Recentemente
um católico postou alguns comentários em nosso blog “refutando” a doutrina da
Sola Scriptura. Ele faz uso de argumentos bem populares no meio católico. Esses
argumentos se baseiam em grande parte num espantalho da Sola Scriptura. Por
isso, vamos respondê-lo nesse artigo. Recomendo aos leitores que vejam nosso
artigo sobre Agostinho e a Sola Scriptura,
pois vamos falar a respeito do testemunho desse pai da igreja. Os comentários
do interlocutor católico estarão em vermelho:
Agostinho já dizia: Fé sem Razão é nula!
Concordamos
com Agostinho. Interessante notar que o uso que ele fez da razão o levou a
conclusões bem distantes da atual igreja romana.
A sola scriptura é uma doutrina sem a mínima razão e lógica.
Primeiro que essa doutrina nem está na própria bíblia, ou seja, refuta a si
mesma. A sola scriptura é por tanto anti bíblica!
Ocorre
que a Sola Scriptura é uma implicação do que a própria Escritura ensina. Mas,
suponhamos que a Escritura de fato não a ensinasse – isso quer dizer que ela
necessariamente seria ilógica? Definitivamente não. Católicos e Protestantes
concordam que a revelação especial de Deus cessou com os apóstolos. Ambos estão
à procura do que os apóstolos ensinaram. Ambos concordam que a mensagem dos
apóstolos é única e que todo o ensino da igreja deve estar de forma explícita
ou implícita contido nessa pregação apostólica que se encerrou ainda no séc. I.
A grande questão é – o que é ou não a doutrina apostólica? Católicos e
Protestantes concordam que a Escritura contém registro inspirado pelo Espírito
Santo da doutrina apostólica. Que a Escritura é infalível não é um ponto de
discussão. Porém, os católicos defendem que existe uma tradição preservadora
doutrinas que não foram registradas nas Escrituras (esse ponto é divergente no
meio católico atualmente).
O
ônus da prova recai sobre o apologista católico. Se ele diz que os apóstolos
pregaram doutrinas que foram preservadas fora da Escritura, cabe a ele provar a
afirmação. Ele deve nos dizer que doutrinas são essas, quem as passou, quem as
recebeu e principalmente demonstrar que elas têm origem em algum apóstolo. Caso
ele não consiga oferecer evidências positivas a favor dessa tradição, o
protestante está racionalmente justificado em adotar a Sola Scriptura. Trata-se
uma questão lógica, não precisei usar nenhum ensino bíblico para formular esse
raciocínio. Todavia, a Sola Scriptura é o ensino bíblico. Antes de mostrar
isso, precisamos defini-la acuradamente.
Uma
definição simples da Sola Scriptura é que “ela é a única regra infalível de fé
para a Igreja”. Perceba que não é dito que a Escritura é a única autoridade,
mas a única autoridade infalível. As igrejas reformadas ensinam que a Igreja
tem autoridade para ensinar, disciplinar e administrar os sacramentos, assim
como também possuem tradições. Poderíamos citar a Confissão de Westminster que
é considerada autoritativa por várias igrejas reformadas. A posição reformada
em relação aos pais da Igreja é que eles devem ser lidos, estudados e suas
opiniões possuem peso, mas como eles próprios ensinaram, seus escritos não
possuem a mesma autoridade que os livros canônicos. Portanto, citar um pai da
Igreja que apelava à tradição não é uma refutação à doutrina reformada, pois ele
poderia considerar a Escritura como uma autoridade superior à tradição. A chave
aqui é entender o conceito de hierarquia de autoridades. A igreja pode possuir
mais de uma autoridade, porém, a Escritura é suprema e todas as outras lhe são
subordinadas. Por isso, a tradição e os ensinos da igreja devem ser aceitos na
medida em que se conformam ao ensino supremo da Escritura.
Mas
o que torna a autoridade da Escritura suprema e infalível? A inspiração divina
dos escritos canônicos (2 Tm. 3:16-17). A Escritura foi inspirada por Deus,
logo é inerrante e infalível. Aqui precisamos fazer uma distinção entre
infalibilidade e inerrância. Inerrância é a ausência de erro, mesmo uma
autoridade falível pode fazer uma afirmação inerrante. Quando um muçulmano afirma que há um só Deus, ele está fazendo uma declaração inerrante, mas isso
não implica que seja infalível. Infalibilidade é uma característica exclusiva
de Deus. Por ser perfeito, Ele não pode cometer erros, e por ter inspirado a
Escritura, ela não só não cometeu nenhum erro doutrinário como também não
poderia ter cometido.
Outros
dois conceitos estão embutidos na Sola Scritpura: suficiência formal e
material. Por suficiência material, queremos dizer que a Escritura contém de
forma explícita ou implícita todas as doutrinas que o cristão precisa para ser
salvo e ter vida em Cristo. Essa posição foi negada pelo concílio de Trento que
adotou a teoria das duas fontes, ou seja, Escritura e tradição seriam fontes
distintas de revelação. No entanto, nos últimos tempos, cada vez mais teólogos
católicos e até apologistas têm aderido à posição da suficiência material.
Hoje, a principal divergência é a suficiência formal. Isso quer dizer que a
Escritura não somente contém toda as doutrinas necessárias, mas que elas estão
expostas de forma clara, não se fazendo necessário a assistência de um
intérprete ou tradição infalível para se chegar a essas doutrinas.
Jesus
Cristo e aos apóstolos citavam as escrituras do Antigo Testamento como a
palavra de Deus. Os apóstolos, por sua vez, consideravam seus próprios escritos
inspirados pelo Espírito Santo. Eles eram o fundamento da igreja (1 Coríntios
12:28, Efésios 2:20 e 4:11, 2 Pedro 3:2, Apocalipse 21:14). Eles foram comparados
aos profetas do Antigo Testamento (2 Pedro 3: 2). Na carta que alguns consideram
o mais antigo documento cristão que temos hoje, o apóstolo Paulo referiu-se a
mensagem dos apóstolos como "a palavra de Deus" (1 Tessalonicenses
2:13). Em outro lugar, refere-se ao que ele está escrevendo como "o
mandamento do Senhor" (1 Coríntios 14:37). Ele espera que os seus
ensinamentos, oral e escrito sejam seguidos (2 Tessalonicenses 2:15) e espera
que os cristãos se separem de quem não segue esses ensinamentos (2
Tessalonicenses 3:6, 3:14). Portanto, a infalibilidade e inspiração bíblica foi
claramente ensinada por toda a Escritura. A suficiência material é ensinada
explicitamente nas três passagens abaixo:
Porque desde criança você conhece as sagradas
letras, que são capazes de torná-lo
sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e
para a instrução na justiça, para que o
homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra. (2 Timóteo 3:15-17)
Paulo
acreditava que Timóteo poderia se tornar sábio para salvação graças ao conteúdo
da Escritura. Os católicos geralmente respondem que Paulo está se referindo
apenas ao Antigo Testamento. Esse argumento tem os seguintes problemas:
(1)
Ainda que seja o caso, isso não refuta o argumento da suficiência material. Se
o Antigo Testamento era materialmente suficiente, então toda a Escritura seria
mais do que suficiente. É importante notar que os apóstolos acreditavam que o
evangelho já havia sido pregado pelos profetas. Cristo é o cumprimento de uma
mensagem já pregada na antiga aliança. Portanto, o Novo Testamento nada mais é
do que o evangelho já pregado no antigo, mas de forma mais detalhada e
explícita;
(2)
Paulo não está falando sobre as Escrituras hebraicas apenas. Ele tem em mente a
natureza da Escritura. Por ser a palavra inspirada por Deus dada ao homem, ela
necessariamente possui todas essas qualidades;
(3)
Essa passagem também ensina a suficiência formal. Desde quando Timóteo conhecia
as sagradas letras? Desde criança. A que magistério infalível Timóteo recorreu
para saber as Sagradas Letras? Absolutamente nenhum. Um judeu que viveu 50 anos
antes de Cristo não tinha acesso a nenhum magistério infalível para dizer o
cânon da Escritura ou para declarar uma interpretação “infalível” do livro
sagrado. Ele conseguiu chegar às verdades salvadoras sem ter que recorrer a
nenhuma autoridade infalível.
Jesus, pois, operou
também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão
escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome. (João 20:30-31)
João
afirmou a suficiência do que ele escreveu para fazer seus ouvintes crerem e
terem em vida em Cristo. Esta é uma clara referência à suficiência material.
Obviamente, os leitores de João tinham acesso ao Antigo Testamento (A.T).
Portanto, A.T + Evangelho de João é suficiente materialmente. Dessa forma,
necessariamente a Escritura com os dois testamentos contém os ensinamentos
doutrinários suficientes para sermos salvos e termos vida em Cristo. Por isso,
a igreja romana precisa provar pela Escritura suas doutrinas que diz serem
necessárias para salvação (papado, dogmas marianos e etc).
Percebam
também que João pressupõe que seus leitores poderiam ler seu evangelho e
entende-lo. Ele não diz que eles precisarão recorrer a um intérprete infalível
do seu evangelho para só então terem os benefícios aludidos. A ideia de que a
Escritura é tão obscura que seus leitores não poderiam entendê-la é
simplesmente blasfema. Equivale a dizer que Deus foi incompetente. Se Deus
inspirou sua palavra escrita para guiar seu povo, e ela não pode guia-lo por
ser muito obscura, Deus teria fracassado em seu objetivo.
Jesus
e os autores bíblicos sempre entenderam que os ouvintes e leitores poderiam
compreender corretamente seus ensinamentos orais ou escritos, inclusive as
Escrituras do Antigo Testamento. Há uma quantidade enorme de passagens bíblicas
que atestam isso:
Quando deres ouvidos
à voz do Senhor teu Deus, guardando os seus mandamentos e os seus estatutos,
escritos neste livro da lei, quando te converteres ao Senhor teu Deus com todo
o teu coração, e com toda a tua alma. Porque
este mandamento, que hoje te ordeno, não te é encoberto, e tampouco está longe
de ti.
(Deuteronômio 30:10-11)
Os preceitos do
Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro, e ilumina os olhos. (Salmos 19:8)
Lâmpada para os meus
pés é tua palavra, e luz para o meu
caminho.
(Salmos 119:5)
À lei e ao
testemunho! Se eles não falarem segundo
esta palavra, é porque não há luz neles. (Isaías 8:20)
Pois nada lhes
escrevemos que vocês não sejam capazes
de ler ou entender. E espero que, assim como vocês nos entenderam em parte,
venham a entender plenamente que
podem orgulhar-se de nós, assim como nos orgulharemos de vocês no dia do Senhor
Jesus.
(2 Coríntios 1:13-14)
Pois tudo o que foi
escrito no passado, foi escrito para nos
ensinar, de forma que, por meio da perseverança e do bom ânimo procedentes
das Escrituras, mantenhamos a nossa esperança. (Romanos 15:4)
Deus
deu sua palavra para ensinar, consolar, exortar. Se a Escritura não pode ser
compreendida, a palavra de Deus seria ineficaz e o seu objetivo frustrado. Ao
alegarem a insuficiência formal, os católicos não estão apenas minando a
autoridade da Escritura, estão também minando a autoridade e capacidade do
próprio Deus. Dizer que a palavra de
Deus é tão obscura que só pode ser entendida com ajuda do magistério implica
dizer que Deus não fez um bom trabalho e não conseguiu cumprir seu propósito ao
inspirar os livros canônicos.
Escrevo-lhes estas coisas a respeito daqueles que os querem
enganar.
(1 João 2:26)
Escrevi-lhes estas
coisas, a vocês que creem no nome do Filho de Deus, para que vocês saibam que têm a vida eterna. (1 João 5:13)
João
escreveu cartas para prevenir os crentes de falsos mestres. Se seu escrito não
era claro, como poderia prevenir os cristãos da heresia?
Assim, quando vocês
virem ‘o sacrilégio terrível’, do qual falou o profeta Daniel, no lugar santo —
quem lê, entenda. (Mateus 24:15)
Pelo que, quando ledes, podeis entender a minha
compreensão do mistério de Cristo. (Efésios 3:4)
Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida
eterna; e são elas que dão
testemunho de mim.
(João 5:39)
Para
um católico romano, não faz nenhum sentido examinar as Escrituras. Já que ela não podem falar por si mesma, mas apena pode dizer o que o magistério afirma
que ela diz, só faz sentido examinar o que o próprio magistério ensina.
Os bereanos eram mais
nobres do que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande
interesse, examinando todos os dias as
Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo. (Atos 17:11)
O
exemplo dos bereanos não poderia ser mais óbvio. Eles investigaram nas
Escrituras a veracidade da pregação apostólica, e tal atitude foi elogiada. Se
a Bíblia não era perspicaz, como eles poderiam chegar à verdade examinando as
Escrituras? Qual católico pode submeter os ensinos dogmáticos da sua Igreja ao
crivo das Escrituras? Ele não pode, sob pena de estar agindo como um
protestante. Jesus também pressupunha que seus ouvintes pudessem entender o
Antigo Testamento, caso contrário não o apontaria repetidamente como sua
testemunha.
Eu mesmo investiguei
tudo cuidadosamente, desde o começo, e
decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas que te
foram ensinadas.
(Lucas 1:3-4)
Lucas
não escreveu um relato obscuro ou desconexo, mas escreveu um relato ordenado
que pudesse dar a Teófilo a certeza das coisas que aprendeu. Ou seja, Teófilo
poderia compreender corretamente o relato sem a necessidade de intérpretes
adicionais. O que Lucas relatou poderia confirmar as coisas que Teófilo
aprendeu. Como ele já era um cristão (acredita-se que há certo tempo), Teófilo
já teria aprendido o evangelho de forma suficiente. Portanto, assim como João,
Lucas está afirmando a suficiência material do seu evangelho – o que implica na
suficiência da Escritura.
Jesus
responsabilizou os fariseus por examinarem e compreenderem corretamente as
Escrituras. Como ele poderia ter feito isso? Ele simplesmente deveria ter dito
“você não serão capazes de entender corretamente”, “não examinem e interpretem
por si mesmo” ou “apenas sigam o que eu disser”. Todo o argumento de Jesus
pressupõe que eles poderiam por si próprios examinar a escritura e compreendê-la:
Então Jesus lhes
esclareceu: “Vós estais equivocados por
não conhecerdes as Escrituras nem o poder de Deus! (Mateus 22:29)
De
que adiantaria conhecer as Escrituras sem o suposto magistério infalível?
Absolutamente nenhum. Para mais detalhes sobre a suficiência formal veja aqui.
A
Escritura se auto afirma como inspirada, infalível e suficiente materialmente e
formalmente. Por outro lado, a Escritura não ensina que haveria um magistério
infalível após os apóstolos. A ideia de algum “sucessor” dos apóstolos que
seria o líder supremo da igreja e a preservaria do erro não era crida pelos apóstolos.
Eles também não afirmaram que haveriam doutrinas preservadas apenas oralmente.
Pelo contrário, isso é negado na medida que afirmam a suficiência do que
escreveram para salvar e ter vida em Cristo. Assim, qual é a implicação lógica
de todos esses dados? Ao se utilizar os dados bíblicos, nós temos evidência
positiva apenas para a Escritura como uma autoridade infalível, inspirada e
suficiente – isso é resumidamente a doutrina da Sola Scriptura. Se existem
doutrinas fora da Escritura necessárias para a salvação ou se existe alguma
interpretação (tradição) ou intérprete (magistério) infalível nos dias de hoje,
cabe aos católicos provarem. Enquanto não fizerem isso, a Sola Scriptura está
de pé.
Se Cristo queria fundar a religião do livro, então pra que a
promessa do Paráclito (Jo 14,16.26; 15,26; 16,7.13) e seu efetivo derramamento
(At-2)?
Para que precisaríamos do Espírito Santo, se tudo já está na Bíblia?
O que Ele viria ensinar, se tudo já foi ESCRITO e pode ser interpretado
corretamente por qualquer pessoa?
Basicamente,
se o Espírito Santo é necessário, a Sola Scriptura é falsa. Essa é uma objeção
que revela o desconhecimento da doutrina. A Escritura é suficiente porque ela
tem todas as doutrinas que devem ser cridas de forma explícita ou implícita.
Isso de forma alguma implica na não necessidade de atuação do Espírito Santo.
Como o homem está naturalmente morto em seus delitos e pecados (Efésios 2), e
sua mente está fechada para entender a palavra de Deus, se faz necessária a
atuação do Espírito Santo regenerando e iluminando a mente do pecador.
A
teologia protestante não afirma que qualquer homem tem a capacidade inata de
compreender o evangelho. Os reformadores ensinaram a necessidade da ação
iluminadora do Espírito Santo, pois o pecado cega o entendimento dos homens:
Eu o livrarei do seu
próprio povo e dos gentios, aos quais eu
o envio para abrir-lhes os olhos e convertê-los das trevas para a luz, e do
poder de Satanás para Deus, a fim de que recebam o perdão dos pecados e herança
entre os que são santificados pela fé em mim. (Atos 26:17-18)
O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes,
para que não vejam a luz do evangelho da
glória de Cristo, que é a imagem de Deus. (2 Coríntios 4:4)
Na verdade as mentes deles se fecharam, pois até
hoje o mesmo véu permanece quando é lida a antiga aliança. Não foi retirado, porque é somente em Cristo que ele é
removido.
(2 Coríntios 3:14)
Pois a mensagem da
cruz é loucura para os que estão
perecendo, mas para nós, que estamos
sendo salvos, é o poder de Deus. (1 Coríntios 1:18)
Os judeus pedem
sinais miraculosos, e os gregos procuram sabedoria; nós, porém, pregamos a
Cristo crucificado, o qual, de fato, é
escândalo para os judeus e loucura para os gentios mas para os que foram
chamados, tanto judeus como gregos, Cristo
é o poder de Deus e a sabedoria de Deus. (1 Coríntios 1:22-24)
Uma das que ouviam
era uma mulher temente a Deus chamada Lídia, vendedora de tecido de púrpura, da
cidade de Tiatira. O Senhor abriu seu
coração para atender à mensagem de Paulo. (Atos 16:14)
Percebam
como o Espirito Santo atuou através da palavra iluminando a mente de Lídia para
que ela entendesse a mensagem. É esse o ensino católico romano? Definitivamente
não. A promessa do Espírito Santo nunca é restrita a uma hierarquia que então
trará a tona toda a verdade. A promessa é feita a todos os crentes. Todos os
crentes são habitados pelo Espírito Santo. Isso quer dizer que todo o crente se
torna um intérprete infalível da Escritura? Também não. O padre Paulo Ricardo
disse que cada protestante se considera seu próprio papa, o que só evidencia
seu desconhecimento sobre teologia protestante. O ensino reformado é que o
Espírito Santo capacita o homem a entender o evangelho e através dos métodos
exegéticos corretos compreender a mensagem. A iluminação é necessária, mas não
suficiente. Por isso a Escritura repetidamente exorta os homens a estudá-la.
Além disso a Bíblia não caiu pronta do Céu com zíper e tudo. A
Bíblia É uma síntese da pregação dos Apóstolos.
Que
a Bíblia não caiu pronta de uma vez do céu concordamos. Todavia, esse é um
argumento irrelevante. Além do mais, ele diz que a Bíblia é apenas uma síntese.
Parece-me uma afirmação da insuficiência material. Vejamos se ele aponta o que
falta e a apostolicidade desse algo a mais.
Se não fosse a Igreja Católica, com seus monges a copiarem
manualmente as Escrituras durante 1.500 anos, onde estaria a Bíblia?
Mais
um argumento irrelevante. Ele parece confundir causas primárias e secundárias.
A causa primária da Escritura é ação de Deus. Foi pela ação e plano dele que
ela veio à existência. Porém, Deus usa instrumentos. Ele usou homens para
escrevê-la e também usou homens para preservá-la (os monges copistas). O fato
de a Escritura ter sido preservada por copistas não implica que ela não seja a
autoridade suprema e infalível. Da mesma forma, a tradição da igreja chegou até
nós graças copistas. Até mesmo os documentos do magistério romano dependeram de
copistas. Se o argumento dele fosse levado a efeito, a tríada romanista
Escritura + tradição + magistério não seria suficiente também. Além do mais,
esses copistas não eram em sua maioria católicos romanos. A igreja católica
nunca se restringiu à igreja romana. A igreja romana nada mais é do que uma igreja
que se desviou da fé católica primitiva. Ela se desviou dessa fé ao querer
impor às igrejas irmãs suas pretensões megalomaníacas de poder.
Se ela fosse suficiente, como saberíamos a lista dos livros
canônicos, se ela não traz a lista deles? Para haver sola scriptura,
necessariamente deveria existir uma lista dos livros inspirados existentes,
sendo que a bíblia não é um livro, mas um conjunto de livros, sendo ainda que existia
centenas de supostos livros inspirados como apocalipse de Pedro, apocalipse de
Paulo, evangelho de Tome, etc etc etc.
Esse
é o clássico argumento do cânon. Uma vez que a Escritura não possui uma lista
inspirada de conteúdo, a Sola Scriptura é falsa. O argumento é uma cortina de
fumaça. Se existisse um 28ª livro no Novo Testamento trazendo a lista de livros
inspirados, ainda assim permaneceria a pergunta – como sabemos que esse 28ª é
inspirado? No fim das contas, nós sempre teremos que usar da nossa capacidade investigativa
para determinar se algo é verdade ou não. Esse argumento católico visa apenas
um fim – gerar dúvidas para elevar a autoridade da igreja romana. O argumento romanista
é que nós precisamos de uma declaração infalível sobre o cânon e que essa
declaração foi feita pela igreja romana. Vamos analisar esse argumento através
do método de perguntas e respostas:
(1)
Se o cânon não está na Escritura, ela não seria insuficiente materialmente?
Não. A suficiência material afirma que a Escritura contém todas as doutrinas que
o cristão precisa acreditar para ser salvo. O cânon não é uma doutrina. É
preciso acreditar no que o Evangelho de João ensina, mas não necessariamente
acreditar que esse evangelho foi escrito por João. Isso se dá porque o cânon
não é a revelação em si, mas o artefato da revelação;
(2)
Ainda que o cânon não seja uma doutrina, ele não é um conhecimento necessário
para os que desejam conhecer a Escritura? Sim. Nós precisamos de conhecimentos
que estão fora da Escritura para conhecer e interpretar a própria Escritura.
Isso não refuta a doutrina reformada porque não afirmamos que a Escritura é a
única fonte de verdade, mas que ela é a única fonte inspirada de verdade
doutrinal. Por exemplo, se você deseja saber o que o Paulo escreveu, ou
precisará conhecer grego ou recorrer ao auxílio de alguém que conheça grego. Em
todo o caso, a Escritura não apresenta um dicionário ou uma gramática grega.
Esse é um conhecimento fora da Escritura necessário para entender a própria
Escritura. Todavia, todos concordam que uma gramática grega não é uma doutrina.
O cânon se encaixa na mesma categoria de conhecimento. A ideia de que precisamos
de conhecimento extra bíblico para conhecer a Escritura foi claramente exposta
pelo teólogo protestante Francis Turretin:
Em primeiro lugar,
[filosofia] serve como um meio de convencer os gentios e prepará-los para a fé
cristã. Clemente de Alexandria diz que "prepara o caminho para a doutrina
mais verdadeira" (...) como é evidente a partir dos sermões de Paulo (...)
e dos escritos dos pais contra os gentios (...) Então, Deus nos quer aplicar a
todas as verdades das ciências inferiores à teologia e depois de resgatá-las
dos gentios (como os titulares de uma má-fé) tomá-las e destiná-las a Cristo,
que é a verdade, para a construção do templo sobrenatural (...) Em segundo
lugar, ela pode ser um testemunho de consentimento em coisas conhecidas pela
natureza .... Em quarto lugar, a mente
pode ser preparada por esses sistemas de qualidade inferior para a recepção e
manejo de uma ciência superior. Isso deve, contudo, ser feito com tanto
cuidado que um demasiado amor à filosofia não possa nos cativar e não podemos
considerá-la como uma senhora, mas como uma serva. (Compêndio de
Teologia Apologética 1.13.5)
Uma
ciência inferior (no caso a filosofia) prepara a mente para recepção e manejo
de uma ciência superior (no caso a teologia que trata da revelação);
(3)
Mas se o cânon é um conhecimento necessário, não precisamos de uma autoridade
infalível para afirmá-lo? Não é por isso que precisamos de uma autoridade infalível
além da Escritura? Não. Supunha que de fato houvesse uma igreja que infalivelmente
determinou o cânon, isso resolveria o problema? Na verdade não. Nós apenas
subiríamos mais um degrau, pois ainda restaria a questão – qual igreja? Há
várias igrejas reivindicando terem guardado a fé apostólica, mas ensinando
doutrinas substancialmente distintas. Por uma questão de argumento, citemos
apenas a igreja romana e a ortodoxa (há outras também). Qual delas é a
verdadeira? A não ser que o católico romano diga que é a igreja romana porque a
própria diz que é (um argumento circular), não há nenhuma autoridade infalível
para determinar a questão. Ou seja, na questão mais fundamental, nós ainda
dependeríamos do nosso julgamento falível. A crença do católico romano de que
sua igreja é a correta é em si uma crença falível;
(4)
Sendo um conhecimento tão importante, como podemos ter certeza sobre o cânon? Ninguém
precisa ter certeza infalível para justificadamente acreditar em algo. Como
acabamos de ver, nenhuma autoridade infalível disse que a igreja romana é a
igreja certa, ainda assim os católicos acreditam estarem certos em adotarem
essa igreja. Da mesma forma, ninguém pode infalivelmente afirmar que o sol
nascerá amanhã, todavia é tão provável que ele nascerá, que estamos
justificados em acreditar que ele certamente nascerá. Nossa certeza a respeito
do cânon advém do fato de que o mesmo Deus que inspirou esses livros também os
preservou. Se eles foram inspirados para edificarem, exortarem e consolarem o
povo de Deus, certamente Deus propiciaria meios para que eles fossem preservados
e reconhecidos pela igreja;
(5)
Quais os meios que Deus utilizou para isso? Como a igreja pode corretamente
conhecer o cânon sem ter uma autoridade infalível? Na antiga aliança, os judeus
chegaram ao cânon correto sem nenhuma declaração infalível. Jesus os
responsabilizou por conhecerem e praticarem a Escritura, então como ele poderia
exigir isso se eles dependiam de uma autoridade infalível para saber o que a
Escritura era? Como um judeu que viveu 50 anos antes de Cristo poderia saber o
conteúdo da Escritura? Eles puderam conhecê-lo sem apelar a uma autoridade
infalível (que de fato não existia). Os cristãos podem conhecer o cânon por
três meios basicamente:
(a)
As qualidades divinas dos livros inspirados. Paulo afirmou que os gentios
poderiam reconhecer a existência do criador através da revelação contida na
natureza (Romanos 1). Assim, a revelação específica também teria as digitais do
criador. Os livros bíblicos possuem incrível coerência e unidade, mesmo sendo
escritos por homens diferentes de épocas diferentes em lugares diferentes. O
impacto que eles causam em quem os lê é outra característica da autoria divina.
Os apócrifos citados pelo interlocutor católico não tem nada disso. São livros
repletos de histórias fantasiosas e contraditório entre si. Além disso, os
cristãos já tinham as Escrituras do Antigo Testamento que estão em franca oposição
a esses livros apócrifos que em sua maioria eram gnósticos. Um cristão do séc.
II não precisaria sequer do Novo Testamento para saber que o gnosticismo era
uma heresia. As doutrinas claramente expostas no A.T contrapunham o
gnosticismo;
(b)
As bases históricas. Nós temos boas razões históricas para acreditar que os
livros são literatura do século I, foram escritos por apóstolos ou pessoas
ligadas a eles ou receberam chancela de algum apóstolo. Outros candidatos que
chegaram a confundir até alguns pais da igreja como o Pastor de Hermas, 1
Clemente ou Didaquê não satisfazem esses critérios. Os apócrifos muito menos.
Ninguém hoje afirmaria que qualquer desses outros candidatos atenderia a esses
critérios;
(c)
O testemunho corporativo da igreja. Jesus disse “as minhas ovelhas ouvem a
minha voz” (João 10:27-29). O Espírito Santo trabalhou no meio da igreja de
forma que os livros inspirados fossem reconhecidos. Da mesma forma que na
antiga aliança, não houve qualquer declaração de uma igreja infalível – o que
não impediu a igreja de chegar ao consenso sobre os livros do Novo Testamento
no séc. IV. Hoje, quase a totalidade da igreja cristã adota o mesmo cânon do N.T.
No
próximo artigo, trataremos dos mesmos assuntos, mas com ênfase no testemunho
dos pais da igreja.
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