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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Os Pais Nicenos e o Culto às Imagens (Eusébio de Cesareia)



Aqui damos continuidade ao nosso estudo sobre os pais da igreja e o culto às imagens e ícones. Vamos elencar os pais nicenos (séc. IV), especialmente Eusébio e Epifânio. Antes de tudo, vejamos o panorama da situação no séc. IV. O especialista em história da Arte Ernst Kitzinger escreveu:

Quando, no início do século IV, a arte cristã tornou-se objeto de comentários mais articulados, estes eram a princípio ou de alguma forma restritivos. Não foi antes da segunda metade do quarto século que algum escritor começou a falar da arte pictórica cristã em termos positivos. Ainda assim, era uma questão com referências fugazes ao invés de uma defesa sistemática (...) Estas justificativas das imagens cristãs como foram tentadas durante a segunda metade do século IV baseava-se exclusivamente em sua utilidade como ferramentas educacionais, particularmente para os analfabetos. (Kitzinger,Ernst, "The Cult of Images in the Age before Iconoclasm", DumbartonOaks Papers, Vol. 8, (1954), p. 87)

Mesmo durante o século quatro, as vozes mais importantes da igreja eram contrárias às imagens. E mesmo entre as vozes apoiantes, não havia qualquer culto envolvido. O argumento favorável apelava à utilidade pedagógica das imagens para instruir uma população predominantemente analfabeta. Ernst Kitzinger prossegue:

A aversão primitiva do cristianismo às artes visuais estava enraizada em sua espiritualidade. "É chegada a hora em que os verdadeiros adoradores adoram o Pai em espírito e em verdade" (João 4:23). O conceito espiritualizado de culto encontrou o que é talvez a sua expressão mais eloquente nas palavras de Minucio Felix (...) (Ibid., p. 89)

Não transcrevi a citação de Minúcio porque está contida na primeira parte de nosso estudo. Kitzinger prossegue:

Como esta passagem mostra [a citação de Minúcio], a rejeição radical das artes visuais pela Igreja primitiva foi parte de uma rejeição geral aos acessórios materiais na vida religiosa e no culto. A resistência para fazer representações foi, no entanto, particularmente forte, em parte devido à proibição de imagens que fazia parte da Lei Mosaica, e em parte por causa do papel central que as estátuas e as imagens em geral ocupavam nas religiões do paganismo greco-romano. (Ibid., 89)

Observem que os cristãos primitivos tinham razões teológicas (a lei mosaica) e razões práticas (as religiões pagãs) para rejeitar o uso de imagens. Kitzinger vai então nos dar importante informações de quando e como o culto às imagens se originou no seio da Igreja cristã:

O caminho para o culto às imagens foi pavimentado no século IV pela adoção generalizada de outros suportes materiais que não eram barrados por quaisquer proibições específicas, nomeadamente cruzes e relíquias. A veneração da cruz pode ter sido praticada aqui e ali mesmo durante o período de perseguições, mas recebeu seu maior impulso através da identificação simbólica do instrumento da Paixão de Cristo com o padrão vitorioso do exército de Constantino o Grande, uma identificação expressa graficamente no sinal do labarum, que aparece em moedas na terceira década do quarto século. No final do século IV, a proskynesis [veneração] diante do sinal da paixão [a cruz] foi considerada perfeitamente natural para um cristão. O culto das relíquias deve ter se espalhado ainda mais amplo e rapidamente. Pequenas partes da cruz verdadeira, supostamente redescoberta no reinado de Constantino, foram logo ansiosamente procurados pelos fiéis em todo o mundo, de acordo com Cirilo de Jerusalém (ano 350) (...) O culto da cruz e das relíquias estava em pleno andamento no tempo dos grandes padres da Capadócia. O culto às imagens, no entanto, não veio ao seu alcance, mesmo de forma negativa. Ao menos o culto de imagens religiosas não veio. É bom lembrar ao considerar a ascensão das práticas idólatras entre os cristãos que os Pais do quarto século admitem a justeza das honras e cumprimentos tradicionalmente prestados à imagem do Imperador. De acordo com Malalas, Constantino instituiu a prática de ter sua própria imagem carregada em procissões solenes no dia do aniversário da fundação de sua capital e ter o dia de ser curvar diante dela (...) Não faltam evidências de que o culto tradicional ao imperador sofreu pouca ou nenhuma interrupção por causa do triunfo do cristianismo. Numerosas fontes do século IV mostram que uma vez que o imperador se tornou um cristão, tais práticas não foram mais contestadas pela maioria das autoridades clericais. A famosa citação do Tratado de São Basílio sobre o Espírito Santo, tantas vezes utilizada em séculos posteriores em defesa do culto de imagens de Cristo, bem como passagens de outros escritores desse período no qual o culto à imagem imperial é apresentado para ilustrar um ponto, mostram que essa forma de culto era de fato considerada costumeira e apropriada. Gregório Nazianzeno, em sua primeira diatribe contra Juliano, afirmou que a atitude cristã com relação ao que ele chama de “costumeira honra ao soberano” mais explicitamente: “(...) eles devem ter adoração para que eles possam parecer mais terríveis - e não apenas a adoração que recebem em pessoa, mas também que recebem em suas estátuas e retratos, a fim de que a veneração pode ser mais insaciável e mais completa (Contra Juliano 1:80). Quanta influência o culto à imagem do imperador teve sobre o culto às imagens religiosas é bem ilustrado por duas passagens na História Eclesiástica de Philostorgio, escrita durante a primeira metade do quinto século. Se nós podemos confiar no testemunho de Potios (...) O culto à estátua de Constantino no fórum era, no tempo de Philostorgio, era completo com sacrifícios propiciatório, queima de velas e incenso, orações e súplicas (...) Finalmente, na primeira metade do sexto século, encontramos a primeira alusão na literatura de proskynesis [veneração] sendo praticada diante das imagens nas igrejas. Isto parece ter sido contido em um inquérito recebido pelo Bispo Hypatio de Éfeso de um de seus subordinados, Juliano de Atramytion. (Ibid., p. 90-95)

Assim como outras práticas heréticas, o culto às imagens nasceu a partir da influência pagã sobre o cristianismo. O embrião desse desenvolvimento foi o culto à imagem do imperador que não foi devidamente censurado pelos cristãos. Já havia no séc. IV o precedente do culto à cruz e às relíquias. Daí para o culto às imagens foi um passo não muito grande. Contudo, a primeira alusão à veneração de imagens na igreja remonta ao século VI. Isto é absolutamente incompatível com a afirmação de que a veneração das imagens foi sempre praticada pela Igreja Cristã. O bispo ortodoxo oriental Kallistos Ware confirma o relato acima:

O primeiro tipo de ícone que recebeu veneração não era religioso, mas secular - o retrato do imperador. Este era considerado como uma extensão da presença imperial, e as honras que eram mostradas ao imperador em pessoa eram prestadas também ao seu ícone. Incenso e velas eram queimados diante dele, e como um sinal de respeito os homens inclinavam-se até ao chão perante ele, tal prostração era normalmente descrita pelo termo proskynesis [1]. Este culto da imagem imperial remonta aos tempos pagãos: com a conversão do imperador ao Cristianismo ele foi prontamente aceito pelos cristãos, e não houve qualquer objeção levantada por parte das autoridades eclesiásticas.

Se os homens dispensam tal respeito à imagem do governante terreno, não devem mostrar igual reverência à imagem de Cristo o Rei celestial? Foi uma inferência óbvia e natural, mas não foi uma inferência que foi feita de uma só vez. Na verdade, proskynesis foi mostrado para com as relíquias dos santos e da Cruz antes de começar a ser mostrado para com o ícone de Cristo. Foi só no período seguinte a Justiniano - durante os anos 550-650 - que a veneração dos ícones em igrejas e casas particulares tornou-se aceito na vida devocional dos cristãos orientais. Pelos anos 650-700 foram feitas as primeiras tentativas por escritores cristãos de fornecer uma base doutrinal para este crescente culto de ícones e de formular uma teologia cristã da arte. De particular interesse é a obra, que sobrevive apenas em fragmentos, de Leôncio de Neápolis (em Chipre), rebatendo críticas judaicas.

A veneração dos ícones não foi aceite em todos os lugares sem oposição. No final do século VI foram feitos protestos em extremos geográficos distantes, em ambos os casos fora dos limites do Império Bizantino - a Ocidente, em Marselha, e a Oriente, na Arménia». (Extraído de “Christian Theology in the East,” in A History of Christian Doctrine, editado por Hubert Cunliffe-Jones [Philadelphia: Fortress Press, 1980], pp. 191-92)

O estudioso ortodoxo aponta a origem espúria do culto às imagens – o culto pagão à imagem do imperador. Ele ainda atesta que este culto, embora tenha surgido apenas no século VI, encontraria ainda ferrenha oposição no seio da igreja. 

Eusébio de Cesareia

A Evidência mais contundente a respeito de Eusébio está contida em sua carta à Constância Augusta – irmã do Imperador Constantino. Ela pede uma imagem de Cristo, mas a resposta de Eusébio é a seguinte:

Você escreveu a mim a respeito de um certo ícone de Cristo e o seu desejo de que eu enviasse tal ícone a você: o que você tinha em mente, e de que tipo este ícone de Jesus deveria ser? Como você chama isto? (...) Qual ícone de Cristo você está procurando? A verdadeira e imutável imagem que tem por natureza a semelhança de Cristo, ou melhor, aquela que ele tomou para nós quando se vestiu com a forma de um servo (Fp 2:7)? (...) Eu não posso imaginar que você está requerendo um ícone de imagem divina. O próprio cristo instruiu você de que ninguém conhece o Pai exceto o filho, e de ninguém é digno conhecer o filho exceto somente o Pai que o gerou (...) Então, eu presumo que você deseje um ícone de sua forma como um servo, a forma da carne humilde a qual ele próprio vestiu para nosso amor. Já a respeito disso nós aprendemos que ela está misturada com a glória de deus e o que é mortal foi engolido pela vida (...) é repugnante só a ideia de que possa haver pinturas nos lugares destinados ao culto. (Carta a Constância)

O renomado estudioso ortodoxo George Florovsky escreveu:

A carta não pode ser datada com precisão. Foi uma resposta a Constância Augusta -  uma irmã de Constantino. Ela pediu a Eusébio que lhe enviasse uma imagem de Cristo. Ele ficou surpreso. Que tipo de imagem ela quis dizer? Ele nem conseguia entender por que ela deveria querer um. Seria a imagem verdadeira e imutável, que teria em si o caráter de Cristo? Ou era a imagem que ele assumira quando tomou a forma de um servo por nossa causa? A primeira, observa Eusébio, é obviamente inacessível ao homem, pois somente o pai conhece o filho. A forma de um servo, que ele assumiu na Encarnação, foi amalgamada com sua Divindade. Após sua ascensão ao céu, ele havia mudado essa forma de servo para o esplendor que, por antecipação, revelara aos seus discípulos (na Transfiguração) e que era mais elevado do que a natureza humana. Obviamente, esse esplendor não pode ser representado pelas cores e sombras sem vida. Os apóstolos não podiam olhá-lo. Se mesmo em sua carne havia tal poder, o que dizer agora quando ele transformou a forma de um servo na glória do Senhor e de Deus? Agora ele descansa no insondável peito do Pai. Sua forma anterior foi transfigurada e transformada naquele esplendor inefável que passa a medida de qualquer olho ou ouvido. Nenhuma imagem desta nova forma é concebível, se esta substância deificada e inteligível ainda pudesse ser chamada de forma. Não podemos seguir o exemplo dos artistas pagãos que retratam coisas que não podem ser retratadas e cujas imagens são sem qualquer semelhança genuína. Assim, a única imagem disponível seria apenas uma imagem em estado de humilhação. No entanto, todas essas imagens são formalmente proibidas na Lei, e nenhuma dessas é conhecida nas igrejas. Ter essas imagens significaria seguir o caminho dos pagãos idólatras. Nós, cristãos, reconhecemos a Cristo como o Senhor e Deus e estamos nos preparando para contemplá-lo como Deus na pureza de nossos corações. Se quisermos antecipar essa imagem gloriosa, antes de encontrá-lo face a face, há apenas um bom pintor - a própria Palavra de Deus. O ponto principal deste argumento eusebiano é claro e óbvio. Os cristãos não precisam de nenhuma imagem artificial de Cristo. Eles não têm permissão para voltar, mas devem olhar para frente. A imagem histórica de Cristo, na forma de sua humilhação, já foi superada por seu esplendor divino no qual ele agora habita. Este esplendor não pode ser visto ou delineado, mas no devido tempo, os verdadeiros cristãos serão admitidos na glória da era vindoura. Seria supérfluo, para nosso propósito atual, compilar os paralelos dos outros escritos de Eusébio. (George Florovsky, ‘ Origen, Eusebius and the Iconoclastic Controversy', ChurchHistory, Vol. 19, No. 2 (Jun., 1950), pp. 77-96)

É notório que o argumento de Eusébio é cristológico. Florovsky identifica Orígenes como a fonte da iconoclastia de Eusébio:

Não poderíamos deixar de observar a íntima semelhança entre as ideais de Orígenes e aquelas na carta de Eusébio a Constancia. A cristologia de Orígenes foi o pano de fundo e a pressuposição de Eusébio. Ele tirou conclusões legítimas dos princípios estabelecidos por Orígenes. Se alguém caminha nas etapas de Orígenes, ele realmente se interessaria por alguma imagem histórica do Senhor? O que poderia ser representado já foi superado e substituído e a verdadeira e gloriosa realidade do Senhor ressuscitado escapa de qualquer descrição. Além disso, do ponto de vista origenista, a verdadeira face do Senhor dificilmente poderia ser descrita mesmo nos dias de seu corpo. (Ibid)

O estudioso David M. Gwynn expressa o mesmo:

Por volta do ano 327, o famoso historiador da igreja primitiva Eusébio, que morava em Jerusalém, recebeu uma carta da irmã do imperador, Constancia, pedindo-lhe uma imagem de Cristo. Eusébio escreveu-lhe uma resposta muito severa. Ele sabia que tais imagens existiam nos mercados, mas ele não acreditava que as pessoas que faziam tais coisas eram cristãs. Ele tomou como certo que apenas os artistas pagãos sonhariam em fazer tais representações. Eusébio insistiu que mesmo o Cristo encarnado não pode aparecer em uma imagem, pois “a carne que Ele assumiu por nós ... foi mesclada com a glória de Sua divindade, de modo que a parte mortal foi engolida pela Vida”. Esse foi o esplendor daquele Cristo revelado na Transfiguração e que não poderia ser capturado na arte humana. Descrever puramente a forma humana de Cristo antes de sua transformação, por outro lado, é quebrar o mandamento de Deus e cair em erro pagão. (From Iconoclasm to Arianism: The Construction ofChristian Tradition in the Iconoclast Controversy [Greek, Roman, and ByzantineStudies 47 (2007) 225–251], p. 227)

A objeção mais comumente levantada questiona a autoria desta carta. No entanto, a maioria dos estudiosos a considera autêntica devido ao estilo de escrita e ao fato de a teologia nela expressa estar contida em outras obras de Eusébio. Por isso, Florovsky afirma que “seria supérfluo, para nosso propósito atual, compilar os paralelos dos outros escritos de Eusébio”. A cristologia da carta à Constância é atestada como sendo de Eusébio a partir de suas outras obras e também pelo fato de ele ser um reconhecido Origenista. Florovsky também escreve: “Não há razão alguma para questionar sua autenticidade”. Ele cita como autoridade a opinião do renomado historiador da igreja Karl Holl. O estudioso de Havard Peter Van Nuffelen escreveu:

No entanto, agora é geralmente aceito que a carta é uma peça genuína de Eusébio (41). (Fonte)

Ele cita os seguintes estudiosos na nota de rodapé 41 em apoio a autenticidade da carta:

(41) Gero 1981; Thümmel 1984; Stockhausen 2000; Gwynn 2007: 227n5 e 6. Barnes 2010 argumenta que a carta é genuína, mas retocada após a morte de Eusébio.

O arcebispo de Viena Christoph Schönborn também afirma a autenticidade da obra:

Nós acreditamos que o estilo da carta e a teologia se encaixam bem na obra deste grande historiador. (Fonte)

Um forte argumento para autenticidade da carta é que mesmo em meio a controvérsia iconoclasta que emergiria séculos depois, os partidários do culto aos ícones não questionaram sua autenticidade. Eles apenas desqualificaram o testemunho de Eusébio acusando-o de ser um ariano. É digno de nota que a maioria dos historiadores não vê justiça nesta acusação. Eusébio não era ariano, mas sim um origenista. Florovsky escreve:

A evidência de Eusébio, curiosamente, nunca recebeu muita atenção. Tem sido frequentemente citada, mas nunca analisada adequadamente. Não há razão alguma para questionar sua autenticidade. Parece ser o argumento-chave em todo o sistema do raciocínio iconoclástico. Não foi por acaso que São Nicéforo se sentiu compelido a escrever um antirrético especial contra Eusébio. O nome de Eusébio exige atenção por outro motivo: toda a concepção iconoclástica do poder e autoridade imperial na Igreja remonta a Eusébio. Havia uma tendência óbvia de arcaísmo na política iconoclasta. A carta de Eusébio não é preservada na íntegra. Algumas partes dela foram citadas e discutidas no Concílio de Nicéia e novamente por Nicéforo, e todos os trechos disponíveis foram reunidos por Boivin e publicados pela primeira vez nas notas de sua edição da História de Nicéforo Gregoras (1702). (Fonte)

Obviamente, partidários dos ícones como Nicéforo teriam toda a predisposição para colocar em dúvida o testemunho de Eusébio caso houvesse algum motivo razoável para tal. A posição pró-autenticidade é tão dominante que até mesmo fontes como a Enciclopédia Católica atribuem a carta a Eusébio:

A história [mostra] a preservação das três cartas, (45) a Alexandre de Alexandria, (46) a Eufrásio ou Eufração, (47) à Imperatriz Constancia, que é bastante curiosa. Constancia pediu a Eusébio que lhe enviasse uma certa imagem de Cristo, da qual ela havia ouvido falar. Sua recusa foi expressa em termos que séculos depois foram apelados pelos iconoclastas. Uma parte desta carta foi lida no Segundo Concílio de Nicéia. (Fonte)

E em outro artigo da enciclopédia também lemos:

Mas é interessante ver que no final do primeiro período havia alguns bispos que reprovavam o crescente culto de imagens. Eusébio de Cesaréia (d. 340), o Pai da História da Igreja, deve ser contado entre os inimigos dos ícones. Em vários lugares de sua história, ele mostra sua antipatia por eles. Eles são um "costume pagão" (História Eclesiástica, VII, 18). Ele escreveu muitos argumentos para convencer a irmã de Constantino, Constancia, a não guardar uma estátua de nosso Senhor (ver Mansi, XIII, 169). (Fonte)

Observem que a Enciclopédia Católica cita a mais famosa obra de Eusébio – a História Eclesiástica. Não há dúvida quanto a autoria deste livro. Portanto, não dependemos apenas da Carta à Constância para estabelecer a iconoclastia de Eusébio:

Mas já que fizemos menção a esta cidade [Paneia], creio que não é justo passar por alto um relato digno de memória inclusive para nossos descendentes. De fato, a hemorrágica, que pelos Evangelhos sabemos que encontrou a cura de seu mal por obra de nosso Salvador, diz-se que era originária desta cidade e que nela se encontra sua casa, e que ainda subsistem monumentos admiráveis da boa obra nela realizada pelo Salvador. Efetivamente, sobre uma pedra alta, diante das portas de sua casa, alça-se uma estátua de mulher em bronze, com um joelho dobrado e com as mãos estendidas para a frente como uma suplicante; e em frente a esta, outra do mesmo material, efígie de um homem em pé, belamente vestido com um manto e estendendo sua mão para a mulher; a seus pés, sobre a mesma pedra, brota uma estranha espécie de planta, que sobe até a orla do manto de bronze e que é um antídoto contra todo tipo de enfermidades. Dizem que esta estátua reproduzia a imagem de Jesus. Conservava-se até nossos dias, como comprovamos nós mesmos de passagem por aquela cidade. E não é estranho que tenham feito isto os pagãos de outro tempo que receberam algum benefício de nosso Salvador, quando perguntamos por que se conservam pintadas em quadros as imagens de seus apóstolos Paulo e Pedro, e inclusive do próprio Cristo, coisa natural, pois os antigos tinham por costume honrá-los deste modo, simplesmente, como salvadores, segundo o uso pagão vigente entre eles. (História Eclesiástica, VII, 18)

Impressiona o fato de apologistas católicas usarem tal citação para contradizer a iconoclastia de Eusébio. Ele reconhece que havia imagens de Jesus e dos Apóstolos, mas como atesta a Enciclopédia Católica, este não era o costume cristão e sim pagão. Caso a prática de usar estas imagens num contexto cristão fosse vista como natural e costumeira por Eusébio, algumas explicações das diferenças entre o uso pagão e cristão das imagens seriam esperadas. Além disso, há dúvidas entre os historiadores sobre se tais imagens eram de Jesus. O arcebispo Christoph Schönborn menciona:

Alguns historiadores pensam que esta pode ser uma estátua de Asclépio, o deus da cura, somente reinterpretada neste período como uma estátua de Cristo. (Fonte)

Por fim, um último argumento usado pelos defensores do culto aos ícones é a obra Vida de Constantino (aqui) escrita por Eusébio. A obra contém referências ao uso da arte cristã na cidade de Constantinopla, bem como na decoração das igrejas:

E estando totalmente decidido a distinguir a cidade que recebeu seu nome com honra especial, ele a embelezou com numerosos edifícios sagrados - tanto memoriais de mártires em grande escala, como outros edifícios do tipo mais esplêndido, não apenas dentro da própria cidade, mas em sua vizinhança. E assim, ao mesmo tempo, prestou honra à memória dos mártires e consagrou sua cidade ao Deus dos mártires. Sendo preenchido também com a sabedoria Divina, ele determinou purgar a cidade, a qual deveria ser distinguida por seu próprio nome, da idolatria de todo tipo. A partir de então nenhuma estátua poderia ser adorada ali nos templos daqueles falsamente reputados como deuses, nem quaisquer altares profanados pela poluição do sangue - para que não haja sacrifícios consumidos pelo fogo, nem festivais de demônios, nem quaisquer outras cerimônias geralmente observadas pelos supersticiosos.

Por outro lado, pode-se ver as fontes no meio do mercado enfeitadas com figuras representando o bom Pastor, bem conhecido por aqueles que estudam os oráculos sagrados, e o de Daniel também com os leões, forjados em latão e resplandecentes com placas de ouro. De fato, uma medida tão grande do amor Divino possuía a alma do imperador que no aposento principal do próprio palácio imperial, em uma vasta placa exposta no centro de seu teto revestido de ouro, ele fez com que o símbolo da Paixão de nosso Salvador fosse fixado, composto de uma variedade de pedras preciosas ricamente enriquecidas com ouro. Ele pretendia que este símbolo fosse a salvaguarda do próprio império. (Livro 3:49)

Esta citação refere-se à cidade de Constantinopla. Constantino teria mandado destruir as estátuas do culto pagão e teria construído igrejas na cidade e vizinhanças. Os defensores do culto aos ícones tentam a partir desta citação demonstrar que Eusébio era favorável a tal culto. Ocorre que não há nenhuma contradição explícita aqui. Eusébio refere-se ao uso da arte cristã através de símbolos cristãos (como o bom pastor) para fins decorativos. Não há menção de estátuas de santos em igrejas, nem de pessoas prestando qualquer tipo de culto aos ícones. Não há nada que se assemelhe ao culto praticado por católicos romanos e orientais. 

Peter Van Nuffelen escreve sobre esta aparente contradição: 

De fato, Eusébio rejeitou a produção de imagens de Cristo em sua carta a Constância, um documento que, sem surpresa, ressurgiu durante a controvérsia iconoclasta. Dada a sua primeira atestação tardia e o aparente contraste de atitude com o uso extensivo de imagens de Eusébio em outros lugares em seus escritos, sua autenticidade tem sido questionada. No entanto, agora é geralmente aceito que a carta é uma peça genuína de Eusébio. Uma discussão extensa desta questão não pode ser tentada aqui. Eu gostaria de argumentar que, mesmo que a carta fosse autêntica, a posição que ela assume sobre as imagens não é muito diferente daquela que eu detectei na Vida de Constantino. De fato, a reflexão sobre as imagens que recuperamos da vida de Constantino se encaixa muito bem com a posição encontrada na carta a Constância. Seria enganoso afirmar que a carta rejeita todos os tipos de imagens e que a Vida abrange todas elas. Mesmo na vida de Constantino, o uso de imagens é limitado em termos teológicos de duas maneiras. Por um lado, as imagens são atribuídas ao reino humano. Como conseqüência, eles são imperfeitos e incapazes de refletir plena e verdadeiramente o divino. Na melhor das hipóteses, são aproximações imperfeitas das verdades superiores. Esta posição é bem ilustrada pela ideia que encontramos no prefácio de que o logos humano pode ascender ao céu e ver o esplendor divino, mas não expressá-lo. Por outro lado, as imagens não são ficções para Eusébio e somente são admissíveis sob a condição de que elas mantenham uma relação de verdade com seu modelo: se essa condição não for cumprida, como é o caso dos ídolos, são geradas falsas imagens. (Fonte)

Ou seja, Eusébio não era contrário a qualquer tipo de uso das imagens. Ele não seria contrário à arte decorativa por exemplo. No entanto, os requisitos que ele estabelecia não permitiria a feitura de imagens de Jesus ou dos apóstolos, afinal tais imagens não poderiam representar o modelo real que andou pela terra. Isto, por óbvio, coloca Eusébio em oposição ao culto às imagens praticado atualmente.  

quinta-feira, 17 de março de 2016

Agostinho e o Catolicismo Romano - Parte 6 (Oração aos Santos, Culto aos Santos e às Imagens e Relíquias)


A oração aos Santos

Nós já tratamos dos pais pré-nicenos e oração dos santos aqui. Demonstramos que não há evidência confiável de um pai da Igreja desse período ensinando a oração a outro que não Deus. Agostinho que foi um bispo do séc. V acreditava que os crentes no céu oravam pela igreja na terra. Esse conceito de intercessão dos santos é encontrado em algumas igrejas protestantes. Porém, assim como outros pais da Igreja como Cipriano e Orígenes, ele ensinava que a oração deveria ser dirigida a Deus através de Cristo. Dessa forma, Maria ou os santos não deveriam ser diretamente invocados, o que é substancialmente diferente do conceito católico romano. Recomendo o artigo aqui do blog “conhecereis a verdade” que tratou dessa questão. Católicos costumam afirmar que pedir a intercessão dos santos é como pedir a um amigo que ore por você. Já que a Escritura estimula a prática de orar uns pelos outros, a intercessão dos santos estaria englobada nesse ensino. Essa analogia contém sérios defeitos. Um evangélico não ora diretamente a outro irmão de igreja para que esse então ore a Deus. Para que outra pessoa saiba de nossa intenção de oração, é preciso que nos comuniquemos com ela, e isso só é possível entre pessoas vivas. Os católicos têm sérias dificuldades em explicar como os falecidos podem ouvir e responder milhares de orações ao redor do mundo. A igreja romana também ensina que os santos acumularam méritos diante de Deus. Dessa forma, suas orações seriam mais eficazes. Por isso, muitos doutores da igreja romana como Afonso de Ligório ensinam que a oração de Maria é mais eficaz e seria atendida mais rapidamente do que orar diretamente a Deus.

O apologista católico traz várias citações aqui, mas em nenhuma delas Agostinho ensina a invocação de Maria ou dos santos. E nem poderia, pois ele escreveu:

E pode a sua própria oração ser considerada pecaminosa. Isto acontece porque nenhuma oração pode ser justa se não for oferecida através de Cristo, a quem Judas vendeu pelo seu pecado monstruoso. Uma oração feita de outra maneira que não através de Cristo não é meramente impotente para apagar o pecado; ela mesma se torna pecado. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Part 3, Vol. 19, trans. Maria Boulding, O.S.B., Expositions of the Psalms, Psalms 99-120, Exposition of Psalm 108.9 (Psalm 109) (Hyde Park: New City Press, 2003), p. 247.)

Qualquer oração não feita através de Cristo seria pecaminosa. Católicos alegam que substituir a medição de Cristo pela do santo não é errado, alguns diriam que é até recomendável. Comparemos Agostinho ao doutor da igreja romana Luís Maria Grignion de Montfort:

(...) Quando, pois, se lê nos escritos de São Bernardo, São Bernardino, São Boaventura etc., que no Céu e na Terra tudo está sujeito a Maria, até o próprio Deus, deve apenas entender-se que a autoridade que Deus lhe quis conceder é tão grande que parece igualar o poder divino, e que as suas orações e súplicas são tão poderosas junto de Deus que equivalem sempre a ordens junto da sua majestade. (Jesus, Filho de Maria)

Deus Espírito Santo comunicou a Maria, sua fiel esposa, os Seus dons inefáveis, e escolheu-a para dispensadora de tudo quanto possui. Deste modo, Ela distribui a quem quer, quanto quer, como e quando quer todos os Seus dons e graças, e nenhum dom celeste é concedido aos homens sem que passe por suas mãos virginais. (Capítulo Primeiro, Segundo princípio, A Obra da Santíssima Trindade em Maria)

Baseados na opinião dos Padres da Igreja (entre outros, de Santo Agostinho, Santo Efrém, diácono de Edessa, São Cirilo de Jerusalém, São Germano de Constantinopla, São João Damasceno, Santo Anselmo, São Bernardo, São Bernardino, São Tomás e São Boaventura), o douto e piedoso Suarez, da Companhia de Jesus, o sábio e devoto Justo Lípsio, doutor de Lovaina, e vários outros provaram, de maneira incontestável, que a Devoção à Santíssima Virgem é necessária para a salvação. Provaram ainda que é sinal infalível de reprovação - segundo o sentir do próprio Ecolampádio e de alguns outros heréticos -, a falta de estima e amor à Santíssima Virgem, e que, pelo contrário, é sinal certo de predestinação ser-lhe inteira e verdadeiramente dedicado ou devoto. (Tratado da verdadeira devoção à santíssima virgem Maria, item 40, pag. 53)

Esse ensino não é encontrado em nenhum desses pais da igreja. Comparemos também a Afonso de Ligório:

Muitas coisas se pedem a Deus, e não se alcançam. Pedem-se a Maria, e conseguem-se. (Glórias de Maria, pag. 118)

Tais ideias são inteiramente contrárias ao pensamento de Agostinho, como veremos a seguir:

Se alguém lhe disser: "Invoque o anjo Gabriel desta forma, invoque Miguel dessa outra; ofereça este pequeno ritual antigo, ou este mais moderno"; não se deixe levar, não concorde. E não se deixe enganar por ele só porque os nomes desses anjos podem ser lidos nas Escrituras; observe antes qual o papel dos anjos que lá pode ser lido, se eles alguma vez exigiram de algum homem qualquer tipo de veneração religiosa pessoal, ou em vez disso sempre desejaram que a glória fosse dada ao único Deus, a quem eles obedecem. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Newly Discovered Sermons, Part 3, Vol. 11, trans. Edmund Hill, O.P., Sermon 198.47 (Hyde Park: New City Press, 1997), p. 217)

Percebe-se a contradição explícita. Invocar e venerar santos ou anjos é o que a igreja romana ensina. Há um famoso vídeo na internet em que o Padre Paulo Ricardo diz que os evangélicos são otários e orgulhosos por não orarem aos santos. Agostinho não compartilharia dessa opinião:

Aqui o pensamento muito triste me ocorre de que eu deveria lembrá-lo que Parmeniano, que já foi bispo dos donatistas, teve a audácia de afirmar em uma de suas cartas que o bispo é o mediador entre o povo e Deus. Você pode ver que eles estão se colocando no lugar do noivo; eles estão corrompendo as almas dos outros com um adultério sacrílego. Esse não é um caso de presunção, que me pareceria totalmente incrível se não tivesse lido. Você vê, se o bispo é o mediador entre o povo e Deus, segue-se que devemos aprender disso que há muitos mediadores, já que há muitos bispos. Portanto, a fim de ler a carta de Parmeniano, vamos censurar a carta do apóstolo Paulo, onde ele diz, Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem (1Tm 2:5). Mas, entre os quais ele é o mediador se não entre Deus e seu povo? Então entre Deus e seu corpo, porque a Igreja é o seu corpo. Verdadeiramente monstruoso, portanto, é essa arrogância da qual tem a audácia de tornar o bispo um mediador, culpado da ilusão adúltera de reivindicar para si o casamento de Cristo. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Newly Discovered Sermons, Part 3, Vol. 11, trans. Edmund Hill, O.P., Sermon 198.52 (Hyde Park: New City Press, 1997), p. 220)

É isso o que essas pessoas sem medo ou vergonha dizem, que o bispo é um mediador entre Deus e os homens. Claro, que o homem é um mediador, mas no partido de Donatus, para bloquear o caminho, não para liderar o caminho, como Donatus faz; ele apresenta o seu próprio nome, você vê, para fechar o caminho para Cristo. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Newly Discovered Sermons, Part 3, Vol. 11, trans. Edmund Hill, O.P., Sermon 198.55 (Hyde Park: New City Press, 1997), p. 222)

Agostinho trata de um exemplo específico – um bispo donatista se colocando como mediador entre os homens e Deus. Mas seu argumento é que colocar qualquer mediador entre os homens e Deus é falha grave. Católicos costumam alegar que a mediação dos santos não substitui a de Cristo, mas percebam que Agostinho diz “ele apresenta o seu próprio nome, você vê, para fechar o caminho para Cristo”. A interposição de qualquer outro mediador fechava o caminho para Cristo, enquanto os católicos alegam que Maria é o melhor caminho para Jesus. Obviamente o bispo donatista não afirmava que substituía Cristo ou seria outro caminho de salvação, mas o simples fato de se colocar como um mediador foi suficiente para causar a resposta de Agostinho.

Em duas coisas, portanto, ele deve ter cuidado ao orar; que ele não peça o que não deveria; e que ele não peça a quem não deveria. Do diabo, dos ídolos, dos espíritos malignos, nada deve ser pedido. Desde que o Senhor nosso Deus Jesus Cristo, Deus o Pai dos Profetas e dos Apóstolos e dos Mártires, do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do Deus que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que nele há, Dele devemos pedir tudo que temos necessidade. (Sermão 6, Seção 2)

Interessante que Agostinho menciona os mártires no contexto e ainda assim afirma que a Deus devemos pedir tudo que precisamos. Isso corrobora o ensino de que a oração deve ser dirigida somente a Deus através de Cristo.

Citações em que Agostinho supostamente ensina a oração aos mártires

Apesar do grande número de citações trazidas pelo apologista católico, somente duas delas mencionam pessoas orando aos mártires:

Em Hipona, certo Basso, sírio, orava sobre as relíquias do mesmo mártir [Estevão] por uma filha que se encontrava gravemente doente. Tinha trazido para lá um vestido dela. Nisto saem de casa uns servos para lhe anunciarem a morte da doente. Mas como ele estava a rezar, uns amigos detiveram-nos e impediram-nos de lhe falarem para não chorasse perante o público. Quando voltou a casa onde já ressoavam as lamentações dos seus, pôs sobre ela o vestido que trazia da filha e ela voltou à vida. (Cidade de Deus Livro XXII, Capitulo VIII)

Não se pode dizer que esse é o relato de alguém orando ao mártir. Agostinho menciona que o homem orava sobre as relíquias do mártir, mas não diz a quem orava. No mesmo capítulo, vários milagres envolvendo as relíquias são narrados, e na maioria deles não é mencionada qualquer oração ao mártir. A pressuposição de qualquer milagre narrado envolvia uma oração anterior ao mártir não se encontra nessa obra de Agostinho.

Ele orou aos 20 mártires, tão celebrados entre nós, e pediu-lhes em alta voz com o que se vestir (...) Mas o cozinheiro, ao abrir o peixe, encontrou no ventre um anel de ouro e imediatamente, tomado de compaixão e possuído de religioso temor, entregou-o ao homem, dizendo: Veja como os vinte mártires te vestiram. (Ibid)

De fato está claro que o homem orava ao mártir. Ele narra o fato sem reprová-lo e acredita que o homem foi abençoado, mas nenhum juízo de valor a respeito da oração em si é feito, seja aprovando ou reprovando. É possível que Agostinho tenha sido inconsistente aqui? Sim, isso não é incomum nos pais da igreja. Seria possível que ele tivesse mudado de ideia? Também é possível. Mas a luz de todas as outras obras desse pai da igreja, a hipótese mais provável é que ele passou a tolerar essa prática que ficava cada vez mais popular no final do quarto século, mas não a visse como doutrinariamente correta. O fato de ele acreditar que o homem foi abençoado pela oração não mostra que ele a aprovava. Muitos evangélicos acreditam que orações direcionadas a Maria ou aos santos podem ser respondias por Deus por pura misericórdia, mesmo considerando a prática em si errada. O bispo africano poderia partilhar de opinião semelhante. Nota-se também que a intenção dele é mostrar que os milagres ainda aconteciam, não fazendo nenhum juízo de valor sobre os meios pelos quais os milagres aconteceram.

Há uma disciplina eclesiástica, como os fiéis sabem, quando os nomes dos mártires são lidos em voz alta no altar de Deus, a oração não é oferecida por eles. A oração, no entanto, é oferecida pelos mortos que são lembrados. Por que é errado rezar por um mártir, a quem as orações nós mesmos deveríamos ser recomendados. (Sermões 159, 1)

A parte negritada foi apresentada como dizendo que devemos orar aos mártires. Não é o caso. O ponto de Agostinho é que não se deve orar pelos mártires, pois eles já venceram e estão no céu, os que ainda estão aqui é que precisam da oração deles. Esse é o significado de “a quem as orações nós mesmos deveríamos ser recomendados”. Seria como dizer “de quem das orações precisamos”. Isso fica mais claro a partir de outra citação:

(...) A justiça dos mártires é perfeita, porque se fizeram perfeitos ao sofrer a paixão. Esta é a razão pela qual não rezamos por eles na Igreja. Se reza pelos outros defuntos, não pelos mártires. Saíram tão perfeitos desta vida que não são nossos protegidos, mas nossos protetores. (...) (Sermão 285)

Esse é o argumento e ele não tem a invocação dos santos em vista. Encerro essa seção sobre oração chamando atenção ao fato de que Agostinho nunca menciona a intercessão de Maria. Mesmo tendo tratado desse tema em diversos contextos, a intercessão e o culto a Maria não são apontados, o que reforça nossa conclusão de um artigo anterior – Agostinho estava bem distante da mariologia romanista.

Incenso como figura de nossas orações

O incenso era empregado no Antigo Testamento no culto de adoração a Deus. O Novo Testamento identifica o incenso como uma figura das orações a Deus. Isso pode ser visto em Lc. 1:9-11 e Ap. 8:3-4. Está escrito:

Mas desde o nascente do sol até ao poente é grande entre os gentios o meu nome; e em todo o lugar se oferecerá ao meu nome incenso, e uma oferta pura; porque o meu nome é grande entre os gentios, diz o Senhor dos Exércitos. (Malaquias 1:11)

Suba a minha oração perante a tua face como incenso, e as minhas mãos levantadas sejam como o sacrifício da tarde. (Salmos 141:2)

Desde que a prática de oferecer incenso não fazia parte do culto da igreja primitiva, isso deveria se referir a outra coisa que o N.T indica serem as orações. Agostinho percebeu essa tipologia e escreveu:

"Suba a minha oração perante a tua face como incenso, e as minhas mãos levantadas sejam como o sacrifício da tarde" [Salmo 140: 2]. Oração então, puramente dirigida de um coração fiel, sobe como o incenso de um altar sagrado. Nada é mais agradável do que a fragrância do Senhor: tal fragrância é possuída por todos que acreditam. (Comentário sobre o Salmo 141:2)

Isso reforça a opinião de que Agostinho não ensinava que orações podiam ser endereçadas a outro que não Deus.

O culto aos santos

De modo que o bom servo, como eu disse, que já pode ser chamado um filho, não deseja que ele mesmo, mas que o seu senhor seja venerado. Pensai um pouco, irmãos e irmãs, e recordai o que assistis todos os dias; o que é realmente vos ensinado na igreja? Os fiéis sabem em que estilo os mártires são comemorados nos mistérios, quando os nossos desejos e orações são dirigidas a Deus. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Newly Discovered Sermons, Part 3, Vol. 11, trans. Edmund Hill, O.P., Sermon 198.12 (Hyde Park: New City Press, 1997), p. 190.)

Os mártires que a igreja comemorava em festas não deveriam ser venerados. E como deveria ser a comemoração? Envolvia algum tipo de culto religioso? Não, envolvia dirigir as orações a Deus. Se Agostinho ensinasse a invocação dos mártires, a comemoração do martírio seria o momento perfeito para invoca-los.

Pois Paulo e Barnabé estavam fazendo milagres em Cristo, porque eles tinham excedido os limites meramente humanos, os pagãos de acordo com seu costume chamaram Barnabé de Júpiter e Paulo de Mercúrio, porque ele era apto a falar, e eles já tinham começado a dedicar vítimas a eles. Eles ficaram tão horrorizados por esta honra que rasgaram as suas vestes e tentaram ensiná-los, da melhor forma possível, quem era o único a ser venerada, àquele por qual eles tinham o poder de fazer essas coisas. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Newly Discovered Sermons, Part 3, Vol. 11, trans. Edmund Hill, O.P., Sermon 198.13 (Hyde Park: New City Press, 1997), p. 193)

Ele (Deus) quer dizer que não tem necessidade de adoradores; você, no entanto, precisa adorá-lo. “Eu disse ao Senhor” diz o profeta, "meu Deus você é porque você não tem necessidade de minhas boas obras" (Sl 16: 2). Então, se somente Ele pode, sem orgulho exigir ser adorado, qualquer outro que exige isso e arrogar a si o direito de ser adorado como o seu pessoal e apropriado direito, não estando satisfeito com a veneração daquele que o criou, está exigindo isso por orgulho. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Newly Discovered Sermons, Part 3, Vol. 11, trans. Edmund Hill, O.P., Sermon 198.22 (Hyde Park: New City Press, 1997), p. 197)

Ele volta a repetir que apenas Deus deveria ser venerado.

Eu não digo que Ele é mediador porque Ele é a Palavra, pois como a Palavra, Ele é supremamente abençoado e supremamente imortal, e, portanto, longe das misérias mortais; mas Ele é Mediador como Ele é homem, pois pela sua humanidade Ele mostra-nos que, a fim de obter o bom e beatífico benefício, não precisamos procurar outros mediadores para nos conduzir através das etapas sucessivas desta realização, mas que o bem-aventurado e beatífico Deus, tendo se tornado participante da nossa humanidade nos proporcionou o pronto acesso na participação de Sua divindade. (NPNF1: Vol. II, The City of God, Book IX, Chapter 15)

A citação abaixo é utilizada para provar o contrário:

É verdade que os cristãos rendem honra religiosa à memória dos mártires, para excitar-nos a imitá-los, e para obter parte dos seus méritos, e a assistência das suas orações. Mas não construímos altares a nenhum mártir, mas ao Deus dos mártires, ainda que seja para a memória dos mártires (...) A oferta se faz a Deus, que deu a coroa do martírio, enquanto é em memória dos assim coroados (...) Consideramos os mártires com a mesma intimidade afetuosa que sentimos pelos homens santos de Deus nesta vida, quando sabemos que os seus corações estão preparados para suportar o mesmo sofrimento pela verdade do evangelho. Há mais devoção nos nossos sentimentos pelos mártires, porque sabemos que a sua luta terminou; e podemos falar com mais confiança em louvor daqueles já vencedores no céu, que dos que ainda combatem aqui. O que é culto propriamente divino, que os gregos chamam latria, e para o qual não há palavra em latim, tanto na doutrina como na prática, o damos só a Deus. A este culto corresponde a oferta de sacrifícios; como vemos na palavra idolatria, que significa dar este culto a ídolos. Consequentemente, nunca oferecemos, nem exigimos de ninguém que ofereça um sacrifício a um mártir, ou a uma alma santa, ou a algum anjo. Qualquer que caia neste erro é instruído pela doutrina, quer seja como correção ou como advertência. Pois os próprios seres santos, sejam santos ou anjos, se recusam a aceitar o que sabem que se deve só a Deus (...) Sacrificar aos mártires, mesmo jejuando, é pior que voltar a casa intoxicado da festa; sacrificar aos mártires, digo, o que é muito diferente que sacrificar a Deus em memória dos mártires, como o fazemos constantemente, da maneira requerida desde a revelação do Novo testamento, pois isso pertence ao culto ou latria que se deve só a Deus. (Contra Fausto XX)

Essa citação é comumente utilizada para referendar a invocação e o culto dos santos e Maria e o ensino do depósito de méritos. É notável que nessas passagens, ele nunca cita Maria. O foco são os mártires. Isso se deve porque o ponto de Agostinho não é render culto religioso ou invocar os mártires, mas através da comemoração do seu martírio, estimular nos crentes a mesma atitude fiel. Vamos por partes:

(1) Na primeira parte negritada, não é ensinado orar diretamente ao mártir, o que seria uma enorme inconsistência de Agostinho diante de outras citações de suas obras. É dito que através da honra a memória deles, os cristãos são estimulados a imitá-los;
(2) Obter parte de seus méritos se relaciona a toma-los como exemplo e realizar as mesmas obras. Não é dito que os méritos dos santos são transferidos aos crentes fazendo com que suas orações sejam respondidas. Isso é evidenciado na citação abaixo:

Não deixemos que nossa religião seja o culto aos mortos. Se eles viveram vidas piedosas, não se deve supor que eles procuram honras divinas. Eles querem que adoremos a Ele, em cuja luz se alegram por nos ter como participantes em seus méritos. Eles devem ser honrados por imitação e não adorados com ritos religiosos. (John H. S. Burleigh, trans., The Library of Christian Classics, Augustine: Earlier Writings, Of True Religion, lv, 108 (Philadelphia: The Westminster Press, 1953), p. 254)

O contexto acima permite inferir que participar nos méritos dos santos era honrá-los por imitação. Era tomar parte no exemplo que eles deram. Ele ainda diz que eles não devem ser cultuados ou adorados com ritos religiosos. A honra prestada aos mártires que Agostinho defendia não envolvia ritos religiosos. A prática romanista atual envolve exatamente o uso de ritos religiosos e não apenas a tomada dos mártires como exemplos de fé.

(3) Agostinho acredita que ao render honra a memória dos santos, eles são estimulados a orarem pelos cristãos, porém, mesmo nesse contexto, ele não diz que se deve orar ao santo para que ele ore pelo cristão. Para Agostinho, é possível que o santo ore pelo cristão sem que esse necessariamente ore a ele;
(4) Ele clarifica que a oferta e o altar eram feitos a Deus e não ao mártir, embora fosse em memória do mártir;
(5) Os católicos tentam enxergar ai uma distinção entre latia e dulia, mas ele diz que essa consideração com o mártir possui a mesma afetuosidade dispensada aos vivos, portanto, não pode se referir ao que se chama de dulia ou hiperdulia. Essa distinção entre latria, hiperdulia e dulia é do período escolástico e não faz parte da teologia de Agostinho.

Quanto a esses espíritos que são bons e que são não somente imortais, mas também abençoados, e a quem eles supõem que nós deveríamos dar o título de deuses e oferecer culto e sacrifícios para herdar a vida vindoura, devemos com a ajuda de Deus nos esforçar no seguinte livro para mostrar que esses espíritos, chamados pelo nome e atribuir a eles o que naturalmente você irá [atribuir], desejam que o culto religioso seja dado somente a Deus, por quem eles foram criados, e por cuja comunicação Dele próprio, eles são abençoados. (NPNF1-02 St. Augustine's City of God and Christian Doctrines, City of God, Chapter 23)

Agostinho afirma que o desejo dos mártires é que o culto religioso seja dado somente a Deus. No catolicismo romano, embora se diga que o culto aos santos é qualitativamente distinto, ainda assim é ensinado que culto de natureza religiosa deve ser dado a eles. A honra dada aos santos a que Agostinho se refere é distinta de um culto religioso. Seria a mesma honra que é dada a pessoas vivas. É possível reconhecer os méritos de cristãos ainda vivos que lutaram pela fé, assim como seria reconhecer e imitar a vida de homens já falecidos que batalharam pela fé. O que não é adequado é estabelecer um culto de natureza religiosa a esses homens. Os apologistas católicos trazem então uma citação, onde supostamente Agostinho adere a distinção latria, hiperdulia e dulia ensinada pela igreja romana:

Mas que o Espírito Santo não é uma criatura é muito simples por aquela passagem acima de todos os outros, onde somos ordenados para não servir a criatura, mas ao Criador, não no sentido em que somos ordenados a “servir” um ao outro pelo amor, que é douleuein [dúlia] em grego, mas naquele em que só Deus é servido, que está latreuein [latria] em grego. (Sobre a Santíssima Trindade Livro I, 6, 13 )

Agostinho traça sim uma distinção entre latria e dulia, mas o que ele chama de dulia é substancialmente diferente do conceito defendido pela igreja romana. Ele diz que um ato de dulia é servir amorosamente aos nossos irmãos. Ou seja, não há referência ao culto religioso aos santos. Alguém presta algum culto religioso aos seus irmãos vivos? Obviamente não, portanto, o que Agostinho tem em mente não é o que os católicos praticam. Tentando provar o contrário, é trazida a seguinte citação:

As almas dos falecidos piedosos não estão separadas da Igreja que mesmo hoje é o reino de Cristo. Caso contrário, não haveria memória deles no altar de Deus na comunhão do Corpo de Cristo. (A Cidade de Deus XX, 9, 2)

Essa citação é irrelevante para o pleito católico. Apenas expressa que os falecidos continuam fazendo parte da igreja. O que Agostinho chamou de dulia na citação anterior (servir ao outro) é distinto do que ele está falando nessa citação. Ninguém pode servir ao santo da maneira referida. Por já não estar entre nós, ninguém pode, por exemplo, ser caridoso com o falecido ou lhe prestar ajuda emocional, espiritual ou material. O que os católicos tentam identificar como culto aos santos era apenas honrar sua memória, relíquias e realizar festas em sua homenagem, mas Agostinho não ensinava que isso envolvesse orar aos santos – um dos elementos principais da doutrina romana, ou erguer altares e cultuar imagens. Agostinho também não ensinou o acúmulo de mérito pelos santos perante Deus, que poderiam ser transferidos a nós. Não por acaso, o ensino das indulgências era totalmente ausente das suas obras e só iria aparecer séculos depois:

Por último, apesar de irmãos morrerem por outros irmãos, o sangue de nenhum mártir é derramado para a remissão dos pecados dos irmãos, como foi o caso no que Ele [Jesus] fez por nós; e neste aspecto Ele não nos concedeu alguma coisa para a imitação, mas algo para felicitações. Na medida em que, como os mártires derramaram seu sangue pelos irmãos, eles apresentaram tais sinais de amor quando eles se perceberam na mesa do Senhor. Alguém poderia imitá-lo em morrer, mas ninguém poderia [imitá-lo] em redimir. (Tratado 84 sobre o Evangelho de João, Seção 2)

Comparem isso com o tesouro de méritos da igreja romana:

Este tesouro inclui também as orações e boas obras da Bem-Aventurada Virgem Maria. Eles são verdadeiramente imenso, insondável, e até mesmo como novos em seu valor diante de Deus. No tesouro também estão as orações e boas obras de todos os santos, todos aqueles que têm seguido os passos de Cristo Senhor e por sua graça fizeram suas vidas santas e realizaram a missão na unidade do Corpo Místico. (Catecismo §1477)

É adequado dizer que alguns homens tiveram méritos por viverem vidas santas e justas, mas o ensino que de os méritos desses homens formam um tesouro que a igreja pode aplicar aos crentes, inclusive remindo penas temporais é estanho ao pensamento agostiniano.  Para ele, apenas o sacrifício de Cristo redime pecados, nem mesmo o sacrifício dos mártires tem esse efeito.

O culto às imagens

O culto às imagens foi unanimemente condenado pelos pais da igreja mais antigos. Eles o consideravam uma prática pagã que os cristãos deveriam rejeitar como blasfemas. Veja aqui as citações a respeito. Agostinho não foi diferente:

Alguém cultua ou ora com os olhos fixos na imagem, sem estar convencido que a imagem está ouvindo a sua petição e sem esperança de que ela irá dar o que ele quer? Provavelmente não. Tão completamente enredados as pessoas se tornam em tais superstições que muitas vezes viram as costas para o sol real e fazem suas orações à estátua que eles chamam de sol; ou ainda, quando o som do mar os golpeia por trás, eles batem a estátua de Netuno com seus suspiros como se fosse consciente, aquela estátua que veneram como representante do mar real. O que causa esse erro, quase forçando a ilusão deles é a semelhança humana com todas as partes do corpo. As mentes dos adoradores estão acostumadas a viver com seus próprios sentidos corporais, e assim eles julgam que um corpo muito semelhante ao seu próprio é mais provavelmente sensível do que o sol, ou as grandes ondas, ou qualquer outro objeto claramente não construído no mesmo plano que as criaturas vivas que eles estão acostumados a ver. Pode-se alegar que nós mesmos temos muitos vasos e outros acessórios feitos de metais similares, que usamos na celebração dos sacramentos. Eles são consagrados ao serviço de Deus e são chamados santos em honra àquele que é adorado através da sua utilização para a nossa salvação. Tais vasos e instrumentos são obviamente a obra de mãos humanas: o que mais poderia ser? Mas eles têm bocas que nunca irão falar ou olhos que nunca irão ver? E o fato de que fazemos uso deles para oferecer as nossas súplicas a Deus significa que estamos implorando alguma coisa deles? Claro que não. A principal causa da insana e blasfema idolatria é esta: uma forma semelhante a uma pessoa viva - uma forma que por sua aparência realista parece exigir adoradores é mais poderosamente persuasiva para as emoções de seus suplicantes miseráveis do que o simples fato de que não está vivo e deve ser desprezado por quem está [vivo]. A evidência da boca, olhos, ouvidos, nariz, mãos e pés nos ídolos tem mais poder para conduzir uma alma infeliz ao desvio do que a incapacidade evidente da sua parte para falar, ver, ouvir, cheirar, pegar coisas, ou caminhar. O resultado inevitável é a deterioração que o salmo continua a descrever: Que aqueles que as formam se tornam como elas, e [também] todos os que põem a sua confiança neles. Deixam as pessoas com os olhos abertos e olhando as imagens que nem vivas estão, e deixar suas mentes ficarem fechadas e mortas como os que eles adoram. (John E. Rotelle, O.S.A., ed., The Works of Saint Augustine, Part 3, Vol. 19, trans. Maria Boulding, O.S.B., Expositions of the Psalms, Psalms 99-120, Exposition 2 of Psalm 113.5 (Psalm 114) (Hyde Park: New City Press, 2003), pp. 315-316)

Cinco apontamentos precisam ser feitos aqui:

(1)  Ele responde antecipadamente a objeção levantada pelos pagãos e hoje usada por muitos católicos de que não se cultua a imagem, mas apenas o que ela representa. Agostinho rejeitaria esse argumento usado para aprovação da prática;
(2)  A igreja cristã da época não tinha a prática de cultuar os santos através de imagens. Isso fica claro quando ele antevê a acusação pagã “temos muitos vasos e outros acessórios feitos de metais similares, que usamos na celebração dos sacramentos”. O melhor que os pagãos poderiam fazer era apontar para os utensílios dos sacramentos. Se os cristãos cultuavam imagens, essa seria uma acusação muito mais forte a ser usada pelos pagãos e Agostinho jamais iria ignorá-la nesse contexto;
(3)  O argumento de Agostinho para diferenciar o uso sacramental dos utensílios do culto às imagens pagãs poderia ser usado para atacar o culto às imagens dos santos. O argumento é que os utensílios não têm bocas que não falam e olhos que não veem e que ninguém suplicava aos próprios utensílios, mas dirigia a súplica a Deus. A mesma acusação feita contra os pagãos poderia ser feita contra a atual prática católica romana;
(4)  As imagens eram inúteis porque apesar de se assemelharem a pessoas vivas, elas estavam mortas. O mesmo se aplica às imagens de santos;
(5)  O culto às imagens era prejudicial ao que cultuava. O fato do bispo africano considerar essa prática tão blasfema sem estabelecer qualquer exceção a uma forma “santificada” desse culto torna impossível que apoiasse uma versão “cristã” da mesma prática.

Envergonhem-se todos os que servem a uma escultura, os que se gloriam nos ídolos! Mas avança um que se crê douto e diz: 'Eu não adoro uma pedra nem esta imagem que não tem sentimentos; porque não é possível que os vossos profetas tenham imaginado que tinham olhos e não viam, e que eu seja ignorante até ao ponto de não saber que a imagem não tem alma e não vê pelos seus olhos e não ouve pelos seus ouvidos. Eu não adoro isto; mas me inclino perante isto que vejo e sirvo àquele a quem não vejo', 'quem é este?'. 'Algum poder invisível - se nos diz - que radica nesta imagem'. Mediante este tipo de explicação acerca de suas imagens, pensam que são muito inteligentes e que de modo algum se os pode contar entre os adoradores de ídolos.  (Sobre Salmos 96, 2)

Agostinho condena novamente o argumento de que não se cultua a imagem, mas alguma coisa que ela representa. Os católicos podem objetar que ele estava condenando a prática de cultuar imagens de deuses pagãos, mas não faria o mesmo no caso de santos. Já argumentamos acima do porque esse raciocínio não se aplica. Destaca-se também que uma prática pecaminosa não se torna justa quando realizada num contexto cristão. Pelo contrário, ela se torna mais condenável.

[Varro] diz também que os antigos romanos, há mais de cento e setenta anos, adoravam os deuses sem uma imagem. "E se este costume", diz ele, "tivesse permanecido até agora, os deuses teriam sido mais puramente adorado". Em favor desta opinião, ele cita como testemunha entre outros a nação judaica, nem ele hesita em concluir que a passagem dita por aqueles que primeiro consagraram imagens ao povo, que tirou o temor religioso de seus concidadãos e aumentou o erro, por sabiamente pensarem que os deuses facilmente caíram em desprezo quando expostos sob a apatia das imagens. Mas, como ele não diz que eles têm transmitido erro, mas que eles têm aumentado, ele, portanto, deseja que seja entendido que houve erro, quando já não havia imagens. Por isso, quando ele diz que só eles têm percebido qual Deus é para ser acreditado como a alma que governa o mundo, e pensa que os ritos da religião teriam sido mais puramente observado sem imagens, quem não consegue ver quão perto ele chegou da verdade? Se ele tivesse sido capaz de fazer qualquer coisa contra tão inveterado erro, ele certamente teria dado como sua opinião, tanto que o único Deus deve ser adorado, e que Ele deve ser adorado sem uma imagem. (Cidade de Deus 4:31)

Quando essas coisas são encontradas em falhas tão supersticiosas, ele implica na culpa dos antigos que instituíram e adoraram tais imagens. Ou melhor, ele compromete a si mesmo que com a eloquência que tinha poderia livrar a si mesmo, mas ainda estava sob a necessidade de venerar essas imagens; nem se atrevia a não mais do que sussurrar em um discurso ao povo nesta disputa que ele claramente transmitiu adiante. Vamos cristãos dar graças ao Senhor nosso Deus, não para o céu e a terra, como o autor argumenta, mas para Aquele que fez o céu e a terra; porque essas superstições, as quais Balbo como um tagarela dificilmente reprendia, Ele, pela mais profunda humildade de Cristo, pela pregação dos apóstolos, pela fé dos mártires que morreram pela verdade e viveram por ela, tem derrubado, não só nos corações dos religiosos, mas mesmo nos templos dos supersticiosos, pelo seu próprio livre serviço. (Ibid., 4:30)

Agostinho dedica todo o livro quatro da obra “Cidade de Deus” para condenar as práticas da adoração pagã. Ele aponta autores pagãos que condenaram o uso das imagens. O bispo africano aprova a opinião desses autores. Isso deixa claro que ele não condenava a prática apenas num contexto pagão, mas também a condenaria num contexto cristão. Se ele concordou que mesmo no culto pagão, as imagens tornavam esse culto ainda mais reprovável, o problema não era apenas a quem as imagens representavam, mas o uso da imagem em si. É o que fica evidenciado quando diz “e pensa que os ritos da religião teriam sido mais puramente observado sem imagens, quem não consegue ver quão perto ele chegou da verdade?”. Destaca-se que o autor pagão e também Agostinho estavam cientes de que os judeus não cultuavam imagens. É de impressionar que apologistas católicos argumentem que a prática atual da igreja romana era aprovada na antiga nação de Israel. Por último, o pai da igreja procura contrastar a prática pagã com a prática cristã recomendada “Vamos cristãos dar graças ao Senhor nosso Deus, não para o céu e a terra, como o autor argumenta, mas para Aquele que fez o céu e a terra”. Em suma, enquanto os pagãos precisam de imagens para cultuarem os deuses, o cristão não precisava.

Os apologistas católicos trazem então citações irrelevantes que não contrariam nada do que foi exposto:

Pois, quando eles inventaram em suas mentes dizer que Cristo escreveu tal estirpe como esta aos Seus discípulos, eles se lembraram daqueles de Seus seguidores que poderiam ser melhores tomadas por pessoas a quem poderia mais facilmente ser crido como sendo os destinatário do que foi escritos por Cristo, os indivíduos que haviam mantido tido com ele mais amizade. E assim Pedro e Paulo lhes ocorreu, eu acredito que, só porque em muitos lugares tiveram a chance de ver esses dois apóstolos representados em imagens ambos em companhia com Ele. Pois Roma, de uma maneira especialmente honrada e solene, elogia os méritos de Pedro e de Paulo, por este motivo, entre outros, a saber, sofreram [martírio] no mesmo dia. (Harmonia dos Evangelhos Livro I, Capítulo X)

Primeiro, que não são imagens de escultura, mas figuras. Quem verificar a tradução em inglês aqui verá que o termo é “pictures” traduzido mais adequadamente como figuras ou retratos. Imagens em inglês seria “images”. E não é dito em lugar algum que os crentes cultuavam essas figuras. A fé reformada não condena o uso de figuras, ainda mais para educar os cristãos, como era o caso. O que é condenável é o culto a elas. O fato de muitas igrejas protestantes evitarem o uso de figuras ou imagens é uma medida de prudência, ainda mais em lugares como o Brasil em que a piedade popular é bastante idólatra. O que condenamos de fato é o culto as coisas criadas. Outra citação é a seguinte:

Mas no que diz respeito a imagens e estátuas, e outras obras deste tipo, que servem como representações das coisas, ninguém comete um erro, especialmente se elas são feitas por artistas qualificados, mas cada um, assim que vê as semelhanças, reconhece as coisas que são de semelhanças. (Doutrina Cristã livro II, Capítulo 25, Parágrafo 39)

O fato de os católicos apelarem a citações tão irrelevantes demonstra a falta de fundamentação para o seu pleito – provar o culto as imagens através dos pais da igreja. Agostinho não se referia a qualquer tipo de culto cristão, nem disse que deveriam ser feitas imagens dos santos e de Jesus para serem cultuadas. Ele apenas diz que não é errado fazer imagens ou esculturas artísticas. Isso fica óbvio quando afirma “especialmente se elas são feitas por artistas qualificados”. Ele está falando de arte e não de culto. Os protestantes concordam com isso. Mas na continuação da citação, ele diz:

E toda essa categoria é para ser contada entre os artifícios supérfluos dos homens...

Agostinho falava de coisas que não eram pecaminosas em si, mas as considerava supérfluas. Era apenas o capricho dos homens, o que mostra que ele não via nas esculturas uma forma de cultuar aos santos.

O apologista católico traz uma citação usada pelos protestantes para mostrar a condenação de Agostinho ao culto às imagens:

Confundidos sejam todos os que servem imagens esculpidas (Salmo 96,7). Porventura não fez isso acontecer? Porventura não foram confundidos? Não são eles diariamente confundidos? Pois imagens esculpidas são as imagens trazidas pela mão. Por que são todos os que servem imagens esculpidas, confundidos? Porque todas as pessoas têm visto Sua glória. Todas as nações agora confessam a glória de Cristo: que aqueles que adoram pedras se envergonhem. Porque as pedras estavam mortas, encontramos uma pedra viva, na verdade essas pedras nunca viveram, de modo que elas não podem ser chamadas até mesmo mortas, mas a nossa pedra está vivendo e já viveu com o Pai, e Ela morreu por nós, Ele reviveu, e vive agora, e a morte não tem mais domínio sobre ela. (Romanos 6, 9). Esta glória dele, nações reconheceram, eles deixam os templos, e correm para as igrejas. Será que eles ainda buscam adorar imagens de escultura? Será que eles não escolheram a abandonar seus ídolos? Eles foram abandonados por seus ídolos. Quem se glorifica nos seus ídolos. Mas há um certo opositor que parece que ele próprio aprendeu, e diz: ‘Eu não adoro essa pedra, nem que a imagem que é sem sentido...Eu não adoro esta imagem, mas eu adoro o que eu vejo, e servi-lo a quem eu ver não. Quem é esse? Uma divindade invisível,’ ele responde, ‘que preside essa imagem.’ Ao dar esta conta de suas imagens, eles parecem-se disputantes capazes, porque não adoram ídolos, e ainda adoram demônios. As coisas, porém, irmãos, diz o Apóstolo, que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demônios, e não a Deus, sabemos que o ídolo não é nada, e que o que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demônios e não a Deus, e não quero que sejais participantes com os demônios. Deixe-os, portanto, não se desculpar por esse motivo, que não são dedicados a ídolos insensatos, pois eles são bastante dedicados aos demônios, o que é mais perigoso. Porque, se eles apenas estavam adorando ídolos, pois não iriam ajudá-los, para eles não machucá-los, mas se você adorar e servir a demônios, eles mesmos serão os vossos mestres... (Salmo 96, 7)

O apologista tenta provar o contrário do significado claro com os seguintes argumentos:

(1)  Agostinho não condena a argumentação dos pagãos ao diferenciar a imagem do ídolo que é adorado. É o velho argumento de que a imagem apenas representa algo, sendo o representado o verdadeiro adorado;
(2)  Agostinho condena os pagãos porque eles utilizam essa diferenciação para adorar os deuses pagãos. Se essa mesma diferenciação fosse utilizada para cultuar imagens de santos, não haveria problema;
(3)  Se houvesse uma contradição real entre Agostinho e Tomás de Aquino, deveríamos preferir Tomás, pois ele representaria o amadurecimento da teologia agostiniana.

O argumento 1 já foi refutado nesse artigo em outras citações. Mas mesmo nessa citação ele não procede. O bispo africano diz “Confundidos sejam todos os que servem imagens esculpidas (Salmo 96,7)”. Ele não estabelece exceções ou qualificações. Todos aqueles que se servem de imagens esculpidas estão em engano. Mas o argumento dele é ainda mais profundo. Porque não devemos se utilizar de imagens esculpidas para cultuar algo? A resposta é “Porque todas as pessoas têm visto Sua glória. Todas as nações agora confessam a glória de Cristo”. Ou seja, como as nações viram a glória de Cristo e o confessavam, as imagens eram inúteis. Percebam que ele está se referindo a Cristo e não a um ídolo pagão. Se o argumento de Agostinho não fosse aplicável a Cristo, não faria nenhum sentido. Ele ainda faz um contraste entre os que adoram pedras e a pedra que era Cristo. O argumento é que as pedras estão mortas, mas Cristo está vivo. O mesmo caso se aplica ao culto das imagens dos santos e do próprio Cristo. As pedras que formam essas imagens também estão mortas. E porque ele utilizaria o exemplo de Cristo estando vivo, se ele aceitasse o culto à imagem do próprio Cristo?

Essa interpretação é ainda mais reforçada quando ele diz “Será que eles ainda buscam adorar imagens de escultura?”. As pessoas se convertiam e paravam de cultuar imagens. Como ele poderia usar esse argumento se as pessoas continuavam a cultuar imagens? Ele no mínimo daria muitas explicações como o culto às imagens na igreja cristã era diferente do paganismo. O problema é que mesmo condenando tão severamente os pagãos, ele nunca fez uma defesa de uma prática semelhante na igreja. A explicação plausível é que não havia prática semelhante na igreja. Vimos que os pagãos, ao acusarem os cristãos de fazerem a mesma coisa, apelaram aos utensílios dos sacramentos e não a imagens que eram cultuadas. 

A luz dos pontos acima, o argumento 2 também é falso. O bispo de Hipona condenava a prática em si, e não apenas porque era direcionada a ídolos pagãos. Vimos isso claramente numa citação anterior em que diz “Alguém cultua ou ora com os olhos fixos na imagem, sem estar convencido que a imagem está ouvindo a sua petição e sem esperança de que ela irá dar o que ele quer? Provavelmente não.” O fato de alguém orar a uma imagem e esperar que desse ato haja alguma reposta é uma atitude errada em si.

O argumento 3 é falacioso mesmo partindo de um pressuposto católico romano. Tomás de Aquino não era infalível e poderia cometer erros teológicos. Muito do seu pensamento nunca foi adotado pelo magistério oficial da igreja romana como a sua negação da concepção imaculada de Maria. E quem disse que ele iria amadurecer teologicamente as ideias de Agostinho, pelo contrário, sequer se pode dizer que eles faziam parte da mesma religião. Isso demonstramos ao longo dessa série de artigos.

As relíquias

Os apologistas católicos costumam citar o capítulo VIII do livro XXII da obra a Cidade de Deus. Nele, Agostinho cita pessoas que obtiveram milagres devido ao contato com as relíquias (restos mortais e objetos dos mártires). Nesse ponto, o bispo de Hipona ajudou involuntariamente a desenvolver o culto aos santos que já estava se tornando cada vez mais popular no início do séc. V, apesar de ele próprio não referendar esse culto. Isso pode ser visto a seguir:

Quando o bispo Prejecto chegou com uma relíquia do gloriosíssimo mártir Estêvão a Aguas Tibilitanas (ad Aquas Tibilitanas), veio ao seu encontro uma grande multidão. Uma mulher cega que ali se encontrava pediu que a levassem ao bispo portador da relíquia. Ofereceu as flores que levava, voltou a pegar nelas, aproximou-as dos olhos, e imediatamente ficou a ver. Exultando de alegria, caminhava ã frente dos que, estupefatos, ali estavam presentes, tomando o seu caminho sem precisar de guia para o resto da viagem. (Cidade de Deus Livro XXII, Capitulo VIII)

Observa-se que apesar do milagre ser atribuído ao contato com as relíquias, não é mencionado que alguém orou ao mártir antes obter o suposto milagre e mesmo quando ele menciona essa oração, não diz que invocar o mártir é correto. Outra questão seria se Agostinho ensinava a prestação de algum tipo de culto religioso às relíquias. A luz de tudo o que demonstramos, a resposta é não. A seguinte citação é comumente apontada:

Mas, no entanto, nós não construímos templos, e ordenamos sacerdotes, ritos e sacrifícios para estes mesmos mártires, porque não são nossos deuses, mas o seu Deus é o nosso Deus. Certamente honrarmos seus relicários, como os memoriais dos santos homens de Deus que se esforçaram para a verdade, mesmo até morte de seus corpos, para que a verdadeira religião pudesse ser conhecida, e as religiões falsas e fictícias expostas. (Cidade de Deus, livro VIII, capítulo 27)

Já demonstramos que o entendimento agostiniano de honrar aos mártires e suas relíquias é substancialmente diferente da atual prática romanista. Elementos primordiais dessa prática envolvem invocação dos falecidos, depósito de méritos, cultos às imagens, procissões, altares, promessas e outras manifestações. Esses elementos não faziam parte do ensino de Agostinho. Portanto, ele não pode ser contado como um apoiador das novidades romanistas. Para ele, honrar as relíquias envolvia tratar com respeito e cuidado os restos mortais e objetos de pessoas exemplares na caminhada da fé. Honrar a memória dos mártires era uma forma de incentivar os vivos a seguirem o exemplo de seus predecessores na fé. Óbvio que num cristianismo cada vez mais paganizado, essa prática originalmente inocente iria descambar na idolatria que saltava aos olhos nos tempos medievais e que ainda persiste nos dias atuais. Na continuação da citação acima, o bispo africano elucida o que ele considerava honrar as relíquias e memórias dos mártires:

Mas quem já ouviu um padre dos fiéis, de pé num altar construído para a honra e culto a Deus sobre o corpo santo de algum mártir, dizendo nas orações, eu ofereço-lhe um sacrifício a Pedro, Paulo ou Cipriano? Pois é a Deus que os sacrifícios são oferecidos em seus túmulos - o Deus que fez os homens e os mártires, e os associou aos anjos em honra celestial. A razão pela qual nós prestamos tais honras à sua memória é que ao fazê-lo, podemos tanto dar graças ao verdadeiro Deus por suas vitórias, e recordando-lhes de novo à memória, podemos nos estimular a imitá-los, procurando obter como coroas, chamando para nos ajudar esse mesmo Deus a quem eles chamavam. Portanto, a honra que o pedioso pode prestar nos lugares dos mártires é prestada à sua memória, e não por ritos sagrados ou sacrifícios oferecidos aos mortos como aos deuses.

A argumentação acima subentende que altares não eram construídos aos mártires, enquanto os romanistas constroem altares para os santos e Maria. Sacrifícios não eram oferecidos, hoje os católicos fazem promessas aos santos, sendo comum ver pessoas fazendo enormes sacrifícios envolvendo privações físicas ou materiais para algum santo. O princípio por detrás é o mesmo, enquanto os pagãos traziam oferendas para obterem o favor dos ídolos, os católicos fazem o mesmo para obter o favor do santo. A honra aqui referida não envolvia nada disso. O objetivo não era obter o favor ou proteção do falecido, mas honrar a Deus e estimular o exemplo. É notável o trecho “chamando para nos ajudar esse mesmo Deus a quem eles chamavam”. Mesmo nesse contexto, quem era invocado para obter ajuda? Eram os mártires invocados? Não, era o próprio Deus. Por tudo isso, podemos afirmar que Agostinho se oporia com veemência as práticas católicas romanas.