segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Os Pais da Igreja e o Purgatório - Parte 1

A doutrina católica ensina a existência de uma purificação pós-morte àqueles que morrem na graça de Deus, conforme diz o catecismo:

§1030 Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu.

O purgatório é destinado aos que morrem na graça de Deus, mas não se arrependeram de pecados veniais ou não cumpriram as penas temporais devidas pelos pecados veniais ou mortais. Percebe-se que apesar de ser destinado aos salvos, o purgatório é um lugar de punição, onde os salvos cumprirão as penas temporais que não foram satisfeitas nesta vida.

Este artigo objetiva fazer uma minuciosa análise patrística desta doutrina e demonstrar que a evidência histórica contra o purgatório é esmagadora. A Igreja Romana alega que essa doutrina foi ensinada nas Escrituras e que sempre fez parte da tradição da Igreja, portanto, é de se esperar que haja provas cabais de que os Pais da Igreja desde as épocas mais primitivas criam nela. Veremos que definitivamente este não é o caso. Iremos refutar supostas evidências do purgatório apontadas pelos romanistas – que podem ser vistas no site Veritatis e apresentar evidências contrárias ao purgatório. Já existe um excelente artigo em português refutando a argumentação católica aqui. Iremos fazer argumentos adicionais aos contidos nesse artigo.

A Oração pelos Mortos

Um argumento muito comum é deduzir a crença no purgatório a partir de citações que mostram orações pelos mortos. O raciocínio é que se alguém orava pelo morto, necessariamente cria no purgatório. Trata-se de uma falácia, pois na Igreja primitiva, havia uma diversidade de crenças sobre o pós-morte. Os pais da Igreja criam em diversos tipos de estado intermediário que não eram o purgatório e acreditavam que as almas poderiam ser beneficiadas pelas orações, aumentando a alegria e paz que desfrutavam. Tradições cristãs como o catolicismo ortodoxo ensinam a oração pelos mortos sem acreditarem no purgatório. Encontramos também a crença de que os que morreram sem Cristo ainda poderiam ser salvos depois da morte, e neste contexto, a oração faria todo sentido. Portanto, não é suficiente demonstrar que determinado autor cristão ensinou a oração pelos mortos, é necessário demonstrar que ele cria num tipo de estado intermediário com todas as características que a Igreja romana atribui ao Purgatório.

Inscrições em catacumbas também são utilizadas para pressupor purgatório. Esse é um tipo problemático de “prova”, pois não sabemos que eram essas pessoas, se eram ortodoxos ou hereges, não sabemos quão disseminadas suas opiniões eram, sem contar que há diversos problemas quanto à correta datação das inscrições. A piedade popular comportava uma série de crenças que hoje são consideradas heréticas como a já mencionada salvação pós-morte.
Observa-se também que as inscrições nas catacumbas e as orações antigas pelos mortos não pressupõe que eles estejam num lugar de sofrimento ou penúria. O que é transmitido é um clima de descanso, aquele que é alvo das orações está num estágio de refrigério e gozo. Jacques Le Goff diz:

O abundante material epigráfico e litúrgico sobre as preces pelos defuntos de que se dispõe dos primeiros séculos do cristianismo tem sido explorado com frequência para demonstrar a antiguidade da crença cristã no purgatório. Porém, estas interpretações me parecem abusivas. As graças que se suplicam a Deus que sejam outorgadas aos mortos evocam essencialmente uma imagem paradisíaca, em todo o caso, um estado definido pela paz (pax) e luz (lux). Temos que aguardar até o final do século V e começo do século VI para encontrar uma inscrição que fale da redenção da alma de um defunto. Trata-se de uma mulher Gallo - Romana de Briord cujo epitáfio ostenta a fórmula “pro redemptione animae suae. Por outro lado, não se menciona nada nestas inscrições e orações um lugar de redenção ou de espera distinto do tradicional, a partir do Evangelho, o Seio de Abraão (...) Numerosas inscrições funerárias ostentam as palavras refrigerium ou refrigerare, literalmente refresco, refrescar, somente associadas com paz (pax): in pace et refrigerium, esto in refrigério (que está no regrifério); in refrigério anima tua (que tua alma esteja no refrigério), Deus refrigeret spiritum tuum (que Deus refresque teu espírito). (Jacques Le Goff, El nacimiento del purgatório, Ed. Taurus 1989, p. 62)

O proeminente historiador Philip Schaff escreve:

Estas visões do estado intermediário em conexão com orações para o falecido mostra uma forte tendência para a doutrina católica romana do Purgatório, que depois veio a prevalecer no Ocidente através da grande peso de St. Agostinho e o Papa Gregório I. Mas existe, afinal de contas, uma diferença considerável. A ideia ante-nicena do estado intermediário dos piedosos exclui, ou em todos os casos, ignora a ideia do sofrimento penal, que é uma parte essencial da concepção católica do purgatório. A condição dos piedosos é representada como uma felicidade comparativa, inferior apenas à felicidade perfeita depois da ressurreição. Onde quer que o Paraíso esteja, ele pertence ao mundo celestial; enquanto o purgatório é suposto ser uma região intermediária entre o céu e o inferno, e na fronteira com o último. As inscrições sepulcrais nas catacumbas têm um tom predominantemente alegre, e representam as almas que partiram como estando "em paz" e "viver em Cristo", ou "em Deus”. A mesma opinião é substancialmente preservada na Igreja Oriental, que sustenta que as almas dos fiéis defuntos podem ser ajudadas pelas orações dos vivos, mas estão, no entanto, "em luz e descanso, numa antecipação da felicidade eterna”. (Fonte)

Clemente de Roma (35 – 100)

Ele escreveu sobre vários cristãos como os apóstolos Paulo e Pedro, presbíteros e uma multidão de eleitos estando no céu, sem referência ao purgatório. Pode-se argumentar que algumas pessoas irão direto ao céu, mas como Clemente poderia afirmar com convicção quem teria que passar ou não pelo purgatório? O mais provável é que desconhecia essa doutrina:
Pedro, pela inveja injusta, suportou, não uma ou duas, mas muitas fadigas e, depois de ter prestado testemunho, foi para o lugar glorioso que lhe era devido (...) Por causa da inveja e da discórdia, Paulo mostrou o preço reservado à perseverança (...) deixou o mundo e se foi para o lugar santo, tornando-se o maior modelo de perseverança. A esses homens, que viveram santamente, ajuntou-se imensa multidão de eleitos que, devido à inveja, sofreram muitos ultrajes e torturas, e se tornaram entre nós belíssimo exemplo. (I Carta aos Coríntios 5-6)

Felizes os presbíteros que percorreram seu caminho e cuja vida terminou de modo fecundo e perfeito. Eles não precisam temer que alguém os afaste do lugar que lhes foi designado (...) Muitas gerações passaram, desde Adão até hoje; mas, aqueles que, pela graça de Deus, se tornaram perfeitos no amor permanecem no lugar dos piedosos. Esses hão de tornar-se manifestos, quando aparecer o Reino de Cristo. (I Carta aos Coríntios 44:5, 50:3)

Inácio de Antioquia (35 – 100)

É uma fonte importante devido sua antiguidade, sendo de especial importância ao assunto em questão, pois a esperança escatológica e o pós-morte são assuntos presentes em todas as suas sete cartas, portanto, seria esperado encontrar referências diretas ou indiretas ao purgatório. Quem tiver essa expectativa será frustrado, o bispo desconhecia tal doutrina.

Sede, portanto, surdos quando alguém vos fala sem Jesus Cristo, da linhagem de Davi, nascido de Maria, que verdadeiramente nasceu, que comeu e bebeu, que foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos, que foi verdadeiramente crucificado e morreu à vista do céu, da terra e dos infernos. (Aos Tralianos 9:1)

Aqui, Inácio parece descrever todas as dimensões existentes (céu, terra e inferno), seria um contexto onde se esperaria menção a outro lugar que não é nem o céu nem o inferno.

A epístola aos romanos é de especial interesse, pois Inácio adverte seus irmãos a não tentarem impedir seu martírio, ele via nisso a oportunidade de ir para junto de Deus. É importante notar que ele escreve a respeito de sua esperança de ir para junto do Pai, mas em momento algum, sugere algum tipo de etapa de purificação antes do grande encontro.

Escrevo a todas as Igrejas e anuncio a todos que, de boa vontade, morro por Deus, caso vós não me impeçais de o fazer. Eu vos suplico que não tenhais benevolência inoportuna por mim. Deixai que eu seja pasto das feras, por meio das quais me é concedido alcançar a Deus. (Aos Romanos 4:1)

Alguns poderiam argumentar que Inácio estava disposto a morrer por Cristo, então não preveria a hipótese do purgatório. Acontece que a autoimagem do bispo era mais humilde que isso, ele se via como imperfeito e indigno, e frequentemente pedia oração aos irmãos para que fosse achado digno por Deus. Como a doutrina romana ensina que a maioria dos cristãos terá que passar pelo purgatório, e Inácio se via como imperfeito, seria esperado que também cresse na necessidade de purificação antes de chegar a Deus:

Depois de rezar a Deus, obtive dele ver vossos rostos santos, pois eu tinha pedido insistentemente receber esse favor. Acorrentado em Jesus Cristo, espero saudar-vos, se é vontade de Deus que eu seja encontrado digno de ir até o fim. (Aos Romanos 1:1)

Meus irmãos, transbordo de amor por vós e, numa grande alegria, procuro fortalecer-vos, não eu, mas Jesus Cristo. Acorrentado nele, temo bastante, pois ainda sou imperfeito. (Aos Filadelfienses 5:1)

Penso muitas coisas em Deus, mas limito-me, a fim de não me perder em vanglória. De fato, sobretudo agora, é preciso que eu tema e não dê atenção àqueles que me enchem de orgulho. Aqueles que me falam assim, na verdade me flagelam. Desejo sofrer, mas não sei se sou digno disso. Minha impaciência, para muitos não transparece, mas me combate muito. Necessito de mansidão, que pode destruir o príncipe deste mundo. (Aos Tralianos 4:1-2)

Inácio exorta seus irmãos de Roma a não tentarem evitar o seu martírio. Seu desejo é morrer em Cristo, pois o que lhe espera é muito melhor do que o mundo presente. Ele pressupõe que após a morte irá para Deus sem ter que passar por nenhuma etapa intermediária de purificação ou pagamento:

O príncipe deste mundo quer arrebatar-me e corromper o meu pensamento dirigido a Deus. Que ninguém dos que aí estão presentes o ajude. Antes, colocai-vos do meu lado, isto é, do lado de Deus. Não tenhais Jesus Cristo na boca, desejando, ao mesmo tempo, o mundo. Que a inveja não habite em vosso meio. Mesmo se eu estiver junto de vós e vos implorar, não vos deixeis persuadir. Persuada-vos aquilo que vos escrevo. É vivo que eu vos escrevo, mas com anseio de morrer. Meu desejo terrestre foi crucificado, e não há mais em mim fogo para amar a matéria. Dentro de mim, há uma água viva, que murmura e diz: “Vem para o Pai”. (Aos Romanos 7:1-2)

Policarpo de Esmirna (69 – 155)

Assim como Clemente, Policarpo menciona vários crentes no céu:

Portanto, eu vos exorto a todos, para que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda a perseverança, que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-aventurados Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros que são do vosso meio, no próprio Paulo e nos demais apóstolos. Estejam persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e na justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido junto ao Senhor, com o qual sofreram. Eles não amaram este mundo, mas aquele que morreu por nós e que Deus ressuscitou para nós. (Epístola aos Filipenses 9)

O católico poderia argumentar que todas essas pessoas tinham completado sua santificação até o final desta vida, e, portanto, eles não precisam ir para o Purgatório. Mas, como explicado em relação a Clemente, como Policarpo poderia saber que todas essas pessoas tinham completado sua santificação? Sabemos que pessoas como o profeta Daniel e o apóstolo Paulo viveram vidas justas e louváveis, mas mesmo eles acreditavam ser necessário buscar o perdão por seus pecados (Daniel 9:20) e sabiam que ainda eram imperfeitos (Filipenses 3:12). Além disso, só a partir de observação comum, parece implausível sugerir que alguém seria perfeitamente santificado nesta vida. Todos nós tropeçamos em muitas coisas (Tiago 3: 2). É implausível sugerir que cada pessoa referida por Policarpo foi perfeitamente santificada, e que ele de alguma forma sabia confiavelmente sobre isso. Como ele poderia saber? A explicação mais provável para estes Pais da Igreja sempre se referindo aos cristãos falecidos estando no céu é que não tinham noção do Purgatório. Se alguém viveu uma vida que sugeria que era um cristão, foi presumido que iria para o céu no final desta vida.

O procônsul insistiu: “Já que desprezas as feras, eu te farei queimar no fogo, se não mudares de ideia.” Policarpo respondeu-lhe: “Tu me ameaças com um fogo que queima por um momento, e pouco depois se apaga, porque ignoras o fogo do julgamento futuro e do suplício eterno, reservado aos ímpios. Mas por que tardar? Vai, e faze o que queres”. (O martírio de Policarpo 11:2)

Tanto Policarpo como outros ansiavam o martírio, o viam como a oportunidade de ir para junto do Pai. A questão é – se eles cressem no purgatório, segundo o qual a alma ainda poderia ficar anos e anos sob o fogo purificador, ainda distante da comunhão plena com Deus, porque eles esperariam tão ansiosamente pelo martírio? Policarpo seria morto pelo fogo, e diante da ameaça deste fogo passageiro, ele aponta o fogo eterno que é muito pior, mas não faz menção alguma ao fogo do purgatório que muitos cristãos teriam que passar.

Eu te bendigo por me teres julgado digno deste dia e desta hora, de tomar parte entre os mártires, e do cálice de teu Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na incorruptibilidade do Espírito Santo. Com eles, possa eu hoje ser admitido à tua presença como sacrifício gordo e agradável, como tu preparaste e manifestaste de antemão, e como realizaste, ó Deus sem mentira e veraz. (O martírio de Policarpo 14:2)

O bispo de Esmirna deixa claro que naquele mesmo dia seria admitido à presença de Deus, não seria tempos depois de alguma punição temporária.

Por sua perseverança, ele triunfou sobre o iníquo magistrado, e assim foi cingido com a coroa da incorruptibilidade. Juntamente com os apóstolos e todos os justos, na alegria, ele glorifica Deus, Pai todo-poderoso, e bendiz nosso Senhor Jesus Cristo, o salvador de nossas almas, guia de nossos corpos, e pastor da Igreja católica no mundo inteiro. (O martírio de Policarpo 19:2)

Vejam que não somente o grupo seleto dos Apóstolos e Mártires estaria na presença de Deus, mas todos os justos. Alguém poderia objetar que justo é apenas o completamente santificado, mas seria uma tese absurda. O contexto da obra permite inferir que justo era todo verdadeiro Cristão:

Erguendo os olhos ao céu, disse: “Senhor, Deus todo-poderoso, Pai de teu Filho amado e bendito, Jesus Cristo, pelo qual recebemos o conhecimento do teu nome, Deus dos anjos, dos poderes, de toda criação e de toda a geração de justos que vivem na tua presença! (O martírio de Policarpo 14:1)

Fica óbvio que Policarpo se referia a todos os verdadeiros crentes. Ele parecia não ter conhecimento da doutrina católica romana.

Papias de Hierápolis (70 – 155)

Como os presbíteros dizem - então aqueles que são considerados dignos de uma morada no céu devem ir para lá, outros devem desfrutar das delícias do Paraíso, e outros devem possuir o esplendor da cidade; pois em todos os lugares o Salvador será visto, conforme a dignidade de quem o vê. Mas, não há esta distinção entre a morada de quem produz cem vezes, e daquele que produz sessenta vezes, e daquele que produz trinta vezes; o primeiro será tomado para os céus, a segunda classe irá habitar no paraíso, e a última vai habitar a cidade, foi por essa causa que Senhor disse: 'Na casa de meu Pai há muitas moradas’ por que todas as coisas pertencem a Deus, que fornece a todos uma morada adequada, mesmo quando Sua palavra diz, que uma parte é distribuída a todos pelo Pai, de acordo como cada um é ou deve ser digno. Os presbíteros, os discípulos dos apóstolos, dizem que esta é a graduação e arranjo daqueles que são salvos, e que eles avançam através de passos desta natureza; e que, além disso, eles ascendem através Espírito ao Filho, e através do Filho ao Pai; e que, no devido tempo, o Filho entregará o seu trabalho ao Pai, assim como é dito pelo apóstolo: "Pois Ele deve reinar até que Ele ponha todos os inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. (Fragmentos 5)

Papias também se refere a todos os crentes estando no céu. Ele diz que há níveis de recompensa no céu, de acordo com a dignidade de cada um, e que há possibilidade de avanço lá. Refere-se “aqueles que são salvos” e cristãos de diferentes níveis de dignidade, o que implica que não se refere apenas aos “totalmente santificados”. Papias também cita Jo 14:2, uma passagem que se refere a todos os crentes. Ele não parece ter noção da existência de algo como o purgatório.

II Clemente (140 ou 160)

Conforme testemunha Eusébio, II Clemente não tem como autor Clemente de Roma. Trata-se de um documento bem antigo, do qual não se sabe o autor, provavelmente o sermão mais antigo fora do Novo Testamento. Dele, tiramos as seguintes citações:
Enquanto estamos ainda na terra, vamos nos arrepender. Porque nós somos barro na mão do oleiro. Por exemplo: se um oleiro ao fazer um vaso, ele se tornar disforme ou quebrar em suas mãos, ele simplesmente vai refaze-lo; mas se colocá-lo no forno, não será mais possível o reparo. Assim é conosco: enquanto estamos neste mundo, vamos nos arrepender de todo o nosso coração das coisas más que temos feito na carne, a fim de que possamos ser salvos pelo Senhor enquanto ainda temos tempo para arrependimento. Porque depois que partimos deste mundo, nós não teremos mais a possibilidade de confissão e arrependimento. (Michael W. Holmes, ed. The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations (Michigan: Baker Books, 1999), p.115.)

Não é preciso grandes esclarecimentos, o autor de II Clemente acreditava que não havia a possibilidade arrependimento depois da morte, ele entende que, se alguém partir desta vida com pecados não arrependidos, estará condenado, não há purgatório algum lhe esperando.

Justino Mártir (100 – 165)

As almas dos piedosos permanecem num lugar melhor, enquanto as dos injustos e perversos estão num pior, esperando o momento do julgamento. (Dialogo com Trifão, 5)

Percebe-se que Justino não acredita num estágio intermediário. Ao definir os destinos possíveis após a morte, refere-se apenas a dois: um lugar melhor para os justos e um lugar pior para os injustos.

Atos de Paulo e Tecla (século II)

Essa é uma obra apócrifa provavelmente da segunda metade do século II, com claras influências gnósticas. Quando se trata de defender as doutrinas romanistas, até apócrifos são utilizados. Tecla seria uma virgem que conheceu Paulo e resolveu segui-lo. A obra possui uma série de narrativas exageradas e fantasiosas que não lembram nem de perto o apóstolo Paulo do Novo Testamento. Nenhum historiador acredita que esse seja um relato real, portanto, seria temerário sustentar alguma doutrina com base nela, mas vejamos:

E após a exibição, Trifena novamente a recebeu. Sua filha Falconila havia morrido e disse para ela em sonhos: 'Mãe: deverias ter esta estrangeira, Tecla, como a mim, para que ela ore por mim e eu possa ser levada para o lugar dos justos. (Atos de Paulo e Tecla)

Não há como ver purgatório ai. Trifena não era cristã antes de conhecer Tecla, assim como sua filha Falconila. Portanto, ela não poderia estar no purgatório, já que morreu sem ter abraço a fé e ter sido batizada. A oração que Tecla faz é para sua salvação, o que fica bem claro no trecho: “eu possa ser levada para o lugar dos justos”. De todas as provas do purgatório na Igreja Primitiva, esta definitivamente é mais desqualificada. O que essa obra defende de fato é a oração do cristão poderia tirar alguém do inferno e leva-lo para o céu – uma heresia do séc. II.

Atenágoras de Atenas (133 – 190)

Atenágoras acredita que os crentes vão para o céu quando morrem. A única outra opção segundo ele é “caindo com o resto” no fogo:

Porque, se cremos que viveremos apenas a vida presente, então podemos ser suspeitos de pecar, sendo escravos da carne e sangue, ou vencidos pelo ganho ou desejo carnal; mas como sabemos que Deus é testemunha do que pensamos e do que dizemos tanto de noite e de dia, e que Ele, sendo Ele mesmo luz, vê todas as coisas em nosso coração, estamos convencidos de que quando formos retirados da vida presente vamos viver outra vida, melhor do que a presente, e celestial, não terrena (já que habitaremos junto de Deus, e com Deus, livres de todas as alterações ou sofrimento na alma, não como carne, apesar de termos carne, mas como espírito celestial), ou, caindo com o resto, uma pior e no fogo; pois Deus não nos fez como ovelhas ou animais de carga, uma mera mão-de-obra, e que devamos morrer e ser aniquilados (Apelo em favor dos Cristãos 31).

Irineu de Lyon (130 – 202)

Ele diz que as almas dos justos irão para o paraíso, onde aguardarão a ressurreição do corpo, só após isso entrarão na presença de Deus. Esse paraíso é o lugar onde Paulo foi (2 Coríntios 12:2-4). Irineu cria num estado intermediário (o paraíso), mas este é substancialmente diferente do purgatório. Cabe mencionar também que enquanto alguns católicos citam Lucas 16:19-31 como prova do purgatório, ele pensava que o homem rico estava no Inferno (Contra as Heresias, 2:24:4, 4:2:4-5).

Portanto, também os anciãos que eram discípulos dos apóstolos nos dizem que aqueles que foram trasladados foram transferidos para esse local (porque o Paraíso foi preparado para os homens justos, aqueles que têm o Espírito; em cujo lugar também o apóstolo Paulo, quando foi preso, ouviu palavras que são indizíveis quanto a nós na nossa presente condição), e que aí devem os que foram trasladados permanecer até a consumação de todas as coisas, como um prelúdio para a imortalidade (...) pois como o Senhor foi ao meio da sombra da morte onde as almas dos mortos estavam, mas depois ressurgiu no corpo, e após a ressurreição foi elevado ao céu, é manifesto que também as almas dos seus discípulos, por quem o Senhor passou estas coisas, irão para o lugar invisível que lhes foi atribuido por Deus, e ali permanecerão até a ressurreição, esperando esse evento; então recebendo os seus corpos, e ressuscitando na sua totalidade, ou seja corporalmente, exatamente como o Senhor ressurgiu, eles chegarão assim à presença de Deus. “Porque nenhum discípulo está acima do Mestre, mas todo aquele que é perfeito será como o seu Mestre”. Como o nosso Mestre, portanto, não partiu logo para o céu, mas aguardou o momento da Sua ressurreição prescrito pelo Pai, que tinha sido também manifestada através de Jonas, e ressurgindo três dias depois foi elevado ao céu; assim devemos também aguardar o momento da nossa ressurreição prescrito por Deus e preanunciado pelos profetas, e assim, ressurgidos, sermos elevados, tantos quantos o Senhor considerar dignos deste privilégio. (Ibid., 5:5: e 5:31:2).

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