecado original e
por isso não teria sido necessário a santificação universal e redenção de
Cristo, ou se ela o contraiu, a graça e a culpa não poderiam ter ocorrido nela
de uma só vez. O quarto grau também não era adequado para a Virgem, porque
era adequado para João e Jeremias, e porque não satisfazia tão grande santidade,
e ela deveria ter demorado muito tempo em pecado como os outros, mas João foi
santificado no sexto mês. Mas a terceira
parece adequada e piedosamente credível, embora não seja derivada da Escritura,
que ela deveria ter sido santificada, logo depois de sua animação, tanto no
próprio dia ou hora, embora não no mesmo momento. (Comentário sobre as
sentenças de Pedro Lombardo Livro 3, Distinção 3, Questão 1, Artigo 1)
Maria
deveria ter maior santidade após o seu filho, logo ela nem sempre foi perfeita
e livre de qualquer pecado. Ele então afirma quatro hipóteses. A maioria dos
homens está na hipótese 2, pois se santificam após o nascimento. Inocêncio
afirma que somente Jesus foi totalmente santo de uma só vez na concepção
(hipótese 3), logo Maria não poderia ser imaculada desde a concepção. É dito
claramente que Maria se encaixa na hipótese 4, ou seja, ela foi santificada
após a concepção. Inocêncio então diz especificamente quando Maria foi
santificada. Animação é o momento em que o ser recebe de Deus uma alma
racional. Ele afirma claramente que Maria não poderia ter sido santificada
nesse momento, pois dessa forma não teria contraído o pecado original. Ou seja,
seria inaceitável afirmar que Maria foi livre do pecado original. A hipótese
mais credível é que Maria foi santificada logo após a animação. Logo após
receber uma alma racional e, portanto, após a concepção, teria sido
santificada.
João XXII (1249-1334)
Ela
(a Virgem) passou primeiramente por um estado de pecado original, em segundo
lugar por um estado de infância à honra materna, em terceiro da miséria à
glória. (Sermão 1 sobre a Assunção)
Clemente VI
(1291-1352)
Mas antes Eu divido o
tema, parece que essa [festa] concepção não deve ser celebrada, em primeiro
lugar, sobre a autoridade de Bernardo, que em sua Epístola aos Lionenses
[cânones], gravemente os repreende, porque eles tinham recebido a festa e a
realizavam solenemente. Porque nenhuma festa deveria ser comemorada, exceto
para reverência da santidade da pessoa a qual é comemorada, uma vez que tal
honra é dada aos santos por conta da [relação] que eles têm com Deus acima dos
outros; mas isso é por causa da santidade; e não só o pecado atual, mas o
pecado original também [separa] de Deus. Mas
a Santíssima Virgem foi concebida em pecado original, como muitos santos
parecem dizer, e pode ser provado por muitos motivos. Parece que a Igreja
não deveria realizar um festival de sua concepção. Aqui, não estou disposto a disputar, eu digo brevemente que uma coisa é
clara: a Santíssima Virgem contraiu pecado original. A causa e a razão é
esta: como sendo concebida da união de
homem e mulher, foi concebida através da paixão, e, portanto, ela teve o pecado
original em causa, que seu filho não tinha, porque Ele não foi concebido da
semente do homem, mas através da respiração mística: "o Espírito Santo
virá sobre ti." E, portanto, não
ter pecado original é um privilégio singular de Cristo somente. (Sermão do Advento do Senhor)
Mais
explícito é impossível. Maria foi concebida em pecado original e essa opinião
era partilhada por muitos teólogos renomados (trataremos deles adiante).
Tomás de Aquino
(1225-1274)
Tomás
merece um artigo específico. Tratamos do testemunho dele aqui. Resumidamente
pode-se dizer que ele negou a imaculada conceição e não mudou de ideia no fim
da vida como os apologistas católicos afirmam.
Outros teólogos que
negaram a imaculada conceição
A
opinião de Tomás não era uma exceção, sendo compartilhada por muitos teólogos
escolásticos. O estudioso católico romano Garrigou-Lagrange escreve:
O
Concílio de Trento (Denz 792) declara, quando se fala de pecado original que infecta
todos os homens, que não tem a intenção de incluir a Santíssima e Imaculada
Virgem Maria. Em 1567 Baius é condenado por ter ensinado o contrário (Denz 1073).
Em 1661 Alexander VII afirmou o privilégio, dizendo que quase todos os
católicos acreditam, embora ainda não tenha sido definido (Denz 1100). Deve-se admitir que nos séculos 12 e 13
grandes doutores, como, por exemplo, St. Bernardo, [29] St. Anselmo, [30] Pedro
Lombardo, [31] Hugo de São Vítor, [32] St . Alberto Magno, [33] São Boaventura,
[34] e São Tomás de Aquino parece ter sido relutantes em admitir o privilégio.
[29].
Epist. ad canonicos Lugdunenses.
[30].
De conceptione virginali.
[31]. In III Sent.,
dist. 3.
[32]. Super Missus
est.
[33].
Item Super Missus est.
[34]. In III Sent.,
dist. 3, q. 27.
Carol
escreve sobre Bernardo de Claraval:
Seja qual for a
autoridade que possa ser invocada a favor da celebração da festa em homenagem a
concepção de Maria como uma observância litúrgica legítima e suficientemente
tradicional, o fato histórico é que o poder e a influência de St. Bernardo
(1091-1153) foi, apesar de seu grande amor por Maria, alinhado com as forças que se opõem a essa festa. Ele formulou a
sua objeção numa célebre carta aos Cânones de Lion. Provavelmente este suporte
de Bernardo foi providencial, pois desencadeou uma controvérsia sobre a
Imaculada Conceição que finalmente resultou na aceitação universal da doutrina
da imunidade de Maria do pecado original. É disputado entre os alunos da carta
de Bernardo se o santo intentava simplesmente se opor à introdução da festa
como inoportuna e não aprovada por Roma ou se ele intentava se opor a própria
doutrina da Imaculada Conceição. Mais
provavelmente, sua objeção foi contra a doutrina como então compreendida. (Op. Cit)
A
ideia da imaculada conceição começa a ser aceita na igreja romana por causa da
piedade popular. Havia uma festa que celebrava a imaculada conceição, mas nem a
festa e muito menos a doutrina a que implicava era aceita por todos. Carol
escreve sobre Anselmo:
Esta amplo período
[séc. XI a XVI] inclui o tempo de controvérsia no Ocidente a respeito da veracidade
da Imaculada Conceição de Maria e seu efetivo término com a aceitação
generalizada da posição scotista. A influência de Santo Anselmo (1033-1109)
sobre seus contemporâneos e sobre escritores posteriores à sua época seria
difícil exagerar e a inferência é forte
de que Anselmo não se inclinou para aceitação da Imaculada Conceição de Maria,
pela simples razão de que ele não podia ver como a concepção de Maria na graça
poderia ser devidamente conciliada com a universalidade da redenção operada por
Cristo. (Op.
Cit)
Carol
prossegue tratando de outros teólogos:
Apesar de os grandes
Doutores franciscanos antes de Scoto, St.
Boaventura e St. Antônio não admitirem pelo menos claramente a doutrina da
liberdade de Maria do pecado original, a escola franciscana após Scoto
propôs a doutrina mais enfaticamente do que ele. Até a primeira metade do século
XVI, os dominicanos continuaram se
opondo à doutrina. (Op. Cit)
Carol
prossegue:
No decorrer dos
séculos seguintes, a controvérsia
continuou entre as várias escolas de pensamento, principalmente entre os
franciscanos e os dominicanos (...) Depois de Trento, a oposição à Imaculada Conceição tornou-se muito moderada, e mesmo
aqueles que anteriormente tinha sido contra ela ou mudaram seu ponto de vista
ou então interromperam quaisquer ataques graves contra a ortodoxia completa da
doutrina.
(Op. Cit)
Os
estudiosos católicos geralmente citam o séc. XVI como o período em que o
consenso emergiu. Estamos falando de 1500 anos após a morte do último apóstolo –
que seria o período em que tal doutrina foi revelada por Deus. A doutrina da
imaculada conceição não é conciliável com a ideia de que a igreja romana
preservou intacta a revelação dada aos apóstolos. Os católicos costumam afirmar
que isso não é um problema, pois a doutrina só foi definida no séc. XIX.
Somente depois dessa definição é que negar a doutrina seria uma grave heresia. Isso é simplesmente inaceitável. Seria como dizer que não havia
problema em negar a divindade de Cristo antes do Concílio de Niceia. A doutrina
apostólica só seria de assentimento obrigatório após afirmações dogmáticas da
igreja. Os cristãos poderiam então passar séculos e séculos negando doutrinas
fundamentais claramente ensinadas pelos apóstolos como artigos de fé. A igreja não é a criadora da revelação, mas sua mantenedora. Dessa
forma, a evidência histórica nos constrange a negar as reivindicações de Roma.
Olá Bruno,
ResponderExcluirEm primeiro lugar, parabéns pelo seu bloque e pela alta qualidade dos artigos bastante documentados.
De fato, quando a doutrina da imaculada conceição surgiu por volta do século XII, além de ter desencadeado grande controvérsia e tido a oposição dos maiores teólogos da época, como Bernardo de Claraval, Pedro Lombardo, Alexandre de Hales, Alberto Magno e Tomás de Aquino, também foi causa nos séculos seguintes de uma luta acirrada entre franciscanos e dominicanos.
Os franciscanos eram “pró-imaculada” e os dominicanos “anti-imaculada”.
Um fato curioso é que o papa Sisto IV na Constituição Grave nimis de 4 de setembro de 1483, a propósito desta controvérsia entre franciscanos e dominicanos, escrevia sobre os que condenavam como heresia esta doutrina:
“Nós, por autoridade apostólica, ... reprovamos e condenamos tais afirmações como falsas, erróneas e totalmente alheias à verdade ... [mas se repreende também os que] se atreverem a afirmar que aqueles que mantêm a opinião contrária, a saber, que a gloriosa Virgem Maria foi concebida com pecado original, incorrem em crime de heresia ou pecado mortal, uma vez que não está ainda decidido pela Igreja Romana e pela Sé Apostólica...”
(Denzinger 735)
Esta declaração de finais do século XV é bastante surpreendente, vindo de Sisto IV, ele próprio franciscano, e nada mais que o papa que autorizou em 1476 a famosa festa que Bernardo em 1140 tinha considerado uma novidade infundada. No entanto, em 1489 Sisto IV ainda não tinha a certeza de tal doutrina.
Mas apesar do vazio completo de declarações escriturais e de tradições confiáveis, Pio IX definiu o novo dogma, sem que mediasse nenhuma nova revelação.
Este é um bom exemplo que demonstra como funciona o estabelecimento de doutrinas na Igreja de Roma.
O católico tem que aceitar que tal dogma de fé está revelado nas Escrituras ou na Tradição Apostólica ou em ambas. No entanto, tem que fazê-lo exclusivamente com base na autoridade do Magistério, porque pode procurar-se até o cansaço nas Escrituras ou nos escritos dos primeiros séculos da Igreja, sem nunca encontrar esta doutrina ensinada por um Apóstolo, um Padre antigo, ou um concílio, ou alguém que se refira a ela como uma tradição apostólica.
Olá meu amigo,
ExcluirAntes de tudo, tenho uma dívida pessoal contigo. Há tempos atrás, quando empreendi estudar a fundo a história da igreja com enfoque na controvérsia protestantismo vs romanismo, o seu blog foi de grande importância. Agradeço pelo trabalho prestado a defesa da fé cristã, ainda mais num tempo em que havia centenas de sites católicos espalhando todo o tipo de deturpação e praticamente somente o seu blog em português os respondendo. Esteja certo que seu trabalho não foi em vão.
Obrigado por trazer mais esta citação. Como afirmei em meu artigo, o dogma da imaculada conceição é a prova cabal de que a igreja romana não guardou o depósito da fé e ao longo da história adicionou doutrinas estranhas ao ensino dos apóstolos.
Essa citação de Sisto IV demonstra um erro muito comum da apologética católica. Eles costumam apresentar qualquer teólogo favorável a uma ideia que mais tarde se transformaria num dogma como um defensor de tal ideia como um artigo de fé. Isso fica especialmente claro na questão da virgindade perpétua. Alguns pais da igreja que defenderam a virgindade no parto ou pós-parto claramente não as consideravam um artigo de fé. Para eles, era aceitável negar tais ideias e manter incólume a doutrina cristã.
De fato, a única forma de aceitar essas e outras inovações é ter uma fé fideísta na igreja de Roma - "Se ela diz, então deve ser verdade" - ou seja, é aderir à Sola Eclésia e desperdiçar a maravilhosa capacidade de raciocínio crítico que Deus nos deu.
Um abraço. Volte mais vezes!
Ora nem mais, o Sola Eclesia está bem resumido nas palavras de Inácio de Loyola:
Excluir"Para em tudo acertar, devemos estar sempre dispostos a que o branco, que eu vejo, acreditar que é negro, se a Igreja hierárquica assim o determina" :)