terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Confissão e Penitência - Uma Análise Bíblica e Histórica - Parte 1

Por William Webster

Esta será uma série de dois artigos:


O Concílio de Trento ensina que Cristo instituiu o sacerdócio para duas funções principais: perdoar os pecados e administrar o sacramento da eucaristia. Ele declara que pela confissão dos pecados ao padre, e mediante sua absolvição e execução da penitência prescrita, o indivíduo pode receber o perdão dos pecados. A Igreja Romana ensina que o pecado requer que uma satisfação seja feita a Deus. Essa é conseguida através da penitência, de boas obras, do sofrimento no purgatório e das indulgências que são autorizadas pelo papa. Juntamente com o seu ensinamento sobre a eucaristia, o ensino católico romano sobre a confissão e a penitência atinge o auge no debate da Reforma Protestante. As indulgências foram a primeira controvérsia a iniciar esse debate. Aquilo que começou com uma crítica à prática se transformou numa crítica à teologia, que foi fundamental para se questionar todo o sistema de obras e méritos que tinha se desenvolvido ao longo dos séculos. Essa controvérsia, assim como a eucaristia, gira em torno do significado e natureza da expiação de Jesus Cristo.

A Igreja Católica Romana ensina que a justificação, ao invés de ser uma declaração judicial de Deus com base na justiça imputada de Cristo e recebida pela fé, é, na verdade, um processo que depende da graça infusa que pode ser perdida pelo cometimento de um pecado grave. Se isso acontecer, o perdão deve ser solicitado e o estado de justificação recuperado. O perdão pelo pecado é conseguido pela mediação da Igreja através do sacramento da Confissão e Penitência. De acordo com a Igreja de Roma, obras de penitência são meritórias diante de Deus, que as aceita como um pagamento pela pena temporal devida aos pecados. Ela ensina que os homens podem fazer expiação pelos seus próprios pecados, realizando a satisfação por meio destas obras de penitência e, assim, merecer a misericórdia, o perdão e justificação de Deus. O Concílio de Trento afirma:

Cânon 9. Se alguém disser que a absolvição sacramental do sacerdote não é ato judicial, mas mera pronúncia e declaração de que estão perdoados os pecados ao que se confessa, contanto que este apenas creia que está absolvido, ainda que o sacerdote não absolva seriamente, mas por brincadeira; ou disser que não se requer a confissão do penitente para que o sacerdote o possa absolver — seja excomungado.
Cânon 12. Se alguém disser que Deus sempre perdoa toda a pena junto com a culpa, e que a satisfação dos penitentes não é outra coisa senão a fé com a qual creem ter Cristo satisfeito por eles — seja excomungado.
Cânon 13. Se alguém disser que, quanto à pena temporal dos pecados, de nenhum modo se dá satisfação a Deus pelos merecimentos de Cristo, por meio das penas infligidas por Deus e aceitas pacientemente, nem pelas impostas pelo sacerdote, nem ainda pelas que se adotam por própria vontade, como sejam orações, jejuns, esmolas ou outras obras de piedade, e que portanto a melhor e a única penitência é a nova vida [que se há de levar] — seja excomungado.
Cânon 14. Se alguém disser que as satisfações com que os penitentes por Jesus Cristo dirimem os pecados, não são culto de Deus, mas tradições dos homens, que obscurecem a doutrina da graça e o verdadeiro culto de Deus e o próprio benefício da morte de Cristo - seja excomungado.

Observe que Trento afirma que a satisfação é feita a Deus por meio das obras de penitência e que através delas, os homens redimem seus pecados. O padre jesuíta John Hardon escreve:
Penitência significa arrependimento ou satisfação pelo pecado. Se esperamos pelo perdão de Deus, devemos nos arrepender. A penitência é necessária porque temos de expiar e fazer a reparação através da punição devida aos nossos pecados ... Cristo instituiu este sacramento para nos dar um meio apto e seguro de obter a remissão dos pecados cometidos após o batismo ... A pessoa deve estar num estado de graça para merecer a misericórdia divina por seus pecados veniais ... Satisfação deve ser feita pelos pecados já perdoados porque normalmente algumas - e até mesmo consideráveis - punições temporais são devidas, ainda que a culpa tenha sido removida ... Nós realizamos a satisfação pelos nossos pecados por meio de toda boa ação que fazemos num estado de graça, mas especialmente pela oração, penitência e prática da caridade ...  A aceitação paciente do julgamento ou humilhação enviado por Deus é expiatória. Nossas obras de satisfação são meritórias se forem feitas num estado de graça ... satisfação sacramental é a obra penitencial imposta por um confessor no confessionário, a fim de compensar a ofensa a Deus e expiar a pena temporal devida ao pecado já perdoado. O penitente é obrigado a executar a penitência imposta pelo sacerdote, e a falha deliberada em realizar a penitência imposta por causa de pecado mortal é grave ... Pecados também podem ser expiados por meio das indulgências.  (The Question and Answer Catholic Catechism (Garden: Image, 1981, #1320, 1322, 1386, 1392, 1394)
Ludwig Ott afirma:

Por satisfação sacramental é entendida obras de penitência que são impostas ao penitente em expiação pela pena temporal dos pecados. (Fundamentals of Catholic Dogma (Rockford: Tan, 1974), p. 434).
Com o uso das palavras propiciação, expiação, reparação, satisfação, pecado redimido e mérito, o ensino católico romano sobre penitência toca na questão da expiação de Jesus Cristo. E o que a Igreja está obviamente dizendo é que os homens devem completar a obra de expiação realizada pelo Senhor Jesus na Cruz por meio de suas próprias obras de expiação, para satisfazer a justiça de Deus, merecer a justificação e a recompensa dos céus. Esse ensino mina completamente a suficiência da expiação de Jesus Cristo, adicionando obras humanas como complemento. Trata-se de um grave desvio do evangelho e do ensino das Escrituras sobre o perdão dos pecados. A Igreja ensina a salvação por obras que é estritamente proibida nas Escrituras.

Há uma série de fatos relacionados à penitência e confissão que a Igreja de Roma diz que pode ser verificado pela prática constante da Igreja e o ensinamento unânime dos Pais da Igreja. Estes fatos são: a confissão privada ao padre conhecida como confissão auricular, a natureza repetitiva da confissão, a penitência por todos os pecados conhecidos, a prática da penitência privada como uma satisfação pelo pecado e, finalmente, a necessidade da absolvição por um sacerdote.

Esses ensinamentos podem ser rastreados até muitos séculos atrás. No entanto, também pode ser demonstrado que são claramente inovações de uma época tardia que corromperam o evangelho do Senhor Jesus Cristo. São contraditórios à Palavra de Deus. Além disso, pode ser demonstrado conclusivamente que grande parte do ensino relacionado à confissão e penitência, incluindo purgatório e indulgências são uma matéria de longo desenvolvimento histórico e eram fonte de opiniões conflitantes ainda no século 13. Os fatos históricos revelam as seguintes linhas gerais a respeito do desenvolvimento da doutrina do perdão dos pecados dentro da Igreja Católica Romana, que, a seguir, vamos examinar em detalhes:

1) A Igreja primitiva nada sabia sobre as doutrinas da confissão auricular, penitência, purgatório ou indulgências.

2) A Confissão na Igreja primitiva era uma questão pública que se relacionava a pecados graves e poderia ser feita apenas uma vez na vida. Não havia absolvição judicial por um padre.

3) No final do segundo e início do terceiro século, penitências foram introduzidas como um meio de obter o perdão dos pecados e a distinção entre pecados mortais e veniais tornou-se proeminente.

4) O Purgatório entrou no Cristianismo através do paganismo e influências filosóficas por meio de Orígenes, e Gregório Magno deu-lhe autoridade dogmática.

5) A confissão privada a um padre não entra em destaque até os séculos VII ou VIII e era completamente deslocada da confissão pública.

6) O primeiro uso registrado de indulgências é datado do século nono.

7) Haviam opiniões divergentes entre os teólogos até o século 13 sobre a natureza exata da confissão e da penitência e se a confissão a um padre era ou não necessária para receber o perdão dos pecados.

O desenvolvimento histórico da Confissão e Penitência

Na Igreja primitiva arrependimento e fé eram as duas condições básicas para o batismo. Inicialmente, o arrependimento levou a ideia de um abandono do pecado e do mundo, e doar-se inteiramente a Cristo para segui-lo. A ideia de arrependimento como 'penitência', ou seja, como um conjunto de obras humanas pelas quais se satisfaz a justiça de Deus em virtude de pecado pessoal era desconhecido.

Os escritos dos Pais Apostólicos, por exemplo, estão cheios de exortações a uma vida santa e apelam aos leitores que provem a validade de sua fé pelas boas obras. Esses escritos ensinam claramente que a verdadeira fé salvadora é evidenciada por boas obras e uma vida santa. Mas eles não ensinam que as boas obras são de qualquer forma meritórias para a salvação. Pelo contrário, eles apontam para o próprio Cristo como a fonte de salvação e enfatizam arrependimento, fé e batismo como meio apropriado de salvação, e enfatizam a vida santa como o resultado natural e prova da verdadeira conversão. Clemente de Roma, por exemplo, afirma claramente que o perdão e a salvação são dons de Deus dados completamente independente de obras humanas. Clemente faz estes comentários sobre a justificação pela fé:

Portanto, todos foram glorificados e engrandecidos, não por eles mesmos, nem por suas obras, nem pela justiça dos atos que praticaram, e sim por vontade dele. Por conseguinte, nós, que por sua vontade fomos chamados em Jesus Cristo, não somos justificados por nós mesmos, nem pela nossa sabedoria, piedade ou inteligência, nem pelas obras que realizamos com pureza de coração, e sim pela fé; é por ela que Deus Todo-poderoso justificou todos os homens desde as origens. A ele seja dada a glória pelos séculos dos séculos Amém.  (J.B. Lightfoot, The Apostolic Fathers, The Epistle of S. Clement to the Corinthians, 49, 32 (Grand Rapids: Baker, 1989), pp. 34, 26)

Clemente renuncia qualquer ideia de que os homens sejam capazes de se justificar diante de Deus e merecerem sua graça, com base em suas próprias obras. Justificação, de acordo com Clemente, vem pela fé na pessoa de Cristo. Ele apresenta Cristo como o único que fez uma expiação substitutiva e seu sangue é a única base sobre a qual os homens são justificados e recebem o perdão, que é recebido mediante arrependimento e fé. Uma grande parte de sua carta é muito semelhante à epístola de Tiago, em que ele apela aos seus leitores a andarem em santidade diante de Deus e em amor pelos seus companheiros cristãos.

O ensino de Clemente é um resumo justo dos escritos dos Pais Apostólicos como um todo. Não há nenhuma menção nos escritos de Inácio, Didaque, Clemente ou Policarpo, ou nos escritos de Justino Mártir ou Irineu sobre confissão dos pecados a um padre ou outra pessoa que não o próprio Deus ou sobre penitência, purgatório ou indulgências. Todo o sistema do perdão sacramental inventado pela Igreja Romana não encontra nenhuma afirmação nestes primeiros escritos.

A Natureza da Confissão e Perdão

Com o ensinamento da Igreja que apenas os pecados cometidos até o momento do batismo eram perdoados, permanecia o problema de como os pecados seriam perdoados após o batismo. Ela ensinava que a confissão do pecado e o arrependimento eram necessários para receber o perdão. Mas ao longo do tempo, o que vemos é que a ideia bíblica de arrependimento foi lentamente abandonada pelo conceito de penitência. Isso começou com o ensinamento de que o verdadeiro arrependimento deveria se manifestar em obras externas, e essas obras foram identificadas como obras de satisfação como: jejum, pranto e oração. Primeiramente, o significado fundamental de arrependimento como um coração que abandona o pecado foi preservado no ensinamento dos grandes Pais. Porém, ao longo do tempo, o verdadeiro significado do arrependimento foi entendido como obras externas de penitência. Penitência e arrependimento, para todos os fins práticos, tornaram-se termos intercambiáveis.

O primeiro Pai da Igreja a dar uma descrição detalhada do processo de confissão e penitência - tal como se desenvolveu na era pós-apostólica - foi Tertuliano. O termo técnico pelo qual esse processo se identificava era exomologesis, um termo geral que abrangia tanto a confissão dos pecados a Deus quanto as obras de penitência. O aspecto realmente importante dessa prática não era a confissão, mas sim os atos de penitência. Eventualmente a palavra confissão ou exomologesis tornaram-se quase exclusivamente identificados com penitência. É claro a partir dos escritos de Tertuliano que a confissão era uma prática bem estabelecida na Igreja do seu tempo.

Entre o final do segundo e início do terceiro século, a disciplina penitencial estava completamente desenvolvida, sendo conhecida como confissão ou exomologesis. Assim, é claro que a confissão do pecado foi praticada na Igreja primitiva. Mas a pergunta é: qual era sua natureza exata? Será que estava em conformidade com o que a Igreja Católica Romana ensina sobre o sacramento da confissão e penitência? Ao examinar os documentos históricos dos escritos dos Padres, torna-se muito claro que a prática da Igreja primitiva era radicalmente diferente da prática e do ensino da Igreja Romana, como expressado com autoridade pelo Concílio de Trento.

Na Igreja primitiva, confissão ou exomologesis tinha um significado muito específico que era diferente da prática da Igreja de Roma. Essas diferenças são destacadas pelos seguintes pontos: confissão era feita apenas para um certo tipo de pecado e era geralmente pública. As obras de penitência também eram estritamente um caso público, que só poderia ser feito uma vez na vida, e não havia absolvição sacerdotal como é praticado phoje.

Karl Keating faz estes comentários sobre a prática da confissão e penitência na Igreja primitiva:

Escritores cristãos, como Orígenes, Cipriano e Afraates são bastante claros em dizer que a confissão deve ser feita a um sacerdote. De fato, em seus escritos, todo o processo de penitência é denominado exomologesis, que simplesmente significa confissão. A confissão era vista como a parte principal do sacramento. (Catholicism and Fundamentalism (San Francisco: Ignatius, 1988), pp. 184-185)

Essa é uma declaração muito enganosa. Keating nos quer fazer crer que esses pais estão endossando o atual sistema católico romano. Mas não é o caso. O que Keating não nos diz são os fatos mencionados acima: exomologesis era feita uma vez na vida, não poderia ser repetida, era feita apenas para o pecado muito grave, era pública e não de natureza privada. O padre não concedia a absolvição e a parte principal da prática não era a confissão, mas a penitência pública. A prática católica romana de hoje é muito diferente da prática da Igreja Primitiva.

Vamos examinar cada um desses pontos historicamente:

A Igreja primitiva tratava severamente o pecado entre os seus membros, mas isso tinha a ver com os pecados que considerava muito grave como adultério, fornicação, assassinato, heresia e negar Cristo em perseguição. Tais pecados seriam tratados com a excomunhão. Assim, pecados foram classificados de acordo com sua gravidade.  Foi Tertuliano, na segunda metade do século II, o primeiro a introduzir a distinção dos pecados em mortais e veniais. A Igreja adotou seu ensino e esse tornou-se padrão.

Para aqueles indivíduos que haviam cometido pecado mortal, tornava-se necessário, a fim de ser perdoado e restaurado à Igreja, que eles geralmente publicamente confessassem seus pecados e se submetessem a uma extensa disciplina penitencial de humilhação pessoal que só poderia ser feita uma vez na vida. Essa disciplina significava que seriam excluídos da comunhão e passariam por pranto e jejum. Outras disciplinas requeriam exercícios ascéticos e religiosos prolongados por longos períodos de tempo.

Seria mais provável que fosse algum tipo de consulta privada ao bispo ou presbítero em que o indivíduo admitia seu pecado e a natureza da penitência pública seria atribuída. Mas a ideia principal por trás da confissão do pecado é que era um reconhecimento pessoal do pecado em oração ao próprio Deus. Esse é o ensinamento de Cipriano e ele afirma especificamente que os sacerdotes não concediam remissão de pecados, mas eram responsáveis por consultarem os que cometiam pecado grave e atribuir-lhes a penitência adequada:

Para os irmãos que tenham caído, e depois da salvação do batismo foram feridos pelo diabo, o remédio da penitência pode ser solicitado: não como se eles obtivessem remissão dos pecados por nós, mas que através de nós, eles podem ser levados ao conhecimento de suas ofensas, e serem obrigados a dar satisfação plena ao Senhor. (A Library of the Fathers of the Holy Catholic Church (Oxford: Parker, 1844), The Epistles of S. Cyprian 75.4)

Na época do Concílio de Nicéia, essa disciplina penitencial tinha sido sistematizada em categorias de penitentes (Canon 11), em que o grau de exclusão dos serviços do culto e a natureza exata da penitência era regulamentada pela categoria a qual o penitente era designado:

A respeito daqueles que caíram sem coerção, sem a pilhagem de suas propriedades, sem perigo parecido, como aconteceu na tirania de Licinius, o Sínodo declara que, apesar de não merecerem clemência, devem ser tratados com misericórdia. Quantos foram comungantes, se se arrependeram de coração, deverão passar três anos entre os ouvintes, devem ser "genuflectores" por sete anos, e por dois anos eles devem comunicar com o povo em orações, mas sem oblações. (Philip Schaff and Henry Wace, Nicene and Post–Nicene Fathers (Peabody: Hendrickson, 1995), Second Series, Volume 14, The Seven Ecumenical Councils, I Nice, Canon 11, p. 24)

Escrevendo na metade do quarto século Basílio, o Grande, bispo de Cesaréia, descreve em grande detalhe as diferentes classes de penitentes, o tipo e a duração da penitência a que devem ser submetidos àqueles que cometem qualquer forma de pecado sexual, assassinato ou apostasia. O que se segue é apenas um exemplo dos muitos que são dados em seus escritos:

LVI. O homicida intencional, depois de arrependido, será privado do sacramento [eucaristia] por vinte anos. Os 20 anos serão cumpridos por ele como se segue: por quatro deverá prantear, do lado de fora da porta da casa de oração, suplicando aos fiéis que entram para oferecerem oração em seu nome, e confessando seu pecado. Depois de quatro anos, será admitido entre os ouvintes, e depois de cinco anos poderá sair deles. Depois de sete anos ficará de joelhos orando. Durante quatro anos ele poderá ficar sentado com os fiéis, e não vai tomar parte na oblação [eucaristia]. Após a conclusão desse período, será admitido ao sacramento [eucaristia].

LVII. Os homicidas involuntários serão excluídos por dez anos do sacramento [eucaristia]. Os 10 anos serão organizadas da seguinte forma: Por dois anos irá prantear; por três anos vai continuar entre os ouvintes; por quatro anos será um dos que ficam de joelho; e por um ano ficará somente entre os sentados. Então, ele será admitido aos ritos sagrados.

LVIII. Os adúlteros serão excluídos do sacramento por quinze anos. Durante quatro anos serão pranteadores, e durante cinco ouvintes, durante quatro de joelhos, e por dois sentados sem participarem da comunhão. (Ibid., vol 8, Basil: Letters and Select Works, Letter 217, Canons 56, 57, 58, p. 256)

Basílio afirma que a confissão do pecado é pública e as diferentes fases da exomologesis são descritas como os que choram, os que ouvem, os que ficam de joelhos e os que ficam em pé. Essas fases são de natureza pública. Todos os cânones de Basílio referentes à confissão e penitência relacionam-se à gravidade dos pecados. Agostinho, escrevendo no século V, revela que a prática da Igreja era a mesma em seu tempo. A prática pública que a Igreja chamava confissão ou exomologesis era feita somente pelos pecados categorizados como mortais, esses sendo pecados sexuais (adultério, fornicação, perversão), assassinato e apostasia. E isso só poderia ser feito uma vez. Se o indivíduo, depois da penitência, cometesse os mesmos pecados graves novamente, não haveria perdão disponível por meio da Igreja, embora Agostinho ensinasse que, se ele realmente se arrependesse diante de Deus e provasse seu arrependimento pela penitência privada e boas obras, ainda poderia apelar à misericórdia de Deus. Os pecados mais leves que os cristãos cometiam não estavam sujeitos à confissão, mas eram tratados de forma pessoal, por meio da oração pessoal, das boas obras e da penitência privada. Esses pecados não eram confessados privadamente ao sacerdote e absolvidos por ele, mas eram confessados diretamente a Deus. A seguir estão os comentários de Agostinho sobre a natureza do perdão dos pecados:

Quando foste batizado, mantenha uma vida correta nos mandamentos de Deus para que você possa preservar o seu batismo até o fim. Eu não digo que você irá viver aqui sem pecado, mas eles são pecados veniais, que nesta vida nunca se está sem. O batismo foi instituído para todos os pecados. Para pecados leves, sem os quais não podemos viver, a oração foi instituída. Que direito tem a oração? "Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores." Uma única vez todos fomos lavados no batismo, mas todos os dias temos de nos limpar por meio da oração. Somente não cometa essas coisas para as quais é necessário ser separado do corpo de Cristo: que estejam longe de você! Àqueles a quem tendes visto fazendo penitência, foi porque cometeram atos abomináveis, como adultério ou alguns crimes graves: por isso, eles fazem penitência. Porque, se os seus pecados fossem leves, apagar essas manchas pela oração diária seria suficiente. Os pecados são perdoados de três formas na Igreja: pelo batismo, pela oração e pela maior submissão da penitência. (Ibid,, Volume III, St. Augustin, On The Creed 15, 16)

Mas aqueles que pensam que todos os outros pecados são facilmente expiados por esmolas, já não tem dúvida de que estes três são mortais, e tal como, se exige que sejam punidos por excomunhões, até que eles tenham sido curados pela grande submissão da penitência. São estes pecados: a falta de castidade, a idolatria e o assassinato. (Library of Fathers of the Holy Catholic Church (London: Oxford, 1847), St. Augustine, Of Faith and Works 34)

O vício, entretanto, por vezes, faz tais usurpações entre os homens que, mesmo depois de terem feito penitência e serem readmitidos ao sacramento do altar, eles cometem os mesmos ou mais graves pecados, mas Deus faz nascer seu sol mesmo sobre tais homens e dá seus dons de vida e saúde como ricamente Ele fazia antes de suas falhas. E, embora a mesma oportunidade de penitência não lhes é novamente concedida na Igreja, Deus não se esquece de exercer sua paciência para com eles. (The Fathers of the Church (Washington D.C.: Catholic University, 1953), Saint Augustine, Letters, Volume III, Letter 153, p. 284-285)

Que havia apenas um arrependimento disponível através da Igreja por pecados graves também se afirma pelos escritos de O Pastor de Hermas, Orígenes, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Ambrósio, Paciano e por numerosos cânones dos diferentes concílios da Igreja. Esses escritos abrangem o período da era pós-apostólica até o sexto século, demonstrando que a prática da Igreja durante muitos séculos foi diferente do que é decretado pelo Concílio de Trento (A documentação a partir dos escritos desses pais é listada em um apêndice no final deste artigo).

Em seu livro que traça o desenvolvimento da penitência na Igreja primitiva e documenta a disciplina penitencial que se desenvolveu nos séculos posteriores, John McNeill e Helena Gamer fazem estes comentários sobre a natureza da confissão e penitência nos primeiros séculos:

O Cristianismo primeiramente aplicava padrões austeros de comportamento, e no curso de seu avanço no mundo greco-romano desenvolveu uma disciplina para a correção dos cristãos que violavam o código. Na primeira fase, essa disciplina assumiu a forma de confissão pública, feita antes da congregação reunida. Em crimes mais graves e em caso de impenitência ou escândalo público, esta disciplina era acompanhada por um período de exclusão da comunhão ... A palavra exomologesis é usada para incluir tanto a confissão como a penitência, que são partes de um mesmo processo público de humilhação. Não há nenhuma sugestão de que qualquer outro tipo de penitência existia ... Não é de se supor, no entanto, que a penitência frequente para os pecados graves, a prática habitual de séculos mais tarde, já era permitida ... defensores da penitência pública na Idade Média, frequentemente citavam a literatura patrística como prova de que o ato de penitência não podia ser repetido. (Medieval Hand-Books of Penance (New York: Octagon, 1965), pp. 4, 8, 14)

O historiador católico romano, Charles Hefele, comentando sobre a prática dos Novacianos de excluir permanentemente da Igreja todos os que caíram no tempo de perseguição, afirma as conclusões acima da prática da confissão e penitência na Igreja primitiva:

Os cátaros que estão aqui em discussão não são outros se não novacianos ... que num espírito de severidade pretendiam excluir para sempre da Igreja aqueles que tinham mostrado fraqueza durante a perseguição ... O seu princípio fundamental da exclusão perpétua foi de uma maneira a forma concreta do princípio geral, trazido de duas gerações antes, que todo aquele que após o batismo, caísse em pecado mortal, nunca deveria ser recebidos de volta à Igreja. A Igreja Católica foi naqueles tempos muito inclinada à severidade: ela concedia permissão para executar penitência apenas uma vez; quem caia pela segunda vez era para sempre excluído. (A History of the Councils of the Church (Edinburgh: Clark, 1895) Volume I, pp. 410-411)

J.N.D. Kelly ao comentar o desenvolvimento histórico da confissão e penitência resume tudo o que foi dito e confirma o fato de que durante os primeiros séculos, não existia o sacramento da confissão privada e absolvição sacerdotal:

Com o alvorecer do terceiro século, as linhas gerais de uma disciplina penitencial reconhecida estavam começando a tomar forma. Apesar dos argumentos engenhosos de certos estudiosos, ainda não há sinais de um sacramento da penitência privada (ou seja, a confissão a um padre, seguido pela absolvição e a imposição de uma penitência), tais como a cristandade católica conhece hoje. O sistema que parece ter existido na Igreja, neste momento, e durante séculos posteriores, era inteiramente público, envolvendo confissão, um período de penitência e exclusão da comunhão, a absolvição formal e a restauração - todo esse processo era chamado de exomologesis ... De fato, para os pecados menores, que mesmo os bons cristãos cometem diariamente e dificilmente podem evitar, nenhuma censura eclesiástica parece ter sido considerada necessária; esperava-se que os indivíduos lidassem com eles pela oração, atos de bondade e perdão mútuo. Penitência pública era para pecados graves; era, tanto quanto sabemos universal, sendo um caso extremamente solene, capaz de ser submetido somente uma vez na vida. (Early Christian Doctrines (San Francisco: Harper & Row, 1978), pp. 216-217).

O que a Igreja primitiva chamava de confissão ou penitência pública para o pecado grave não era poderia ser feito várias vezes. E por causa de seu caráter exigente e humilhante, muitas pessoas adiavam a disciplina até o final de suas vidas. No entanto, ao longo do tempo houve uma mudança gradual nesta prática, de modo que, eventualmente, não importaria quantas vezes uma pessoa poderia pecar, ela poderia buscar a reconciliação através do presbítero. Assim como Agostinho queixou-se, que em seus dias, havia  tendência à frouxidão de alguns em sua atitude no sentido de acentuar a necessidade do verdadeiro arrependimento aos catecúmenos, assim encontramos uma tendência gradual para uma visão mais branda relativa ao pecado e o seu perdão em relação à prática de confissão e penitência na Igreja.

Para todos os efeitos, a Igreja abandonou na prática o ensino do arrependimento bíblico. Os homens podiam agora receber o perdão para os mesmos pecados sempre que necessário, não importa quantas vezes pecassem. Houve reações a esta atitude e prática mais relaxada como, por exemplo, o terceiro concílio de Toledo (589 dC), que condenou totalmente (Canon 11) a prática da confissão e penitência frequentes. Esse cânon afirma:

Em algumas igrejas da Espanha, desordem no ministério da penitência ganhou terreno, de modo que as pessoas pecam como elas gostam, e repetidamente pedem reconciliação ao sacerdote. Isso já não deve acontecer; mas de acordo com os cânones antigos, todos que se arrependem de sua ofensa devem ser primeiramente excluídos da comunhão, e devem frequentemente se apresentar como penitente para a imposição das mãos, quando seu tempo de penitência tiver acabado. Caso pareça correto ao bispo, ele pode ser novamente recebido à comunhão. Se, no entanto, durante o seu tempo de penitência ou depois, ele cair de volta no seu antigo pecado, será punido de acordo com o rigor dos antigos cânones. (Hefele, Op. Cit., pp. 419-420)

Hefele reitera a sua declaração, mencionada acima, para explicar o que o concílio de Toledo quis dizer quando se referia a uma pessoa que está sendo punido de acordo com o rigor dos antigos cânones que caíram novamente em pecado grave:

A Igreja antiga designou apenas uma única penitência pública, e, se alguém depois da penitência novamente caísse em pecado grave, permaneceria para sempre excomungado. (Ibid., pp. 420).

Esse cânone dá clara documentação do fato de que a prática da Igreja estava mudando a partir do que tinha sido o ensinamento dos Pais e prática da Igreja durante muitos séculos.

Com a introdução do conceito de penitência como um elemento vital do verdadeiro arrependimento, vemos que gradualmente o conceito bíblico do arrependimento é pervertido, se degenerando num sistema legalista de obras pelo qual o indivíduo faz reparação a Deus por seus próprios pecados. Essas inicialmente foram ensinadas como sendo evidências ou frutos do verdadeiro arrependimento, mas eventualmente se tornaram eficazes em si mesmas.

E, juntamente com o ensino de que os atos de penitência podem obter o perdão dos pecados pós-batismais, surge o ensinamento que as boas obras acumulam mérito diante de Deus. Esse conceito foi introduzido pela primeira vez por Tertuliano. Ele ensinou que o pecado depois do batismo incorre em culpa diante de Deus que exige satisfação. Ainda ensinou que as obras humanas, como o jejum, a esmola etc., rendem satisfação a Deus e merecem perdão pelos pecados. Além disso, ensinou que as boas obras acumulam mérito diante de Deus. Estes pensamentos foram mais embelezados por seu discípulo Cipriano e desses dois pais temos a base para todo o sistema de penitência e obras que mais tarde evoluiu para o que é característico da Igreja Católica Romana.

O resultado desse ensino foi que o conceito de penitência logo deslocou o significado bíblico do arrependimento e os dois se tornaram sinônimos. Que essa é a doutrina que ainda é ensinada hoje é visto por estas declarações do "A pergunta e a resposta do catecismo católico". Por favor, note a referência à penitência e arrependimento como termos sinônimos e do ensino sobre obras e mérito:

Penitência significa arrependimento ou satisfação pelo pecado ... Penitência também é necessário porque temos de expiar e fazer reparação pelos castigos que são devidos aos nossos pecados. A satisfação é remediadora por merecer a graça de Deus ... Nós fazemos satisfação dos nossos pecados em toda boa ação que realizamos em estado de graça, mas sobretudo com a oração, a penitência e a prática da caridade ...  Nossas obras de satisfação são meritórias se forem feitas enquanto num estado de graça e em espírito de penitência ... Nós podemos fazer a satisfação pelo pecado através dos sofrimentos e aflições da vida, incluindo o sofrimento da morte, ou através das penas de purificação na vida no além. O pecado também pode ser expiado através das indulgências. (John Hardon, The Question and Answer Catholic Catechism (Garden: Image, 1981, #1320, 1322, 1386, 1392, 1394)

O ensinamento bíblico do arrependimento é a antítese completa do dogma católico romano da penitência. Arrependimento significa um coração que abandona o pecado e volta-se para Cristo para ser perdoado, em virtude da confiança em sua obra já terminada. Cristo fez uma plena expiação do pecado. Ele tomou sobre si a ira completa de Deus contra o pecado. Os homens são chamados a confessar seus pecados diretamente a Deus e reconhecer e apropriar-se do perdão já garantido pela morte de Cristo na cruz. Penitência, por outro lado, é o esforço do homem para satisfazer a Deus pelos seus pecados através das suas próprias obras.

Assim, vemos como surgem, no terceiro século, ensinamentos que minam a obra consumada de Cristo pela adição de obras humanas que devem completar a sua obra. Essa é uma perversão clara da doutrina da graça, pois introduz obras humanas como suplemento à obra de Cristo. Ao longo do tempo, o cristianismo tornou-se mais e mais exteriorizado. O arrependimento foi caracterizado por atos externos que supostamente faziam expiação do pecado. E juntamente com isso, houve o aumento do ascetismo em que homens procuravam alcançar mérito diante de Deus, vivendo uma vida que consistia no afastamento monástico do mundo, na pobreza voluntária, no celibato e na severidade ao corpo. Essas obras supostamente traziam o indivíduo a um estado mais elevado de espiritualidade e permitiam ganhar ou merecer a graça de Deus e, assim, o céu através de suas boas obras.

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