terça-feira, 30 de julho de 2019

Os Concílios Ecumênicos de Niceia (325), Constantinopla (381), Calcedônia (451) e a Falibilidade Conciliar



O Concílio de Niceia produziu o seguinte credo em oposição ao arianismo:

Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Ε em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai; Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai; por quem foram feitas todas as coisas que estão no céu ou na terra. O qual por nós homens e para nossa salvação, desceu, se encarnou e se fez homem. Padeceu e ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus Ele virá para julgar os vivos e os mortos. E no Espírito Santo. E quem quer que diga que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia, ou que antes que fosse gerado ele não existia, ou que ele foi criado daquilo que não existia, ou que ele é de uma substância ou essência diferente (do Pai), ou que ele é uma criatura, ou sujeito à mudança ou transformação, todos os que falem assim, são anatematizados pela Igreja Católica.

Todavia, o credo mais comumente referido como Niceno não é o acima. Um outro credo supostamente produzido no Primeiro Concílio de Constantinopla traz o seguinte texto:

Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai, por quem, foram feitas todas as coisas. O qual por nós homens e para a nossa salvação, desceu dos céus: se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos e padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras, e subiu aos céus, onde está assentado à direita do Pai. Ele virá novamente, em glória, para julgar os vivos e os mortos; e o Seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele falou pelos profetas. E na Igreja, una, santa, católica e apostólica. Confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos; e a vida do mundo vindouro. Amém.

As diferenças entre os dois estão negritadas. É nítido que se tratam de credos diferentes. Observem que o Credo de Constantinopla exclui a porção final do credo de Niceia. A maior parte das diferenças não são significativas, mas a exclusão os trechos finais de cada credo e os trechos “isto é, da substância do Pai; Deus de Deus” (Niceia) e “gerado do Pai antes de todos os séculos” (Constantinopla) são significantes. Eu afirmei que este último credo foi supostamente produzido pelo Concílio de Constantinopla porque não há nenhuma evidência deste texto anterior ao que foi apresentado no Concílio de Calcedônia. Este Concílio decretou:

(...) Nós renovamos o credo inerrante dos pais. Nós proclamamos todo o credo dos 318 [Credo Niceno de 325]; e fizemos pelos nossos próprios pais que concordaram com essa declaração da religião - os 150 que mais tarde se reuniram na grande Constantinopla e puseram seu selo no mesmo credo. (Decretos dos Concílios Ecumênicos, Volume 1, Norman P. Tanner, editor de S.J., 1990, p. 83.)

Dessa forma, sabe-se que o credo de Niceia não é o mesmo de Constantinopla. Além disso, “o primeiro concílio de Constantinopla não era originalmente um concílio geral” (Joseph Pohle, The Trinity, English trans. Arthur Preuss, 1912, p. 129).

Assim, temos um credo de um concílio “ecumênico”, que “não era originalmente um conselho geral”, alterando (por deleção) o Credo Niceno de 325 e o Quarto Concílio Ecumênico declarando equivocadamente que o credo promulgado no Concílio de Constantinopla em 381 era “o mesmo credo” que foi promulgado em Niceia em 325. Esta me parece ser uma forte evidência da falibilidade dos concílios ecumênicos.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Gênesis 3:15, os Pais da Igreja e Quem Esmagaria a Cabeça da Serpente




O texto de Gênesis 3:15 é frequentemente citado por apologistas católicas como uma referência mariana. Segundo eles, quem esmagaria a cabeça da serpente seria Maria. O argumento exegético é frágil e já há diversos artigos expondo a correta exegese do texto (aqui). Diante disso, os católicos costumam apelar à “tradição”. No fim das contas, tradição é tudo que Roma diz que é. Ainda que haja diferentes conceitos de tradição circulando na teologia romana, é comum apelar aos Pais da Igreja como evidência. O problema é que geralmente este apelo é seletivo ou enganoso. A grande questão é quem iria ferir a cabeça da serpente. Vejamos então a interpretação patrística do texto bíblico em ordem cronológica:

Justino Mártir (?-165) é as vezes citado como exemplo da interpretação mariana com base no texto abaixo:

Porque Eva, que era virgem e pura, tendo concebido a palavra da serpente, produziu desobediência e morte. Mas a Virgem Maria recebeu fé e alegria quando o anjo Gabriel anunciou as boas novas de que o Espírito do Senhor viria sobre ela, e o poder do Altíssimo a ofuscou: por isso o que é gerado por ela é o Filho de Deus; e ela respondeu: 'Seja para mim segundo a tua palavra'. Através dela Ele nasceu, a quem temos provado que tantas Escrituras se referem, e por quem Deus destrói a serpente e os anjos e homens que são como ela; mas opera a libertação da morte para aqueles que se arrependem de sua iniquidade e acreditam Nele. (Diálogo com Trifo 100:5-6)

Justino estabelece um paralelo entre Eva e Maria que muitas vezes é utilizado para referendar doutrinas marianas sem qualquer respaldo nos escritos do autor. Ele não é claro sobre a identidade da “semente da mulher”. Não há como afirmar certamente que era Maria ou Jesus, mas Jesus parece ser o melhor candidato. Ele menciona que Jesus “destrói a serpente”. Embora não seja uma referência direta a quem esmaga a cabeça da serpente, é no mínimo uma indicação de Jesus como aquele que vence a serpente. Ele alude a esta passagem outras vezes na mesma obra (91:4, 94:1, 100:5-6, 102:3, 103:5 e 112:12). Em nenhuma delas há alusão direta sobre quem esmaga a serpente.

Irineu de Lyon (?-220) faz várias alusões ao texto em questão:

Aquele que deveria nascer de uma mulher, [ou seja] da Virgem, à semelhança de Adão, foi proclamado como vigiando a cabeça da serpente. Esta é a semente da qual o apóstolo diz na Epístola aos Gálatas: “que a lei das obras foi estabelecida até que a semente viesse a quem a promessa foi feita.” Este fato é exibido mais claramente na mesma Epístola, onde ele fala assim: “Mas quando a plenitude do tempo chegou, Deus enviou Seu Filho, feito de uma mulher.” Pois, de fato, o inimigo não teria sido derrotado, a menos que um homem [nascido] de uma mulher o dominasse. (Contra as Heresias 5:21:1)

Ele claramente aduz ao texto de Gênesis 3:15 “proclamado como vigiando a cabeça da serpente” e o conecta à Epístola de Gálatas na qual Cristo é chamado de semente (Gal. 3:19). Logo, a “semente” da mulher que esmagou a cabeça da serpente é Cristo. Interessa notar que Irineu também fez uma analogia entre Maria e Eva na mesma obra (3:22:4 e 5:19:1), mas não identifica Maria como a mulher de Gênesis 3:15. Ele novamente identifica Jesus como aquele que pisou na cabeça da serpente em outro lugar:

Como também a Escritura nos diz que Deus disse à serpente: “E eu colocarei inimizade entre você e a mulher, e entre sua semente e sua semente dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. E o Senhor recapitulou em Si mesmo essa inimizade, quando foi feito homem por uma mulher, e pisou em sua cabeça [da serpente], como eu indiquei no livro anterior. (Contra as Heresias 4:20:3)

Clemente de Alexandria (150-215) alude ao texto bíblico sem identificar aquele que esmagaria a serpente:

Um e o mesmo é também nosso auxiliador e defensor, o Senhor, que desde o princípio predisse a salvação na profecia. (Cohortatioad Gentes 1)

Orígenes (184-253) identifica a semente da mulher com a Igreja:

Vamos então orar para que nossos pés sejam tão formosos, tão fortes, para que possam esmagar a cabeça da serpente a fim de que ela não possa morder o nosso calcanhar (Gn 3:15) (...) Então você vê que quem luta debaixo de Jesus [Josué], deve retornar a salvo da batalha. (Homilias em Josué 12:2)

Em outro lugar, ele relaciona a inimizade predita no texto bíblico com o sofrimento de Jeremias:

É necessário que a amizade de Cristo gere inimizade contra a Serpente, e a amizade da Serpente traga inimizade contra Cristo. (Homilias em Jeremias 19:7)

Jeremias seria então um exemplo de semente da mulher. Isto é consistente com a ideia de que a Igreja é a semente da mulher, que, com a força de Cristo, esmaga a cabeça da serpente. Sendo a Igreja a semente, é improvável que ele interpretasse a mulher como sendo Maria, haja vista que Maria não é quem gera a Igreja.

Cipriano de Cartago (?-258), citando Isaías 7:10-15, interpreta a semente como sendo Jesus:

(...) o próprio Deus lhe dará um sinal. Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e tu chamarás o seu nome Emanuel. Manteiga e mel ele comerá, e antes que Ele saiba o que é preferir o mal, Ele deverá se voltar para o bem. Essa semente que Deus predisse que viria da mulher e que iria pisar na cabeça do diabo. Em Gênesis: "Então Deus disse à serpente: Feito isto, amaldiçoado és tu de todo tipo dos animais da terra. Sobre o teu peito e o teu ventre arrastarás e a terra será a tua comida todos os dias da tua vida. E colocarei inimizade entre ti e a mulher e sua semente. Ele considerará a tua cabeça, e tu olharás o seu calcanhar". (Três Livros de Testemunhos contra os Judeus 2:9)

Em outras partes, Cipriano identifica os membros da Igreja como aqueles que esmagam a cabeça da serpente, ou seja, uma interpretação coletiva:

Que nossos pés sejam calçados com o ensino do Evangelho e armados para que, quando a serpente começar a ser pisada e esmagado por nós, ela não possa ser capaz de nos morder e derrubar. (Carta 55:9)

Ele também aplica o mesmo a um cristão que não negou a fé sob tortura:

E embora seus pés estivessem amarrados com cordas, a cabeça da serpente [estava] esmagada e dominada. (Carta 39:2)

Dessa forma, vemos que, nestes testemunhos referentes aos primeiros três séculos da Igreja, não há nenhum pai da Igreja indicando Maria como aquela que esmagaria a cabeça da serpente. Isto está de acordo com o fato de que a devoção Mariana e a elevação da mãe de Jesus ao status que atualmente ocupa nas Igrejas de Roma ou Igrejas Orientais levaria ainda séculos para ocorrer, e não fazia parte do período mais primitivo da Igreja.

Serapião de Thumis (?-359), escrevendo no séc. IV, disse que a semente era Cristo:

Mas uma mulher não tem semente, só o homem tem. Como então foi dito da mulher? Está claro que foi dito a respeito de Cristo a quem a virgem pura gerou sem semente? Certamente, Ele é uma semente singular, não sementes no plural. (Tiburtius Gallus, S. J., Interpretatio Mariologica Protoevangelii [Gen. 3:15], Tempore postpatristico usque ad Concilium Tridentium [Rome: n.p., 1949], 24)

Cirilo de Jerusalém parece interpretar como sendo a Igreja (?-386):

Pois há também uma inimizade que é certa, como está escrito, eu porei inimizade entre ti e a sua semente, pois a amizade com a serpente opera a inimizade contra Deus e a morte. (Leituras Catequéticas 16:10)

Optato de Mileve (?-400) deu uma interpretação coletiva:

No começo do mundo, a inimizade começou com o Diabo. Foi quando a sentença de Deus colocou as duas sementes uma contra a outra em rivalidade hostil. Ele disse: "Vou colocar inimizade entre tua semente e a semente da mulher; ela (ipsa) ferirá a tua cabeça, e tu ferirá o seu calcanhar ” (Gn 3:15). Essa inimizade (...) derrama sangue santo desde o princípio. Logo depois, o justo Abel é assassinado por seu irmão (Gn 4). (In Natale Infantium qui pro Domino occisi sunt, 5; FG, 173-74; Unger cites source for text as A. Wilmart, RevScRel 2 (1922), 271-302; 283)

A semente da serpente seria representada pelo ímpio, e a da mulher pelo justo. O primeiro caso de inimizade entre as duas sementes seria Caim e Abel. Dessa forma, a mulher dificilmente seria Maria aqui, pois não faria sentido relacioná-la a Caim e Abel.

João Crisóstomo (?-400) indica os membros da Igreja como a semente da mulher. Num sermão sobre Gênesis 3, ele fala da inimizade entre as serpentes (no sentido natural) e a humanidade. É então que ele diz sobre Gênesis 3:15:

Deve ser levado muito mais em conta a serpente intelectual [o diabo], Pois também Deus o humilhou e o sujeitou debaixo de nossos pés e nos deu o poder para pisar em sua cabeça. (Homilias em Gênesis 17:7)

Jerônimo (?-420), o tradutor da vulgata. Esta tradução é em grande parte responsável pela confusão que se seguiu na interpretação da passagem, pois Jerônimo usou o pronome feminino (ipsa), em contraste a forma como havia traduzido numa obra exegética anterior (Quaestiones hebraicae), na qual ele traduziu: "Ele esmagará a sua cabeça e você esmagará o calcanhar". Em todo o caso, não há registros de que o próprio Jerônimo tenha identificado a mulher ou a semente da mulher como sendo Maria. Ele aplicou uma interpretação coletiva quando abordou a passagem.  Em seu comentário sobre Ezequiel, ele fala das águas que “alcançam os tornozelos que estão perto das solas e do calcanhar, e estão expostos às picadas da serpente (Comentário sobre Ezequiel 14.47:3). Ele comenta sobre a serpente mencionada em Eclesiastes 10:8 e diz que ela é a mesma “que enganou Eva no paraíso, a qual por ter destruído o preceito de Deus, expôs-se as suas mordidas e ouviu do Senhor: ‘Tu lhe ferirás a cabeça e ele (ille-coluber) ferirá o teu calcanhar" (Comentário em Isaías 16, 58:12). Nesta interpretação, a mulher seria Eva. Em suma, ele aponta Eva como a mulher e, ao se referir aos que são feridos pela serpente, adota uma interpretação coletiva, não indicando Maria individualmente. É razoável supor que ele interpretasse que os membros da Igreja esmagariam a cabeça da serpente.

Agostinho (354-430) identificou a semente como as boas obras:

Foi colocada inimizade entre a semente do diabo e a semente da mulher. A semente do diabo significa a sugestão perversa e da mulher significa o fruto da boa obra pela qual se resiste à sugestão perversa. Assim, ele vigia o pé da mulher para que, caso a mulher escorregue em algum prazer proibido, ele possa se aproveitar dela. Já ela vigia sua cabeça a fim de que possa evitá-lo já no início de qualquer tentação maligna. (Sobre o Gênesis contra os Maniqueus, cap. 18)

Em outro lugar, ele identifica Eva como a mulher e a Igreja como a semente:

Essa cabeça é a parte que recebeu a maldição, a saber que a semente de Eva deveria marcar a cabeça da serpente. Pois a Igreja foi admoestada a evitar o começo do pecado. Qual é o começo do pecado, como a cabeça da serpente? O começo de todo pecado é o orgulho. (Comentário sobre o Salmo 74, v. 14)

Aqui, fica claro que Igreja (a semente de Eva) deveria vigiar e evitar o pecado, ou seja, esmagar a cabeça da serpente. Em suma, Agostinho não aponta nem a semente da mulher nem a própria mulher como Maria. Ele faz alusões a Gênesis 3:15 em outros lugares (Comentários sobre os Salmos 36:12-13 e 49:6 – aqui), sem estabelecer qualquer relação da passagem com Maria.  João Cassiano ofereceu uma interpretação similar ao identificar a cabeça da serpente como o início do pecado e o calcanhar como o fim de nossas vidas (Institutas 4:37).

Um antigo manuscrito traz a interpretação de Pais da Igreja Sírios (ex. Teodoro de Mopsuestia e Efrém) sobre o Gênesis. Eles disseram sobre a cabeça e o calcanhar:

 (...) esta é uma figura do julgamento sobre Satanás, pois Deus o colocou muito abaixo de nós. Quanto a nós, se desejamos o bem, somos capazes de feri-lo através de ações poderosas. Contudo, ele também é capaz de nos ferir, uma vez que ele vigia nossos calcanhares, ou seja, nosso caminho, que são nossos atos. (Abraham Levene, The Early Syrian Fathers on Genesis: From a Syrian MS [London: Taylor’s Foreign Press, 1951], 24, 77-78.

Trata-se de uma interpretação coletiva na qual a semente da mulher é entendida como sendo os cristãos. Uma implicação dessa interpretação coletiva é que a mulher não poderia ser Maria. Eva seria uma candidata mais forte, uma vez que ela deu origem a raça humana. Em conclusão, vimos que a interpretação de que Maria esmagou a cabeça da serpente não encontra eco no pensamento patrístico. Mesmo a interpretação de que Maria seria a mulher que geraria a semente também não parece ter tido muitos apoiadores. Eu procurei em blogs católicos a fim de encontrar alguma citação patrística que afirmasse ser Maria aquela que esmagaria a serpente e não encontrei nada. Eles geralmente citam o paralelo entre Eva e maria feito por Irineu e Justino, mas já vimos que extrair daí a exegese de Gênesis 3:15 não faz jus aos escritos desses autores. O estudo mais detalhado sobre Gênesis 3:15 pode ser visto aqui.


segunda-feira, 15 de julho de 2019

A Suposta Infalibilidade dos Concílios



Observações do tradutor

O texto abaixo é uma tradução do artigo “A suposta infalibilidade dos Concílios” de Luis Bermejo. Ele foi um prestigiado teólogo jesuíta espanhol que ensinou teologia no Pontifício Ateneu de Puna, na Índia. A versão em espanhol pode ser vista aqui. Eu não concordo com todas as opiniões expostas, mas Bermejo oferece um interessante panorama bíblico e histórico sobre a infalibilidade conciliar, culminando com sua conclusão de que tal ideia não é parte do depósito da fé. Em todo o caso, é interessante notar quão distante estão as opiniões dos acadêmicos católicos daquelas compartilhadas pela apologética católica padrão.

I.    O testemunho do Novo Testamento

A teologia católica tradicional considera que a infalibilidade dos concílios vem incluído, pelo menos implicitamente, nas promessas de orientação e proteção que Jesus fez aos seus discípulos tal como são encontradas em João 14:15-17; 14:25-26; 15:26-27; 16:12-14 (os textos do Paráclito) e em Mateus 28:19-20.

Os textos do paráclito

1. Os textos do Paráclito

Em vez de nos deixarmos levar por um processo de raciocínio que, a partir desses textos acabará nos dando a conclusão teológica da infalibilidade, é preferível ouvir objetivamente aos exegetas que os explicaram independentemente de qualquer desenvolvimento doutrinário posterior. O estudo dos comentários de João publicados pelos exegetas contemporâneos mais conhecidos nos dão os seguintes resultados:

a) O Paráclito – o Espírito da verdade

A palavra Parakletos aparece três vezes no NT, referindo-se ao Espírito Santo (Jo 14:16-26; 16:7) e uma vez referindo-se a Cristo (1Jo 2:1). Seu significado original é de defensor ou advogado, alguém que defende seu cliente perante um tribunal de justiça. Alguém chamado para ajudar intelectualmente uma pessoa, especialmente dando conselho, exercendo assim o ofício de inspirador. No entanto, esse sentido etimológico não esgota a riqueza da palavra, já que o verbo grego correspondente (parakaléo) também abarca a ideia de consolo e alívio. Esta é a ideia que parece mais ajustada ao contexto das passagens do Paráclito.

O Paráclito é "o Espírito da verdade", na medida em que se opõe ao espírito do erro (1 Jo) e da mentira (Jo 8). Essa expressão, sempre usada por João para definir o Espírito, tem um significado ontológico (possui a verdade e é a verdade) e, ao mesmo tempo, um significado funcional (ensina e transmite a verdade). Da mesma forma que Jesus é "o pão da vida" porque é a vida e dá vida, também o seu Espírito é o Espírito da verdade porque é a verdade e porque a comunica aos outros.

Em João, o conceito de verdade inclui os sentidos hebraico e grego da palavra. Na mentalidade semítica, a verdade afeta principalmente a atividade existencial do homem, a verdade é o princípio da ação (firme, fiel, digna de confiança). Na mentalidade grega, a verdade refere-se principalmente ao conhecimento intelectual. Assim, o Espírito é, ao mesmo tempo, o princípio da firmeza e estabilidade e o da revelação divina. A mensagem de Jesus será totalmente capturada e profundamente assimilada graças ao Espírito da verdade.

b) Jesus promete a plenitude da verdade

O fato de que o Espírito "lhes guiará a toda a verdade" ou, em outra tradução "vos guiará em toda a verdade" (João 16:13), é quase certo que significa que o Espírito é a fonte de uma nova revelação diferente da de Jesus. A promessa do Espírito da verdade não implica que a revelação que os discípulos receberam de Jesus é incompleta. Como consequência da função iluminadora do Espírito, a mensagem original de Jesus será capturada e assimilada mais profundamente. Eles viverão em diferentes situações históricas e os discípulos sempre a entenderão novamente, mas nunca deixará de ser a mensagem original de Jesus.

Essa orientação do Espírito não se limita à apreensão intelectual da verdade, mas implica também um modo concreto de viver de acordo com o ensinamento de Jesus. Restringir seu significado à dimensão intelectual seria reduzir a "verdade" joanina ao seu substrato grego, esquecendo a veia semítica que aponta mais para a ação e a vida. O Espírito guia os discípulos quando expõem o conteúdo da mensagem e também quando vivem de acordo com ele. Tanto o teólogo como o santo são verdadeiras testemunhas do Espírito. Estes exercem sua influência tanto na área da verdade intelectual e na do comportamento ético, combatendo tanto a falsidade do erro como a escuridão do pecado.

A passagem de João 16:13b ("Ele lhe dirá o que está por vir") não está claro, mas as diferentes interpretações que são dadas não tiram nada da plenitude da revelação que Cristo tem já ensinado. Parece que os exegetas se dividem em partes iguais entre aqueles que possuem uma interpretação verdadeiramente profética da passagem e aqueles que se opõem a mesma. A última parte do versículo pode implicar um autêntico dom de profecia, um poder dado por Deus para prever eventos futuros; ou pode simplesmente se referir, em harmonia com a primeira metade, à luz do Espírito que será lançada, não tanto em fatos de um futuro distante, mas daqueles que seguirão imediatamente a promessa do Espírito, especificamente a morte e ressurreição de Jesus e seu significado salvífico. Porém, mesmo que se refira a uma visão profética autêntica, isso não implica revelação de novas verdades. João 15:15 parece excluir novas revelações: "Tudo o que ouvi de meu Pai, eu lhes dei a conhecer".

c) Toda a Igreja é beneficiária da promessa do Espírito

Obviamente, os discípulos, interlocutores imediatos de Jesus, serão guiados pelo Espírito para a plenitude da verdade. Mas esta promessa vai muito além do círculo dos Doze, da mesma forma que a promessa da habitação do Espírito não pode ser restrita às testemunhas oculares, mas se estende a todos os futuros discípulos. No Evangelho de João, os discípulos são frequentemente o modelo de todos os cristãos e "o que ele diz deles, ele entende como para a Igreja". Assim, mesmo de acordo com o ponto de vista de João, exegeticamente os beneficiários finais da promessa não são apenas os Doze ou seus sucessores no ofício apostólico, mas toda a Igreja. Não faz sentido a interpretação que estende a presença do Espírito a toda a Igreja, mas restringe a promessa do seu guia.

d) Guia infalível?

A questão da infalibilidade não pode ser evitada. Implicam as passagens do Paráclito que a Igreja, como beneficiária da promessa, será preservada do erro? Apenas três dos 36 autores consultados - os três católicos - acham que sim. Dois outros negam explicitamente, mas a grande maioria deixa a questão envolta num silêncio impressionante Eles nem sequer mencionam a noção de infalibilidade quando estudam estas passagens, pois do ponto de vista exegético não pode ver como a promessa explícita da orientação do Espírito da verdade contém a afirmação implícita da infalibilidade A orientação do Espírito (que, como foi indicado, se estende tanto a verdade intelectual quanto ao comportamento moral) não impede que a Igreja caia em pecado Por que, então, a Igreja seria preservada do erro em virtude da mesma promessa? Não exageramos muito o testemunho quando vemos nas palavras de João a promessa de um guia infalível?

2. O final de Mateus

Mateus 28:16-20 é a segunda passagem que geralmente é feita em favor da infalibilidade. Seguindo o mesmo procedimento de deixar os exegetas falarem mais que os teólogos dogmáticos, eu examinei os principais comentários sobre Mateus que foram publicados em nossos tempos. Suas opiniões sobre o ponto que estamos lidando podem ser resumidos da seguinte forma:

a)   O Conteúdo da Promessa

As palavras de Jesus "Eu estarei com vocês" ecoam expressões semelhantes do AT, com o qual Yahweh garante sua proteção infalível aos que ele escolheu para uma missão difícil. O mesmo ocorre com Paulo no NT (Atos 18:10). Da mesma forma que o povo de Israel no deserto sempre foi sustentado e protegido pelo poder de seu Deus, presente no meio da comunidade, agora também os onze recebem o mandato para pregar o kerygma entre os povos, para que eles possam se juntar à comunidade dos crentes através do batismo e, juntamente com o mandato, receber a garantia de proteção divina no cumprimento do mesmo.

Deve-se notar que a promessa da presença protetora de Deus não ocorre em um contexto de revelação, como um guia sobre o caminho para a plenitude da verdade, mas como o meio para cumprir o mandato missionário de pregar e batizar. O texto não contém qualquer referência ao pleno entendimento da mensagem de Jesus por parte dos discípulos. No entanto, é antes um convite à confiança e ação. O que se promete é a presença divina tendo em vista a pregação do Evangelho, não uma assistência iluminadora com vista a uma penetração mais profunda da verdade revelada.

b)   Os beneficiários da promessa divina

Se, em João, os discípulos representam toda a comunidade cristã, não se pode dizer o mesmo com igual certeza sobre os Onze, aqueles que recebem imediatamente a promessa da presença de Jesus em Mateus, pois, no primeiro evangelho, a palavra "discípulo" parece ter um sentido mais restrito do que em João. Para Mateus, os discípulos são em primeiro lugar, os Doze e, em todo caso, na passagem que consideramos, ele fala explicitamente dos "onze discípulos". No entanto, nem todos os exegetas estão de acordo. Alguns acreditam que os onze são especificamente os representantes da comunidade O mandato para pregar e batizar (e, portanto, a promessa da presença protetora como meio de realizá-la) é dirigida, em primeiro lugar, aos Onze. Porém, neles, também para a futura comunidade de crentes. A prática constante da Igreja que sempre permitiu que os leigos administrassem o batismo parece-lhes uma prova clara de que o mandato missionário não se limita ao Onze. E se o mandato não foi limitado, também não seria a presença divina que o acompanha. É toda a Igreja que recebe o benefício da presença continuada de Jesus.

c) Ensino infalível?

Jesus promete sua presença no meio da comunidade que tem que pregar sua mensagem até o fim dos tempos. Mas, dentro do contexto do ensinamento do kerygma, o que Jesus promete é a sua presença e o seu apoio, nada mais. Nenhum dos comentaristas de Mateus que temos consultado diz uma palavra sobre infalibilidade em relação a isto. Alguns deles veem nas palavras de Jesus a promessa da indefectibilidade da Igreja assegurada por proteção divina, mas abstém-se de ir além desta afirmação.

II. Desenvolvimento patrístico ou silêncio patrístico?

Se quisermos evitar o perigo constante de projetar-se sobre o período primitivo teorias eclesiológicas modernas, ou que se desenvolveram depois, teremos que examinar o conceito de autoridade dos concílios dos primeiros séculos nos escritos da época. A maioria das opiniões que circularam no século IV sobre a autoridade da Igreja focam em torno do primeiro concílio ecumênico.

Atanásio e a Autoridade de Niceia

A principal razão que Atanásio dá para aceitar incondicionalmente os decretos conciliares é, sem dúvida, o caráter apostólico do concílio: o fato de que Niceia, longe de inovar, nos entrega o kerygma apostólico. Esta fidelidade à mensagem apostólica é a razão para a irreformabilidade de seus decretos [1]. Atanásio também se refere a relação que vincula a Sagrada Escritura ao concílio. Você tem que aceitar a fé de Niceia porque é "a palavra de Deus", não no sentido forte da Bíblia, mas porque foi inspirado nela e está imbuído dela. Em uma palavra, porque "os bispos de Niceia respiram as escrituras" [2].

Além do caráter apostólico e do fundamento escriturístico que acabamos de apontar, Atanásio adiciona, quando ele escreve ao Imperador, o fato da aceitação universal dos decretos em toda a Igreja [3]. A recepção dada à fé de Niceia desempenhou um papel considerável no estabelecimento da autoridade do concílio. Mas parece que Atanásio completamente ignora qualquer autoridade do conselho que se origina a priori. Na opinião de H. J. Sieben, o conceito de uma certa infalibilidade "automática" dos concílios, uma vez cumpridos determinados requisitos (de legitimidade ou, até mesmo, de ecumenicidade), é estranho para Atanásio: Niceia ensina a fé apostólica de fato, não de jure [4].

O imperador e os Pais de Niceia

Foi o imperador e não Atanásio que reivindicou para Niceia uma autoridade pouco menos do que divina, com base na ideia de que o Espírito Santo iluminou a inteligência dos pais conciliares, transformando-os em instrumentos dóceis da vontade divina. Esta afirmação imperial é sumamente debilitada pelos motivos políticos que o impulsionaram a faze-la (a unidade do império), e pelo fato de que ele usou expressões semelhantes para se referir ao concílio de Arles (não-ecumênico). Em Atanásio, pelo contrário, "observamos um surpreendente silêncio: Atanásio nunca recorre ao Espírito Santo" [5].

O próprio Concílio de Niceia, em seus decretos e decisões, dá alguma razão, embora vaga, para justificar sua aceitação: os decretos devem ser aceitos porque são tradicionais, porque simplesmente reproduzem uma norma que já existe ou porque são de acordo com as Escrituras. Portanto, o concílio dá a impressão de aplicar a uma situação histórica concreta a prática estabelecida anteriormente na Igreja. Nunca apela a uma ação do Espírito Santo que preserva o concílio do erro [6]. Os documentos que restaram deste período não nos oferecem uma teoria coerente sobre a autoridade conciliar [7]. Várias razões são usadas para sustentar sua autoridade: a providência divina, a orientação do Espírito, o sentido apostólico e escriturístico do concílio, a unanimidade, a representação,  a recepção e a tradição. Contudo, apesar de todas estas razões, durante os cinquenta anos seguintes, sua autoridade seria discutida e até rejeitada por importantes grupos de bispos, muitas vezes reunidos em concílio [8].

O agitado período que se seguiu a Niceia

Os teólogos do período entre Niceia e Éfeso aceitam a profissão de fé nicena por motivos diferentes de sua natureza ecumênica. Tampouco consideram Niceia como um tipo de prolongamento do "concílio apostólico" de Jerusalém (Atos 15), que aparece designado como um concílio apenas a partir do século V. A dificuldade de avaliar a autoridade que estes escritores do século IV atribuíram a Niceia cresce, ademais, com a flutuante terminologia da época [9].

As razões positivas em que se baseia a autoridade de Niceia são de natureza diferente. Para alguns, Niceia é uma assembleia de confessores e mártires, e baseiam nesta característica sua autoridade e prestígio, ao invés de no ofício episcopal de seus participantes. Outra base muito mais comum para aceitá-lo é a convicção de que Niceia manifesta a vontade divina: Deus guiou efetivamente as deliberações conciliares e estas, portanto, são dotadas de uma espécie de inspiração. Expressa e energicamente referem-se ao fato de que os pais do concílio estavam sob a influência direta do Espírito Santo. Outro grupo de escritores aduz uma razão semelhante, quando fala da presença invisível de Jesus no concílio. Eles também confiam no significado místico do número de pais (318) reunidos em Niceia (cf. Gn 14:14). A intenção unânime desses autores é "expor sua convicção comum: Deus está por trás deste texto conciliar. Deus garante a verdade desta afirmação. Aqui encontramos a verdade absoluta" [10].

Alguns pais orientais e o papa Dâmaso

Gregório de Nissa, Basílio e Epifânio consideram, como Atanásio, que a ideia de tradição (paradosis), perceptível no concílio, é a categoria fundamental que empresta a seus decretos o caráter absoluto da verdade. Quanto ao critério para averiguar a tradição autêntica, diz-se que se encontra no fato de um acordo comum entre os bispos reunidos, embora a defesa e a rejeição deste critério fundamental vem contaminado por considerações de natureza partidária [11].

O papa Dâmaso, em sua carta aos bispos orientais, introduz um novo motivo para a aceitação de Niceia: o fato da representação legal da Santa Sé no mesmo concílio. Além disso, a razão fundamental para rejeitar o concílio de Rimini, embora estivesse mais cheio que o de Niceia, é o fato de Roma não aprová-lo. Já aparece a tendência que influenciaria tão profundamente o pensamento de Roma sobre esta questão nos séculos subsequentes, mas devemos advertir que o papa Dâmaso, ao aceitar a fé de Niceia, não menciona a impossibilidade de errar do concílio [12].

Pensamentos de Agostinho sobre os concílios

Agostinho estabelece como critério fundamental a distinção entre concílios e escrituras. Esta é que tem que julgá-los e não o contrário, porque nenhum concílio tem a validade definitiva da Escritura. Todos os escritos que não pertencem ao cânon bíblico podem ser questionados, incluindo declarações conciliares, embora em graus distintos, a depender se eles são o produto de um sínodo local ou de um concílio plenário. No que se refere a concílios não plenários, Agostinho admite com toda certeza a possibilidade de erro.

Para Agostinho, a razão última, o critério decisivo da autoridade dos concílios, é o fato de que são manifestações visíveis da "católica". Manifestações condicionais, no sentido de que a Igreja pode sempre manifestar-se mais plenamente na medida em que capta a verdade mais profundamente. Enquanto os sínodos individuais conotam um certo processo na busca da verdade, os concílios gerais indicam, de alguma forma, o fim do processo.

A sentença anterior, no entanto, deve ser tomada com grande flexibilidade, pois, em uma passagem que se tornou famosa, afirma sem equívocos que mesmo os concílios plenários são sujeitos a correção: "Quem não sabe que (...) até mesmo os concílios realizados em certas províncias ou regiões devem inquestionavelmente ceder à autoridade dos conselhos plenários de todo o mundo cristão; e que até os conselhos plenários anteriores são frequentemente corrigidos (emmendari) por aqueles que os seguem se, como resultado da experiência prática, o que foi fechado é aberto, ou algo que estava escondido se torna conhecido? [13]

É difícil determinar o significado exato dessa passagem. Não há dúvida de que  por "concílios plénarios", Agostinho entende os concílios universais, reunidos de toda a "Catholica" (antigo universo cristão), mas é chocante sua afirmação de que estes concílios "frequentemente" se corrigiam mutuamente. Não parece que Agostinho tenha conhecido o I Concílio de Constantinopla (segundo ecumênico). Portanto, é provável que os "sínodos plenários" de Agostinho não deveriam ser identificados com os "concílios ecumênicos", como são entendidos hoje. De todo modo, a noção "concílio ecumênico" estava longe de ser clara nos primeiros séculos, e apenas Belarmino comporia uma lista de concílios ecumênicos, nunca reconhecida como oficial pela Igreja.

O que o bispo de Hipona realmente pensou sobre a infalibilidade dos concílios ainda é uma questão discutida hoje. Reconhece, sem dúvida, a força vinculante das decisões conciliares, mas isso em si não implica necessariamente no reconhecimento da infalibilidade conciliar. Parece que Agostinho não tratou esta questão ex profeso em nenhum lugar, daí a dificuldade de descobrir a sua opinião a respeito. Nesse ponto, seu silêncio deve ser respeitado [14] [15].

Ao fim do século VI

Os quatro primeiros concílios já haviam adquirido uma autoridade excepcional, que se intensificou com o testemunho do Papa Gregório Magno (604), que não hesitou compara-los com os quatro evangelhos [16]. Sua aceitação universal em todo o comprimento e largura do Cristianismo é porque eles formularam a "fé", então eles constituem o critério e norma fundamental da ortodoxia. Mas comparações arbitrárias e sentidos místicos atribuídos ao número quatro devem ser tomados com muito cuidado. A linha divisória entre a inspiração do Espírito e sua assistência seriam perigosamente borradas, mesmo quando os Evangelhos e os quatro primeiros concílios compartilham a ausência factual de erro quando expõem a verdade salvadora [17].

Na consciência da Igreja, os primeiros quatro concílios sempre ocuparam um lugar único. Assim, dentro dos mesmos concílios ecumênicos, existe uma certa hierarquia ou diferença de classificação, assim como há uma hierarquia de verdades no conteúdo do kerygma cristão. E ainda existe uma relação entre as duas gradações, os quatro primeiros concílios lidam precisamente com as verdades da categoria superior, isto é, os dogmas cristológicos e trinitários.

Antes de passar para outra etapa, e depois de reconhecer tudo o que foi dito, ainda há pergunta não respondida: ao elogiar a importância desses primeiros concílios, a igreja era consciente ou foram os próprios concílios conscientes de que eles exerceram o carisma de infalibilidade? A infalibilidade conciliar é a única maneira de explicar os testemunhos patrísticos? Parece-me que os dados históricos disponíveis podem ser entendidos como o início de um desenvolvimento legítimo inspirado pelo Espírito que iria do claro reconhecimento da inerrância desses concílios (uma vez que eles propõem a fé a ser aderida), até a percepção gradual de que não só eles de fato não erraram, mas até mesmo de não poderiam ter errado. A "inerrância" poderia ter levado à "infalibilidade", mas eu não acho que esta conclusão está suficientemente garantida com os testemunhos que citamos. Ao final do século VI, a Igreja não parece consciente de possuir a prerrogativa da infalibilidade quando está reunida em concílio [18].

O período medieval

Especialmente, do VI ao VIII século, se proliferaram extraordinariamente os sínodos nacionais e provinciais. Isto se explica pelo desenvolvimento normal das jovens igrejas locais, que assim adquirem uma consciência explícita de sua própria identidade num determinado meio nacional ou cultural. A dimensão mística penetra profundamente na igreja medieval: se vê estreita relação com a Jerusalém celestial, vivificado pela presença de Cristo e como templo do Espírito Santo.

Nesta atmosfera, os decretos de papas e bispos são considerados sancionados pela aprovação do Deus Todo-Poderoso. As decisões conciliares são sagradas. Os bispos são "tronos de Deus" e a eles foram confiados o poder de abrir e fechar as portas celestiais. Os concílios derivam sua autoridade diretamente da presença invisível do Senhor que cumpre sua promessa de estar no meio dos discípulos reunidos em seu nome. Os cânones conciliares expressam simplesmente a vontade de Deus. As atas dos papas e concílios derivam sua força do fato de que eles ressoam conscientemente as velhas tradições, de que eles não são nada além do que prolongamento dos acordos conciliares do passado. Fidelidade à tradição é sua força e seu vigor.

Os textos de Mt. 18:20 e 28:20 são constantemente citados e aplicados às reuniões de bispos e a toda a Igreja, considerada de acordo com 1 Tm 3:15 como a coluna e fundamento da verdade. Nos temas eclesiológicos deste tempo, encontramos ressonâncias surpreendentemente modernas: a teologia das igrejas locais, a Igreja universal pensada profundamente como comunhão, o valor intrínseco dos concílios, as primeiras características da colegialidade episcopal. Mas, no meio desses ricos conceitos, nem uma palavra aparece sobre nosso assunto de infalibilidade conciliar. A alta idade média simplesmente prolonga o silêncio da era patrística.

O período dos escolásticos

No tempo dos grandes escolásticos, havia a convicção universal compartilhada por todos de que a Igreja em geral, a comunidade dos crentes, não poderia errar na fé; ou que, pelo menos, em virtude das promessas divinas, era indefectível. Então, no que se refere aos decretos dogmáticos dos concílios do primeiro milênio, especialmente os quatro primeiros, são considerados "imutáveis porque estão enraizados na verdade das Escrituras" [19].

Alberto Magno aplica o texto clássico de Lc. 22:32 ("Eu tenho orado por você para que sua fé não desfaleça ...") à sede de Pedro, a fim de mostrar a indefectibilidade da sede romana. O beneficiário da promessa divina é, em última análise, toda a Igreja. Tomás de Aquino aceita a clássica tese medieval: a Igreja universal não pode errar na fé. Dentro da estrutura eclesial, o Papa tem a autoridade suprema em assuntos doutrinários e só ele tem o direito de convocar concílios, que declaram e explicitam, contrastando com as novas heresias, o que os concílios anteriores haviam dito apenas implicitamente. Boaventura também reconhece a inerrância de toda a Igreja, sem especificar suas condições. Nesse período, a teologia sobre os concílios dificilmente atraiu a atenção dos doutores.

Por outro lado, entre os exegetas medievais que comentam Mt. 28:20 e os textos de João sobre o Paráclito, nenhum fala da garantia de que a Igreja será preservada do erro. Somente São Bruno vê em Jo 16:12 a promessa de que o Espírito ensinará os discípulos a verdade plena "sem mistura de qualquer erro" [20].

Da infalibilidade papal a infalibilidade conciliar – reações

No final do século XIII, o enigmático franciscano Pedro Olivi propôs a doutrina completamente nova da infalibilidade papal. Ele defende argumentando que a primazia de jurisdição que foi concedida a Pedro incluía sua própria infalibilidade pessoal e que a indefectibilidade da Igreja implica necessariamente a infalibilidade de sua cabeça. Olivi afirmou a infalibilidade papal como um meio para assegurar que o conceito franciscano de pobreza, endossada pela bula do Papa Nicolas III, não seria alterado por seus sucessores. No entanto, João XXII, que claramente percebeu que essa infalibilidade, longe de aumentar a soberania do papa, restringiria severamente sua liberdade (pois cada papa estaria ligado às decisões inalteráveis de seus antecessores), rejeitou-a sem cerimônia como "doutrina pestilenta" e "audácia perniciosa" [21].

É provavelmente mais do que uma coincidência histórica que, aproximadamente neste momento (1324), observamos o que parece ser a primeira afirmação sem qualquer ambiguidade da infalibilidade dos concílios na boca de Marsílio de Pádua. O único fundamento da fé da Igreja, diz Marsílio, é a Escritura. As questões que se referem à fé não devem ser decididas pelo papa, que é "o dragão, a velha serpente, que é o diabo e Satanás ", mas o concílio geral, que deve ser convocado pelo estado. O papa sempre pode errar e até cair em heresia, em cujo caso deve ser deposto pelo concílio, uma vez que a primazia papal da jurisdição é instituição puramente humana. Os concílios gozam da assistência do Espírito Santo e também se acredita até mesmo (pie tenendum est) que eles são infalíveis quando interpretam passagens duvidosas das Escrituras. Marsílio de Pádua foi condenado por Juan XXII, em 1327, e por Clemente VI, em 1343 [22].

Por volta de 1334, Ockham se compromete a refutar as ideias de Marsílio sobre a infalibilidade conciliar. Ockham entende a opinião medieval de que a Igreja não pode errar, não no sentido de que nunca errará, mas no sentido de que o erro nunca afetará toda a Igreja. Somente a Igreja inteira está preservada do erro e, uma vez que o concílio geral não pode representar adequadamente toda a Igreja, os concílios podem errar na fé, assim como qualquer outra instituição no governo da Igreja. Não há dúvida de que os concílios gozam da assistência do Espírito Santo, mas não há fundamento na Bíblia para mostrar que essa assistência geral atinge o nível da infalibilidade. A autoridade efetiva de um concílio vem menos da unanimidade alcançada na assembleia conciliar do que da recepção concedida ao concílio pela Igreja inteira [23].

Tendências conciliaristas e a divisão de opiniões sobre a infalibilidade conciliar

Com a eclosão do cisma do Ocidente, em 1378, ele teve que encontrar um remédio fundamental para a triste situação em que a Igreja estava: foi então que a ideia conciliar apareceu com todo o seu apelo. Estudos recentes têm demonstrado que, no século XII, já prevaleciam ideias conciliares totalmente ortodoxas e autenticamente tradicionais; mas o conceito conciliarista, que coloca o concílio acima do papa, era algo novo, provavelmente derivado das ideias heréticas de Marsílio de Pádua. No meio da confusão eclesiástica do final daquele século, insistia-se repetidamente no concílio como a única esperança de um cristianismo desesperadamente dividido. Deve-se levar em conta, no entanto, que a linha divisória entre aqueles que defendiam e aqueles que se opunham à infalibilidade conciliar cruzavam as fileiras dos papistas e dos conciliaristas. A defesa firme da estrutura conciliar da Igreja, e mesmo a supremacia do concílio sobre o papa não implicava necessariamente na defesa da infalibilidade conciliar [24].

Ilustres eclesiásticos da época, como Gerson e Cardeal d'Ailly, após o fracasso das tentativas de negociação entre os papas para acabar com o cisma, chegaram a pensar que a via conciliar era a única saída desse atoleiro. Gerson afirma que "É necessário que a Igreja tenha uma autoridade infalível para a defesa da fé e solução dos litígios; mas nenhuma outra autoridade infalível é necessária para além de um concílio legitimamente convocado." [25] D'Ailly, por outro lado, propõe sua doutrina de que somente a igreja universal é infalível, enquanto o concílio pode sempre errar, mesmo em questões de fé. Em outro lugar, ele aceita a crença piedosa na inerrância ou infalibilidade condicional dos concílios, conforme seus decretos sejam baseados nas Escrituras ou não [26].

No período que se segue, a opinião de Nicolau de Cusa sobre os órgãos de autoridade da Igreja parece evoluir na direção oposta à dos dois autores a que acabamos de nos referir. Durante o Concílio de Basileia, o cusano afirma que as decisões de um concílio verdadeiramente ecumênico são infalíveis e que o concílio é superior ao papa. No entanto, a partir de 1437, ele saiu de Basileia e foi para o campo papista [27]. Nesta segunda etapa, em que permaneceu definitivamente, ele afirma que os apóstolos receberam de Pedro o poder das chaves e que os concílios não estão isentos de erro. João de Torquemada (1468), por outro lado, apesar de sua adesão maximalista às prerrogativas papais, reconhece a infalibilidade dos concílios. Estes, no entanto, são totalmente dependentes do papa [28].

Pode-se concluir que, no final da Idade Média, a Igreja não reconhece a infalibilidade conciliar como pertencente ao depósito da fé. Se trata de uma questão livremente discutida que não toca a essência da fé católica. Por outro lado, durante todo este período, o magistério central da Igreja segue sem tomar nenhuma decisão [29].

Fim da evolução

O esforço conjunto dos papas para acabar de uma vez por todas com a oposição conciliarista não obteve sucesso total. As bulas dos papas (1450, 1483, 1509) foram recebidas com forte oposição em várias universidades europeias. Pouco antes do IV concílio de Latrão (1512), a ideia de infalibilidade conciliar começa a ganhar terreno [30]. Os cardeais Caetano e Jacobazzi a defendem por diferentes razões em relação ao papa ou toda a Igreja. Mas, ainda na disputa de Leipzig com Lutero (1519), Contarini afirma a grande autoridade dos concílios omitindo qualquer referência à questão da infalibilidade conciliar. Pigio, por sua vez, refletindo a opinião da cúria romana, diz que os concílios não têm garantia de infalibilidade, porque Cristo a prometeu somente a Pedro [31] [32].

Somente em 1569, sete anos após a conclusão de Trento, Melquior Cano qualificou como herética a opinião que admite a possibilidade de erro na fé em um concílio geral confirmado pelo papa [33]. Então, Belarmino, baseado em vários textos bíblicos e em alguns testemunhos dispersos dos concílios e da patrística, sustentam que a infalibilidade dos concílios faz parte da fé católica. Chegamos ao final da evolução [34]. Todo o período pós-Tridentino até os nossos dias irá reproduzir os argumentos de Belarmino.

O Vaticano I, nas discussões que antecederam a promulgação da constituição sobre a infalibilidade papal, assumiu que a infalibilidade dos concílios era doutrina da fé, mas nunca examinou a fundo este tópico. O concílio nunca duvidou de sua própria infalibilidade e os padres decidiram exercê-la proclamando que o papa tem "aquela infalibilidade com a qual o Divino Redentor quis dotar a sua Igreja". Parece que o concílio afirma, ao mesmo tempo, sua própria infalibilidade, já que é muito provável que os bispos entendiam a palavra "Igreja" como se referindo ao corpo episcopal [35].

Na época do Vaticano II, a palavra "Igreja" já havia recuperado seu significado original, que se estendia a toda a comunidade dos crentes, de modo que os dois Concílios do Vaticano coincidem materialmente no uso da mesma palavra "Igreja" no contexto da infalibilidade, mas eles atribuem diferentes significados a ela. Se esta interpretação está correta, chegamos à conclusão de que - embora o Vaticano I já havia ensinado indiretamente a doutrina da infalibilidade conciliar, em uma frase subordinada e não como um dogma de fé, só no Vaticano II encontramos o primeiro ensino explícito e direto de um concílio sobre infalibilidade conciliar (embora não quisesse usar esse mesmo carisma que proclamava) [36].

Os concílios são infalíveis?

A afirmação direta e explícita da infalibilidade conciliar na Escritura, como pré-condição para sua aceitação como dogma revelado, é algo que não exigirá nem mesmo o teólogo mais tradicional. Sabemos que há um desenvolvimento guiado pelo Espírito Santo das doutrinas que no NT são encontradas apenas de uma maneira indistinta e turva. A infalibilidade conciliar poderia ser um desses casos.

Agora, no curso de nossa rápida perspectiva histórica, vimos que esta doutrina, de acordo com a opinião praticamente unânime dos exegetas modernos e medievais, não é encontrada no NT. Vimos que os primitivos testemunhos patrísticos e conciliares não implicam necessariamente na infalibilidade conciliar. Apesar de citados [em apoio a infalibilidade conciliar], projetam-se neles uma interpretação teológica posterior, pois esta doutrina apareceu muito tarde (século XIV), provavelmente como retorno da polêmica franciscana sobre a pobreza, que produziu o repentino aparecimento do conceito de infalibilidade papal. O primeiro a propor a infalibilidade dos concílios foi um homem condenado como herege por dois papas. A doutrina foi discutida livremente ao longo do século XV e abertamente rejeitada alguns anos antes de Trento e se tornou opinião comum somente após Trento, numa Igreja dividida três vezes (451, 1054, 1520) e na atmosfera controversa da Contra-reforma, quando foi proposta pela primeira vez como um artigo de fé. A doutrina foi assumida sem debate explícito no curso dos Concílios Vaticano I e II. Uma doutrina com uma história tão tortuosa pode ser considerada um caso legítimo de desenvolvimento doutrinário? Duvido muito.

A recepção eclesial e o conteúdo dos concílios

Sem dúvida, os concílios podem emitir decretos dogmáticos obrigatórios, mas seria arriscado apoiar a força vinculativa destes decretos sobre tão precária fundação como a infalibilidade conciliar. A autoridade efetiva de um concílio não depende tanto da vontade dos bispos para usar um carisma que é suposto ter sido concedido a eles, mas da recepção que a Igreja dá aos seus decretos: o peso de um concílio se apoia num fundamento eclesial e pneumatológico mais do que jurídico. A igreja inteira não confere autoridade legal ao concílio, mas, em certo sentido, é juiz dele. Se a comunidade de crentes vê nos decretos do concílio um reflexo de sua própria fé apostólica, o concílio será aceito. O valor intrínseco de um concílio depende do conteúdo apostólico da doutrina que proclama e é este conteúdo que vai garantir sua recepção. "O elemento mais decisivo de um concílio não é o número de participantes ou o controle legal de seus procedimentos, mas o conteúdo de suas decisões" [37].

A validade ecumênica de um conselho supõe o reconhecimento da Igreja (...) Mas que igreja? A tradição católica e Paulo VI, respectivamente, reconheceram o autêntico caráter eclesial das comunhões ortodoxas e anglicanas. Portanto, podemos nos perguntar se uma recepção dada a um concílio somente pela Igreja Católica é suficiente para seu reconhecimento como ecumênico. Os anglicanos, em geral, e uma grande parte dos ortodoxos (não vamos falar sobre os protestantes) rejeitam não só os dogmas pontifícios do Vaticano I (primazia e infalibilidade), mas também a doutrina da infalibilidade conciliar que estamos lidando. Daí que a recepção dessa doutrina na Igreja de Cristo não é universal nem no espaço (agora) nem no tempo (antes de Trento). Nós admitimos que uma recepção absolutamente universal é uma ficção histórica, pois mesmo alguns dos primeiros concílios ecumênicos foram rejeitados por uma parte da Igreja que se separou. Mas podemos realmente falar de recepção eclesial, quando um determinado concílio e suas doutrinas só são aceitos por uma das Igrejas cristãs? [38]

Consequências da não recepção dos concílios

Às vezes, a recepção cessa, não só porque uma doutrina é relegada ao limbo do esquecimento (por exemplo, o direito dos papas de destituir reis), mas também porque um concílio mais tardio propõe outra doutrina que é irreconciliável com a primeira: seria um fardo excessivo para a credulidade humana considerar o ensino do Vaticano II sobre a liberdade religiosa como um "desenvolvimento" dos ensinamentos opostos de Latão IV, sendo ainda pelo menos duvidoso que as eclesiologias divergentes de Constança e do Vaticano I possam harmonizar-se em um sistema coerente [39]. Por outro lado, é bem sabido que a lista dos 21 concílios ecumênicos que agora circulam remonta apenas a Belarmino, e que esta lista difere substancialmente da dos autores medievais e que, em resumo, nunca foi oficialmente aprovada. O próprio papa Paulo VI colocou de volta a questão em debate: em 1974, por ocasião do sétimo centenário do segundo Concílio de Lyon, absteve-se de descrevê-lo como "ecumênico" e chamou-o apenas "o sexto dos grandes sínodos realizados no Ocidente".

É altamente improvável que os ortodoxos aceitem como ecumênico um concílio em que não participaram; e isso não é devido a meras razões superficiais de prestígio, mas a sua profunda convicção de ser a verdadeira Igreja de Cristo. Se a não recepção dos concílios medievais pelo Oriente, numa altura em que a Igreja tinha sido dividida duas vezes, é razão suficiente para não considerá-los verdadeiramente ecumênico, o que diremos dos dois concílios do Vaticano que foram celebrados em um momento em que a Igreja tinha experimentado três divisões? Se a ecumenicidade depende única e totalmente da recepção, parece que nenhum dos concílios posteriores a 1054 podem ser considerados propriamente ecumênicos. Por outro lado, haja vista que a opinião católica tradicional sempre atribuiu o carisma da infalibilidade exclusivamente aos concílios ecumênicos, podemos deduzir que nenhum dos concílios do segundo milênio reúne - com base nestas premissas - as condições para serem considerados infalíveis. A falta de recepção universal faz com que se perca a infalibilidade [40].

Conclusão

À luz do rápido esboço histórico visto, parece difícil considerar que a infalibilidade dos concílios pertence ao depósito da fé. As deduções teológicas, para serem aceitáveis, devem estar sujeitas à história e depender dela. Parece que não há evidência exegética ou histórica suficiente para provar que as promessas de Jesus contêm a doutrina da infalibilidade conciliar, nem mesmo na forma de semente. Por outro lado, a Igreja tem a firme certeza - e esta certeza está enraizada nas promessas de Cristo - de que o Espírito da verdade nunca irá abandoná-la.

 Referências

[1] Sieben, H. J. 1970. “Zur Entwicklung der Konzilsidee, 1: Werden und Eigenart der Konzilsidee des Athanasius von Alexandrien”. Theol. u. Phil., 45 Cf (353–389 (p. 372).

[2] Epist. ad Jovianum: PG 26, 817C. Cf Sieben, art. cit., p. 378.

[3] Opitz, H. G. 1935. Athanasius Werke Cf (Berlin-Leipzig, ff), II/1, 234, 26 and Sieben, art. cit., p. 373.

[4] Ad Afros, 4 (PG 26, 1036); cf Sieben, art. cit., p. 382.

[5] Cf Sieben, art. cit., p. 378. Atanásio frequentemente chama Nicéia de sínodo “ecumênico”; não, no entanto, por causa de sua recepção universal subseqüente, mas sim por causa de seu caráter verdadeiramente representativo. Cf Apol. contra Arian., 59 (PG 25, 357B); De decretis Nicaenae Synodi, 27 (PG 25, 465D);De Synodis, 25 (PG 26, 717A), etc….

[6] Sieben, art. cit., p. 372.

[7] Mansi, J. D. Sacrorum conciliorum…collectio Cf (Florence 1757ff), 2, 478 and Sieben, art. cit., p. 387.

[8] Sieben, art. cit., p. 388.

[9] Greenslade, S. L. 1968. Councils and the ecumenical movement Cf “The authorities appealed to by the first four ecumenical Councils”, in World Council of Churches, (Geneva pp. 52–67 (p. 55).

[10] Sieben, H. J. 1971. “Zur Entwicklung der Konzilsidee, II; Die fides Nicaena als Autorität nach dem Zeugnis vorephesinischen Schrifttums”. Theol. u. Phil., 46 Cf (40–70 (p. 54).
[11] Basílio. Epist, 114 V. g. (PG 32, 529); Cirilo de Alexandria: “É o Espírito Santo que fala através dos Padres (Nicéia)” (Acta Conciliorum Oecumenicorum, ed. E. Schwartz, Berlim-Leipzig, 1927ss, I / 1, 1, 2); cf Sieben, art. cit., II, p. 60. Cirilo se refere em outro lugar à fé de Nicéia como um "fundamento imóvel e inabalável" (Epist. 55: PG 77, 294); “Profissão de fé irrepreensível” (Epist. 39: PG 77, 176); uma fé que é “sem defeito” (adiabletos: Epist. 40: PG 77, 184). Cf B. D. Dupuy, “Le magistère de l'Eglise, serviço de la parole”, em O. Rousseau, ai, L'infallibilité de l'Eglise (Chèvetogne 1962), pp. 53-97. Das expressões usadas pelos Padres Dupuy conclui, apressadamente, que “eles cobrem a ideia posterior de infalibilidade” (ibid., P. 83). Uma conclusão mais cautelosa e objetiva seria reconhecer que os Padres consideram a fé de Nicéia como pura e livre de erros, mas como a ausência factual de erro pode derivar de outras fontes além da infalibilidade, seria arriscado deduzir as últimas da primeira. A inerrância de facto não implica necessariamente infalibilidade de natureza.

[12] Cf Sieben, art. cit., II, pp. 61–62. Ambrósio, por exemplo, observa que 318 é precisamente o número de homens com quem Abraão derrotou o inimigo (cf. Gn 14, 14) e, a partir disso, ele deduz a presença mística de Jesus no Concílio, cf De fide, 1, 18 (CSEL 78, 51)

[13] De baptismo contra donatistas, 3 2, 4 (CSEL 51, 178).

[14] 1968. Da mesma forma, a palavra emmendari no texto acima é suscetível de várias interpretações: pode implicar a correção de um erro conciliar por um Conselho subsequente (embora isso seja considerado por KH Lütcke como uma “superinterpretação”: “Auctoritas” bei Augustin, (Est. P. 139) ou poderia simplesmente significar um retoque de uma declaração conciliar anterior (e é nesse sentido que Dupuy compreende o texto: L'infallibilité de l'Eglise, p. 84, n.). Veja o texto do Vaticano II a respeito do triplo ofício de bispo, sacerdote e diácono (Lum. Gent. 28) que equivale a uma emmendatio da passagem correspondente em Trento, cf. H. Kiing, A Igreja (Londres, 1967), pp. 420; mas isso não implica um erro por parte de Trento. Que os concílios frequentemente corrigiram uns aos outros, ninguém pode negar; cf os casos históricos coletados por Kung, Infallible? p. 168.

[15] Epist. Tão famoso e revelador quanto o texto de Agostinho citado acima é o seguinte de Gregório de Nazianzeno: “Se devo falar a verdade, tenho a intenção de evitar todo grupo de bispos, porque nunca vi um bom fim em nenhum sínodo, nem remédio para males, mas sim uma adição a eles. Há sempre contendas e esforços pelo domínio (...) ”(130: PG 37, 225). Em outro lugar ele compara os bispos mais jovens no Concílio de Contantinopla com vespas (Carmen, XI, 1.1686); é uma desgraça, diz ele, estar entre esses “mercadores da fé” (Carmen XII, 1.153). Cf E. J. Bicknell, Os Trinta e Nove Artigos (London 1963), p. 271.

[16] Registrum Cf, I, 24 (PL 77, 478). Os quatro concílios são a pedra angular da ortodoxia (Registr. IV, 33); eles foram recebidos pela Igreja universal (Registr. XI, 52). A comparação com os quatro Evangelhos teve um amplo eco em todo o Ocidente nos séculos subsequentes, cf. Y. Congar, “Primauté des premiers conciles oecuméniques”, em Le Concile et les Conciles, pp. 75-109.

[17] St. Ambrose. De paradiso Cf II, 22 (CSEL, 32/1, pp. 273f); St. Augustine, De civit. Dei, XIII, 21 (CSEL, 40/1, p. 646).

[18] L'infallibilité vol. 21, Dupuy reconhece que “as formulações dos Padres são um tanto excessivas” (… p. 83). Que a consideração extraordinariamente alta em que os primeiros Concílios foram realizados não implica necessariamente que o reconhecimento de sua infalibilidade seja demonstrado pela seguinte passagem de Calvino: “Abraçaremos de bom grado e reverenciaremos como santos (sacrosancta) os primeiros Concílios, tais como os de Nicéia, Constantinopla, Éfeso I, Calcedônia e afins ... na medida em que se relacionam com os ensinamentos da fé ”- e ainda assim ele não aceita sua infalibilidade; e conclui com uma sentença que lembra Agostinho: “ainda assim a Escritura se destacaria no lugar mais alto, com tudo sujeito ao seu padrão” (Institutions, IV, IX, 8: ed. JT Neil, Biblioteca de Clássicos Cristãos, vol., London 1961, p. 1171).

[19] 1955. Sent. Cf Albert, o Grande, Ill, d.25, a.4; Bonaventura, Summa, IV, d.20, p.2, q.2, obj. e De perfeito, evang., II, 2, n. IV (ed. Quaracchi, 4 vols., 1951ss: IV, 532 e V, 153); São Tomás, enviado. III, d.25, q.l, a.2 ad 4; Quodlib. IX, 8 e 16; II-II, 2, 6 ad 3. Para a mesma opinião entre os decretistas do século 12, cf. B. Tierney, Fundamentos da teoria conciliar (Cambridge pp. 36-46.

[20] Summa ad Disp., 21 Cf por exemplo Huguccio, c.3 (Tierney, op.cit., P. 41) Glossa Palatina, 1210-1215 e Gloss Ecce Vicit Leo, 1212-1210 (Tierney, op.cit. 43f). São Bernardo atribui a indefectibilidade à sede romana, não a seu ocupante: Contra quaedam capit. erro. Petri Abel., Praef. (PL 182, 1053).

[21] Tierny, B. 1972. Origins of papal infallibility. 1150–1350 46 (Leiden).

[22] 1958. Defensor pacis Cf Marsilius of Padua, dictio II, cap. 6, 16 (ed. H. Kush, Darmstadt I, 357–386; II, 615–648.

[23] 1891. Defensor pacis dictio II, cap. 19 and 20 (Kush, II, 704, 724). Cf. L. Pastor, The History of the Popes, I (London pp. 77–79.

[24] Franzen, A. 1965. Concilium Cf “The Council of Constance: present state of the problem”, Sept. pp. 17–37, esp. p. 24; P. De Vooght, “Le conciliarisme aux conciles de Constance et de Bale”, in Le Concile et les Conciles, pp. 144–181; H. G. Beck, al., Handbook of Church History, IV (London 1970), pp. 423–426; ample bibliography in Congar, L'Eglise de St. Augustin à l'époque moderne (Paris 1970), p. 309; cf R. Bäumer, Nachwirkungen des konziliaren Gedankens in der Theologie und Kanonistik des 16. Jahrhunderts (Münster 1971).

[25] Gersonis Opera (ed. Du Pin, Antuérpia 1706), II, 307. Similarmente em seu famoso discurso em Constância três dias antes da fuga de João XXIII: Mansi 28, 539 B. Para uma coleção de testemunhos medievais tardios em favor da infalibilidade conciliar , cf. D. Iturrioz, “El magisterio conciliar infalible”, Estud. Eclesiast. 40 (1965) 5 - 26.

[26] 1964. Tractatus de Ecclesiae…auctoritate c.IV (Gersonis Opera, II, 958). Cf F. Oakley, “Pierre d'Ailly and papal infallibility”, Medieval Studies 26 (353–358.

[27] Heinz-Mohr, G. 1958. Unitas Christiana. O autor analisa a evolução no pensamento de Cusa a partir de 1439 (ibid., Pp. 74-98); para um levantamento da literatura recente sobre Cusa, ver L. Bataillon-C. von Schönborn, “Connaissance de N. de Cuse”, Rev. Sc. Phil O ol. 56 (1972) 63-77.

[28] 1960. Summa ecclesiastica Cf., III, 58 (Salmanticae 1560), pp. 515ff; cf V. Proaño Gil, “Doutrina de J. de Torquemada sobre o concílio”, Burgense 1 (73-96; K. Binder, Wesen und Eigenschaften de Kirche bei Kard. J. de Torquemada (Innsbruck 1955).

[29] L'infallibilité p. 146.

[30] Jedin, H. 1957. Uma história do Concílio de Trento Cf I (Londres pp. 66-67. Não são apenas as Universidades que resistiram, pois a teoria conciliarista encontrou seu caminho até na corte de Júlio II na pessoa de G. Gozzadini, que ainda em 1511 prega a doutrina da superioridade do Concílio sobre o Papa e descreve os artigos relevantes de Constança como tantos artigos de fé: Cf Jedin, op.cit., P. 39; Cjongar, L ' Eglise de St. Augustin, pp. 345-349; G. Biel também pertence à mesma tendência, cf. H. Oberman, A colheita da teologia medieval (Cambridge 1963), pp. 416-419; a corrente conciliarista está presente até mesmo em Trento, cf. J. Lecler, Le Pape ou le concile (Lyon 1973), pp. 167-171.

[31] 1936. De comparatione auctoritatis papae et concilii Cf, cap. 12 (ed. V. Pollet, Romae pp. 283–293; A. Walz, “Von Cajetans Gedanken über Kirche und Papst”, in R. Bäumer- H. Dolch, eds., Volk Gottes (Freiburg 1967), pp. 336–360; O. De la Brosse, Le Pape et le Concile (Paris 1965).

[32] Jedin. 1948. Cf op.cit., P. 384; A. Fliche-V. Martin, Histoire de l'Église, XVII (Paris pp. 14-16. Algumas das expressões ambíguas de Lutero em Leipzig foram entendidas como prova de seu apoio à infalibilidade conciliar naquele tempo, cf. R. Bäumer, “Luthers Ansichten über die Irrtumsfähigkeit des Konzils und ihre theologiegeschichtliche Grundlagen ”, em Wahrheit und Verkündigung (ed. L. Scheffczyk, al., Munique 1967), pp. 987–1003 (p. 995); cf. também H. Oberman na Introdução à nova edição do B. Tierney, Ockham, a teoria conciliar e os canonistas (Filadélfia, 1971), p. IX. As visões de Lutero sobre os Concílios são resumidas muito brevemente por H. Küng, Estruturas da Igreja (N. York, 1964), pp. 342f. Na ausência de uma edição crítica da disputa de Leipzig, não é fácil determinar a posição exata de Lutero naquele momento.Em 1539, ele estabeleceu mais plenamente sua opinião sobre a autoridade dos Concílios em “Sobre os Concílios e a Igreja”, as obras de Lutero., ed. H. Lehmann, volume 41 (Filadélfia 1966), pp. 3-178.

[33] 1925. De locis theologicis V, 4; XII, 7 (ed. Lovanii 1569), pp. 299f; 725. Cf A. Lang, De loci theologici des M. Cano et die Metbode de dogmatischen Beweises (München pp. 128-135. Não está claro, entretanto, o que Cano entende por “herético”, pois este termo, assim como outras expressões relacionadas como “fé”, “dogma”, etc… não tinham naquele tempo o significado exato que têm hoje. ”Cf H. Jedin,“ Historische Handbemerkungen zum Themes: Tridentinum und Wiedervereinigung ”, in Begegnung der Christen (ed. M. Roesle-O. Cullmann, Stuttgart, 1959), pp. 450-461, P. Fransen, "Reflexões sobre o anonimato no Concílio de Trento", Ephem. Theol. Lov. 29 (1953) 657-672; B. Sesboüé, "Autorité du Magistère e vie de foi ecclésiale", Nouv. Rev. Théol. 93 (1971), p.

[34] 1870. De conduis, I-XII (Opera Omnia Cf, ed. Vivès, Paris vol. II, pp. 237-264). A base escriturística extremamente fraca sobre a qual Bellarmino constrói sua opinião é evidente para qualquer leitor moderno; quanto aos testemunhos das primeiras tradições citadas por ele, eles atestam apenas que os primeiros Concílios tiveram a assistência do Espírito Santo, que suas decisões eram obrigatórias e que eles eram mantidos na mais alta estima pela Igreja. Autores medievais conheciam esses testemunhos, mas em geral recusavam-se a tirar deles a conclusão da infalibilidade conciliar.

[35] 1969. L'infallibilité pontificale Cf v. G. as intervenções dos bispos Pettinari (Mansi 51, 818B), Apuzzo (Mansi 51, 823B), Losanna (Mansi 51, 817D), Gasser (Mansi 53, 249B). O mesmo foi assumido pelos teólogos conciliares como Franzelin (Mansi 53, 255D) e Kleutgen (Mansi 53, 322B). Para Mgr. Zinelli a infalibilidade do colégio episcopal era um dogma de fé (Mansi 53, 268C). Em apoio a essa afirmação, referências frequentes são feitas a Mt 28:18-20 e textos do Paráclito de João (Mansi 51, 543AB; 51, 818AB). Cf G. Thils, (Gembloux e seu estudo anterior, "L'infallibilité de l'Eglise dans la constitution" Pastor aeternus 'du Ier Concile du Vatican ", in L'infallibilité de l'Eglise, pp. 149-182.

[36] Lumen Gentium, 25 Cf (Abbott, Os documentos, p. 40). O sentido em que o Vaticano II toma o termo "Igreja" é claro a partir do segundo capítulo da Lumen Gentium, deliberadamente colocado antes do tratamento da hierarquia. É significativo que esta declaração magisterial solitária sobre a infalibilidade do corpo episcopal seja apoiada por referências que não vão além de Bellarmino, e, ainda mais significativo, que a única referência dada para a infalibilidade conciliar é seu comentário sobre Lucas. Lum. Gent. 25 Mgr. Philips diz que “a aquiescência da Igreja nunca os abalará (as definições conciliares)” (L'Eglise et son mystère, I, Paris 1966, p. 332). Os fatos históricos, no entanto, parecem exigir uma conclusão mais sutil.

[37] Congar. 1972. art. cit., in Concilium, Sept. p. 54.

[38] 1968. Como representantes da opinião anglicana, que, de acordo com o 21º dos Trinta e nove Artigos, pode aceitar a doutrina como uma teologia, mas não como um dogma de fé, principalmente por causa dos inegáveis ​​erros de alguns concílios, cf. H. Balmforth, “L'infallibilité de l'Eglise selon la doctrine de l'Eglise anglicane”, em L'infallibilité de l'Eglise, pp. 203-210; E. Bicknell, op.cit., Pp 267-276; A. Farrer, “Infalibilidade e revelação histórica”, em Infalibilidade na Igreja. Um diálogo anglicano-católico (Londres, pp. 9-23 (ataque vigoroso à infalibilidade em geral) J. Macquarrie, unidade cristã e diversidade cristã (Londres, 1975), p. 100, M. Santer, “Escrituras e os Concílios”. , Sobornost, série 7, n.2 (1975) 99-111 (p. 103f) Os ortodoxos não têm opinião unânime: S. Zankov, B. Zenkovsky, N. Arseniev e N. Milash questionam a infalibilidade dos Conselhos. - além da grave reserva expressa por A. Schmemann e J. Meyendorf, e também do lado negativo, N. Afanasieff, “L'fallfallité de l'Eglise du point de vue d'une théologien orthodoxe”, em L'infallibilité De l'Eglise, pp. 181-201 A doutrina é aceita por JN Karmiris, "Abriss des dogmatischen Lehre der orthodoxen katholischen Kirche", em Die Orthodoxe Kirche em griechischer Sicht (ed. Bratsiotis, Stuttgart 1959), I, pp. 18f e H. Alivisatos, “Les conciles oecuméniques Ve, Vie, VIIe e VIIIe”, em Le Concile et les Conciles, pp. 111–123; G. Flor ovsky está em silêncio sobre a questão, Bíblia, Igreja, Tradição: uma visão Ortodoxa Oriental (Belmont 1972), pp. 93-103. Cf H. Küng, Infallible ?, pp. 164-171 e M.J. Guillou, Missão e unidade, II (Paris 1960), pp. 194f.

[39] 1964. Haec Sancta A interpretação de Constância ainda é objeto de debate. Para alguns, prevê apenas uma situação de emergência, uma Igreja sem o Papa, e, portanto, não contradiz o Vaticano I. Esta posição é ocupada por A. Franzén, art. cit., pp. 57-59; H. Riedlinger, “Hermeneutische Überlegungen zu den Konstanzer Dekreten”, em Das Konzil von Konstanz, ed. A. Franzen-W. Müller, Freiburg pp. 214-238; H. Jedin e Bischöfliches Konzil oder Kirchenparlament (Basileia 1963); Y. Congar, L'Eglise de St. Augustin, pp. 320-327. Para outros, no entanto, Haec Sancta não é apenas um decreto legítimo e vinculativo, mas uma verdadeira definição conciliar para ser colocada em pé de igualdade com o Pastor aeternus do Vaticano I, caso em que as duas eclesiologias se contradizem. Os defensores dessa visão são H. Küng, Structures, pp. 240–258; F. Oakley, Conselho sobre o Papa? (N. York 1969), pp. 118-130; De Vooght, Les pouvoirs du concile et l'autorité du pape au concile de Constance (Paris, 1965). Um excelente resumo da controvérsia em P. Burns, "Comunhão, Concílios e Colegialidade", na primazia papal e na Igreja universal: luteranos e católicos em diálogo V. Minneapolis 1974), pp. 151-172.

[40] Bouyer, L. referindo-se às decisões dos Concílios medievais, afirma que “mesmo quando podem ser considerados infalíveis e, portanto, irreformáveis…” (op.cit., P. 678). Mesmo com base na opinião tradicional, é difícil ver como um Conselho não ecumênico pode ser infalível. Não é esta uma tentativa desesperada de manter a infalibilidade conciliar mesmo quando falta a base da ecumenicidade? Num artigo posterior, Bouyer questionou, com razão, a ecumenicidade dos concílios do segundo milênio, cf. “Reflexões sobre o possível estabelecimento da comunhão entre as Eclesias ortodoxas e católicas”. Perspectives actuelles ”, Istina 20 (1975) 112–115.