quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Os Pais da Igreja sobre Sucessão Apostólica e Papado - Parte 3

Tertuliano de Cartago (160-220)

Tertuliano defendia uma posição semelhante a Irineu. Os argumentos concernentes à sucessão apostólica já apresentados se aplicam a ele. Também definiu a tradição apostólica mantida na Igreja cristã:

Agora esta é a regra ou o símbolo de nossa fé; porque vamos fazer uma declaração pública de nossa crença. Acreditamos que há um só Deus, criador do mundo e tudo que nele há a partir do nada, por meio de seu Verbo gerado antes de todas as criaturas. Acreditamos que esta Palavra, que é seu filho, apareceu várias vezes aos patriarcas sob o nome de Deus, Ele sempre falou por meio dos profetas; que desceu, pela operação do Espírito de Deus, o Pai, ao seio da Virgem Maria, onde foi feito carne. Ele nasceu dela sendo o nosso Senhor Jesus Cristo, que pregou a nova lei e a nova promessa do reino dos céus. Nós acreditamos que ele fez muitos milagres; foi crucificado; ressuscitou ao terceiro dia após a sua morte; subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai; que enviou por ele o poder do Espírito Santo, para levar aqueles que creem. Finalmente, ele virá em grande glória para dar os santos a posse da vida eterna e bem-aventurança celestial, e para condenar o ímpio ao fogo eterno, depois de todos ressuscitarem voltando a sua carne. (Prescrição contra os hereges 13)

A regra de fé de Tertuliano era um pouco diferente de Irineu. Em seus debates contra os gnósticos, eram essas doutrinas básicas que os pais da Igreja defendiam. Entre elas, não encontramos nenhuma das doutrinas peculiares ao catolicismo romano. Tertuliano atacou o evangelho de Marcião por não estar presente em todo o mundo e não ser suficientemente antigo como era o evangelho cristão. É a mesma linha de argumento que os protestantes usam contra o romanismo. As peculiares doutrinas de Roma surgem séculos depois do período apostólico, sendo essa a marca de toda heresia:

Estou acostumado, em minha prescrição contra todas as heresias, em corrigir o meu critério (da verdade) pelo testemunho do tempo; reivindicando a prioridade dele [do tempo] em nossa regra, e alegando atraso como a característica de toda heresia (...) Mas se o evangelho de Marcião tivesse êxito no preenchimento de todo o mundo, não teria nesse caso o direito de ser intitulado de caráter apostólico. Por esse critério, será evidente que só pode pertencer a esse evangelho o primeiro a preencher o mundo. (Contra Marcião 5:19)

Assim como em Irineu, vemos em Tertuliano uma série de qualificadores que o demitem como uma testemunha da doutrina romana da sucessão:

Mas e se um bispo, um diácono, uma viúva, uma virgem, um médico, se até mesmo um mártir, cair da regra de fé, irão tais heresias possuir a verdade? Provamos a fé pelas pessoas ou as pessoas pela fé? (...) Nós, no entanto, não permitimos estimar qualquer coisa a partir de nossa própria vontade, nem escolher aquilo que foi produzido pelo nosso imaginário privado. Nos apóstolos do Senhor temos nossa autoridade; pois ainda que eles próprios escolhessem apresentar alguma coisa, fielmente entregariam às nações da humanidade a doutrina que tinham recebido de Cristo. Se, portanto, até mesmo "um anjo do céu vos anunciar outro evangelho", ele seria amaldiçoado por nós (...) Quando qualquer homem duvida disso, a prova será acessível - temos em nossa posse o que foi ensinado por Cristo (...) Mas deveriam eles [os hereges] efetuar o artifício [de produzir uma lista de bispos a partir dos apóstolos], não vão avançarão um passo. Pois sua própria doutrina, após comparação com a dos apóstolos, declarará por sua própria diversidade e contrariedade, que não tem como autor um apóstolo ou homem apostólico; porque os apóstolos nunca teriam ensinado coisas que eram autocontraditórias, de modo que os homens apostólicos não teriam ensinado algo diferente dos apóstolos, a não ser que os que receberam sua instrução dos apóstolos pregassem de forma contrária. A esse teste, portanto, serão submetidos pelas igrejas que, embora não derivem a sua fundação de apóstolos ou homens apostólicos (sendo de data muito posterior, pois, na realidade, são fundadas diariamente), uma vez que concordam na mesma fé, são consideradas como não menos apostólicas, porque são semelhantes em doutrina (...) Eu me agarro aos títulos de propriedade dos proprietários originais, a quem a propriedade pertencia. Eu sou o herdeiro dos apóstolos (...) Agora, o que há nas nossas Escrituras o que é contrário a nós? (Prescrição contra os hereges 3, 6, 9, 32, 37-38)

Everett Ferguson escreve:

[Em Tertuliano] Igrejas eram apostólicas desde que concordassem na mesma fé, mesmo que não fossem fundadas por apóstolos. Sucessão apostólica surgiu numa situação polêmica como um argumento eficaz para a verdade da tradição católica contra os ensinamentos gnósticos. Como tantas vezes acontece com argumentos bem sucedidos, chegou a ser considerado como um artigo de fé, não apenas uma defesa da verdade, mas uma parte da própria verdade. (Op. Cit., pp. 95)

Essa citação mostra que Tertuliano não via absolutamente nenhum bispo em particular como um infalível guia de fé. A pergunta é reveladora “Provamos a fé pelas pessoas ou as pessoas pela fé?”. Ou seja, a validade da sucessão não dependia de quem ordenava, mas da mensagem que era passado adiante. Um bispo poderia cair em heresia e trazer falsos ensinos – algo que os apóstolos nos advertiram constantemente – portanto, o que era ensinado era o mais importante. O argumento de Tertuliano não se limitava a dizer que uma sucessão de bispos havia mantido determinado ensino, mas procurava provar porque a tradição mantida por esses bispos era verdadeira: ela era antiga, uniforme e constante. Se os apóstolos tivessem ensinado algo em secreto, os homens a quem eles atribuíram a liderança das Igrejas saberiam.

Para Tertuliano, uma Igreja que concordava com a doutrina dos apóstolos seria apostólica, mesmo sendo recente, afinal elas eram fundadas diariamente, ainda que não possuindo uma sucessão de bispos. Por outro lado, uma Igreja com bispos que não ensinassem a regra da fé deveria ser resistida. Nesse ponto, o católico romano pode afirmar que não lhe é proibido resistir a um bispo herege. Essa seria uma meia verdade, pois ele não poderia resistir ao papa.

Tertuliano é uma testemunha contra o papado. Os apóstolos eram a autoridade da Igreja. Ele  não coloca Pedro como tendo autoridade sobre os demais. Era o colégio apostólico e não a pessoa de Pedro o fundamento da Igreja:

O homem, então, de mente sã pode possivelmente supor que eles eram ignorantes de alguma coisa, a quem o Senhor ordenou ser mestres (ou professores), mantendo-os, como Ele fez, inseparáveis (a partir de Si mesmo) em sua presença, em seu discipulado, em sua associação, a quem, "quando eles estavam sozinhos, costumava expor 'todas as coisas" [Marcos 4:34]. Nada era retido do conhecimento de Pedro, que é chamado de "a rocha sobre o qual a Igreja deve ser edificada", que obteve também "as chaves do reino dos céus", com o poder de "ligar e desligar no céu e na terra?" Era qualquer coisa novamente oculta de João, discípulo mais amado do Senhor, que reclinou-se sobre o seu peito [John 21:20], a quem somente o Senhor apontou Judas como o traidor, a quem recomendou a Maria como um filho em seu próprio lugar? [João 19:26] (...) Ele mesmo exibiu Sua própria glória com Moisés e Elias, e a voz do Pai vinda do céu? [Mateus 17: 1-8], não que ele assim reprovasse os demais, mas porque por três testemunhas deveria cada palavra ser prova. (Prescrição contra os hereges 22)

Pedro era a rocha em que a Igreja estava edificada. Mas será que ele acreditava que o apóstolo tinha primazia jurídica sobre os demais? O contexto da citação é refutar a acusação gnóstica de que os apóstolos eram ignorantes a respeito de algumas coisas. Na mesma citação, além de Pedro, ele cita João como exemplo de quem tudo aprendeu de Cristo. No episódio da transfiguração de Elias e Moisés, três apóstolos apenas estavam com Jesus. O autor cristão se preocupa em não concluir que esses três eram superiores aos demais, mas que os três foram escolhidos porque era o número adequado de testemunhas. Ele desconhecia qualquer autoridade de Pedro sobre os demais, por isso sempre colocava os apóstolos em pé de igualdade:

Venham vocês agora que devem satisfazer uma curiosidade melhor, se vocês a aplicarem ao negócio de sua salvação, indo às Igrejas apostólicas, em que os próprios tronos dos apóstolos (cathedræ Apostolorum) ainda são eminentes em seus lugares, em que seus próprios escritos autênticos são lidos, expressando a voz e representando o rosto de cada um deles individualmente. (Prescrição contra os hereges 32)

Apela-se à autoridade colegiada dos apóstolos, não apelando a nenhuma autoridade singular de Pedro. Vejamos como entendia a passagem de Mateus 16:18:

Se, por o Senhor ter dito a Pedro, «Sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja», «a ti eu te dei as chaves do reino celestial», ou «qualquer coisa que ligares ou desligares na terra, será ligada ou desligada nos céus», tu portanto supores que o poder de ligar e desligar derivou para ti, ou seja, para toda a Igreja semelhante a Pedro, que tipo de homem és? subvertendo e mudando totalmente a intenção manifesta do Senhor, conferindo (como foi a sua intenção) isto pessoalmente a Pedro? «Sobre ti», diz, «eu edificarei a minha Igreja»; e «Eu te darei as chaves a ti», não à Igreja; e «o que desligares ou ligares», não o que «eles desligarem ou ligarem». Pois assim adicionalmente ensina o resultado. No próprio (Pedro) a Igreja foi criada; isto é, através do próprio (Pedro); ele próprio testou a chave; tu vês qual: «Homens de Israel, deixai que o que digo penetre nos vossos ouvidos: Jesus Nazareno, homem destinado por Deus para vós», e assim. O próprio (Pedro), portanto, foi o primeiro a abrir, no batismo de Cristo, a entrada para o reino celestial, no qual são desligados os pecados que estavam antes ligados; e aqueles que não foram desligados são ligados, segundo a verdadeira salvação. (Sobre a Modéstia 21)

A chave foi dada pessoalmente a Pedro e não foi transferida a mais ninguém. Pedro usou a chave ao pregar o evangelho no dia de Pentecostes. Ou seja, o que é dito sobre Pedro em Mateus 16, deveria ser aplicado exclusivamente a ele. O apóstolo é a rocha da Igreja enquanto ele é pregador do evangelho, sendo através da pregação que se usa o poder de abrir e fechar àqueles que a aceitam ou a rejeitam. Na visão de Tertuliano, a primazia de Pedro se dava ao fato de ser o primeiro a pregar o evangelho. Não há a noção de um primado jurisdicional de Pedro sobre os demais. Interpretação semelhante tinha outro pai da Igreja – Máximo de Turim:

Pois ele é chamado de rocha, porque ele foi o primeiro a lançar as bases da fé entre as nações. (Ancient Christian Writers (New York: Newman, 1989), The Sermons of St. Maximus of Turin, Sermon 77.1, p. 187)

Para esses cristãos, a posição privilegiada de Pedro nada tinha a ver com autoridade sobre os demais, mas por ele ter sido o primeiro a pregar e abrir o reino dos céus aos pecadores arrependidos. Os outros apóstolos receberam as mesmas chaves e eram iguais em autoridade.

Karlfried Froehlich, um dos estudiosos medievais e patrísticos mais proeminentes, escreveu sua dissertação para o Ph.D. sobre a história da exegese patrística e medieval de Mateus 16:

A tradição catequética Norte Africana, por outro lado, entendeu a palavra sobre Pedro, a rocha da igreja, como o prefácio ao v. 19: Pedro era a rocha, porque ele recebeu as chaves do reino, que significavam o exercício da disciplina penitencial pela Igreja. Tertuliano, no entanto, considerava o Pedro de Mateus 16:18-19 como o representante de toda a Igreja ou, pelo menos, os seus membros "espirituais. (Karlfried Froehlich, Saint Peter, Papal Primacy, and Exegetical Tradition, 1150-1300, pp. 3, 8-14, 42)

O maior historiador da Igreja do séc. XIX - Ignaz von Dollinger – que lecionou história da Igreja por 47 anos como católico romano disse:

Tertuliano, Cipriano, Lactâncio, não sabem nada de prerrogativa papal especial, ou de qualquer superior ou supremo direito de decidir em matéria de doutrina. Nos escritos dos doutores gregos, Eusébio, Santo Atanásio, São Basílio o Grande, os dois Gregórios e Santo Epifânio, não há uma palavra a respeito de quaisquer prerrogativas do bispo romano. O mais abundante dos Padres gregos, São Crisóstomo, é totalmente silencioso sobre o assunto, e por isso são os dois Cirilos. Igualmente silenciosos são os latinos, Hilário, Paciano, Zeno, Suplício e St. Ambrósio. (The Pope and the Council (Boston: Roberts, 1869), pp. 70)

Tertuliano também usou o termo “sumo pontífice” de forma jocosa. Alguns pensam ser referir ao bispo de Roma, mas há quem diga ser um bispo de Cartago. De qualquer forma, isso evidencia que rejeitava qualquer um que se colocasse sumo pontíficie:

Em oposição a isso (modéstia), poderia eu não atacar o hipócrita? Ouvi dizer que tem havido até mesmo um decreto estabelecido, e um autoritário também. O Sumo Pontífice -- isto é, o bispo de bispos -- emitiu um decreto: "Eu perdoo, estão desobrigados de arrependimento, tanto os pecados de adultério e de fornicação”. (Sobre a Modéstia 1)

Ele também recorre às Igrejas apostólicas na luta contra a heresia:

Acaia é muito perto de você, (em que) você encontra Corinto. Desde que você não está longe da Macedônia, tem Filipos; (e ali também) tem os tessalonicenses. Desde que você é capaz de atravessar a Ásia, você encontra Éfeso. Mas se te encontras perto da Itália, tens Roma, de onde também para nós vem a autoridade. Quão feliz é esta Igreja que os Apóstolos deram, com seu sangue, toda a doutrina, onde Pedro é igualado a paixão do Senhor, onde Paulo foi coroado com a morte de João [Batista], onde o apóstolo João, depois que, jogado em óleo fervente, não sofrendo dano algum, foi exilado em uma ilha. (Prescrição contra os hereges 36)

Uma citação semelhante à de Irineu. São mencionadas várias Igrejas fundadas por apóstolos como Corinto e Tessalônica. Depois dessas, Roma é citada. Se formos ler primazia nessa passagem, temos que colocar Corinto como igualmente primaz. Mas o ponto de Tertuliano não é uma Igreja mandando nas demais, o ponto é que essas Igrejas foram fundadas por apóstolos, assim, se esperaria que as estranhas doutrinas gnósticas estivessem presentes nelas. Ele cita Roma não somente por causa de Pedro, mas também de Paulo e João. Seriam os três papas? A autoridade residia em todo o colégio apostólico e não no bispo de Roma. Quando diz “de onde vem a autoridade”, Tertuliano se refere a autoridade dos apóstolos que pregaram nessa cidade, por isso, de forma análoga, recorre a outras Igrejas que tinham ligação mais direta aos apóstolos, mesmo não atribuindo infalibilidade a nenhuma delas.

Daí, as Igrejas, embora sejam tantas e tão grandes, são ligadas a uma única igreja primitiva [fundada] pelos apóstolos, delas todas [derivadas]. Dessa maneira todas são primitivas e todas apostólicas, enquanto são todas confirmadas por uma unidade, por sua comunhão pacífica, por característica de irmandade e por laço de hospitalidade, privilégios que nenhuma outra norma determina senão que uma única tradição do mesmo mistério. (Prescrição Contra os Hereges 20)

Esse era o momento perfeito para Tertuliano afirmar o papado. Se o papa é o centro de unidade da Igreja, porque nenhum pai da Igreja o citava nesse contexto? A Igreja era una não por subordinação a uma autoridade humana, mas pelos laços de irmandade e por seguir a mesma tradição. Já expomos o conteúdo dessa tradição – a chamada regra da fé – que nada mais era do que um resumo de doutrinas básicas facilmente extraídas das Escrituras. Nem Irineu ou Tertuliano defendiam que as Igrejas não tinham diversidade em práticas, costumes ou doutrinas, até mesmo porque se comparamos os dois pais, encontraremos divergências doutrinárias. A unidade existia porque todas as Igrejas concordavam com a regra da fé (regula fidei). Ellen Flesseman-van Leer comenta:

Para Tertuliano a Escritura é o único meio para refutar ou validar uma doutrina quanto ao seu conteúdo (...) para Irineu, a doutrina da Igreja certamente nunca é puramente tradicional; pelo contrário, o pensamento de que poderia haver alguma verdade transmitida exclusivamente de viva voz (oralmente) é uma linha gnóstica de pensamento (...) se Irineu quer provar a verdade de uma doutrina materialmente, vira-se para a escritura, porque é aí que o ensino dos apóstolos é objetivamente acessível. A prova da tradição e da escritura serve a um e mesmo fim: identificar o ensino da Igreja como o ensino apostólico original. A primeira [tradição] estabelece que o ensino da Igreja é o ensino apostólico, e a segunda [Escritura] qual é o ensino apostólico. (Tradition and Scripture in the Early Church (Van Gorcum, 1953, pp. 184, 133, 144).

A tradição é o que a Igreja vem ensinando desde o tempo dos apóstolos uniformemente. A Escritura é o ensino infalível dos apóstolos. Os apelos à tradição serviam para mostrar que diferente dos gnósticos, a Igreja mantinha a doutrina apostólica. Obviamente, a Igreja a que Irineu e Tertuliano se referiam não era católica romana. Em outra parte da mesma obra, Tertuliano cita Esmirna e Roma:

(...) como a igreja de Esmirna, que sabe que Policarpo foi colocado lá por João, como a igreja de Roma, onde Clemente foi ordenado por Pedro. Assim, todas as outras igrejas que tiveram lhes mostram em que tem as raízes apostólicas, tendo recebido o episcopado pela mão dos apóstolos. (Prescrição Contra os Hereges 32)

Tertuliano apela às Igrejas apostólicas e cita Esmirna em primeiro. Ele nunca faz um apelo singular e exclusivo a Roma. Policarpo foi ordenado por João e Clemente por Pedro. Ele não diz que Pedro foi bispo de Roma como alguns católicos apressados costumam defender, da mesma forma que João não foi bispo de Esmirna. A informação de que Clemente foi o primeiro bispo se choca com a tradição católica que afirma ter sido Lino o primeiro bispo após Pedro e Clemente apenas o terceiro após Anacleto.  Tertuliano se refere ao Bispo de Roma Calisto implicitamente como diabo:

Pois depois que o Bispo de Roma concordou com as dádivas proféticas de Montano, Priscila e Maximilla, e em consequência à concordância, tendo concedido sua paz às igrejas da Ásia e Frígia, ele, importunadamente urgindo falsas acusações contra os próprios profetas e suas igrejas, e insistindo na autoridade dos predecessores dos bispos na sé, o compeliu a revogar as cartas pacíficas que ele tinha enviado, bem como desistir de seu propósito de concordar com as ditas dádivas. Assim este Práxeas fez um duplo serviço para o diabo em Roma: ele afugentou a profecia, e introduziu a heresia; ela afastou o Espírito e crucificou o Pai.(Contra Práxeas, 1)

Católicos tendem a subestimar o testemunho de Tertuliano porque ele se tornou montanista. Sua conversão à heresia não elimina a importância do seu testemunho histórico. Em nenhuma fase de sua vida, ele defendeu algo parecido com o papado e sua adesão ao montanismo mostra que não enxergava o bispo de Roma como uma autoridade infalível. Se ele cria na doutrina católica romana do primado, as chances de abraçar a heresia montanista seriam menores, uma vez que tenderia a rejeitar algo considerado herético pela Igreja de Roma. Deve-se mencionar que ele nunca deixou a Igreja de fato. Sullivan comenta:

Deve-se notar, contudo, que Tertuliano permaneceu ortodoxo em relação aos dogmas cristãos fundamentais, e enquanto rejeitou algumas reinvindicações feitas por bispos católicos, não há evidência de que tenha deixado a Igreja Católica para se juntar ou formar um grupo cismático. (Op. Cit., pp. 155-156)

Ao fim do segundo século, cobrimos ampla gama de evidências que prova a inveracidade das reivindicações católicas romanas. A noção de sucessão apostólica aparece pela primeira vez nos escritos de Irineu e Tertuliano como uma arma contra os gnósticos. Eles não sustentavam o mesmo conceito de sucessão da Igreja romana e desconheciam a autoridade infalível do bispo de Roma – aspecto fundamental do conceito romanista de sucessão.

Clemente de Alexandria (150-215)

Clemente nada diz sobre sucessão apostólica apesar de também ter combatido a heresia gnóstica. Porém, alguns apologistas católicos têm lido na passagem abaixo essa doutrina:

Depois da morte do tirano, o apóstolo João voltou para Éfeso de Patmos. E quando convidado, foi para cidades vizinhas dos pagãos para nomear bispos, para ordenar as igrejas, ou definir os ministros designados pelo Espírito. (Qual homem Rico de Salvará? 42:2)

Diversos elementos da concepção romanista de secessão não estão presentes na citação. Apenas é afirmado que João ordenou bispos de algumas Igrejas da Ásia. Não há como concluir que os bispos herdaram a autoridade dos apóstolos, que apenas bispos pertencentes a essa linhagem de ordenação seriam válidos ou que fosse o critério para definir a apostolicidade de uma Igreja.

O bendito Pedro, o eleito, o preeminente, o primeiro entre os discípulos, para quem, além de si mesmo, o Salvador pagou o tributo [Mt 17:27], rapidamente compreendeu e entendeu o seu significado. E que é o que ele diz? “Eis que nós deixamos tudo, e te seguimos”. [Mt 19:27; Mc 10:28] (Qual homem Rico de Salvará? 21:3-5)

Clemente atribuiu a Pedro preeminência entre os discípulos, mas será que atribuía primazia jurisdicional ou autoridade sobre os demais apóstolos?

Clemente [de Alexandria], no livro VI das Hypotyposeis, aduz o seguinte: "Porque -diz - depois da ascensão do Salvador, Pedro, Tiago e João, mesmo tendo sido os preferidos do Salvador, não tomaram para si esta honra, mas elegeram como bispo de Jerusalém Tiago o Justo.
(História Eclesiástica 2:1:3)

 E o mesmo autor, no livro VIII da mesma obra, diz ainda sobre ele o seguinte: "O Senhor, depois da sua ressurreição, fez entrega do conhecimento a Tiago o Justo, a João e a Pedro, e estes o transmitiram aos demais apóstolos, e os demais apóstolos aos setenta, um dos quais era Barnabé.
(Ibid., 2:1:3)

Clemente coloca Pedro em igualdade com Tiago e João e os demais apóstolos, evidenciando que nenhum apóstolo exercia autoridade sobre os demais.

Hipólito de Roma (170-236)

Deve ser ordenado bispo aquele que tenha sido eleito incontestavelmente por todo o povo. Quando for chamado por seu nome e aceito por todos, reunir-se-ão, no domingo, todo o povo, o presbitério e os bispos. Então, após o consentimento de todos, os bispos imporão as mãos sobre ele e o presbitério permanecerá imóvel. Todos permanecerão em silêncio, orando no coração pela vinda do Espírito Santo. (Tradição Apostólica 2:2)

Provavelmente escrevendo no séc. III, Hipólito é o primeiro a afirmar que um bispo deveria ser ordenado por outro bispo. Ele expressa a prática primitiva de envolver toda a Igreja local na ordenação do bispo. Era uma condição para sua eleição ser aprovado por toda a Igreja. Atualmente, na Igreja Romana, a ordenação do bispo requer intervenção do papa e não envolve participação da comunidade.

A tese de que a apostolicidade de uma Igreja dependia de uma cadeia de ordenações de bispos que remetesse aos apóstolos era estranha ao período primitivo. A Igreja de Alexandria é um bom exemplo. Eusébio afirma que seu primeiro bispo foi Marcos (História Eclesiástica 2:24:1). Ele não era um apóstolo e não há evidência de sua ordenação como bispo por um apóstolo, ainda assim, sua apostolicidade nunca foi questionada. Jerônimo testemunha que os primeiros bispos de Alexandria foram ordenados por presbíteros. Em todo o caso, vimos que as Igrejas eram governadas por presbíteros no início. Portanto, é provável que nenhuma delas tenha uma linhagem ininterrupta de ordenações de bispos com origem nos apóstolos, inclusive a romana.  Hipólito vê o bispo de Roma como o chefe de uma Igreja local:

Mas depois de um tempo, estando naquele lugar outros mártires, Marcia, uma concubina de Cômodo, que era uma mulher que amava a Deus e desejosa de realizar uma boa obra, convidou a sua presença o abençoado Vitor, que era naquele tempo um bispo da Igreja, e lhe perguntou quais eram os mártires na Sardenha (...) O impostor Calisto, tendo se arriscado nessas opiniões, estabeleceu uma escola de teologia em antagonismo a Igreja, adotando o sistema anterior de instrução. E primeiro ele inventou o dispositivo de conivência com os homens indulgentes em seus prazeres sensuais, dizendo que todos tiveram seus pecados perdoados por ele mesmo. Para quem tem o hábito de frequentar a congregação de qualquer outra pessoa, sendo chamado cristão, se ele cometer qualquer transgressão; o pecado, dizem eles, não é imputado a ele, contanto que ele se apresse e se una a escola de Calisto. E muitas pessoas estavam satisfeitas com o seu regulamento, como sendo avançado em consciência, e ao mesmo tempo foi rejeitado por numerosas seitas; enquanto também alguns deles, de acordo com nossa sentença condenatória, tem sido por nós tirados à força da Igreja (...) E, além disto, após tais atos ousados, eles, tendo perdido toda a vergonha, tentam ser chamados de uma igreja católica! (Refutação de Todas as Heresias 9:7)

Além de mencionar Vítor apenas como o bispo de uma Igreja local, Hipólito manifesta péssimas opiniões sobre o bispo de Roma Calisto. É dito que ele fundou uma escola em desacordo com o ensino da Igreja e que Calisto e seus seguidores sequer eram um grupo da Igreja Católica. Entre as acusações, consta licenciosidade com a prática de imoralidade sexual e até aborto. Hipólito desconhecia a ideia da jurisdição universal e infalibilidade do bispo de Roma. Para ele, Calisto era um herege da pior espécie e sequer um cristão.

Orígenes de Alexandria (?-254)

Para a ordenação de um sacerdote a presença do povo é também necessária, para que todos possam conhecer e ter certeza, porque esse homem escolhido para o sacerdócio é o mais proeminente entre todo o povo, mais sábio, mais santo, mais eminente em todas as virtudes. E isso é feito na presença do povo para que ninguém mais tarde tenha segundos pensamentos, ou qualquer pessoa deve permanecer em dúvida. Isso é o que o Apóstolo comandou para a ordenação de um sacerdote quando ele diz: "Ele também deve ter um bom testemunho dos que estão de fora [1 Timóteo 3:7]". (Homilias sobre o Levítico 6:3)

A participação do povo era necessária para a ordenação. A preocupação em envolve-lo no processo se devia a necessidade de bom testemunho por parte do ordenado:

Vamos admirar a grandeza de Moisés. Quando ele estava prestes a se afastar dessa vida, orou a Deus para escolher um líder para o seu povo (...) Será que os príncipes da Igreja, em vez da designação a partir de sua vontade daqueles ligados a eles por laços de sangue ou de relações familiares, e em vez de tentar montar dinastias na Igreja, poderiam aprender a confiar no julgamento de Deus e não escolher motivados por sentimentos humanos, deixar as designações de seus sucessores inteiramente nas mãos de Deus (...) Se um grande homem como Moisés não tomou para si a escolha do líder do povo, a eleição de seu sucessor, que então se atreverá, no meio dessas pessoas que dão o seu voto sob influência da emoção, ou talvez de dinheiro; quem ousará então, até mesmo nas fileiras dos sacerdotes, julgar-se capaz de se pronunciar sobre este assunto, a não ser por meio de uma revelação obtida através de orações e súplicas dirigida ao Senhor? (Comentário sobre Mateus 12:10-11)

Para Orígenes, a autoridade do bispo dependia do seu testemunho público. Aqueles que caíram em prostituição deveriam perder os cargos. Muitos papas incorreram nos mesmos pecados aqui condenados. Não por acaso, Orígenes cita 1 Timóteo – um capítulo com critérios a ser cumprido pelos ministros. Papistas tendem a relativizar esses critérios, mas a posição apostólica e da Igreja primitiva era a necessidade da vida santa para o exercício do episcopado. Apesar de sua extensa obra, Orígenes falou pouco sobre sucessão. Uma das poucas passagens é esta:

...Mas como entre os que professam crer em Cristo existem muitas divergências, não apenas em detalhes de pequena importância como também em matérias sumamente importantes, (...) parece necessário estabelecer sobre todos esses pontos uma regra de fé fixa e precisa antes de abordar o exame das demais questões... Mas como o ensinamento eclesiástico, transmitido em sucessão ordenada desde os Apóstolos, se conserva e perdura nas Igrejas até o presente, não se deve receber como artigo de fé além daquelas verdades que não se afastam em nada da tradição eclesiástica e apostólica. (De prencipiis, Prefácio 1-2).

Assim como Irineu e Tertuliano, ele apela à regra da fé. Já foi visto que o conteúdo da regra era um sumário de doutrinas fundamentais contidas nas Escrituras. Outro ponto interessante dessa citação é o testemunho de Orígenes a respeito da diversidade de crenças na Igreja antiga. Ele não se refere a hereges, mas a cristãos. Católicos argumentam que o protestantismo é falso por agregar Igrejas com crenças diferentes. Se esse argumento é válido, a Igreja primitiva não poderia ser considerada verdadeira. A própria Igreja romana seria falsa, pois está longe de apresentar a unidade que muitos propagam.

Orígenes afirma que essa tradição eclesiástica foi transmitida desde os apóstolos pelos líderes da Igreja. Não há os qualificadores necessários para colocá-lo como testemunha da doutrina romana. Não é dito que a apostolicade de uma Igreja dependeria de uma cadeia de ordenações de bispos com origem num apóstolo. É provável, que assim como em Tertuliano, todas as Igrejas que pregavam essa mesma doutrina fossem consideradas apostólicas. Também não é dito que uma suposta sucessão (como reivindica a ICR) fosse garantidor da preservação da doutrina correta. A ideia de que a Igreja deve ter ministros cuja função é preservar a doutrina apostólica é compatível com o protestantismo.

Nessa mesma obra, é feita uma distinção entre doutrinas claramente ensinadas pelos apóstolos que todos os crentes deveriam acreditar e aquelas que estavam abertas à especulação. Ou seja, assim como os protestantes, ele acreditava num corpo doutrinário fundamental que define o cristianismo e que fora desse é possível haver divergências aceitáveis entre os cristãos, não configurando assim uma fé diferente. É notável que mesmo entre essas questões abertas à especulação, Orígenes não cita nenhuma das doutrinas definidoras do catolicismo romano. As questões abertas envolviam origem da alma, dos anjos e demônios etc. O conteúdo completo pode ser acessado aqui. A respeito das doutrinas que todos os cristãos deveriam crer, a lista é semelhante a exposta por Irineu e Tertuliano:

Primeiro, há um só Deus que criou e ordenou todas as coisas e quando nada existia, chamou todas as coisas a existência - de Deus a primeira criação e fundação do mundo - o Deus de todos os homens justos como Adão, Abel Sete, Enoque, Noé, Abraão, Sara, Isaque, Jacó, os doze patriarcas, Moisés e os profetas; e que este Deus nos últimos dias, como tinha anunciado previamente por seus profetas, enviou nosso Senhor Jesus Cristo para chamar para si em primeiro lugar Israel e em segundo lugar os gentios, depois da infidelidade do povo de Israel. Este Deus justo e bom, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Ele próprio deu a lei, os profetas, e os evangelhos, sendo também o Deus dos apóstolos e do Antigo e Novo Testamentos.

Segundo, que o próprio Jesus Cristo veio (ao mundo), nasceu do Pai antes de todas as criaturas; depois de ter sido o servo do Pai na criação de todas as coisas, pois por ele todas as coisas foram feitas. Ele, nos últimos tempos, esvaziou-se de si mesmo (de sua glória), tornou-se homem, e era Deus encarnado, e ao mesmo tempo em que se fez homem permaneceu sendo o Deus que era. Ele assumiu um corpo como o nosso, diferindo apenas pelo fato de que nasceu de uma virgem e do Espírito Santo: esse Jesus Cristo realmente nasceu e verdadeiramente sofreu, e não suportou esta morte comum (ao homem) só na aparência, mas realmente morreu. Ele verdadeiramente ressuscitou dos mortos e após sua ressurreição, conversou com os seus discípulos e foi levado para cima (ao céu).

Em terceiro lugar, os apóstolos mencionados que o Espírito Santo associou em honra e dignidade ao Pai e Filho. Mas, em seu caso, não se distingue claramente se deve ser considerado como nascido ou inato, ou também como um Filho de Deus ou não: esses são os pontos que precisam ser investigado fora da Sagrada Escritura de acordo com o melhor de nossa capacidade, e que exigem uma investigação cuidadosa. E esse Espírito inspirou cada um dos santos, sejam profetas ou apóstolos; e que não havia um Espírito nos homens da antiga dispensação e outro naqueles que foram inspirados no advento de Cristo, é ensinado muito claramente pelas Igrejas. (Ibid., 4)

Há claramente uma ênfase em doutrinas que atacam os docetistas e marcionitas. Em todo o caso, é essa tradição que os católicos usam para “refutar” a Sola Scriptura – doutrinas que os pais da Igreja extraíram da própria Escritura e mantidas desde o início no ensino da Igreja.   Orígenes escreveu muitas obras e tratou de temas como autoridade, governo na Igreja, tradição, ainda assim, nunca menciona o papado. A sua exegese sobre Mateus 16:18 é reveladora:

E se nós também dissermos como Pedro “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, não como se carne e sangue nos tivesse revelado, mas pela luz do Pai nos céus tendo resplandecido no nosso coração, nos tornamos um Pedro, e a nós nos poderia dizer o Verbo “Tu és Pedro”, etc. Pois é uma pedra cada discípulo de Cristo de quem beberam aqueles que beberam da pedra espiritual que os seguia, e sobre cada pedra assim é edificada cada palavra da Igreja, e o governo de acordo com ela; pois em cada um dos perfeitos, que têm a combinação de palavras e atos e pensamentos que preenchem a bem-aventurança, é a Igreja edificada por Deus. (Comentários sobre Mateus 10)

A promessa dada a Pedro não é restrita a ele, mas aplicável a todos os discípulos como ele. Mas se supões que sobre este Pedro somente toda a Igreja é edificada por Deus, que dirias sobre João o filho do trovão ou de cada um dos Apóstolos? Atrever-nos-emos, de outro modo, a dizer que contra Pedro em particular não prevalecerão as portas do Hades, mas que prevalecerão contra os outros Apóstolos e os perfeitos? Acaso o dito anterior “as portas do Hades não prevalecerão contra ela”, não se sustém em relação a todos e no caso de cada um deles? E também o dito, “Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja?” São as chaves do reino dos céus dadas pelo Senhor só a Pedro, e nenhum outro dos bem-aventurados as receberá? Mas se esta promessa, “Eu te darei as chaves do reino dos céus” é comum aos outros, como não o serão também todas as coisas de que anteriormente se falou, e as coisas que estão subordinadas como tendo sido dirigidas a Pedro, ser comuns a eles? Pois neste lugar estas palavras parecem ter sido dirigidas somente a Pedro (...) Mas no Evangelho de João, o salvador tendo dado aos discípulos o Espírito Santo soprando sobre eles, disse, “Recebei o Espírito Santo” (...)

“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. E se alguém diz isto a Ele (...) obterá as coisas que foram faladas conforme a letra do Evangelho àquele Pedro, porém, como o espírito do Evangelho ensina, a todo o que se torna tal como era Pedro. Pois carregam o sobrenome de “pedra” todos os que são imitadores de Cristo, isto é, da pedra espiritual que seguiu os que estavam sendo salvos, para que possam beber dela na seca espiritual. Mas estes carregam o sobrenome da pedra tal como o faz Cristo. Mas também como membros de Cristo que derivam o seu sobrenome d`Ele eles são chamados cristãos, e da pedra, Pedros.

E também em relação aos Seus outros nomes, os aplicarás a modo de sobrenome aos santos; e a todos os tais se lhes pode dizer a declaração de Jesus: “Tu és Pedro”, etc., até às palavras [não] “prevalecerão contra ela”. Mas o que é “ela”? É a pedra sobre a qual Cristo edifica a Igreja, ou é a própria Igreja? Pois a frase é ambígua. Ou é como se a pedra e a Igreja fossem uma mesma coisa? Eu penso que isto é o correto; pois nem contra a pedra sobre a qual Cristo edifica a Igreja, nem contra a Igreja, prevalecerão as portas do Hades (...) (Comentários sobre Mateus 12:10-11)

Ele desmonta qualquer pretensão papel sobre Mateus 16:18. O fundamento da Igreja era Cristo e aquele que confessasse o mesmo que Pedro seria também chamado de pedra. A promessa de Jesus é aplicável não somente a Pedro, mas a todos os discípulos, bem com todos os crentes que possuem a fé do apóstolo. Robert Eno afirma:

Um reconhecimento claro do primado romano ou de uma conexão entre Pedro e o contemporâneo bispo de Roma parece remoto a partir dos pensamentos de Orígenes(The Rise of the papacy [Wilmington, Delaware: Michael Glazier, 1990] p. 43)

E Pedro, sobre quem a Igreja de Cristo foi edificada, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão.(...) (Homilia sobre o Êxodo 5:4)

Católicos citam a passagem acima em seus argumentos. Já vimos que a interpretação de Orígenes não atribui a Pedro autoridade sobre os demais. Pelo contrário, ele contrária a pretensão papista.

Eu não sei como Celso poderia ter esquecido ou não ter pensado em dizer algo sobre Paulo, fundador, depois de Jesus, das Igrejas que estão em Cristo. (Contra Celso 1:63)

Se o apologista católico fosse coerente ao citar Orígenes, teria que considerar Paulo um papa. Qualquer maior louvor a Pedro pelos pais é visto como uma evidência do papado, mas o mesmo raciocínio não é aplicado quando se refere aos outros apóstolos. O mestre de Alexandria diz que depois de Jesus, Paulo foi o fundador das Igrejas em Cristo, nem por isso, se pode concluir que atribuía ao apóstolo alguma primazia jurisdicional.

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