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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Confissão e Penitência - Uma Análise Bíblica e Histórica - Parte 2

Restauração na Igreja

Uma vez que o período de penitência pública tinha sido concluído, o penitente era reintegrado à comunhão da Igreja e autorizado a participar novamente dos sacramentos. Isso ocorria por meio da imposição de mãos numa cerimônia pública. Mas essa restauração era simplesmente a declaração pública de que o indivíduo tinha completado a penitência exigida e tinha sido oficialmente reintegrado. Não havia a absolvição sacramental, que se tornaria a prática da Igreja séculos mais tarde. Que esse era um ato público e declarativo, pode ser visto a partir da seguinte declaração de Cipriano:

Enquanto que, em pecados menores, os pecadores fazem penitência por um tempo determinado, e de acordo com as regras da disciplina, vêm à confissão, e pela imposição de mãos do bispo e do clero, recuperam o direito da comunhão. (Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1844), The Epistles of S. Cyprilan 16.2)

O Concílio de Trento diz que há uma série de elementos que compõem o sacramento da penitência, que são necessários para que seja válido. Um elemento importante é a absolvição do sacerdote e, em seguida, a realização das obras de satisfação. Mas, essa prática não pode ser encontrada no início da Igreja. A absolvição não era um ato judicial, mas simplesmente a declaração do bispo de que o indivíduo tinha cumprido a sua obrigação para com a Igreja e seria restaurado à comunhão. McNeill e Gainer destacam que a prática da penitência durante os primeiros séculos não era considerada um sacramento e que seria errado aplicar os ensinamentos desenvolvidos na Igreja medieval sobre a Igreja dos primeiros séculos:

Empregar a palavra "absolvição" ... em relação à reconciliação dos penitentes nesse período seria enganoso, se envolvesse o reconhecimento da aplicação medieval do termo. Absolvição não era concedida no início da penitência, mas no seu fim, e não seria distinguida da reconciliação ou da readmissão à comunhão. Não há formulários de absolvição preservados; e todas as informações sobre a questão indicam o uso de uma oração, não de uma forma declarativa. (McNeil e Gainer, Op. Cit., pp. 16-17)

Que a confissão auricular e absolvição judicial concedida pelo sacerdote não eram a prática da Igreja desde o início como afirma o Concílio de Trento, pode ser visto no fato de que não havia acordo geral na Igreja sobre a natureza e a necessidade de uma questão que se tornaria importante no século 13. Era uma questão debatida entre os teólogos escolásticos, a maioria dos quais demonstram que houve opiniões conflitantes até mesmo entre os pais da Igreja. Philip Schaff enfatiza os seguintes pontos:

No final do século XII, uma completa mudança foi feita na doutrina da penitência. A teoria da Igreja primitiva, elaborada por Tertuliano e outros pais da Igreja, era que a penitência seria eficiente para remover os pecados cometidos após o batismo, e que consistia em certos exercícios penitenciais como a oração e a esmola. Os primeiros elementos adicionados pelo sistema medieval eram que a confissão ao sacerdote e sua absolvição eram condições necessárias para o perdão. Pedro Lombardo não fazia da mediação do sacerdote uma exigência, mas declarou que a confissão a Deus era suficiente. Em seu tempo, diz ele, não havia acordo sobre três aspectos da penitência: em primeiro lugar, se contrição pelo pecado não era suficientemente necessária para a sua remissão; por outro, se a confissão ao sacerdote era essencial; e em terceiro lugar, se a confissão a um leigo era insuficiente. As opiniões proferidas pelos pais da Igreja, afirma, foram diversas, se não antagônicas.

Alexandre de Hales marca uma nova era na história da doutrina. Ele foi o primeiro dos escolásticos a responder claramente todas estas perguntas, é a ele mais do que qualquer outro teólogo que a Igreja Católica deve sua doutrina da penitência ... Começando com Alexandre de Hales, os escolásticos sustentaram as posições que a confissão, para ser eficaz, deve ser feita ao sacerdote, e que a absolvição do sacerdote é uma condição essencial para o perdão do pecador. Boaventura, depois de dedicar muito tempo a pergunta: "Se é suficiente confessar nossos pecados a Deus", respondeu de forma negativa. Em maior extensão do que Pedro Lombardo tinha feito, ele citou os pais para mostrar que não havia unanimidade entre eles sobre a questão. (Philip Schaff, History of the Christian Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1910), Volume 5, pp.731-732, 735-737)

A partir dessas citações é evidente que grandes mudanças eventualmente aconteceram no ensino e na prática da penitência. Obviamente, continuou a ser praticada de forma consistente e foi inculcada na Igreja, a tal ponto que, na Idade Média, ela desenvolveu regulamentos em que determinadas punições eram prescritas para pecados específicos. Esses foram escritos em livros penitenciais que documentam para nós a prática penitencial da Igreja que começou no século VII. É nesses livros que encontramos a documentação da clara mudança na prática da penitência na Igreja, que o concílio de Toledo protestou contra, mas eventualmente culminou nas práticas sancionadas pelo concílio de Trento. Eles revelam uma mudança radical em relação à prática da Igreja primitiva. McNeill e Gamer fazem estes comentários sobre a natureza dessa mudança:

O procedimento público, em que o penitente em sua humilhação implora a intercessão de "todos os irmãos", foi mais tarde substituído por um rito privado e secreto envolvendo a confissão e absolvição por um confessor sacerdotal, e que ocasionava atos de penitência que muitas vezes eram, principalmente, ou totalmente privados. Nessa transformação da penitência, os livros penitenciais desempenharam um papel importante.

Quando todas as semelhanças entre as penitenciais e os escritos anteriores foram reconhecidas, ainda é evidente que o surgimento das séries penitenciais marcam um novo ponto de partida. As penitenciais não somente indicam um novo método de disciplina penitencial; elas também constituem um meio até então não empregado de orientar os confessores na sua tarefa. Com o início do uso desses manuais, surge uma nova era na história da penitência.

De acordo com esses manuais, a penitência deve ser administrada privadamente em cada etapa; a confissão deve ser feita em segredo por uma pessoa qualificada, que é regularmente um padre ... Penitência era ... agora, em geral, totalmente privada, no sentido de ser dissociada da igreja reunida.

Não havia exomologesis pública e nenhum conhecimento corporativo da questão por parte da congregação. Antes do concílio reacionário de Toledo proibir a repetição da penitência (589) ... uma série de livros penitenciais tinham sido escritos e colocados em uso. Eles afirmavam o princípio, com raras citações dos pais da Igreja, que a penitência poderia ocorrer sempre que houvesse arrependimento de pecados. A penitência é disponível tantas vezes quanto for procurada. É apresentada como uma prática habitualmente repetida por todos os fiéis, e não como um recurso a quem tinha sido excepcionalmente mau. (McNeil e Gainer, Op. Cit., pp 23, 28-29)

O catecismo da Igreja Católica afirma os fatos históricos acima relacionados à mudança que ocorreu na prática da penitência:

Durante os primeiros séculos, a reconciliação dos cristãos que tinham cometido pecados particularmente graves depois de seu batismo (por exemplo, idolatria, assassinato ou adultério) era tratada por uma disciplina muito rigorosa, segundo a qual os penitentes tinham que fazer penitência pública por seus pecados, muitas vezes durante anos, antes de receber a reconciliação. Para esta "ordem dos penitentes" (que se relacionava apenas a certos pecados graves), uma vez apenas era raramente admitido e, em certas regiões apenas uma vez na vida. Durante as missões irlandesas do século sétimo, inspiradas na tradição monástica oriental, a prática "privada" da penitência foi levada à Europa continental, que não requeria públicas e prolongadas obras de penitência antes de reconciliação com a Igreja. A partir desse momento, o sacramento passou a ser realizado em segredo entre o penitente e o sacerdote. Esta nova prática previa a possibilidade de repetição e por isso abriu o caminho para uso regular deste sacramento. Isso permitiu que o perdão dos pecados graves e veniais fosse integrado a uma celebração sacramental. Em suas principais linhas, esta é a forma de penitência que a Igreja tem praticado até os nossos dias. (Catechism of the Catholic Church (Rome: Urbi et Orbi, 1994), #1447)

O Concílio de Trento afirma que desde o início a Igreja tinha praticado a confissão secreta ao sacerdote e amaldiçoa quem nega isso. Tal afirmação não é suportada pela evidência histórica. Mais uma vez a Igreja Romana faz afirmações dogmáticas que, como tantos de seus outros ensinamentos sobre a tradição, o papado e Maria, não encontram apoio histórico.

É bastante óbvio a partir de tais declarações e das evidências apresentadas, que a confissão e a penitência por muitos séculos na Igreja foi muito diferente do sacramento que o Concílio de Trento afirmou dogmaticamente ser vinculativo para todos os crentes e necessário para salvação. Sua afirmação de que a forma do sacramento que sancionou oficialmente tinha sido a prática universal da Igreja desde o início é totalmente falsa. Não foi até o início do século VIII, que a confissão privada começou a substituir a forma pública e não havia se tornado uma prática universal até à idade média.

Essa é a história do desenvolvimento do sacramento católico romano da penitência e confissão em seu ensinamento sobre o perdão dos pecados. E alinhado com este desenvolvimento, também estão os ensinamentos sobre as indulgências e o purgatório.

O ensino bíblico sobre perdão e arrependimento

Os apóstolos ensinaram que, se os homens desejassem a experiência da salvação, deveriam se arrepender e crer. A palavra arrependimento é a palavra grega metanoia, que significa uma mudança de mente. No uso bíblico em que se aplica ao evangelho, significa o abandono do pecado e do mundo, e uma conversão da mente e do coração a Deus. Essa mudança é evidenciada por uma vida transformada, caracterizada por voltar-se a Cristo, passando a segui-lo. O verdadeiro arrependimento é sempre evidenciado por uma vida dentro vontade de Deus, uma vida de santidade. Tal vida, no entanto, não é uma vida de perfeição. E, embora as Escrituras exortem os fiéis a uma vida de santidade, também reconhecem que haverá uma contínua necessidade de lidar com o pecado. A Escritura dá instruções muito claras sobre a natureza do recebimento do perdão dos pecados depois de já ter se tornado cristão e membro da Igreja.

A Igreja Católica Romana afirma que Cristo instituiu o sacerdócio para a finalidade de lidar com os pecados dos homens através de confissão privada, absolvição e a atribuição de penitências para satisfazer a justiça de Deus. Estas alegações supostamente recebem sanção bíblica pelo seguinte raciocínio. Dizem-nos que Jesus tinha autoridade para perdoar pecados. Isso é claramente afirmado por ele em Mateus 9:6. Então, é dito que ele investiu seus seguidores da mesma autoridade e ele deu a seus discípulos e àqueles que os seguem como sacerdotes a autoridade para ligar e desligar (Mt. 16:19, 18:18; Jo 20:23). Jesus afirma que, como o Pai tinha lhe tinha enviado ao mundo, assim Ele também estava enviando os seus discípulos (Jo. 17:18, 20:21). E assim, a lógica segue, uma vez que Jesus foi enviado pelo Pai para perdoar pecados, ele concedeu aos seus seguidores essa mesma autoridade por meio dos poderes de ligar e desligar e de exercer um ministério de reconciliação através do sacramento da confissão e da penitência (2 Cor 5:18-20). A Igreja também apela a Tiago 5:16 e 1 João 1:9 que, de fato, ordenam aos cristãos confessar os seus pecados.

No entanto, essa lógica é falha, pois repousa sobre uma base falsa e equivocada interpretação da Escritura. Em primeiro lugar, a Escritura ensina que Cristo não estabeleceu um sacerdócio no Novo Testamento, mas que toda a ordem do sacerdócio foi completamente eliminada uma vez que o próprio Cristo assumiu essa posição. A função de autoridade no Novo Testamento é agora a de um ancião ou pastor (presbíteros), que funcionam como um supervisor (episkopos), e não um sacerdote.

Em segundo lugar, as principais passagens que se relacionam a ligar e desligar, ao invés de ensinarem que Jesus concedeu autoridade aos apóstolos como sacerdotes para ouvir confissão e absolverem, são na verdade a autoridade declarativa de proclamar o evangelho e oferecer o perdão dos pecados  aos homens, se eles se voltarem a Cristo com fé e arrependimento. Este é o ministério da reconciliação (2 Coríntios 5: 18-20) que foi dado aos apóstolos e seguidores de Cristo. É verdade que Jesus tem autoridade para perdoar pecados e exercita esta prerrogativa como um direito pessoal. Mas quando ele afirma que está enviando os apóstolos ao mundo como o Pai o enviou, temos de fazer uma distinção clara entre o que Cristo pode fazer como Deus e o que ele autorizou seus seguidores fazerem em seu nome.

Por exemplo, Cristo também veio para fazer expiação pelo pecado e foi enviado pelo Pai para esse objetivo. Mas nós não reivindicamos que aos apóstolos foi igualmente dada a autoridade para fazer expiação pelo pecado. Cristo também foi enviado pelo Pai para proclamar o evangelho e perdoar os pecados mediante arrependimento e fé (Lc. 4:18; Mc 1:15). É neste sentido que os apóstolos são enviados ao mundo como Cristo foi também enviado. A autoridade concedida aos apóstolos é estritamente relacionada à proclamação do evangelho. Somente Deus pode perdoar pecados, por sua vez, os apóstolos têm a autoridade de proclamar que, com base da obra de Cristo, os homens podem esperar que sejam perdoados por Deus (Mt. 28:18-20).

Em terceiro lugar, a lógica Católica Romana é falha porque as passagens que exigem confissão pessoal não tem nada a ver com confissão e absolvição sacerdotal. Os homens são chamados a confessar os seus pecados diretamente a Deus, tendo Cristo somente como seu sacerdote, e descansar na obra consumada de Cristo como pagamento por esses pecados. Os homens podem ir diretamente a Deus na confissão dos pecados e receber o perdão diretamente dele, sem passar por um padre e sem fazer penitências como forma de satisfação por seus pecados. Isso é claramente indicado em Hebreus 10:19-22:

Portanto, irmãos, temos plena confiança para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu, isto é, do seu corpo. Temos, pois, um grande sacerdote sobre a casa de Deus. Sendo assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada e tendo os nossos corpos lavados com água pura.

Isso deveria ser óbvio a partir de análise do sacerdócio do Antigo Testamento. Não há o menor indício de que esses sacerdotes ouviam os pecados do povo e judicialmente os absolvia. Homens confessavam seus pecados diretamente a Deus com base no sacrifício expiatório que era feito em seu lugar. Deus nunca ordenou que a confissão do pecado fosse feita ao sacerdote, nem sua realização para receber o perdão.

Parte da verdadeira confissão do pecado é o importante elemento do arrependimento, que significa afastamento e abandono do pecado. Mas isso é muito diferente da ideia de penitência como obras pessoais pelas quais o homem ganha o perdão dos pecados, satisfazendo a ira e a justiça de Deus. Isso não é ensinado nas Escrituras. O perdão é baseado unicamente na obra do Senhor Jesus Cristo e sua obra consumada faz a expiação completa de todos os pecados. Ensinar que o homem pode ganhar perdão através das obras de penitência é perverter o evangelho da graça, ensinando que as obras desse homem devem de alguma forma completar a obra de Cristo. A Escritura ensina que os homens devem produzir frutos dignos de arrependimento (At. 26:20; Mt. 3:8), mas o que a Palavra de Deus quer dizer é que a vida deve demonstrar o verdadeiro arrependimento pelos frutos de santidade. Isso não é um apelo à penitência como uma tentativa de ganhar o perdão de Deus.

Nós também somos chamados a confessar os nossos pecados uns aos outros (Tg. 5:16; Mt. 5:23-24). Isso significa que devemos confessar ao nosso irmão ou irmã, oque temos pecado contra eles e reconciliarmos com eles. Também devemos abrir os nossos corações para os irmãos na fé, a fim de orarmos uns pelos outros.

As Escrituras nos ensinam que os cristãos devem lidar seriamente com o pecado, pois a Igreja é um corpo santo chamado por Deus a partir do mundo para ser um povo distintamente santo. O pecado não deve ser tolerado e aceito, ele deve ser confessado e arrependido. Isso é sancionado muito claramente no Novo Testamento. Jesus e Paulo ensinam que a liderança da Igreja deve confrontar o pecado e lidar com ele na vida daqueles que são culpados. Por exemplo, Jesus dá as seguintes instruções específicas para tratar o pecado na igreja:

Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou seu irmão. Mas se ele não o ouvir, leve consigo mais um ou dois outros, de modo que qualquer acusação seja confirmada pelo depoimento de duas ou três testemunhas. Se ele se recusar a ouvi-los, conte à igreja; e se ele se recusar a ouvir também a igreja, trate-o como pagão ou publicano. Digo-lhes a verdade: Tudo o que vocês ligarem na terra terá sido ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra terá sido desligado no céu. (Mt.18:15-18).

O objetivo em confrontar tal indivíduo é trazer arrependimento e restauração ao relacionamento da pessoa com Deus. Jesus diz que a Igreja tem o poder de ligar e desligar. Se o indivíduo em questão se recusa a arrepender-se, em seguida, Jesus diz que a pessoa deve ser excomungada da Igreja e tratado como um incrédulo. O julgamento feito pela Igreja será igualmente feito no céu.

A Igreja aqui simplesmente está repassando o julgamento sobre o indivíduo que já foi aprovada no céu. Ligar e desligar é uma questão pública que é estritamente disciplinar em sua natureza e não tem nada a ver com a confissão privada a um padre que supostamente tem o poder judicial de absolver os homens do pecado ou, inversamente, de reter tal absolvição e, assim, o efeito de vincular homens ao pecado . Paulo, em 1 Coríntios 5 também afirma que os membros da Igreja, cujas vidas são caracterizadas por certos pecados estão excomungados. Mas, quando tiverem demonstrado verdadeiro arrependimento mediante abandono de seus pecados, devem ser restaurados à Igreja. Paulo não diz absolutamente nada sobre a restauração ser condicionada à realização de penitência. A única condição é o genuíno abandono do pecado, que é o verdadeiro significado de arrependimento nas Escrituras. Ensinar que o arrependimento significa penitência é uma perversão do sentido bíblico da palavra.

Assim, as passagens bíblicas usadas pela Igreja de Roma como fundamento para seu ensinamento sobre confissão e penitência não suportam suas reivindicações. Ela tem interpretado erradamente as Escrituras. Sabemos que esse é o caso, porque a Igreja do Novo Testamento não aplicava as passagens das Escrituras sobre ligar e desligar como sendo confissão auricular e absolvição sacerdotal, mas sim a pregação do evangelho.

Apêndice
Citações de escritos dos primeiros Pais a partir do segundo ao quinto séculos demonstrando que somente um arrependimento estava disponível para pecados graves - sendo conhecido como confissão

O Pastor de Hermas

Eu lhe disse: “Senhor, permite-me apresentar algumas questões.” Ele respondeu: “Podes perguntar.” Eu continuei: “Senhor, se alguém tem esposa que crê no Senhor, e descobre que ela é adúltera, esse homem comete pecado vivendo com ela? Ele me respondeu: “Enquanto ele não sabe, não comete pecado. Mas se fica sabendo do pecado de sua mulher e que ela, ao invés de se arrepender, persiste no adultério, o marido, vivendo com ela, se torna cúmplice de sua falta e participa no adultério dela.” Então perguntei: “Se a mulher persiste nessa paixão, o que o marido deverá fazer?” Ele respondeu: “Deve repudiá-la e viver sozinho. Contudo, se depois de ter repudiado sua mulher, ele se casar com outra, então ele também comete adultério.” Eu disse: “Senhor, e se a mulher depois de ter sido repudiada, se arrepender e quiser voltar a seu marido, ele deverá acolhê-la?” Ele continuou: “Sim. E se o marido não a receber, ele cometerá pecado e carrega-se de grande culpa. É preciso acolher aquele que peca e se arrepende, mas não muitas vezes. Para os servos de Deus existe apenas um arrependimento. (Mandamento 4.1) 

Tertuliano

Colocou no salão para abrir a porta aos que chama, mas somente uma vez, por que está já é uma segunda” (De Paenitentia, c.7)

Oh Jesus Cristo, meu Senhor, concede aos teus servos a graça de conhecer e aprender com a minha boca a disciplina da penitência, mas enquanto lhes convém e não para o pecado, em outras palavras, que depois (do batismo) não tenham que conhecer a penitencia e nem pedi-la. Odeio mencionar aqui a segunda, ou por melhor dizer, neste caso, a última penitência. Temo que, ao falar de um remédio da penitência que se tem em reserva, parece sugerir que existe, todavia, um tempo em que se pode pecar. Deus me livre alguém interprete mal meu pensamento, fazendo-os dizer que com esta porta aberta a penitência existe, portanto, agora uma porta aberta ao pecado, ... Temos escapado uma vez (no batismo). Não vamos entrar mais em perigo, mesmo que nos pareça que ainda escaparemos outra vez.  (Da penitência 7)

Por isso, Deus vendo de antemão esses seus venenos, embora a porta do perdão esteja fechada, e a do Batismo interposta, resta ainda alguma abertura. Ele tem ainda o átrio de um segundo arrependimento, que pode ser aberto se ele bater, mas agora para uma única vez, porque agora, pela segunda vez, e nunca mais. (Da penitência 8-9)

Quanto mais se endireitou, em seguida, o trabalho deste segundo e único remanescente arrependimento, mais trabalhosa será sua prova, de modo que não pode ser apenas suportada na consciência interior, mas também deve ser exibida por algum ato externo. Este ato, o que é melhor e mais comumente expresso por uma palavra grega (exomologesis), é a confissão, em que reconhecemos o nosso pecado ao Senhor, não porque ele não o sabe, mas na medida em que para satisfação, a confissão é ordenada, da confissão o arrependimento surge, pelo arrependimento Deus é satisfeito. (Da penitência 9)

Quando mais estrita é a necessidade desta segunda penitencia, tanto mais trabalhosa deve ser a prova; não basta que exista a consciência de ter feito mal;  é necessário um ato que a manifeste exteriormente. Este ato, para usar uma palavra grega que é comumente usado, é o exomologesis, em virtude da qual confessamos a Deus nossos pecados, não porque Ele o ignorou, mas porque a confissão dispõe a satisfação e realiza a penitência, e esta, por sua vez, aplaca a ira de Deus. O exomologêsis é, pois, um exercício que ensina o homem a humilhar-se e rebaixar-se, impondo um regime capaz de atrair sobre ele a compaixão. Regulamenta a compostura exterior e sua alimentação; quer que deite sobre o saco e cinza, que se cubra o corpo em trapos, que se  entregue à tristeza, que se vá corrigir em suas falhas por meio de um tratamento severo. Além disso, o penitente deve estar contente, em termos de comida e bebida, com as coisas simples que são estritamente necessários para sustentar a vida, não para lisonjear o estômago; nutre o oração com o jejum; gemidos, gritos e se lamenta dia e noite do Senhor, teu Deus; prostra-se aos pés dos sacerdotes e se ajoelha diante os amigos de Deus; pede as orações de seus irmãos, para que sirvam de intercessores junto a Deus. (Da penitência 9-12)

Clemente de Alexandria

Ele, então, que recebeu o perdão dos pecados deve não mais pecar. Pois, além do primeiro e único arrependimento dos pecados (isto é dos pecados anteriores da antiga vida pagã - quero dizer que na ignorância), há por diante, com proposta para aqueles que têm sido chamados, o arrependimento que limpa a sede da alma de transgressões, que a fé pode ser estabelecida. E o Senhor, conhecendo o coração, e conhecendo de antemão o futuro, previu tanto a inconstância do homem como também a astúcia e sutileza do diabo desde o início; como que, invejando o homem por causa do perdão dos pecados, ele iria apresentar aos servos de Deus certas causas de pecados; artifícios habilmente trabalhados, para que pudessem cair junto com ele mesmo.

Assim, sendo muito misericordioso, Ele graciosamente concedeu, no caso daqueles que, embora na fé, se encontram em alguma transgressão, um segundo arrependimento; de modo que ninguém deve ser tentado após a sua vocação, superada pela força e estratégia, ele pode receber uma permissão para se arrepender. "Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo que há de devorar os adversários." Mas  repetições contínuas e sucessivas para pecados na diferem do caso daqueles que não crêem, exceto apenas em sua consciência que eles fazem pecar. E eu não sei qual dos dois é pior, se o caso de um homem que peca conscientemente, ou de alguém que, depois de ter se arrependido de seus pecados, transgride novamente.

Ele, então, que, dentre os gentios e que da velha vida veio à fé, obteve o perdão dos pecados de uma vez. Mas ele que pecou após isso, em seu arrependimento, ainda que obtenha o perdão, deveria temer, como se não tivesse sido lavado para o perdão dos pecados. Pois não só devem os ídolos que ele antes tinha na forma de deuses, mas também as obras de sua antiga vida, serem abandonado por aquele que "nasceu de novo, não do sangue, nem da vontade da carne ', mas no Espírito; que consiste em se arrepender para não ceder à mesma falha. Pois o arrependimento frequente e a prontidão para mudar facilmente à falta de auto-domínio, é a prática do pecado novamente. A solicitação frequente do perdão, então, para aquelas coisas em que muitas vezes transgridem, é a aparência de arrependimento, não arrependimento em si. (Stromata, Livro 11, capítulo XIII

Orígenes

Em pecados graves, o lugar de arrependimento é concedido apenas uma vez. (Homilia 15 em Levítico 25)

Ambrósio

Merecidamente são eles culpados por aqueles que pensam que fazem penitência frequentemente, pois eles são levianos contra Cristo. Pois se eles passaram por sua penitência na verdade, eles não pensariam que poderia ser repetido novamente; pois como há um só batismo, portanto, há um curso penitência, longe da prática externa em que devemos nos arrepender de nossos pecados diários, mas esse último tem a ver com faltas mais leves, no anterior são mais graves (Referente ao arrependimento, Livro II.10).

Agostinho

Quando foste batizado, mantenha uma vida correta nos mandamentos de Deus para que você possa preservar o seu batismo até o fim. Eu não digo que você irá viver aqui sem pecado, mas eles são pecados veniais, que nesta vida nunca se está sem. O Batismo foi instituído para todos os pecados. Para pecados leves, sem os quais não podemos viver, a oração foi instituída. Que direito tem a Oração? "Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores." Uma única vez todos fomos lavados no batismo, mas todos os dias temos de nos limpar por meio da oração. Somente não cometa estas coisas para as quais é necessário ser separado do corpo de Cristo: que estejam longe de você! Àqueles a quem tendes visto fazendo penitência, foi porque cometeram atos abomináveis, como adultério ou alguns crimes graves: por isso, eles fazem penitência. Porque, se os seus pecados fossem leves, apagar estas manchas pela oração diária seria suficiente. Os pecados são perdoados de três formas na Igreja: pelo batismo, pela oração e pela maior submissão da penitência. (Sobre o Credo 15, 16).

Mas aqueles que pensam que todos os outros pecados são facilmente expiados por esmolas, já não tem dúvida de que estes três são mortais, e tal como, se exige que sejam punidos por excomunhões, até que eles tenham sido curados pela grande submissão da penitência. São estes pecados: a falta de castidade, a idolatria e o assassinato. (Sobre Fé e Obras 34)

O vício, entretanto, por vezes, faz tais usurpações entre os homens que, mesmo depois de terem feito penitência e serem readmitidos ao sacramento do altar, eles cometem os mesmos ou mais graves pecados, mas Deus faz nascer seu sol mesmo sobre tais homens e dá seus dons de vida e saúde como ricamente como Ele fazia antes de suas falhas. E, embora a mesma oportunidade de penitência não lhes é novamente concedida na Igreja, Deus não se esquece de exercer sua paciência para com eles. (The Fathers of the Church (Washington D.C.: Catholic University, 1953), Saint Augustine, Letters, Volume III, Letter 153, p. 284-285)

Traduzido do artigo online disponível aqui.

Confissão e Penitência - Uma Análise Bíblica e Histórica - Parte 1

Por William Webster

Esta será uma série de dois artigos:


O Concílio de Trento ensina que Cristo instituiu o sacerdócio para duas funções principais: perdoar os pecados e administrar o sacramento da eucaristia. Ele declara que pela confissão dos pecados ao padre, e mediante sua absolvição e execução da penitência prescrita, o indivíduo pode receber o perdão dos pecados. A Igreja Romana ensina que o pecado requer que uma satisfação seja feita a Deus. Essa é conseguida através da penitência, de boas obras, do sofrimento no purgatório e das indulgências que são autorizadas pelo papa. Juntamente com o seu ensinamento sobre a eucaristia, o ensino católico romano sobre a confissão e a penitência atinge o auge no debate da Reforma Protestante. As indulgências foram a primeira controvérsia a iniciar esse debate. Aquilo que começou com uma crítica à prática se transformou numa crítica à teologia, que foi fundamental para se questionar todo o sistema de obras e méritos que tinha se desenvolvido ao longo dos séculos. Essa controvérsia, assim como a eucaristia, gira em torno do significado e natureza da expiação de Jesus Cristo.

A Igreja Católica Romana ensina que a justificação, ao invés de ser uma declaração judicial de Deus com base na justiça imputada de Cristo e recebida pela fé, é, na verdade, um processo que depende da graça infusa que pode ser perdida pelo cometimento de um pecado grave. Se isso acontecer, o perdão deve ser solicitado e o estado de justificação recuperado. O perdão pelo pecado é conseguido pela mediação da Igreja através do sacramento da Confissão e Penitência. De acordo com a Igreja de Roma, obras de penitência são meritórias diante de Deus, que as aceita como um pagamento pela pena temporal devida aos pecados. Ela ensina que os homens podem fazer expiação pelos seus próprios pecados, realizando a satisfação por meio destas obras de penitência e, assim, merecer a misericórdia, o perdão e justificação de Deus. O Concílio de Trento afirma:

Cânon 9. Se alguém disser que a absolvição sacramental do sacerdote não é ato judicial, mas mera pronúncia e declaração de que estão perdoados os pecados ao que se confessa, contanto que este apenas creia que está absolvido, ainda que o sacerdote não absolva seriamente, mas por brincadeira; ou disser que não se requer a confissão do penitente para que o sacerdote o possa absolver — seja excomungado.
Cânon 12. Se alguém disser que Deus sempre perdoa toda a pena junto com a culpa, e que a satisfação dos penitentes não é outra coisa senão a fé com a qual creem ter Cristo satisfeito por eles — seja excomungado.
Cânon 13. Se alguém disser que, quanto à pena temporal dos pecados, de nenhum modo se dá satisfação a Deus pelos merecimentos de Cristo, por meio das penas infligidas por Deus e aceitas pacientemente, nem pelas impostas pelo sacerdote, nem ainda pelas que se adotam por própria vontade, como sejam orações, jejuns, esmolas ou outras obras de piedade, e que portanto a melhor e a única penitência é a nova vida [que se há de levar] — seja excomungado.
Cânon 14. Se alguém disser que as satisfações com que os penitentes por Jesus Cristo dirimem os pecados, não são culto de Deus, mas tradições dos homens, que obscurecem a doutrina da graça e o verdadeiro culto de Deus e o próprio benefício da morte de Cristo - seja excomungado.

Observe que Trento afirma que a satisfação é feita a Deus por meio das obras de penitência e que através delas, os homens redimem seus pecados. O padre jesuíta John Hardon escreve:
Penitência significa arrependimento ou satisfação pelo pecado. Se esperamos pelo perdão de Deus, devemos nos arrepender. A penitência é necessária porque temos de expiar e fazer a reparação através da punição devida aos nossos pecados ... Cristo instituiu este sacramento para nos dar um meio apto e seguro de obter a remissão dos pecados cometidos após o batismo ... A pessoa deve estar num estado de graça para merecer a misericórdia divina por seus pecados veniais ... Satisfação deve ser feita pelos pecados já perdoados porque normalmente algumas - e até mesmo consideráveis - punições temporais são devidas, ainda que a culpa tenha sido removida ... Nós realizamos a satisfação pelos nossos pecados por meio de toda boa ação que fazemos num estado de graça, mas especialmente pela oração, penitência e prática da caridade ...  A aceitação paciente do julgamento ou humilhação enviado por Deus é expiatória. Nossas obras de satisfação são meritórias se forem feitas num estado de graça ... satisfação sacramental é a obra penitencial imposta por um confessor no confessionário, a fim de compensar a ofensa a Deus e expiar a pena temporal devida ao pecado já perdoado. O penitente é obrigado a executar a penitência imposta pelo sacerdote, e a falha deliberada em realizar a penitência imposta por causa de pecado mortal é grave ... Pecados também podem ser expiados por meio das indulgências.  (The Question and Answer Catholic Catechism (Garden: Image, 1981, #1320, 1322, 1386, 1392, 1394)
Ludwig Ott afirma:

Por satisfação sacramental é entendida obras de penitência que são impostas ao penitente em expiação pela pena temporal dos pecados. (Fundamentals of Catholic Dogma (Rockford: Tan, 1974), p. 434).
Com o uso das palavras propiciação, expiação, reparação, satisfação, pecado redimido e mérito, o ensino católico romano sobre penitência toca na questão da expiação de Jesus Cristo. E o que a Igreja está obviamente dizendo é que os homens devem completar a obra de expiação realizada pelo Senhor Jesus na Cruz por meio de suas próprias obras de expiação, para satisfazer a justiça de Deus, merecer a justificação e a recompensa dos céus. Esse ensino mina completamente a suficiência da expiação de Jesus Cristo, adicionando obras humanas como complemento. Trata-se de um grave desvio do evangelho e do ensino das Escrituras sobre o perdão dos pecados. A Igreja ensina a salvação por obras que é estritamente proibida nas Escrituras.

Há uma série de fatos relacionados à penitência e confissão que a Igreja de Roma diz que pode ser verificado pela prática constante da Igreja e o ensinamento unânime dos Pais da Igreja. Estes fatos são: a confissão privada ao padre conhecida como confissão auricular, a natureza repetitiva da confissão, a penitência por todos os pecados conhecidos, a prática da penitência privada como uma satisfação pelo pecado e, finalmente, a necessidade da absolvição por um sacerdote.

Esses ensinamentos podem ser rastreados até muitos séculos atrás. No entanto, também pode ser demonstrado que são claramente inovações de uma época tardia que corromperam o evangelho do Senhor Jesus Cristo. São contraditórios à Palavra de Deus. Além disso, pode ser demonstrado conclusivamente que grande parte do ensino relacionado à confissão e penitência, incluindo purgatório e indulgências são uma matéria de longo desenvolvimento histórico e eram fonte de opiniões conflitantes ainda no século 13. Os fatos históricos revelam as seguintes linhas gerais a respeito do desenvolvimento da doutrina do perdão dos pecados dentro da Igreja Católica Romana, que, a seguir, vamos examinar em detalhes:

1) A Igreja primitiva nada sabia sobre as doutrinas da confissão auricular, penitência, purgatório ou indulgências.

2) A Confissão na Igreja primitiva era uma questão pública que se relacionava a pecados graves e poderia ser feita apenas uma vez na vida. Não havia absolvição judicial por um padre.

3) No final do segundo e início do terceiro século, penitências foram introduzidas como um meio de obter o perdão dos pecados e a distinção entre pecados mortais e veniais tornou-se proeminente.

4) O Purgatório entrou no Cristianismo através do paganismo e influências filosóficas por meio de Orígenes, e Gregório Magno deu-lhe autoridade dogmática.

5) A confissão privada a um padre não entra em destaque até os séculos VII ou VIII e era completamente deslocada da confissão pública.

6) O primeiro uso registrado de indulgências é datado do século nono.

7) Haviam opiniões divergentes entre os teólogos até o século 13 sobre a natureza exata da confissão e da penitência e se a confissão a um padre era ou não necessária para receber o perdão dos pecados.

O desenvolvimento histórico da Confissão e Penitência

Na Igreja primitiva arrependimento e fé eram as duas condições básicas para o batismo. Inicialmente, o arrependimento levou a ideia de um abandono do pecado e do mundo, e doar-se inteiramente a Cristo para segui-lo. A ideia de arrependimento como 'penitência', ou seja, como um conjunto de obras humanas pelas quais se satisfaz a justiça de Deus em virtude de pecado pessoal era desconhecido.

Os escritos dos Pais Apostólicos, por exemplo, estão cheios de exortações a uma vida santa e apelam aos leitores que provem a validade de sua fé pelas boas obras. Esses escritos ensinam claramente que a verdadeira fé salvadora é evidenciada por boas obras e uma vida santa. Mas eles não ensinam que as boas obras são de qualquer forma meritórias para a salvação. Pelo contrário, eles apontam para o próprio Cristo como a fonte de salvação e enfatizam arrependimento, fé e batismo como meio apropriado de salvação, e enfatizam a vida santa como o resultado natural e prova da verdadeira conversão. Clemente de Roma, por exemplo, afirma claramente que o perdão e a salvação são dons de Deus dados completamente independente de obras humanas. Clemente faz estes comentários sobre a justificação pela fé:

Portanto, todos foram glorificados e engrandecidos, não por eles mesmos, nem por suas obras, nem pela justiça dos atos que praticaram, e sim por vontade dele. Por conseguinte, nós, que por sua vontade fomos chamados em Jesus Cristo, não somos justificados por nós mesmos, nem pela nossa sabedoria, piedade ou inteligência, nem pelas obras que realizamos com pureza de coração, e sim pela fé; é por ela que Deus Todo-poderoso justificou todos os homens desde as origens. A ele seja dada a glória pelos séculos dos séculos Amém.  (J.B. Lightfoot, The Apostolic Fathers, The Epistle of S. Clement to the Corinthians, 49, 32 (Grand Rapids: Baker, 1989), pp. 34, 26)

Clemente renuncia qualquer ideia de que os homens sejam capazes de se justificar diante de Deus e merecerem sua graça, com base em suas próprias obras. Justificação, de acordo com Clemente, vem pela fé na pessoa de Cristo. Ele apresenta Cristo como o único que fez uma expiação substitutiva e seu sangue é a única base sobre a qual os homens são justificados e recebem o perdão, que é recebido mediante arrependimento e fé. Uma grande parte de sua carta é muito semelhante à epístola de Tiago, em que ele apela aos seus leitores a andarem em santidade diante de Deus e em amor pelos seus companheiros cristãos.

O ensino de Clemente é um resumo justo dos escritos dos Pais Apostólicos como um todo. Não há nenhuma menção nos escritos de Inácio, Didaque, Clemente ou Policarpo, ou nos escritos de Justino Mártir ou Irineu sobre confissão dos pecados a um padre ou outra pessoa que não o próprio Deus ou sobre penitência, purgatório ou indulgências. Todo o sistema do perdão sacramental inventado pela Igreja Romana não encontra nenhuma afirmação nestes primeiros escritos.

A Natureza da Confissão e Perdão

Com o ensinamento da Igreja que apenas os pecados cometidos até o momento do batismo eram perdoados, permanecia o problema de como os pecados seriam perdoados após o batismo. Ela ensinava que a confissão do pecado e o arrependimento eram necessários para receber o perdão. Mas ao longo do tempo, o que vemos é que a ideia bíblica de arrependimento foi lentamente abandonada pelo conceito de penitência. Isso começou com o ensinamento de que o verdadeiro arrependimento deveria se manifestar em obras externas, e essas obras foram identificadas como obras de satisfação como: jejum, pranto e oração. Primeiramente, o significado fundamental de arrependimento como um coração que abandona o pecado foi preservado no ensinamento dos grandes Pais. Porém, ao longo do tempo, o verdadeiro significado do arrependimento foi entendido como obras externas de penitência. Penitência e arrependimento, para todos os fins práticos, tornaram-se termos intercambiáveis.

O primeiro Pai da Igreja a dar uma descrição detalhada do processo de confissão e penitência - tal como se desenvolveu na era pós-apostólica - foi Tertuliano. O termo técnico pelo qual esse processo se identificava era exomologesis, um termo geral que abrangia tanto a confissão dos pecados a Deus quanto as obras de penitência. O aspecto realmente importante dessa prática não era a confissão, mas sim os atos de penitência. Eventualmente a palavra confissão ou exomologesis tornaram-se quase exclusivamente identificados com penitência. É claro a partir dos escritos de Tertuliano que a confissão era uma prática bem estabelecida na Igreja do seu tempo.

Entre o final do segundo e início do terceiro século, a disciplina penitencial estava completamente desenvolvida, sendo conhecida como confissão ou exomologesis. Assim, é claro que a confissão do pecado foi praticada na Igreja primitiva. Mas a pergunta é: qual era sua natureza exata? Será que estava em conformidade com o que a Igreja Católica Romana ensina sobre o sacramento da confissão e penitência? Ao examinar os documentos históricos dos escritos dos Padres, torna-se muito claro que a prática da Igreja primitiva era radicalmente diferente da prática e do ensino da Igreja Romana, como expressado com autoridade pelo Concílio de Trento.

Na Igreja primitiva, confissão ou exomologesis tinha um significado muito específico que era diferente da prática da Igreja de Roma. Essas diferenças são destacadas pelos seguintes pontos: confissão era feita apenas para um certo tipo de pecado e era geralmente pública. As obras de penitência também eram estritamente um caso público, que só poderia ser feito uma vez na vida, e não havia absolvição sacerdotal como é praticado phoje.

Karl Keating faz estes comentários sobre a prática da confissão e penitência na Igreja primitiva:

Escritores cristãos, como Orígenes, Cipriano e Afraates são bastante claros em dizer que a confissão deve ser feita a um sacerdote. De fato, em seus escritos, todo o processo de penitência é denominado exomologesis, que simplesmente significa confissão. A confissão era vista como a parte principal do sacramento. (Catholicism and Fundamentalism (San Francisco: Ignatius, 1988), pp. 184-185)

Essa é uma declaração muito enganosa. Keating nos quer fazer crer que esses pais estão endossando o atual sistema católico romano. Mas não é o caso. O que Keating não nos diz são os fatos mencionados acima: exomologesis era feita uma vez na vida, não poderia ser repetida, era feita apenas para o pecado muito grave, era pública e não de natureza privada. O padre não concedia a absolvição e a parte principal da prática não era a confissão, mas a penitência pública. A prática católica romana de hoje é muito diferente da prática da Igreja Primitiva.

Vamos examinar cada um desses pontos historicamente:

A Igreja primitiva tratava severamente o pecado entre os seus membros, mas isso tinha a ver com os pecados que considerava muito grave como adultério, fornicação, assassinato, heresia e negar Cristo em perseguição. Tais pecados seriam tratados com a excomunhão. Assim, pecados foram classificados de acordo com sua gravidade.  Foi Tertuliano, na segunda metade do século II, o primeiro a introduzir a distinção dos pecados em mortais e veniais. A Igreja adotou seu ensino e esse tornou-se padrão.

Para aqueles indivíduos que haviam cometido pecado mortal, tornava-se necessário, a fim de ser perdoado e restaurado à Igreja, que eles geralmente publicamente confessassem seus pecados e se submetessem a uma extensa disciplina penitencial de humilhação pessoal que só poderia ser feita uma vez na vida. Essa disciplina significava que seriam excluídos da comunhão e passariam por pranto e jejum. Outras disciplinas requeriam exercícios ascéticos e religiosos prolongados por longos períodos de tempo.

Seria mais provável que fosse algum tipo de consulta privada ao bispo ou presbítero em que o indivíduo admitia seu pecado e a natureza da penitência pública seria atribuída. Mas a ideia principal por trás da confissão do pecado é que era um reconhecimento pessoal do pecado em oração ao próprio Deus. Esse é o ensinamento de Cipriano e ele afirma especificamente que os sacerdotes não concediam remissão de pecados, mas eram responsáveis por consultarem os que cometiam pecado grave e atribuir-lhes a penitência adequada:

Para os irmãos que tenham caído, e depois da salvação do batismo foram feridos pelo diabo, o remédio da penitência pode ser solicitado: não como se eles obtivessem remissão dos pecados por nós, mas que através de nós, eles podem ser levados ao conhecimento de suas ofensas, e serem obrigados a dar satisfação plena ao Senhor. (A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1844), The Epistles of S. Cyprian 75.4)

Na época do Concílio de Nicéia, essa disciplina penitencial tinha sido sistematizada em categorias de penitentes (Canon 11), em que o grau de exclusão dos serviços do culto e a natureza exata da penitência era regulamentada pela categoria a qual o penitente era designado:

A respeito daqueles que caíram sem coerção, sem a pilhagem de suas propriedades, sem perigo parecido, como aconteceu na tirania de Licinius, o Sínodo declara que, apesar de não merecerem clemência, devem ser tratados com misericórdia. Quantos foram comungantes, se se arrependeram de coração, deverão passar três anos entre os ouvintes, devem ser "genuflectores" por sete anos, e por dois anos eles devem comunicar com o povo em orações, mas sem oblações. (Philip Schaff and Henry Wace, Nicene and Post–Nicene Fathers (Peabody: Hendrickson, 1995), Second Series, Volume 14, The Seven Ecumenical Councils, I Nice, Canon 11, p. 24)

Escrevendo na metade do quarto século Basílio, o Grande, bispo de Cesaréia, descreve em grande detalhe as diferentes classes de penitentes, o tipo e a duração da penitência a que devem ser submetidos àqueles que cometem qualquer forma de pecado sexual, assassinato ou apostasia. O que se segue é apenas um exemplo dos muitos que são dados em seus escritos:

LVI. O homicida intencional, depois de arrependido, será privado do sacramento [eucaristia] por vinte anos. Os 20 anos serão cumpridos por ele como se segue: por quatro deverá prantear, do lado de fora da porta da casa de oração, suplicando aos fiéis que entram para oferecerem oração em seu nome, e confessando seu pecado. Depois de quatro anos, será admitido entre os ouvintes, e depois de cinco anos poderá sair deles. Depois de sete anos ficará de joelhos orando. Durante quatro anos ele poderá ficar sentado com os fiéis, e não vai tomar parte na oblação [eucaristia]. Após a conclusão desse período, será admitido ao sacramento [eucaristia].

LVII. Os homicidas involuntários serão excluídos por dez anos do sacramento [eucaristia]. Os 10 anos serão organizadas da seguinte forma: Por dois anos irá prantear; por três anos vai continuar entre os ouvintes; por quatro anos será um dos que ficam de joelho; e por um ano ficará somente entre os sentados. Então, ele será admitido aos ritos sagrados.

LVIII. Os adúlteros serão excluídos do sacramento por quinze anos. Durante quatro anos serão pranteadores, e durante cinco ouvintes, durante quatro de joelhos, e por dois sentados sem participarem da comunhão. (Ibid., vol 8, Basil: Letters and Select Works, Letter 217, Canons 56, 57, 58, p. 256)

Basílio afirma que a confissão do pecado é pública e as diferentes fases da exomologesis são descritas como os que choram, os que ouvem, os que ficam de joelhos e os que ficam em pé. Essas fases são de natureza pública. Todos os cânones de Basílio referentes à confissão e penitência relacionam-se à gravidade dos pecados. Agostinho, escrevendo no século V, revela que a prática da Igreja era a mesma em seu tempo. A prática pública que a Igreja chamava confissão ou exomologesis era feita somente pelos pecados categorizados como mortais, esses sendo pecados sexuais (adultério, fornicação, perversão), assassinato e apostasia. E isso só poderia ser feito uma vez. Se o indivíduo, depois da penitência, cometesse os mesmos pecados graves novamente, não haveria perdão disponível por meio da Igreja, embora Agostinho ensinasse que, se ele realmente se arrependesse diante de Deus e provasse seu arrependimento pela penitência privada e boas obras, ainda poderia apelar à misericórdia de Deus. Os pecados mais leves que os cristãos cometiam não estavam sujeitos à confissão, mas eram tratados de forma pessoal, por meio da oração pessoal, das boas obras e da penitência privada. Esses pecados não eram confessados privadamente ao sacerdote e absolvidos por ele, mas eram confessados diretamente a Deus. A seguir estão os comentários de Agostinho sobre a natureza do perdão dos pecados:

Quando foste batizado, mantenha uma vida correta nos mandamentos de Deus para que você possa preservar o seu batismo até o fim. Eu não digo que você irá viver aqui sem pecado, mas eles são pecados veniais, que nesta vida nunca se está sem. O batismo foi instituído para todos os pecados. Para pecados leves, sem os quais não podemos viver, a oração foi instituída. Que direito tem a oração? "Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores." Uma única vez todos fomos lavados no batismo, mas todos os dias temos de nos limpar por meio da oração. Somente não cometa essas coisas para as quais é necessário ser separado do corpo de Cristo: que estejam longe de você! Àqueles a quem tendes visto fazendo penitência, foi porque cometeram atos abomináveis, como adultério ou alguns crimes graves: por isso, eles fazem penitência. Porque, se os seus pecados fossem leves, apagar essas manchas pela oração diária seria suficiente. Os pecados são perdoados de três formas na Igreja: pelo batismo, pela oração e pela maior submissão da penitência. (Ibid,, Volume III, St. Augustin, On The Creed 15, 16)

Mas aqueles que pensam que todos os outros pecados são facilmente expiados por esmolas, já não tem dúvida de que estes três são mortais, e tal como, se exige que sejam punidos por excomunhões, até que eles tenham sido curados pela grande submissão da penitência. São estes pecados: a falta de castidade, a idolatria e o assassinato. (Library of Fathers of the Holy Catholic Church (London: Oxford, 1847), St. Augustine, Of Faith and Works 34)

O vício, entretanto, por vezes, faz tais usurpações entre os homens que, mesmo depois de terem feito penitência e serem readmitidos ao sacramento do altar, eles cometem os mesmos ou mais graves pecados, mas Deus faz nascer seu sol mesmo sobre tais homens e dá seus dons de vida e saúde como ricamente Ele fazia antes de suas falhas. E, embora a mesma oportunidade de penitência não lhes é novamente concedida na Igreja, Deus não se esquece de exercer sua paciência para com eles. (The Fathers of the Church (Washington D.C.: Catholic University, 1953), Saint Augustine, Letters, Volume III, Letter 153, p. 284-285)

Que havia apenas um arrependimento disponível através da Igreja por pecados graves também se afirma pelos escritos de O Pastor de Hermas, Orígenes, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Ambrósio, Paciano e por numerosos cânones dos diferentes concílios da Igreja. Esses escritos abrangem o período da era pós-apostólica até o sexto século, demonstrando que a prática da Igreja durante muitos séculos foi diferente do que é decretado pelo Concílio de Trento (A documentação a partir dos escritos desses pais é listada em um apêndice no final deste artigo).

Em seu livro que traça o desenvolvimento da penitência na Igreja primitiva e documenta a disciplina penitencial que se desenvolveu nos séculos posteriores, John McNeill e Helena Gamer fazem estes comentários sobre a natureza da confissão e penitência nos primeiros séculos:

O Cristianismo primeiramente aplicava padrões austeros de comportamento, e no curso de seu avanço no mundo greco-romano desenvolveu uma disciplina para a correção dos cristãos que violavam o código. Na primeira fase, essa disciplina assumiu a forma de confissão pública, feita antes da congregação reunida. Em crimes mais graves e em caso de impenitência ou escândalo público, esta disciplina era acompanhada por um período de exclusão da comunhão ... A palavra exomologesis é usada para incluir tanto a confissão como a penitência, que são partes de um mesmo processo público de humilhação. Não há nenhuma sugestão de que qualquer outro tipo de penitência existia ... Não é de se supor, no entanto, que a penitência frequente para os pecados graves, a prática habitual de séculos mais tarde, já era permitida ... defensores da penitência pública na Idade Média, frequentemente citavam a literatura patrística como prova de que o ato de penitência não podia ser repetido. (Medieval Hand-Books of Penance (New York: Octagon, 1965), pp. 4, 8, 14)

O historiador católico romano, Charles Hefele, comentando sobre a prática dos Novacianos de excluir permanentemente da Igreja todos os que caíram no tempo de perseguição, afirma as conclusões acima da prática da confissão e penitência na Igreja primitiva:

Os cátaros que estão aqui em discussão não são outros se não novacianos ... que num espírito de severidade pretendiam excluir para sempre da Igreja aqueles que tinham mostrado fraqueza durante a perseguição ... O seu princípio fundamental da exclusão perpétua foi de uma maneira a forma concreta do princípio geral, trazido de duas gerações antes, que todo aquele que após o batismo, caísse em pecado mortal, nunca deveria ser recebidos de volta à Igreja. A Igreja Católica foi naqueles tempos muito inclinada à severidade: ela concedia permissão para executar penitência apenas uma vez; quem caia pela segunda vez era para sempre excluído. (A History of the Councils of the Church (Edinburgh: Clark, 1895) Volume I, pp. 410-411)

J.N.D. Kelly ao comentar o desenvolvimento histórico da confissão e penitência resume tudo o que foi dito e confirma o fato de que durante os primeiros séculos, não existia o sacramento da confissão privada e absolvição sacerdotal:

Com o alvorecer do terceiro século, as linhas gerais de uma disciplina penitencial reconhecida estavam começando a tomar forma. Apesar dos argumentos engenhosos de certos estudiosos, ainda não há sinais de um sacramento da penitência privada (ou seja, a confissão a um padre, seguido pela absolvição e a imposição de uma penitência), tais como a cristandade católica conhece hoje. O sistema que parece ter existido na Igreja, neste momento, e durante séculos posteriores, era inteiramente público, envolvendo confissão, um período de penitência e exclusão da comunhão, a absolvição formal e a restauração - todo esse processo era chamado de exomologesis ... De fato, para os pecados menores, que mesmo os bons cristãos cometem diariamente e dificilmente podem evitar, nenhuma censura eclesiástica parece ter sido considerada necessária; esperava-se que os indivíduos lidassem com eles pela oração, atos de bondade e perdão mútuo. Penitência pública era para pecados graves; era, tanto quanto sabemos universal, sendo um caso extremamente solene, capaz de ser submetido somente uma vez na vida. (Early Christian Doctrines (San Francisco: Harper & Row, 1978), pp. 216-217).

O que a Igreja primitiva chamava de confissão ou penitência pública para o pecado grave não era poderia ser feito várias vezes. E por causa de seu caráter exigente e humilhante, muitas pessoas adiavam a disciplina até o final de suas vidas. No entanto, ao longo do tempo houve uma mudança gradual nesta prática, de modo que, eventualmente, não importaria quantas vezes uma pessoa poderia pecar, ela poderia buscar a reconciliação através do presbítero. Assim como Agostinho queixou-se, que em seus dias, havia  tendência à frouxidão de alguns em sua atitude no sentido de acentuar a necessidade do verdadeiro arrependimento aos catecúmenos, assim encontramos uma tendência gradual para uma visão mais branda relativa ao pecado e o seu perdão em relação à prática de confissão e penitência na Igreja.

Para todos os efeitos, a Igreja abandonou na prática o ensino do arrependimento bíblico. Os homens podiam agora receber o perdão para os mesmos pecados sempre que necessário, não importa quantas vezes pecassem. Houve reações a esta atitude e prática mais relaxada como, por exemplo, o terceiro concílio de Toledo (589 dC), que condenou totalmente (Canon 11) a prática da confissão e penitência frequentes. Esse cânon afirma:

Em algumas igrejas da Espanha, desordem no ministério da penitência ganhou terreno, de modo que as pessoas pecam como elas gostam, e repetidamente pedem reconciliação ao sacerdote. Isso já não deve acontecer; mas de acordo com os cânones antigos, todos que se arrependem de sua ofensa devem ser primeiramente excluídos da comunhão, e devem frequentemente se apresentar como penitente para a imposição das mãos, quando seu tempo de penitência tiver acabado. Caso pareça correto ao bispo, ele pode ser novamente recebido à comunhão. Se, no entanto, durante o seu tempo de penitência ou depois, ele cair de volta no seu antigo pecado, será punido de acordo com o rigor dos antigos cânones. (Hefele, Op. Cit., pp. 419-420)

Hefele reitera a sua declaração, mencionada acima, para explicar o que o concílio de Toledo quis dizer quando se referia a uma pessoa que está sendo punido de acordo com o rigor dos antigos cânones que caíram novamente em pecado grave:

A Igreja antiga designou apenas uma única penitência pública, e, se alguém depois da penitência novamente caísse em pecado grave, permaneceria para sempre excomungado. (Ibid., pp. 420).

Esse cânone dá clara documentação do fato de que a prática da Igreja estava mudando a partir do que tinha sido o ensinamento dos Pais e prática da Igreja durante muitos séculos.

Com a introdução do conceito de penitência como um elemento vital do verdadeiro arrependimento, vemos que gradualmente o conceito bíblico do arrependimento é pervertido, se degenerando num sistema legalista de obras pelo qual o indivíduo faz reparação a Deus por seus próprios pecados. Essas inicialmente foram ensinadas como sendo evidências ou frutos do verdadeiro arrependimento, mas eventualmente se tornaram eficazes em si mesmas.

E, juntamente com o ensino de que os atos de penitência podem obter o perdão dos pecados pós-batismais, surge o ensinamento que as boas obras acumulam mérito diante de Deus. Esse conceito foi introduzido pela primeira vez por Tertuliano. Ele ensinou que o pecado depois do batismo incorre em culpa diante de Deus que exige satisfação. Ainda ensinou que as obras humanas, como o jejum, a esmola etc., rendem satisfação a Deus e merecem perdão pelos pecados. Além disso, ensinou que as boas obras acumulam mérito diante de Deus. Estes pensamentos foram mais embelezados por seu discípulo Cipriano e desses dois pais temos a base para todo o sistema de penitência e obras que mais tarde evoluiu para o que é característico da Igreja Católica Romana.

O resultado desse ensino foi que o conceito de penitência logo deslocou o significado bíblico do arrependimento e os dois se tornaram sinônimos. Que essa é a doutrina que ainda é ensinada hoje é visto por estas declarações do "A pergunta e a resposta do catecismo católico". Por favor, note a referência à penitência e arrependimento como termos sinônimos e do ensino sobre obras e mérito:

Penitência significa arrependimento ou satisfação pelo pecado ... Penitência também é necessário porque temos de expiar e fazer reparação pelos castigos que são devidos aos nossos pecados. A satisfação é remediadora por merecer a graça de Deus ... Nós fazemos satisfação dos nossos pecados em toda boa ação que realizamos em estado de graça, mas sobretudo com a oração, a penitência e a prática da caridade ...  Nossas obras de satisfação são meritórias se forem feitas enquanto num estado de graça e em espírito de penitência ... Nós podemos fazer a satisfação pelo pecado através dos sofrimentos e aflições da vida, incluindo o sofrimento da morte, ou através das penas de purificação na vida no além. O pecado também pode ser expiado através das indulgências. (John Hardon, The Question and Answer Catholic Catechism (Garden: Image, 1981, #1320, 1322, 1386, 1392, 1394)

O ensinamento bíblico do arrependimento é a antítese completa do dogma católico romano da penitência. Arrependimento significa um coração que abandona o pecado e volta-se para Cristo para ser perdoado, em virtude da confiança em sua obra já terminada. Cristo fez uma plena expiação do pecado. Ele tomou sobre si a ira completa de Deus contra o pecado. Os homens são chamados a confessar seus pecados diretamente a Deus e reconhecer e apropriar-se do perdão já garantido pela morte de Cristo na cruz. Penitência, por outro lado, é o esforço do homem para satisfazer a Deus pelos seus pecados através das suas próprias obras.

Assim, vemos como surgem, no terceiro século, ensinamentos que minam a obra consumada de Cristo pela adição de obras humanas que devem completar a sua obra. Essa é uma perversão clara da doutrina da graça, pois introduz obras humanas como suplemento à obra de Cristo. Ao longo do tempo, o cristianismo tornou-se mais e mais exteriorizado. O arrependimento foi caracterizado por atos externos que supostamente faziam expiação do pecado. E juntamente com isso, houve o aumento do ascetismo em que homens procuravam alcançar mérito diante de Deus, vivendo uma vida que consistia no afastamento monástico do mundo, na pobreza voluntária, no celibato e na severidade ao corpo. Essas obras supostamente traziam o indivíduo a um estado mais elevado de espiritualidade e permitiam ganhar ou merecer a graça de Deus e, assim, o céu através de suas boas obras.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A Doutrina da Intenção e a Incerteza dos Sacramentos da Igreja Romana

O Concílio de Trento afirmou:

Se alguém disser que nos ministros, enquanto confeccionam e conferem os sacramentos, não se requer a intenção de ao menos fazer o que faz a Igreja — seja excomungado. (sessão 7ª cân. 11, Denz. 854)

O Cardeal Roberto Belarmino, proclamado Doutor da Igreja afirmou:

"Ninguém pode estar certo, com a certeza da fé, que recebe um verdadeiro sacramento, porque o sacramento não pode ser válido sem a intenção do ministro, e nenhum homem pode verificar a intenção do outro". ("Disput. Controv. De Justine." III. viii. 5)

O que isso significa na prática é que nenhum católico romano pode ter certeza de que já foi batizado, confirmado, absolvido, ou recebeu a Sagrada Comunhão; pois mesmo que ele seja moralmente certo da honestidade e da piedade dos bispos e sacerdotes que professaram fazer essas coisas para ele, não tem garantia de que todos tenham sido validamente ordenados, uma vez que o Bispo que professou ordená-los pode não ter a intenção, ou ter sido ele mesmo validamente consagrado. ("Theol. Mor." VI. II. 755)

Nenhum católico tem a capacidade de infalivelmente saber qual a intenção do sacerdote, portanto, não pode ter certeza se os sacramentos foram válidos. Isso é tão grave que, nos parâmetros da teologia romana, pode até mesmo determinar a salvação da alma. Um católico que cometeu pecado mortal e se confessou inocentemente como um padre que não tinha a intenção correta, permanece em pecado mortal e caso morra nesta condição, irá para o inferno. Além disso, nem todos os padres podem ouvir confissões. Assim diz o Código de Direito Canônico:

Cân. 966 — § 1. Para a absolvição válida dos pecados, requer-se que o ministro, além do poder de ordem, possua a faculdade de o exercer sobre os fiéis a quem concede a absolvição.
Cân. 970 — Não se conceda a faculdade de ouvir confissões a não ser a presbíteros que tenham sido considerados idôneos mediante exame, ou de cuja idoneidade conste por outra via.

Então o católico que vai se confessar precisa lidar com três requisitos que podem estar fora do seu alcance de conhecimento:

(1) ordenação válida – que dependerá da intenção correta do bispo que ordena e também da validade da ordenação desse bispo;
(2) intenção correta e;
(3) autorização da Igreja para ministrar o sacramento.

São muitas incertezas relacionadas ao sacramento que pode determinar o destino eterno do católico. E casos assim não são incomuns, como o caso do falso padre da paróquia do Morumbi (Link)

A necessidade da intenção correta coloca até mesmo em dúvida a validade de um papa, uma vez que afeta a validade da ordenação que também é um sacramento. Quem pode garantir que um papa é um sacerdote validamente ordenado? O bispo que o ordenou poderia não ter a intenção correta ou poderia ele mesmo não ter sido validamente ordenado.

Ao fazer do sacerdote um mediador entre os homens e Deus, a Igreja Romana tornou a eficácia dos sacramentos um grande mar de dúvidas. No sistema sacramental católico, o homem não pode ter “paz com Deus” como afirma Paulo:

Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo. (Romanos 5:1)

Para todos que desejam ter verdadeira paz com Deus, temos a mensagem do evangelho, cuja eficácia não depende de nenhum sacerdote humano falível, mas do Sumo Sacerdote, a quem temos livre acesso e podemos depositar nossa confiança pois a intenção dele é sempre correta:

Pois não temos um sumo sacerdote que não seja capaz de compadecer-se das nossas fraquezas, mas temos o Sacerdote Supremo que, à nossa semelhança, foi tentado de todas as formas, porém sem pecado algum. Portanto, acheguemo-nos com toda a confiança ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e encontremos o poder que nos socorre no momento da necessidade. (Hebreus 4:15-16)