Semana
passada respondemos ao site apologistas católicos a respeito de Agostinho e o purgatório. O artigo em questão continha afirmava que Agostinho sempre creu no purgatório sem
expressar nenhum tipo de dúvida. Agostinho estaria passando adiante uma
tradição sempre crida pela igreja. Ele fez uso do livro “O nascimento
do purgatório” de Jacques Le Goff. Supostamente, o famoso medievalista apoiaria
essas teses. Nosso artigo-resposta demonstrou que nada poderia estar mais
longe da realidade. Le Goff em todo o seu livro trata do purgatório como algo
que “nasceu” no séc. XII, que foi inventado e não como uma tradição apostólica
preservada no seio da igreja católica antiga que obviamente não era romana. Os
trechos do artigo católico estão em azul e os do meu artigo anterior em
vermelho.
Nosso
artigo, fazendo uso do livro de Le Goff, resumidamente defendeu os seguintes
pontos:
(1) Nenhum
pai da igreja antes de Agostinho defendeu o purgatório romanista. O site
católico afirmou que Gregório de Nissa o defendia, sendo que é amplamente
conhecido e afirmado inclusive pelos estudiosos católicos que Gregório era
universalista. A purificação em que ele acreditava era para todos os pecadores.
Até o diabo seria salvo. Em outras palavras, o apologista apresenta uma heresia
condenada pela igreja romana como uma crença no purgatório;
(2)
A crença em oração pelos mortos não implica
em crença no purgatório (mesmo em Agostinho as duas doutrinas seguiram caminhos
separados);
(3) Agostinho
cria no purgatório, mas se tratava de uma crença vacilante. Ele expressava
dúvidas a respeito não apenas da natureza das penas, mas da existência do
processo.
(4) O conceito de
purgatório de Agostinho não era idêntico ao romanista. Havia diferenças
(algumas bem relevantes).
Na
caixa de comentários do site católico, o apologista católico respondeu ao
ponto (3). Vamos respondê-lo adiante.
Agostinho
deixou de acreditar no purgatório após o ano 413?
O
site católico afirmou respondendo ao nosso artigo:
As afirmações de Santo
Agostinho são tão claras e óbvias que alguns protestantes, não tendo o que
falar ou retirar de suas obras para fazer livre exame, resolveram apelar para a desonestidade intelectual. Resolveram recortar e montar trechos da
obra de Jacques Le Goff, que aqui utilizamos, para defenderem que Santo
Agostinho “mudou de opinião”, ou que
deixou o purgatório de lado após 413, como que o purgatório para ele era apenas
uma “especulação”.
A
citação a que se refere é essa:
[Joseph Ntedika] pôs o dedo
num ponto chave, mostrando não apenas
que a posição de Agostinho evoluiu ao longo dos anos, o que era de se
esperar, mas que passou por uma mudança acentuada num ponto específico no
tempo, que Ntedika situa no ano 413
(...) Na Carta a Dardinus (417), ele [Agostinho] esboçou uma geografia do além,
onde não há lugar para o Purgatório. (The Birth of Purgatory [Chicago, Illinois: The
University of Chicago Press, 1986], pp 62, 70).
O
nosso comentário no artigo em questão não afirmava nada disso:
Agostinho é largamente
considerado o pai do Purgatório. Os católicos romanos o citam muitas vezes
referindo-se a algo semelhante à moderna doutrina católica. Mas o que não
explicam é que Agostinho reconheceu que
estava especulando. Em outras palavras, não estava transmitindo alguma tradição proferida de geração em geração
em sucessão ininterrupta desde os apóstolos. Ao contrário, ele estava especulando sobre o que pode
acontecer na vida após a morte.
O
ponto é justamente o contrário. A partir de 413 os textos sobre o purgatório se
tornam mais explícitos (esse é a tese defendida por Le Goff). Então, o católico
comenta:
Não
quer admitir o óbvio: a montagem da
passagem por si só sugere que Agostinho mudou de opinião, pegam a parte
onde Le Goff fala da mudança de pensamento em 413 e juntam com a parte que ele
fala da carta a Dardano em 417 onde Le Goff fala que na geografia não há lugar
para o purgatório, logo o artificio da
montagem é para dizer que Agostinho deixou de crer no purgatório, qualquer
pessoa com o mínimo de lógica rudimentar entende isso, agora se com essa
passagem ele magicamente interpretou de outra forma, ai é problema dele, a
minha argumentação não foi direcionada a nenhum argumento dele, mas sim de como menciono de “alguns
protestantes” que estavam usando o trecho no facebook.
O
autor católico afirma que não estava respondendo a mim diretamente,
mas aos protestantes no facebook que usaram a citação do meu artigo. Supostamente
esses protestantes teriam usado para dizer que Agostinho deixou de acreditar no
purgatório depois de 413 (tese não defendida pelo nosso blog). Obviamente
quando li o artigo católico, eu acreditei que era uma resposta direcionada ao
meu artigo, tendo em vista que ele menciona o site em inglês (de onde eu
traduzi essa citação) e se refere às pessoas que fizeram a “montagem”. Quem
trouxe a citação (pelo menos em tempos recentes) fui eu. Nenhum outro blog ou
site protestante havia publicado um artigo sobre o tema recentemente (o único a
fazê-lo antes de mim foi o blog “Conhecereis a Verdade”). Dessa forma, diante
de tantas coincidências era natural que eu tomasse como uma resposta ao meu
artigo. Quem leu os comentários sobre essa citação no meu artigo veria
facilmente que eu não afirmei o que ele alega.
Não
tenho como saber de fato se ele estava respondendo somente aos “protestantes do
facebook” ou também tinha o meu artigo em mente. Dessa forma, em nome da
caridade cristã, vou partir do pressuposto que o apologista católico está
falando a verdade e que ele não atribuiu a mim a afirmação de que Agostinho
mudou de ideia a partir de 413. Em todo o caso, ele disse que o site em inglês
afirmou essa ideia, o que não é verdade. O site reproduziu o trabalho de um apologista protestante chamado Jason Engwer, e o
que ele afirma é o seguinte:
Mas o que esses católicos
não explicam é que Agostinho reconheceu que ele estava especulando. Em outras
palavras, ele não estava passando alguma tradição apostólica transmitida em
sucessão ininterrupta dos apóstolos. Em vez disso, ele estava especulando sobre
o que pode acontecer na vida após a morte (...) Em outras palavras, as opiniões
de Agostinho sobre o assunto desenvolveram-se
ao longo do tempo, e ele foi inconsistente.
De
fato, ele não afirmou o que o site católico alega. Então pelo menos com
respeito ao trabalho do Sr. Jason Engwer, o apologista católico fez uma
afirmação infundada (creio que por não ter lido cuidadosamente o artigo). Tanto eu como ele deixamos bem claro o ponto em questão – Agostinho expressa
dúvida a respeito e não estava passando uma tradição sempre crida pela igreja.
Alguns católicos criticaram o fato de juntamos dois trechos de páginas
diferentes, algo que é feito com frequência pelo site que nos responde. Mas a citação claramente expressa que houve uma interrupção ao usar
o símbolo (...) e traz as páginas 62 e
70. Era bem fácil concluir que um trecho estava na página 62 e outra na 70.
Bastaria acessar o livro para ver o contexto. Na caixa de comentários do meu
artigo eu deixei os links (em inglês) onde as respectivas páginas poderiam ser
acessadas. A questão é se essas citações expressam ou não o que afirmamos.
Tratemos desse ponto.
A
incerteza de Agostinho
Que
Agostinho expressou alguma incerteza sobre o purgatório é um ponto de consenso.
A diferença é que defendemos que ele expressou incertezas sobre o processo
em si (a própria existência de uma purificação pós-morte) e os católicos
defendem que a incerteza é apenas sobre a natureza das penas (se o fogo era
real ou se era de fato um lugar). E segundo os católicos, Le Goff não apoiaria
nosso ponto nesse caso. Vejamos os textos de Le Goff:
No seu excelente estudo
sobre a Evolução da doutrina do Purgatório em Santo Agostinho (Évoiution de Ia
doetrine du Purga to ire ehez saint Augustin), de 1966, Joseph Ntedika
recenseou o conjunto dos numerosos textos agostinianos que constituem o
processo do problema. Destacou, a maioria das vezes com acerto, o lugar de
Agostinho na pré-história do Purgatório, e
mostrou o fato fundamental: a posição de Agostinho não só evoluiu, o que é
normal, mas também se modificou consideravelmente a partir de determinado
momento que Ntedika situa em 413 e a
que ele atribui a causa da luta contra os laxistas do além, os
“misericordiosos” (miserieordes), luta a que Agostinho se entrega
apaixonadamente a partir dessa data. (p. 85)
Digamos
que Agostinho firmemente cria no purgatório – ou seja – pessoas que morrem em
pecado (que não sejam mortais) vão passar por uma punição pós-morte. Sei
que muitos católicos gostam de suavizar afirmando que será uma purificação, mas
o purgatório tem um caráter punitivo. Se a dúvida fosse apenas a respeito da
natureza das penas, não se poderia dizer que a posição de Agostinho “mudou
consideravelmente”. A explicação do católico foi:
O que Le Goff quis dizer com
“a posição de Agostinho não só evoluiu, o que é normal, mas também se
modificou”, nem de longe foi que ele
“deixou de crer no purgatório”, como diz o site em inglês, e paroleiam protestantes brasileiros, e
sim que ele passou a ser mais rígido em
relação às penas dos maus e dos meio bons, contra os laxistas ou
“misericordiosos” que pregavam que até mesmo os homicidas poderiam ser
purificados no purgatório, e contra isso Santo Agostinho rebate que só
poderão ser purificados aqueles que em vida tiveram fé, fizeram o bem e acumularam
boas obras que foram úteis para, após sua morte, se ainda restar alguma mancha,
serem purificados.
Há
diversos erros nessa citação os quais já lidamos. Mas a afirmação de que a
mudança considerável de Agostinho foi se tornar mais rígido em relação às penas
contra os misericordiosos não saiu da escrita de Le Goff. Ele afirma que a causa da mudança foram os
misericordiosos, mas que a mudança em si é o endurecimento das penas purgatoriais não é dito em nenhuma parte do livro. O
católico está empurrando para o livro algo que não está lá. Mas que reação foi
essa? O que Agostinho afirmou em sua reação aos misericordiosos. Le
Goff responde:
Reagindo, Agostinho vai afirmar que existem mesmo
dois fogos, um fogo eterno destinado aos condenados para os quais qualquer
sufrágio é inútil, e no qual insiste com veemência; e um fogo purgatório em reação ao qual tem mais hesitações. O que
interessa pois a Agostinho, se assim se pode dizer, não é o futuro Purgatório mas sim o Inferno. (p.
91)
O
argumento do católico falha por que partiu do pressuposto que os
misericordiosos acreditavam num purgatório mais brando, por isso, Agostinho
teria reagido afirmando penas mais duras. Ocorre que os misericordiosos não
acreditavam em purgatório. Eles eram universalistas e o purgatório romanista é
incompatível com o universalismo. A reação de Agostinho não foi corrigir uma
crença errônea a respeito do purgatório, mas afirmar o próprio purgatório em si
(sendo sobre ele as suas hesitações). A explicação de que a hesitação é sobre a
natureza do fogo não se encaixa. O próprio Le Goff afirma claramente que
Agostinho não tinha dúvidas sobre a essência do fogo do purgatório no pós-morte:
Em definitivo, se Agostinho
situou explicitamente o tempo da purgação do Julgamento Final no período
intermédio entre a morte e a ressurreição, a sua tendência é para colocar ainda
mais atrás, quer dizer aqui em baixo, essa purgação. No fundo desta existência
existe a ideia de que as “atribuições” terrenas são a principal forma de
“purgatório”. Daí as suas hesitações
sobre a natureza do fogo purgatório. Se ele atua depois da morte, não há objeção a que seja “real”; mas se
existe nesta terra, então deve ser essencialmente “moral”. (p.
92)
A
hesitação de Agostinho a respeito da natureza do fogo purgatorial não se
aplicava ao pós-morte. Ele estava certo de que era um fogo real. Ocorre que as
passagens em que Agostinho expressa incerteza se referem ao destino pós-morte,
logo a incerteza não poderia ser sobre a natureza do fogo. Outra falha da
argumentação católica é que para Agostinho o purgatório e o fogo eram elementos
inseparáveis:
Agostinho,
apesar das suas incertezas e das suas
reticências, admitira o fogo
purgatório: o que é também uma das suas contribuições importantes para a
pré-história do Purgatório, pois esse
fogo purgatório constitui, sob a autoridade de Santo Agostinho, a realidade
pré-purgatório até ao fim do século XII, e continuará a ser um elemento essencial do novo lugar. Foi porque
a desconfiança em relação às crenças e às imagens populares regrediu em certa
medida entre 1150 e 1250 que o
Purgatório pôde nascer como lugar. Negativa como positivamente, a posição
de Agostinho é muito esclarecedora para toda esta história. (p. 105)
O
fogo pré-purgatório constitui a realidade pré-purgatório em si e o fogo era um
elemento essencial do purgatório. Se era essencial, não havia como dissociar as
duas coisas. Seria como falar do inferno e dissocia-lo
do elemento fogo. Hoje, alguns defendem um inferno sem fogo, mas essa não era a
imagem que os pais da igreja tinham sobre o inferno. Outro
tópico debatido foi sobre a questão “obscura”. Le Goff escreveu:
Nos seus comentários aos
Salmos, escritos talvez entre 400 e 414, insiste
sobretudo nas dificuldades levantadas pela existência de um fogo expurgatório
depois da morte: é uma “questão obscura” (obscura quaestio), declara ele.
No entanto, no seu Comentário ao Salmo XXXVII, avança com uma afirmação que
conhecerá grande repercussão na Idade Média, a propósito do Purgatório: “Se bem
que alguns sejam salvos pelo fogo, esse fogo será mais terrível do que tudo o
que um homem pode suportar nesta vida!”. (p. 90)
O
católico então traz o texto do comentário sobre o Salmo 80. Ele escreve:
Logo em nenhum lugar Santo
Agostinho diz que a purificação após a morte é obscura, mas sim a passagem de São Paulo.
Quem
ler o texto postado perceberá que Agostinho não restringe a obscuridade ao
texto de Paulo, mas se refere a todo o processo (purgatório). O final da citação deixa isso bem claro:
Por conseguinte, se amas a
tua propriedade, nem por isso, por causa dela, cometes rapina, nem proferes um
falso testemunho, nem praticas homicídio, nem juras falso, nem negas a Cristo. Uma vez que assim ages, tens a Cristo por
fundamento. Todavia, visto que a
amas e te afliges por perdê-la, colocaste sobre o fundamento não ouro, nem
prata, nem pedras preciosas e sim madeira, feno, palha. Tu te salvarás, portanto, ao começar a arder o que edificaste, mas como
que através do fogo. Ninguém, contudo, que sobre este fundamento constrói
adultérios, blasfêmias, sacrilégios, idolatrias, perjúrios pense que se salvará
como que através do fogo, como se tudo isso fosse madeira, feno, palha; mas
quem constrói com amor dos bens terrenos sobre o fundamento do reino dos céus,
isto é, sobre Cristo, arderá o amor das
coisas temporais, mas ele mesmo se salvará por causa do fundamento adequado. (Comentário
Sobre o Salmo 80, 21)
Agostinho
em nenhum momento afirma “esse texto é obscuro”, o “apóstolo falou de forma
obscura” ou a “Escritura não foi clara”. Se ele estava restringindo a obscuridade somente ao texto, essas seriam expressões esperadas. Ele está
apontando sobretudo a salvação daqueles Cristão que não levaram uma vida tão
boa. Ou seja, ele qualifica como obscuro todo o processo – o próprio
purgatório. O apologista católico traz então especialistas que referendariam sua posição:
Como
tal, é claro, não se pode duvidar da
crença de Agostinho na existência no purgatório. Em vez disso, a sua doutrina sobre a natureza das penas
que as almas sofrem permanece obscura. Diversamente interpreta os versos de
São Paulo (1 Cor 3,11-15), em particular as palavras , “como que através do
fogo” (quasi per ignem), significando as tribulações desta vida, ou penalidades
próprias da morte ou as explicou no sentido de um fogo real.” (Francisco
Moriones – A Teologia de Santo Agostinho Pg 634. Editora BAC)
A dúvida de Agostinho se
refere à natureza do castigo sofrido as almas detidas no purgatório, não na existência do mesmo.
(Francisco Moriones – A Teologia de Santo Agostinho Pg 635. Editora BAC)
O
especialista em questão é um sacerdote católico romano – ou seja – uma fonte
suspeita. Em todo o meu blog uso com frequência fontes católicas romanas
contrariando o romanismo. Isso se dá por um motivo muito simples – trata-se de
uma fonte mais isenta que não teria pré-disposição para ir contra a sua própria
fé. Duvido muito que ele encontre algum autor protestante com posição semelhante em relação a Agostinho e o purgatório. No entanto, Le Goff que não é um protestante,
tendo elaborado a obra que é referência a respeito do purgatório e se utilizando
largamente de Joseph Ntedika – autor de uma obra que trata somente de Agostinho
e o purgatório – não endossaria a posição desse sacerdote. Ele então traz
outro especialista:
Naturalmente, a doutrina do
purgatório se insere entre o momento do julgamento particular e a entrada das
as almas justas no céu. Parece que as
hesitações de Santo Agostinho Sobre a natureza do fogo desaparecem, e os
autores consideram como um fogo real semelhante ao do inferno. Assim, chegamos
assim por ele a concepção Latina como encontramos nos teólogos sistemáticos na
Idade Média. (A. Michel - "Purgatoire" -
Dictionnaire de Théologie catholique, col. 1192-1196)
E
o católico comenta:
Logo a natureza do fogo e
das penas que eram obscuras para Agostinho, a purificação post Mortem é clara e limpa sem qualquer dúvida para o
leitor honesto. O sujeito que atribuir um comentário que é sobre
determinado ponto a outro assunto totalmente diferente. Mas parece que é claro
para o sujeito que esses autores, um dos
quais é fonte para o livro do Le Goff, estão errados e a interpretação dele das
palavras de Le Goff estão certas.
O
argumento tem uma série de problemas:
(1)
A. Michel não afirma nessa citação que o purgatório era uma certeza para
Agostinho. Ele se limita a afirmar que a natureza do fogo era objeto hesitação.
Uma coisa não implica na outra;
(2)
O fato de Jacques Le Goff utilizar um autor não implica que concorde
integralmente com ele. Por exemplo, especialmente sobre Agostinho, ele faz uso
quase integralmente de Joseph Netdika. No entanto, ele escreve:
Para instituir o inferno ele
definiu certas categorias de pecadores e pecados. Joseph Netdika distinguiu três espécies de homens, três espécies de
pecados e três espécies de destinos. Parece-me
que o pensamento de Agostinho é mais complexo (a trindade será obra dos
clérigos dos séculos XII e XIII). Existem
quatro espécies de homens (...)
Leve-se em contra também que ele não A. Michel na
seção do livro sobre Agostinho.
(3)
Além de tudo, A. Michel não parecer ser uma fonte muito imparcial. Le Goff se
refere a ele como um autor tradicional (obviamente católico) e antiprotestante:
Tem-se
muitas vezes a impressão de que a visão do Purgatório dos eruditos católicos
não se renovou desde Belarmino e Suarez ate a primeira metade do século XX. O
grande artigo de A. MICHEL, “Purgatório” no Dicionário de Teologia Católica de
E. Vacant, E. Mangenot e E. Amann, t. 13, 1936, col. 1163-1326, muito rico,
continua a ser fundamental. O seu
espírito e tradicional e antiprotestante. A me lhor síntese pareceu-me ser
a de A. Piolanti, “II dogma del purgatório” in Euntes docete, 6, 1953, pp.
287-311. (p. 431)
(4)
Por último, o que tem a ver nossas interpretações de Le Goff com esses autores?
Eles por acaso interpretaram o livro de Le Goff? Obviamente não. Foi o
medievalista que os utilizou e não o contrário.
Outra
citação sobre a qual foram tecidos comentários é a carta de Agostinho a
Dardanus:
Na Carta a Dardanus, em 417,
esboçava uma geografia do além na qual
não havia lugar para o Purgatório. Voltando à história do pobre Lázaro e do
rico mau distinguia, com efeito, uma região de tormentos e uma região de
repouso mas não as situava às duas nos Infernos, como alguns, porque a
Escritura diz que Jesus desceu aos Infernos mas não que visitou o seio de
Abraão. (p. 93)
O
autor católico afirmou que o purgatório ser um lugar ou não é irrelevante para
a questão (nós discordamos), afinal durante séculos os teólogos romanistas o
definiram como um lugar (onde estava o magistério para salvá-los?) Para
desabonar essa citação como evidência da inconsistência de Agostinho, o católico
fez o seguinte argumento:
Não
há qualquer registro aqui que desabone o purgatório no pensamento de Agostinho. Jacques Le Goff explica apenas que ao
descrever o além, Santo Agostinho esboçava uma geografia do além no qual não
havia um purgatório como “lugar”, e isso é simples. Muitos autores e teólogos da antiguidade e até mesmo da atualidade,
não veem o purgatório como um “lugar” ou têm incertezas sobre isso.
Outro ponto é que Agostinho
na carta a Dardano estava apenas falando
de céu e inferno, ou seja, condenação e salvação, a purificação final dos
eleitos não era o objetivo da sua explanação neste momento, a purificação foi
objeto de explicação nas obras posteriores que veremos a seguir.
Nesta
hora a existência do purgatório como um lugar se torna importante. Eu
não disse que o apologista afirmou “que a Igreja rejeita o purgatório como lugar”. A
questão é que o primeiro argumento usado contra a minha interpretação da citação
só tem força se ele demonstrasse que Agostinho não via o purgatório como um
lugar. E isso ele não fez. Por isso citei a opinião predominante e defendida
até por papas de que o purgatório era um lugar. Esses homens estavam seguindo
em grande medida Agostinho, isso torna mais provável que o bispo de Hipona considerasse o purgatório um lugar. Caso fosse, a ausência de
menção numa geografia do além é extremamente relevante e prova a
relutância de Agostinho. Além do mais, eu trouxe argumentos adicionais que
tornam a ideia do purgatório como lugar muito provável nesse pai da igreja:
Seria
uma enorme inconsistência de Agostinho se ele não o compreendesse como um
lugar, afinal ele afirmou a realidade do
fogo purgatório (que causa dor) e também definiu o tempo que devia durar. Se a alma está sofrendo punição física
durante um determinado tempo, ela precisaria estar igualmente num lugar físico.
Vejamos os trechos abaixo:
No intervalo entre a morte
do homem e a ressurreição suprema, as
almas são retidas em depósitos secretos onde conhecem ou o repouso ou a pena de
que são dignas, segundo a sorte que talharam para si enquanto viviam na
carne. (Enchiridion cap. 109)
Entre
essas penas estavam as purgatoriais. As almas estariam sofrendo essas penas num
lugar.
Após a morte deste corpo,
até que chegue o dia que se seguirá à ressurreição dos corpos e que será o dia
supremo da condenação e da remuneração, se se afirma que, neste intervalo de
tempo, as almas dos defuntos suportam esta espécie de fogo, não o sentem
aqueles que nos seus corpos não tiveram durante a vida costumes e amores tais
que o seu feno, a sua madeira e a sua palha sejam consumidos; mas os outros
sentem-no, aqueles que trouxeram consigo construções de materiais semelhantes;
encontram o fogo de uma atribulação passageira que queimará completamente essas
construções que vêm do século, seja
apenas aqui, seja aqui e lá em baixo, ou mesmo lá em baixo e não aqui e que
não são, aliás, passíveis de condenação aos Infernos; pois bem, não repilo esta
opinião, pois talvez seja verdadeira. (Cidade de Deus - XXI, 26)
Existe
sim boa evidência que aponta e existência do purgatório como um lugar. Nesse
caso, a ausência de menção na carta a Dardanus se torna muito problemática para
o pleito católico e apoia a nossa tese. Outro argumento trazido contra essa
citação foi:
Outro ponto é que Agostinho
na carta a Dardano estava apenas falando
de céu e inferno, ou seja, condenação e salvação, a purificação final dos
eleitos não era o objetivo da sua explanação neste momento, a purificação foi
objeto de explicação nas obras posteriores que veremos a seguir.
Outro
comentarista católico disse que eu não respondi esse argumento, mas eu
respondi:
(4) Ainda que para Agostinho
o purgatório não fosse um lugar, ele não
estava falando apenas de céu e inferno ou salvação e condenação. Essa epístola
(n. 187) pode ser vista aqui. O tema principal era a onipresença de Deus e o
lugar para onde Cristo foi quando morreu, uma vez que Dardanus perguntou sobre
aquela famosa passagem do ladrão na cruz. Agostinho
discorre sobre o destino da alma no pós-morte. Que católico romano ao responder uma questão que envolve o destino da
alma no pós-morte esqueceria de mencionar o purgatório? Se alguém consultar
um padre e fizer uma pergunta que envolva o pós-morte, ele simplesmente
esqueceria de mencionar o purgatório? Ou
Agostinho era um professor omisso (hipótese bem improvável) ou ele simplesmente
não tinha o purgatório como algo certo, ou seja, como um artigo de fé
obrigatório para a igreja;
A
carta trata do destino pós-morte (muito mais do que apenas céu ou inferno) – um
contexto em que uma menção ao purgatório inevitável para qualquer pessoa que
creia nele.
Além
disso, eu trouxe outros argumentos que expressam a incerteza de Agostinho:
Após a morte deste
corpo, até que chegue o dia que se seguirá à ressurreição dos corpos e que será
o dia supremo da condenação e da remuneração, se se afirma que, neste intervalo
de tempo, as almas dos defuntos suportam esta espécie de fogo, não o sentem
aqueles que nos seus corpos não tiveram durante a vida costumes e amores tais
que o seu feno, a sua madeira e a sua palha sejam consumidos; mas os outros
sentem-no, aqueles que trouxeram consigo construções de materiais semelhantes;
encontram o fogo de uma atribulação passageira que queimará completamente essas
construções que vêm do século, seja
apenas aqui, seja aqui e lá em baixo, ou mesmo lá em baixo e não aqui e que não
são, aliás, passíveis de condenação aos Infernos; pois bem, não repilo esta opinião, pois talvez seja
verdadeira. (Cidade de Deus - XXI, 26)
É impressionante que o apologista católico tenha usado esse texto
para nos refutar. Esse texto escrito no fim da vida de Agostinho expressa
justamente as suas incertezas sobre o purgatório. Perceba que ele começa
colocando o purgatório como uma hipótese ao dizer: “se se afirma que, neste
intervalo de tempo, as almas dos defuntos suportam esta espécie de fogo”. Ou
seja, ele trata de uma hipótese. Ele então discorre sobre diferentes concepções
sobre o fogo purificador ao elencar as seguintes hipóteses: (a) pode ser apenas
aqui na terra (uma ideia que nega todo o conceito romanista); (b) pode ser aqui
e lá em baixo (além de afirmar que a pena purgatorial começa aqui, ele afirma
que o purgatório pós-morte ocorre num lugar “lá embaixo”; (c) e por último pode
ser apenas lá em baixo (mais uma vez se refere a um lugar).
Apenas a hipótese C é de fato o conceito romanista – o purgatório é
somente no pós-morte. Mas o que Agostinho responde? Ele simplesmente diz que a
hipótese C é a correta e que todas as outras são heresias condenadas
historicamente pela igreja? Que a hipótese C é o ensino da igreja desde sempre?
NÃO. Ele diz que não repele esta opinião que TALVEZ (uma expressão claramente
especulativa) seja verdadeira. A opinião a que se refere é a existência ou não
dessas penas purgatoriais que ainda poderiam ser de forma substancialmente
distinta do ensino romanista. É inexplicável diante disso que alguém ainda diga
que Agostinho expressou certeza e que estava transmitindo a tradição histórica
da igreja.
Ele
também expressou dúvida principalmente aqui:
Que algo
semelhante aconteça igualmente depois desta vida, não é impossível. Será de
fato assim? É lícito investigá-lo, seja ou não para descobri-lo. Alguns fiéis (neste caso) poderiam, mais cedo ou mais tarde, ser
salvos por um fogo purgatório, conforme tenham amado mais ou menos os bens
transitórios. Porém, nunca o serão aqueles de que se diz que “não possuirão o
reino de Deus” (I Corintios, VI, li) se, por uma penitência adequada, não
obtiverem a remissão dos seus pecados (crimina), Adequada, disse eu, que não
sejam avaros em esmolas, visto que a Santa Escritura atribui a estas um valor
tal, que o Senhor anuncia (Mateus, XXV, 34-35) dever contentar-se unicamente
com esta colheita para colocar (os homens) à sua direita ou unicamente com a
ausência dela para os pôr à esquerda, e dirá a uns: “Vinde, os abençoados por
meu Pai, recebei o reinos e aos outros: «Ide para o fogo eterno. (Enchiridium
69-70)
Esta é claramente uma expressão de dúvida. Nosso oponente tenta
negar o óbvio afirmando que a dúvida de Agostinho era a respeito da natureza do
fogo e não do purgatório em si. Esse argumento foi utilizado por ele mais de
uma vez no artigo, e como respondemos, é falho. Agostinho nunca discutiu a
natureza do fogo no pós-morte, pois ele entendia o purgatório necessariamente
como um fogo real no pós-morte. Não há como separar o elemento fogo do
purgatório em Agostinho. O próprio Le Goff afirmou que “o fogo purgatório” é em
si o purgatório que iria nascer no séc. XII. A própria citação esclarece sobre
o que Agostinho expressava dúvida. Logo depois ele afirma:
Alguns fiéis (neste caso) poderiam, mais cedo ou mais tarde, ser salvos por um fogo purgatório, conforme
tenham amado mais ou menos os bens transitórios.
O que ele pôs em dúvida foi o processo em si e não a suposta
natureza do fogo. O que era duvidoso era a salvação dos fiéis por um fogo
purgatório, ou seja, a dúvida recaia sobre a própria existência do purgatório.
Para não deixar dúvidas, vamos ver o que antecede essa citação. A que Agostinho
se refere quando ele diz “que algo semelhante”. O que seria?
Com efeito, o fogo de que falava o Apóstolo nesta passagem deve ser
entendido de tal maneira que os dois devem atravessá-lo: “aquele que sobre este
alicerce constrói com ouro, com prata ou com pedras preciosas, e aquele que
constrói com madeira, com erva ou com palha”. Dito isto, Paulo acrescenta com
efeito: “O que é a obra de cada um, o fogo pô-lo-á à prova. Se a obra de um
resiste bem, esse receberá a sua recompensa. Mas se ela, pelo contrário, é
consumida, então sossobra; quanto a ele, será salvo, mas como através do fogo”
(I Corintios, III,13-15). Não é pois só
um deles, mas um e outro, que verão a sua obra posta à prova pelo fogo.
Agostinho estava discutindo a natureza do fogo (se era real ou
espiritual) ou estava discutindo o processo em si? Definitivamente ele estava
discutindo o processo pelo qual a obra de cada um seria posta à prova.
Agostinho
sem dúvida expressou dúvida sobre a existência do purgatório. Le Goff diz:
É
significativo o fato de Agostinho, nas Confissões, esboçar pela primeira vez uma reflexão que o levará ao caminho do
Purgatório, quando experimentou determinados sentimentos após a morte de
sua mãe Mónica. Esta confiança dos cristãos na eficácia dos sufrágios só tardiamente se uniu à crença na
existência de uma purificação depois da morte. Joseph Ntedika mostrou
claramente que, em Agostinho por exemplo, as
duas crenças se formaram em separado, sem praticamente se encontrarem. (p.
25-26)
A
pergunta é – se Le Goff acreditava que Agostinho sempre creu no purgatório,
como ele poderia afirmar que ele esboçou reflexões que levariam ao caminho do
purgatório? Ele está claramente afirmando que o purgatório foi algo que se
formou no pensamento de Agostinho, que veio a existir em algum ponto da sua
vida cristã. Para não deixar dúvidas, ele ainda diz que o purgatório foi uma
crença que se formou. Ora, se alguém sempre creu em algo, não se poderia dizer
isso. Se desde a minha conversão, eu acreditei na trindade, eu não poderia
dizer que ela se formou ao longo da minha vida cristã.
Olá, Bruno.
ResponderExcluirLi dois comentário no site apologistas católicos e gostaria de ler breves ponderações suas, ei-los:
Sr. Nelson escreveu:
"Li o texto do Bruno que pretendeu refutar-lhe. O que mais me chamou a atenção foi o cara não admitir que a citação montada em vermelho junta dois trechos do livro que estão distantes e que possuem contextos diferentes. O indivíduo junta as duas coisas querendo dar uma sequência lógica de sentido aos dois trechos quando isso não existiu. Que negócio absurdo!
Há duas objeções dele que penso que valem a pena você considerar para explicar melhor a posição de Santo Agostinho:
1) Sobre a "questão obscura" de Santo Agostinho. Para você é a natureza do fogo do purgatório que é chamado de questão obscura por Santo Agostinho; para ele é o próprio purgatório em si que é uma questão obscura para Santo Agostinho.
2) Você pretendeu em algum momento dizer que para Santo Agostinho o purgatório não é um lugar? Caso negativo, por que deste argumento?
De qualquer forma, você também argumentou no texto: "Outro ponto é que Agostinho na carta a Dardano estava apenas falando de céu e inferno, ou seja, condenação e salvação, a purificação final dos eleitos não era o objetivo da sua explanação neste momento..." Ou seja, neste sentido as palavras "não havia lugar para o Purgatório" poderiam constituir apenas força de expressão para dizer que o purgatório não era objeto daquela Carta de Santo Agostinho. Esse seu segundo argumento o Sr. Bruno não tocou."
Sr. Rafael respondeu:
"Olá Nelson,
O mais risível de tudo é o sujeito querer atribuir para si um texto que não lhe tem qualquer direcionamento. A única coisa que há no texto que coincidentemente reflete algum argumento que o sujeito usou é esta passagem montada, mas dai o sujeito atribui para si um texto que não é para ele e começa a falar “eu não disse isso”.
Não quer admitir o óbvio: a montagem da passagem por si só sugere que Agostinho mudou de opinião, pegam a parte onde Legoff fala da mudança de pensamento em 413 e juntam com a parte que ele fala da carta a Dardano em 417 onde LeGoff fala que na geografia não há lugar para o purgatório, logo o artificio da montagem é para dizer que Agostinho deixou de crer no purgatório, qualquer pessoa com o mínimo de lógica rudimentar entende isso, agora se com essa passagem ele magicamente interpretou de outra forma, ai é problema dele, a minha argumentação não foi direcionada a nenhum argumento dele, mas sim de como menciono de “alguns protestantes” que estavam usando o trecho no facebook.
II parte:
ResponderExcluirSobre as objeções:
1) Sobre a “Questão Obscura” que LeGoff menciona, e ele interpreta como sendo o próprio purgatório:
O LeGoff está ai mencionando o comentário ao Salmo 80 onde Agostinho cita a passagem de I Coríntios 3, 10-15 e diz que o entendimento dessa provação é de fato obscuro:
"Explica-nos então, diz alguém, como não perecerão, mas se salvarão os que constroem sobre este fundamento com madeira, feno ou palha; mas como que através do fogo. É uma questão, de fato, obscura, mas explanarei brevemente, como puder. Irmãos, existem homens que desprezam inteiramente as coisas deste mundo, e não se adaptam a coisa alguma transitória; não se apegam a obras terrenas, são santos, castos, continentes, justos, talvez ainda distribuam aos pobres o produto da venda de tudo o que possuíam, ou possuem como se não possuíssem e usam deste mundo como se não usassem (cf 1Cor 7,30.31). Há outros que se apegam um tanto aos bens concedidos a sua fraqueza. Algum deles não rouba a propriedade alheia, mas de tal modo ama a sua que se a perder, perturba-se. Não deseja a mulher do próximo, mas de tal maneira apega-se a sua e a ela se une que não mantém o contrato sobre a procriação dos filhos. Não tira o alheio, mas reclama o que é seu e entra em litígio com seu irmão. A esses tais se diz: “De todo modo, já é para vós uma falta a existência de litígios entre vós” (1Cor 6,7). Efetivamente, o Apóstolo ordena que os litígios se resolvam dentro da Igreja e não sejam levados ao foro; contudo, chama isto de falta. Pois, é um cristão que disputa por causa de bens terrenos mais do que convém àquele ao qual está prometido o reino dos céus. Não tem o coração totalmente ao alto, mas uma parte dele se arrasta pela terra. Finalmente, se vier a prova que leva ao martírio, aqueles que têm Cristo por fundamento, e constroem sobre ele com ouro, prata, pedras preciosas, que dizem desta oportunidade? “O meu desejo é partir e ir estar com Cristo” (Fl 1,23). Correm ligeiros, e em nada ou muito pouco se contristam devido à fragilidade terrena. Os que amam as próprias riquezas, suas próprias casas, gravemente se afligem; o feno, a palha e a madeira ardem. Tenham, portanto, madeira, feno, palha sobre o fundamento; mas das coisas lícitas, não das ilícitas. Por isso, digo-vos, irmãos: possuís o fundamento; aderi ao céu, calcai a terra. Se és desses, não edificas senão com ouro, prata e pedras preciosas. Ao dizeres, porém: Gosto desta propriedade e receio perdê-la. O prejuízo se torna iminente e tu te contristas. Mas não preferes a Cristo, porque a amas de tal forma que, se alguém te disser: O que preferes, esta propriedade ou Cristo? Apesar de a perderes com tristeza, preferes abraçar a Cristo, que colocaste como fundamento. Tu te salvarás, mas como que através do fogo. Escuta outra proposta: Não podes reter esta propriedade, a não ser que profiras um falso testemunho. Não o faças, e terás Cristo como fundamento. Pois, disse aquele que é a Verdade: “A boca mentirosa mata a alma” (Sb 1,11). Por conseguinte, se amas a tua propriedade, nem por isso, por causa dela, cometes rapina, nem proferes um falso testemunho, nem praticas homicídio, nem juras falso, nem negas a Cristo. Uma vez que assim ages, tens a Cristo por fundamento. Todavia, visto que a amas e te afliges por perdê-la, colocaste sobre o fundamento não ouro, nem prata, nem pedras preciosas e sim madeira, feno, palha. Tu te salvarás, portanto, ao começar a arder o que edificaste, mas como que através do fogo. Ninguém, contudo, que sobre este fundamento constrói adultérios, blasfêmias, sacrilégios, idolatrias, perjúrios pense que se salvará como que através do fogo, como se tudo isso fosse madeira, feno, palha; mas quem constrói com amor dos bens terrenos sobre o fundamento do reino dos céus, isto é, sobre Cristo, arderá o amor das coisas temporais, mas ele mesmo se salvará por causa do fundamento ade- quado." (Comentário Sobre o Salmo 80, 21)
Logo em nenhum lugar Santo Agostinho diz que a purificação após a morte é obscura, mas sim a passagem de São Paulo. E como eu falei no texto Santo, Agostinho tinha como obscura a natureza das penas do Purgatório, e isso é atestado pela maioria dos especialistas em Santo Agostinho, por exemplo, citarei aqui Francisco Moriones que em seu livro “A Teologia de Santo Agostinho”, fala sobre a questão da dúvida em relação as penas:
ResponderExcluir“Como tal, é claro, não se pode duvidar da crença de Agostinho na existência no purgatório. Em vez disso, a sua doutrina sobre a natureza das penas que as almas sofrem permanece obscura. Diversamente interpreta os versos de São Paulo (1 Cor 3,11-15), em particular as palavras , “como que através do fogo” (quasi per ignem), significando as tribulações desta vida, ou penalidades próprias da morte ou as explicou no sentido de um fogo real.” (Francisco Moriones – A Teologia de Santo Agostinho Pg 634. Editora BAC)
“A Duvida de Agostinho se refere à natureza do castigo sofrido as almas detidas no purgatório, não na existência do mesmo” (Francisco Moriones – A Teologia de Santo Agostinho Pg 635. Editora BAC)
Vou colocar aqui também o A. Michel que fonte e é citado várias vezes por LeGoff no Livro:
"Naturalmente, a doutrina do purgatório se insere entre o momento do julgamento particular e a entrada das as almas justas no céu. Parece que as hesitações de Santo Agostinho Sobre a natureza do fogo desaparecem, e os autores consideram como um fogo real semelhante ao do inferno. Assim, chegamos assim por ele a concepção Latina como encontramos nos teólogos sistemáticos na Idade Média." (A. Michel - "Purgatoire" - Dictionnaire de Théologie catholique, col. 1192-1196)
Logo a natureza do fogo e das penas que eram obscuras para Agostinho, a purificação post Mortem é clara e limpa sem qualquer dúvida para o leitor honesto. O sujeito que atribuir um comentário que é sobre determinado ponto a outro assunto totalmente diferente.
Mas parece que é claro para o sujeito que esses autores, um dos quais é fonte para o livro do LeGoff, estão errados e a interpretação dele das palavras de LeGoff estão certas.
2) Eu não disse em nenhum lugar que Agostinho não cria no purgatório como lugar, o sujeito faz uma salada de frutas para não entender. O que eu falei é que "muitos escritores antigos não viam o purgatório como lugar, ou tinha dúvidas sobre isso", "não ver", não quer dizer "rejeita", mas sim que não era claro para a pessoa isso. Também falei que a Igreja não definiu se o purgatório era um lugar ou não, o que é definido é só a purificação, sendo lugar ou não a doutrina católica não menciona nada a respeito. Logo se Santo Agostinho não mencionou poderia estar seguindo a mesma forma da Igreja, a Igreja não rejeita o purgatório como lugar, porém também não afirma dogmaticamente se é lugar.
É isso que eu estou falando, que mencionar como lugar ou não, não faz diferença, porque não é clara nenhum visão dele como lugar, além do mais Agostinho fala apenas em um texto que as almas seriam recebidas em receptáculos para serem purificadas, no resto de suas citações, ele fala apenas do fogo, portanto, nada se pode tirar de conclusivo quando se quer traçar a realidade do purgatório estritamente como lugar em Agostinho, nem muito menos dizer que ele tinha dúvidas sobre o purgatório por não menciona-lo na sua geografia do além.
O engraçado é que o sujeito parece achar que eu estou falando que a Igreja rejeita o purgatório como lugar e ainda vem citar Bento XV elogiando Dante, para dizer que um papa via o purgatório como lugar. Coisa totalmente sem sentido para a questão, até porque creio que o purgatório é um lugar, mas muitas outras pessoas não, e isso não é conflito para a doutrina católica, já que ela só define que é certa a purificação, lugar ou não, não atinge a finalidade do dogma que é a purificação dos eleitos após a morte."
Aguardo retorno e Deus o abençoe.
O artigo acima no qual você comentou é justamente a resposta a esses comentários.
ExcluirFique na PAZ!