Atanásio
de Alexandria (296-373)
Mesmo se os católicos fiéis à Tradição forem reduzidos a um
punhado, eles são os únicos que
formam a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. (Epístola aos
católicos)
Atanásio
define os que pertencem à igreja de Cristo como aqueles que são fiéis à
tradição e não como os submissos ao bispo de Roma. Mas que tradição era essa?
Alguma suposta doutrina extra bíblica? Obviamente não. Atanásio se referia à
divindade de Cristo. O arianismo chegou a tomar de conta da maioria das
igrejas, mas um remanescente fiel prevaleceu. Esses eram os verdadeiros membros
da igreja de Cristo. E o bispo de Roma, teria sido ele sempre um guia infalível
da verdadeira doutrina? Atanásio testemunha que não. Ele diz que o bispo
Libério assinou uma confissão de fé ariana:
Assim se esforçaram [os
conspiradores arianos] ao princípio para corromper a Igreja dos romanos,
desejando introduzir a impiedade nela assim como noutras. Mas Libério, depois de ter estado no exílio dois anos cedeu, e por medo à ameaça de morte subscreveu.
Ainda assim, isto só mostra a conduta violenta, e o ódio de Libério contra a
heresia, e o seu apoio a Atanásio, enquanto se lhe permitiu exercitar uma livre
escolha". (História dos arianos 41)
Atanásio
foi exilado de sua igreja várias vezes por conspirações políticas dos arianos.
Ele então pediu ajuda ao bispo romano Júlio (antecessor de Libério). Os
católicos apresentam indevidamente esse fato como evidência do papado –
tratamos especificamente desse tema aqui. Philipp Schaffer comenta:
Mesmo a cadeira papal foi profanada por heresia durante este
interregno ariano. Após a deposição de Libério, o diácono Felix II,
"por maldade anticristã", como Atanásio expressa, foi eleito seu
sucessor. Muitos historiadores romanos, por esta razão, o consideram como um
mero antipapa. Mas nos livros da igreja
romana, Felix está inserido não só como um papa legítimo, mas como um santo
porque de acordo com uma lenda tardia, ele foi executado por Constâncio, a quem
chamou de herege. Sua memória é celebrada no dia vinte e nove de julho. Seu
destino subsequente é relatado de várias formas. O povo romano desejava o
retorno de Libério, e ele, cansado do
exílio, apostatou assinando uma ariana confissão, e manteve a comunhão da
Igreja com Eusébio. Nesta condição ele foi restaurado à sua dignidade papal
e recebido com entusiasmo em Roma (358). Ele morreu em 366 na fé ortodoxa, que
havia negado por fraqueza, não por convicção (...) A apostasia de Libério vem a nós mediante o claro testemunho dos pais
mais ortodoxos: Atanásio, Hilário, Jerônimo, Sozomen, & c., e de três
epístolas do próprio Libério, que Hilário admitiu no seu sexto fragmento e
acompanhado com algumas observações. (Philip Schaff, seção 121 e
nota de rodapé 1342)
Os
papistas costumam dizer que Atanásio chamou Roma de o trono apostólico, mas o
que ele disse foi:
Assim, desde o início, eles
não pouparam sequer a Libério, bispo de Roma, mas estenderam sua fúria até
mesmo para aquelas partes, pois não respeitaram o seu bispado, sendo um trono apostólico... (História
dos arianos 4:35)
Roma
não era o único trono apostólico. Ele também escreve:
Eu sei que aliás que não só isso
entristece, mas também o fato de que enquanto outros obtiveram as igrejas por
violência, você está expulso de seu cargo. Pois
eles ocupam os cargos, mas você [tem] a fé apostólica. Eles estão, é verdade, nos cargos,
mas fora da verdadeira fé; enquanto estiver fora dos cargos de fato, mas na fé,
você está dentro. Vamos
considerar o que é maior, o cargo ou a fé. É evidente que a verdadeira fé.
Quem perdeu mais ou possui mais? Aquele que ocupa o cargo ou que detém a fé? Na verdade bom é o cargo, quando a
fé apostólica é lá pregada, santo ele [cargo] é se um santo habita lá (...) Mas sois abençoados, que pela fé estão na Igreja,
habitam sobre os fundamentos da fé, e tem plena satisfação, até mesmo o
mais alto grau de fé que permanece entre vocês inabalável. (Carta festiva 29)
Atanásio nunca apela ao
papado para definir aqueles que fazem parte da igreja. O paradigma dele era
protestante e não romanista. Estão na igreja os que guardam a fé apostólica.
Ele se refere aos bispos ortodoxos que foram expulsos de suas sedes por combaterem
o arianismo. Esses bispos heréticos poderiam reclamar sucessão apostólica, mas
era irrelevante, a verdade estava com os depostos. Além
disso, Atanásio foi um claro defensor da Sola Scriptura, o que o impede de ser
uma testemunha do papismo:
O conhecimento de nossa
religião e da verdade das coisas é independentemente manifesto ao invés da necessidade de professores
humanos, pois quase diariamente ele se afirma pelos fatos, e manifesta-se
mais brilhante que o sol pela doutrina de Cristo. Ainda assim, como você, no
entanto, deseja ouvir sobre isso, Macário, venha! Vamos em nossa capacidade
estabelecer adiante alguns pontos da fé em Cristo, pois as sagradas e inspiradas Escrituras são suficientes para declarar
a verdade. (Contra os Pagãos, I)
Atanásio
não conhecia nenhum magistério infalível além das Escrituras. Mais citações a
respeito podem ser vistas aqui.
Ele também considerava Cristo o fundamento da igreja e não a pessoa de Pedro:
Por isso devemos buscar
antes de todas as coisas, se Ele é Filho, e sobre este ponto esquadrinhar
especialmente as Escrituras; pois foi isto, quando os apóstolos foram
interrogados, que Pedro respondeu, dizendo: "Tu és o Cristo, o Filho do
Deus Vivo" (...) esta é a verdade e
o princípio soberano de nossa fé (...) E
como Ele é um fundamento, e nós pedras edificadas sobre ele ... A Igreja
está firmemente estabelecida; está fundada sobre a pedra, e as portas do
inferno não prevalecerão contra ela (...) E
porque esta é a fé da Igreja, que eles de alguma maneira entendam que o Senhor
enviou os Apóstolos e lhes mandou fazer disto o fundamento da Igreja.
(Quatro Cartas a Serapião 1:28)
Hilário
de Poitiers (300-368)
Uma crença de que o Filho de
Deus é Filho só de nome, e não em natureza, não é a fé dos Evangelhos e dos
Apóstolos (...) por que motivo, eu pergunto, foi que o bendito Simão Bar-Jonas
confessou a Ele, Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo? (...) Se Ele era Filho
por adoção, onde assenta a bem-aventurança da confissão de Pedro, que ofereceu
um tributo ao Filho para o qual, neste caso, Ele não tinha mais direito que
qualquer membro da comunidade dos santos? A fé do Apóstolo penetrou numa região
fechada ao raciocínio humano... E esta é
a pedra da confissão sobre a qual a Igreja é edificada (...) que Cristo não deve ser somente nomeado,
mas crido, como Filho de Deus. (Sobre a Trindade 6:36)
Hilário
identifica a confissão de Pedro como o fundamento da igreja. Analisemos algumas
citações trazidas pelos católicos:
(...) e Mateus também,
escolhido para anunciar todo o mistério do Evangelho, primeiro publicano, então
um apóstolo, e João, o amigo íntimo do Senhor, portanto, digno de revelar os
segredos mais profundos do céu, o abençoado Simão, quem depois de sua confissão do mistério foi definido para ser a pedra
fundamental da Igreja e recebeu as chaves do reino dos céus, e todos os seus
companheiros que falaram pelo Espírito Santo, e Paulo, o vaso escolhido,
que mudou de perseguidor a apóstolo, quem como novo homem viveu sob o mar
profundo e subiu ao terceiro céu, que estava no paraíso antes de seu martírio,
cujo martírio foi a oferta perfeita de uma fé impecável (...) (Sobre
a Trindade 6:20)
Pedro
está sendo louvado assim como outros apóstolos. Note que não apenas Pedro
recebeu as chaves, mas todos “os seus companheiros que falaram pelo Espírito
Santo”. O apóstolo era uma pedra por causa da sua confissão. A citação abaixo
esclarece as coisas:
E esta é a rocha da confissão sobre a qual está construída a Igreja (...) Esta é a fé que é o fundamento da Igreja;
através desta fé as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Esta é a fé
que tem as chaves do reino dos céus. Tudo
o que esta fé tem desligado ou ligado na terra será desligado ou ligado no céu
(...) Apascenta as minhas ovelhas, uma terceira vez repetiu; a quem, quando
todos os Apóstolos estavam em silêncio, e sozinho reconheceu pela revelação do
Pai o Filho de Deus, e ganhou a
preeminência de uma glória além do alcance da fragilidade humana pela confissão
de sua fé bem-aventurada! (Sobre a Trindade 6:36-37)
A
rocha era a confissão de Pedro. Hilário claramente distingue o conteúdo da
confissão da pessoa do apóstolo. Até mesmo as chaves eram a fé confessada.
Contudo, o pescador tinha preeminência, mas por quê? A resposta é que enquanto
todos ficaram calados, ele fez a confissão correta. Trata-se de um exemplo
claro de primazia de honra. Pedro não tinha preeminência porque recebeu
autoridade sobre outros apóstolos, mas porque foi o primeiro cristão. Nota-se
também que nessas citações não há qualquer menção ao bispo de Roma. O que é
dito descreve somente a pessoa de Pedro.
Macário
do Egito (310-391)
A
apologética católica costuma trazer o seguinte:
No Antigo Testamento, Moisés
e Arão, quando possuíam o sacerdócio, sofreram bastante. O próprio Caifás,
quando ocupou o seu lugar [lugar de Moisés], perseguiu e condenou o Senhor. Mas
o Senhor, no que diz respeito ao sacerdócio, permitiu-lhe exercer o ofício. Os
profetas da mesma forma foram perseguidos por sua própria nação. Pedro foi o sucessor de Moisés, a ele foi
confiado nova igreja de Cristo com o verdadeiro sacerdócio; pois temos
agora um batismo de fogo e do Espírito, e uma circuncisão no coração.
(Homilia 26:9 das 50 homilias de Macário)
Pedro
seria sucessor de Moisés. Isso implicaria no primado jurídico do pescador? Não
sabemos muito do pensamento de Macário a esse respeito, mas a resposta deveria
ser provavelmente não. Percebam que ele coloca Caifás como sucessor de Moisés.
Teria sido Caifás uma autoridade soberana e infalível? Obviamente não. Dessa
forma, é improvável que Macário visse Pedro como um papa no sentido católico
romano. Além do mais, em nenhuma das outras 50 homilias, Macário faz qualquer
referência à igreja ou bispo de Roma. Seria um silêncio estranho para uma
testemunha do papado. Todavia, quando Macário tratou da questão da autoridade,
fica evidente que ele não operava sob o paradigma católico romano:
Como um rei escreve cartas para aqueles a quem deseja
conferir patentes e dons especiais, e mostra tudo a eles "esforcem-se
para vir rapidamente a mim para que possam receber os dons reais"; e se
eles não vêm e não os recebem, não estarão em melhor condição por terem lido as
cartas, mas, pelo contrário, poderão ser condenados à morte por não terem
escolhido ir e serem homenageado pelas mãos do rei. Por isso, Deus o Rei enviou aos homens as santas
escrituras como suas cartas, declarando a eles que deveriam orar a Deus e
crendo pedirem e receberem o dom celestial da substância de Sua Divindade,
porque está escrito: Para que sejamos feitos participantes da natureza divina.
[2 Pedro 1:4.]. Mas se o homem não vir,
pedir e receber, ele não terá o benefício por ter lido as escrituras, mas é
bastante susceptível de morte, porque não optou por receber do Rei o dom
celestial da vida, sem o qual é impossível obter a vida imortal, que é Cristo.
(Homilia 15:20)
Esse
é um contexto em que a menção ao magistério infalível que deve interpretar a
Escritura deveria acontecer. Pelo contrário, o crente deve ler as Escrituras, crer
e orar diretamente a Deus para obter o dom divino, nada de necessariamente
ouvir o magistério aqui para receber os dons divinos.
No cristianismo, provar a
graça de Deus é assim. Prove, ele diz, e veja quão gracioso é o Senhor. [Sl.
34:8.] Esse provar é um poder eficaz do
Espírito na plena certeza, ministrando no coração. Quantos são os filhos da
luz e do ministério da Nova Aliança no Espírito Santo, esses não têm nada a aprender com os homens, eles são ensinados por
Deus [1 Tes. 4:9.]. A própria graça
escreve sobre seus corações as leis do Espírito. Eles não devem, portanto, descansar sua segurança apenas nas
escrituras que estão escritas em tinta. A graça de Deus escreve as leis do
espírito e os mistérios dos céus sobre o coração [2 Cor. 3:3.]. O coração
governa e reina sobre todo o organismo corporal, e quando a graça possui o
coração, ela reina sobre todos os membros e os pensamentos. Pois ali, no
coração, está a mente, e todas as faculdades da alma e sua esperança, portanto,
a graça penetra também em todos os membros do corpo.
(Homilia 15:20)
Macário
não está afirmando a insuficiência da Escritura. Ele afirma que o Espírito
Santo opera nos corações através das Escrituras. É uma posição semelhante à
doutrina reformada da iluminação do Espírito Santo. Todo o processo não envolve
nenhum magistério infalível, mas a operação do Espírito Santo no coração do
crente.
Cirilo
de Jerusalém (313-386)
Apologistas
católicos costumam trazer as seguintes citações em favor da primazia papal:
No poder do mesmo Espírito
Santo, Pedro, também o primeiro entre os
apóstolos e o portador das chaves do Reino dos Céus, curou o paralítico
Enéias, em nome de Cristo. (Catequese 17:27)
Nosso Senhor Jesus Cristo,
então, tornou-se um homem, mas por muitos Ele não era conhecido. Desejando,
portanto, ensinar o que não era conhecido, reuniu os seus discípulos e perguntou:
“Quem os homens dizem ser o filho do homem?” (...) E tudo ficou em silêncio
(pois foi além do entendimento do homem), Pedro, o primeiro dos Apóstolos, o Chefe Arauto da Igreja, não usando a
linguagem de sua própria descoberta, nem convencido pelo raciocínio humano, mas
com a mente iluminado pelo Pai, disse-lhe: ‘Tu és o Cristo, não apenas isso,
mas’ o Filho do Deus vivo. (Catequese 11:3)
Essas
citações não provam em nada a primazia papal, pois nem de forma direta ou
indireta indicam o bispo de Roma. Cirilo fala sobre a pessoa de Pedro sem fazer
qualquer conexão com o bispo de Roma. O máximo que os católicos poderiam
extrair dai é uma primazia jurídica de Pedro, mas nem isso é possível. Cirilo
afirma que Pedro é o primeiro entre os apóstolos, mas não fornece qualquer
evidência de que essa primazia seja jurídica. Ele afirma que Pedro era portador
das chaves e chefe arauto da igreja. As duas afirmações não implicam em
primazia jurídica, pois ele não afirma que somente Pedro tivesse a chaves nem
diz que Pedro era o chefe jurídico dos demais apóstolos, mas chefe (e não o
único chefe) da igreja. Além do mais, em todas essas citações, Cirilo não está
incluindo Paulo no grupo dos apóstolos, pois se refere às passagens do
ministério terreno de Jesus. Isso fica claro quando vemos a citação abaixo:
Pedro
e Paulo, o nobre
par, os principais governantes da igreja. (Catequese
6.15)
Ele
coloca Pedro e Paulo em pé de igualdade. Isso demonstra que a primazia em
questão é bem diferente daquela pregada pela igreja romana. Além de não afirmar
nada sobre a primazia jurídica de Roma em suas palestras catequéticas, ele não
acreditava numa primazia jurídica de Pedro sobre Paulo. Dessa forma, não há
papado em Cirilo.
Basílio de Cesareia (329-379)
No
final do século IV havia uma disputa sobre quem era o legítimo bispo de
Antioquia. Algumas pessoas, incluindo a igreja romana e seu bispo, apoiaram
Paulino. Outros apoiaram Melécio. O primeiro Concílio de Constantinopla foi
presidido por Melécio, e o próprio concílio se opôs a Roma por um tempo. O pai
da igreja Basílio, que apoiou Melécio em oposição a Roma, disse o seguinte
sobre uma carta do bispo de Roma escrita em apoio a Paulino. Será que um
católico romano iria responder a uma carta do bispo de Roma desta forma:
Mas
um novo rumor chegou a mim que você está em Antioquia, e estão negociando em
conjunto com as principais autoridades. E, além disso, eu ouvi dizer que os
irmãos que são do partido do Paulino estão entrando em alguma discussão com
Vossa Excelência sobre o tema da união conosco; e por "nós" eu quero
dizer aqueles que são simpatizantes do abençoado homem de Deus, Melécio.
Eu ouço, além disso, que os Paulinianos
estão levando uma carta do ocidente [de Roma], atribuindo-lhe o episcopado da
Igreja em Antioquia, mas falando sob uma falsa impressão de Melécio, o
admirável bispo da verdadeira Igreja de Deus.
Eu não acuso ninguém; Eu rezo para que eu possa ter amor a todos, e especialmente, àqueles que são da família da fé [Gálatas 6:10], e por isso felicito aqueles que receberam a carta de Roma. E, apesar de ser um grande testemunho em seu favor, eu só espero que a verdade seja confirmada pelos fatos. Mas eu nunca serei capaz de ignorar Melécio baseado nestes motivos, nem esquecer a Igreja que está sob ele, nem trata-lo como pequeno e de pouca importância para a verdadeira religião, por questões que deram origem à divisão. Eu nunca irei consentir a ceder, apenas porque alguém está muito entusiasmado com uma carta recebida de homens. Mesmo que tivesse descida do céu em si, mas se não concorda com o som da doutrina da fé, eu não posso olhar para isto como em comunhão com os santos. (Epístola 214:2)
Eu não acuso ninguém; Eu rezo para que eu possa ter amor a todos, e especialmente, àqueles que são da família da fé [Gálatas 6:10], e por isso felicito aqueles que receberam a carta de Roma. E, apesar de ser um grande testemunho em seu favor, eu só espero que a verdade seja confirmada pelos fatos. Mas eu nunca serei capaz de ignorar Melécio baseado nestes motivos, nem esquecer a Igreja que está sob ele, nem trata-lo como pequeno e de pouca importância para a verdadeira religião, por questões que deram origem à divisão. Eu nunca irei consentir a ceder, apenas porque alguém está muito entusiasmado com uma carta recebida de homens. Mesmo que tivesse descida do céu em si, mas se não concorda com o som da doutrina da fé, eu não posso olhar para isto como em comunhão com os santos. (Epístola 214:2)
A
opinião do bispo de Roma tinha importância, mas não era suprema e infalível.
Basílio conclui que eles estavam errados em apoiar Paulino e chamou sua carta
de “carta de homens”. Esse pai da igreja não tinha nenhum problema em julgar a
opinião de Roma pelo crivo da sã doutrina e rejeitá-la quando se desviar dela.
Foi isso que os reformadores fizeram. Assim como outros pais orientais, Basílio
pediu ajuda ao bispo de Roma diante da confusão que reinava no oriente. O
apologista católico Stephen Ray traz a seguinte citação de Basílio:
Pareceu-me ser desejável
enviar uma carta ao bispo de Roma, pedindo-lhe para examinar a nossa condição,
uma vez que existem dificuldades no caminho dos representantes enviados do
Ocidente por um decreto sinodal geral, para
aconselhá-lo [o bispo de Roma] a exercer sua própria autoridade pessoal no
assunto, escolhendo pessoas adequadas para sustentar os trabalhos da viagem
- de forma adequada, também com brandura e firmeza de caráter para corrigir o
indisciplinado aqui entre nós. (Upon This Rock [San
Francisco, California: Ignatius Press, 1999], p. 207)
O
bispo de Roma tinha autoridade por ser o chefe da igreja mais importante do
ocidente, mas essa autoridade não era suprema e infalível. Como já visto, a
opinião do bispo romano seria analisada, e se fosse considerada contra a sã
doutrina rejeitada. Porém, existe outro problema. Basílio não pediu ajuda
apenas ao bispo de Roma, ele também recorre a Atanásio de Alexandria com as
seguintes palavras:
À medida que o tempo passa,
ele confirma continuamente a opinião que tenho sobre sua santidade, ou melhor,
essa opinião é reforçada pelo curso diário dos eventos. A maioria dos homens é
realmente satisfeito com a observação, cada um com o que se encontra
principalmente dentro de sua própria província. Não é assim contigo, mas sua aflição por todas as Igrejas não é menor
do que sente pela Igreja que foi especialmente confiada a você por nosso Senhor,
na medida em que você não deixa de
falar, exortando por escrito e enviando emissários, os quais de tempos em tempos
dão os melhores conselhos diante de cada emergência à medida que surgem.
Agora, a partir das fileiras sagradas do vosso clero, você enviou o venerável
irmão Pedro, a quem tenho recebido com grande alegria. Também aprovei o bom
objetivo de sua viagem, que ele manifesta de acordo com os comandos de Vossa
Excelência, ao trazer reconciliação onde
ele encontra oposição e trazer a união ao invés de divisão. Com o objetivo
de oferecer alguma contribuição para a ação que está sendo tomada nesta
matéria, penso que não poderia começar
de forma mais adequada do que recorrendo a Vossa Excelência como o cabeça e
chefe de todos, e tratá-lo igualmente como conselheiro e chefe desta iniciativa.
Tenho, portanto, determinado enviar a sua reverência nosso irmão Doroteu, o
diácono da Igreja sob a jurisdição do honorável bispo Melécio, sendo ao mesmo
tempo um defensor enérgico da fé ortodoxa e desejoso de ver a paz das Igrejas.
Eu espero que os resultados sejam após suas sugestões (que você é capaz de fazer com a menor possibilidade de fracasso, tanto
por causa de sua idade e sua experiência e porque você tem em maior medida do
que todos os outros o auxílio do Espírito) de acordo com nossos objetivos (...)
o presente estado das coisas torna especialmente necessário que a atenção dele
deva ser chamada [o herege Marcellus]. Dessa forma, aqueles que procuram o seu
ensejo, possam ser impedidos de consegui-lo, pois os homens sãos estão unidos a sua santidade, e todos os que são
falhos na verdadeira fé podem ser conhecidos, de forma que possamos saber quem
está do nosso lado, e possamos não lutar como em uma batalha noturna, sem ser
capaz de distinguir entre amigos e inimigos (...) você próprio irá dar completa atenção para todas essas questões, tão
logo pela bênção de Deus você encontre a responsabilidade de garantir a paz da
Igreja. (Epístola 69:1-2)
Imagine
se tais palavras fossem dirigidas ao bispo romano. Os católicos rapidamente
concluiriam que se trata de um papa. Incoerentemente, não fazem o mesmo aqui.
As palavras dirigidas a Atanásio são mais infladas do que as direcionadas a
Roma. Atanásio era “cabeça e chefe de todos”, tinha em maior medida do que
qualquer outro (inclusive o bispo de Roma) o “auxílio do Espírito”. Como
Atanásio poderia ter em maior medida o espírito se o bispo romano tinha
supostamente um auxílio tal que lhe conferia infalibilidade? Aqueles que tinham
a verdadeira fé estavam unidos a Atanásio. Ele admoestava todas as igrejas com
cartas ou enviando representantes. Se os católicos forem coerentes em seus
argumentos patrísticos, terão que admitir o papado de Atanásio. Mesmo no ocidente,
Basílio não recorreu apenas a igreja romana:
Para seus irmãos verdadeiros
ministros de Deus amados e muito queridos e companheiros de mente semelhante, os bispos da Gália e Itália, Basílio, bispo
de Cesareia da Capadócia. (Epístola 143)
Ele
ainda se refere dessa forma às interferências do bispo romano:
(...) Mas o que bem possível
poderia vir da comunicação entre um
homem orgulhoso e exaltado, e portanto incapaz de ouvir aqueles que pregam
a verdade a ele a partir de um ponto de vista inferior, e um homem como meu
irmão, a quem nada como dizer que o servilismo é desconhecido?
(Epístola 140)
Klaus
Schatz comenta:
Porém, como aconteceria nos
próximos séculos, a expectativa de
encontrar apoio em Roma era maior do que a capacidade de satisfazê-lo. Muitas
vezes faltava em Roma competência e o conhecimento suficiente para lidar com os
difíceis problemas do Oriente, assim
como a força efetiva para impor-se realmente. O pai da igreja Basílio sabia
por experiência própria: ‘Roma dá facilmente cartas de comunhão aos bispos,
inclusive àqueles que estão separados entre si’. Ele reclama especialmente do
bispo Dâmaso, a quem considerou soberbo
e arrogante, e o acusa de fazer julgamentos do alto sem saber a completa
situação do Oriente: ‘Que ajuda pode vir do ocidente?’ (Op.
Cit., pp. 54)
Basílio
também se refere ao bispo de Roma como corifeu (líder) dos ocidentais e não de
toda a igreja:
Além de o documento comum,
gostaria de ter escrito a seu corifeu.
(Epístola 239)
A
sua visão sobre o fundamento da igreja é inconsistente com a doutrina papal:
E a casa de Deus, situada
nos cumes das montanhas, é a Igreja segundo a opinião do Apóstolo. Pois ele diz
que se deve saber “como comportar-se na casa de Deus”. Ora, os fundamentos desta Igreja estão sobre as montanhas sagradas, uma
vez que está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas. Uma destas montanhas era certamente Pedro,
sobre cuja pedra o Senhor prometeu edificar sua Igreja. Verdadeiramente por
certo e por maior direito são as almas sublimes elevadas, almas que se elevam
acima das coisas terrenais, chamadas “montanhas”. A alma do bendito Pedro foi chamada uma alta pedra porque tinha um
forte apoio na fé e suportou constante e valentemente os golpes infligidos
pelas tentações. Todos, portanto, que
adquiriram um entendimento da divindade – por causa da amplitude da mente e das
ações que procedem dela - são os cumes das montanhas, e sobre eles é edificada
a casa de Deus. (Comentário sobre o Profeta Isaías, 2:66 (PG
30:233))
Basílio
não tinha qualquer conceito papista. A igreja estava fundada sobre as montanhas
sagradas. Pedro era apenas uma dessas montanhas. E era uma montanha por causa
de sua fé. Mas não só isso, todos aqueles que professam a mesma fé, também são
fundamentos da igreja. Perceba que o fundamento, que torna todos os que a
possuem edifício da igreja, é a fé em questão e não a pessoa de Pedro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não serão aceitos comentários que;
- Tenham ofensas;
- Não sejam pertinentes ao tema do artigo;
- Sejam Ctrl C + Ctrl V de outros blogs e sites.
É permitido citar outras blogs e sites, desde que o comentarista apenas post o link do artigo ou cite trechos do artigo. A cópia integral não será permitida.