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sexta-feira, 15 de abril de 2016

Os Pais da Igreja e o Papado - Parte 1 (Atanásio, Hilário, Macário, Cirilo, Basílio)


Atanásio de Alexandria (296-373)

Mesmo se os católicos fiéis à Tradição forem reduzidos a um punhado, eles são os únicos que formam a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. (Epístola aos católicos)

Atanásio define os que pertencem à igreja de Cristo como aqueles que são fiéis à tradição e não como os submissos ao bispo de Roma. Mas que tradição era essa? Alguma suposta doutrina extra bíblica? Obviamente não. Atanásio se referia à divindade de Cristo. O arianismo chegou a tomar de conta da maioria das igrejas, mas um remanescente fiel prevaleceu. Esses eram os verdadeiros membros da igreja de Cristo. E o bispo de Roma, teria sido ele sempre um guia infalível da verdadeira doutrina? Atanásio testemunha que não. Ele diz que o bispo Libério assinou uma confissão de fé ariana:

Assim se esforçaram [os conspiradores arianos] ao princípio para corromper a Igreja dos romanos, desejando introduzir a impiedade nela assim como noutras. Mas Libério, depois de ter estado no exílio dois anos cedeu, e por medo à ameaça de morte subscreveu. Ainda assim, isto só mostra a conduta violenta, e o ódio de Libério contra a heresia, e o seu apoio a Atanásio, enquanto se lhe permitiu exercitar uma livre escolha". (História dos arianos 41)

Atanásio foi exilado de sua igreja várias vezes por conspirações políticas dos arianos. Ele então pediu ajuda ao bispo romano Júlio (antecessor de Libério). Os católicos apresentam indevidamente esse fato como evidência do papado – tratamos especificamente desse tema aqui.  Philipp Schaffer comenta:

Mesmo a cadeira papal foi profanada por heresia durante este interregno ariano. Após a deposição de Libério, o diácono Felix II, "por maldade anticristã", como Atanásio expressa, foi eleito seu sucessor. Muitos historiadores romanos, por esta razão, o consideram como um mero antipapa. Mas nos livros da igreja romana, Felix está inserido não só como um papa legítimo, mas como um santo porque de acordo com uma lenda tardia, ele foi executado por Constâncio, a quem chamou de herege. Sua memória é celebrada no dia vinte e nove de julho. Seu destino subsequente é relatado de várias formas. O povo romano desejava o retorno de Libério, e ele, cansado do exílio, apostatou assinando uma ariana confissão, e manteve a comunhão da Igreja com Eusébio. Nesta condição ele foi restaurado à sua dignidade papal e recebido com entusiasmo em Roma (358). Ele morreu em 366 na fé ortodoxa, que havia negado por fraqueza, não por convicção (...) A apostasia de Libério vem a nós mediante o claro testemunho dos pais mais ortodoxos: Atanásio, Hilário, Jerônimo, Sozomen, & c., e de três epístolas do próprio Libério, que Hilário admitiu no seu sexto fragmento e acompanhado com algumas observações. (Philip Schaff, seção 121 e nota de rodapé 1342)

Os papistas costumam dizer que Atanásio chamou Roma de o trono apostólico, mas o que ele disse foi:

Assim, desde o início, eles não pouparam sequer a Libério, bispo de Roma, mas estenderam sua fúria até mesmo para aquelas partes, pois não respeitaram o seu bispado, sendo um trono apostólico... (História dos arianos 4:35)

Roma não era o único trono apostólico. Ele também escreve:

Eu sei que aliás que não só isso entristece, mas também o fato de que enquanto outros obtiveram as igrejas por violência, você está expulso de seu cargo. Pois eles ocupam os cargos, mas você [tem] a fé apostólica. Eles estão, é verdade, nos cargos, mas fora da verdadeira fé; enquanto estiver fora dos cargos de fato, mas na fé, você está dentro. Vamos considerar o que é maior, o cargo ou a fé. É evidente que a verdadeira fé. Quem perdeu mais ou possui mais? Aquele que ocupa o cargo ou que detém a fé? Na verdade bom é o cargo, quando a fé apostólica é lá pregada, santo ele [cargo] é se um santo habita lá (...) Mas sois abençoados, que pela fé estão na Igreja, habitam sobre os fundamentos da fé, e tem plena satisfação, até mesmo o mais alto grau de fé que permanece entre vocês inabalável. (Carta festiva 29)

Atanásio nunca apela ao papado para definir aqueles que fazem parte da igreja. O paradigma dele era protestante e não romanista. Estão na igreja os que guardam a fé apostólica. Ele se refere aos bispos ortodoxos que foram expulsos de suas sedes por combaterem o arianismo. Esses bispos heréticos poderiam reclamar sucessão apostólica, mas era irrelevante, a verdade estava com os depostos. Além disso, Atanásio foi um claro defensor da Sola Scriptura, o que o impede de ser uma testemunha do papismo:

O conhecimento de nossa religião e da verdade das coisas é independentemente manifesto ao invés da necessidade de professores humanos, pois quase diariamente ele se afirma pelos fatos, e manifesta-se mais brilhante que o sol pela doutrina de Cristo. Ainda assim, como você, no entanto, deseja ouvir sobre isso, Macário, venha! Vamos em nossa capacidade estabelecer adiante alguns pontos da fé em Cristo, pois as sagradas e inspiradas Escrituras são suficientes para declarar a verdade. (Contra os Pagãos, I)

Atanásio não conhecia nenhum magistério infalível além das Escrituras. Mais citações a respeito podem ser vistas aqui. Ele também considerava Cristo o fundamento da igreja e não a pessoa de Pedro:

Por isso devemos buscar antes de todas as coisas, se Ele é Filho, e sobre este ponto esquadrinhar especialmente as Escrituras; pois foi isto, quando os apóstolos foram interrogados, que Pedro respondeu, dizendo: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo" (...) esta é a verdade e o princípio soberano de nossa fé (...) E como Ele é um fundamento, e nós pedras edificadas sobre ele ... A Igreja está firmemente estabelecida; está fundada sobre a pedra, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (...) E porque esta é a fé da Igreja, que eles de alguma maneira entendam que o Senhor enviou os Apóstolos e lhes mandou fazer disto o fundamento da Igreja. (Quatro Cartas a Serapião 1:28)

Hilário de Poitiers (300-368)

Uma crença de que o Filho de Deus é Filho só de nome, e não em natureza, não é a fé dos Evangelhos e dos Apóstolos (...) por que motivo, eu pergunto, foi que o bendito Simão Bar-Jonas confessou a Ele, Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo? (...) Se Ele era Filho por adoção, onde assenta a bem-aventurança da confissão de Pedro, que ofereceu um tributo ao Filho para o qual, neste caso, Ele não tinha mais direito que qualquer membro da comunidade dos santos? A fé do Apóstolo penetrou numa região fechada ao raciocínio humano... E esta é a pedra da confissão sobre a qual a Igreja é edificada (...) que Cristo não deve ser somente nomeado, mas crido, como Filho de Deus. (Sobre a Trindade 6:36)

Hilário identifica a confissão de Pedro como o fundamento da igreja. Analisemos algumas citações trazidas pelos católicos:

(...) e Mateus também, escolhido para anunciar todo o mistério do Evangelho, primeiro publicano, então um apóstolo, e João, o amigo íntimo do Senhor, portanto, digno de revelar os segredos mais profundos do céu, o abençoado Simão, quem depois de sua confissão do mistério foi definido para ser a pedra fundamental da Igreja e recebeu as chaves do reino dos céus, e todos os seus companheiros que falaram pelo Espírito Santo, e Paulo, o vaso escolhido, que mudou de perseguidor a apóstolo, quem como novo homem viveu sob o mar profundo e subiu ao terceiro céu, que estava no paraíso antes de seu martírio, cujo martírio foi a oferta perfeita de uma fé impecável (...) (Sobre a Trindade 6:20)

Pedro está sendo louvado assim como outros apóstolos. Note que não apenas Pedro recebeu as chaves, mas todos “os seus companheiros que falaram pelo Espírito Santo”. O apóstolo era uma pedra por causa da sua confissão. A citação abaixo esclarece as coisas:

E esta é a rocha da confissão sobre a qual está construída a Igreja (...) Esta é a fé que é o fundamento da Igreja; através desta fé as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Esta é a fé que tem as chaves do reino dos céus. Tudo o que esta fé tem desligado ou ligado na terra será desligado ou ligado no céu (...) Apascenta as minhas ovelhas, uma terceira vez repetiu; a quem, quando todos os Apóstolos estavam em silêncio, e sozinho reconheceu pela revelação do Pai o Filho de Deus, e ganhou a preeminência de uma glória além do alcance da fragilidade humana pela confissão de sua fé bem-aventurada! (Sobre a Trindade 6:36-37)

A rocha era a confissão de Pedro. Hilário claramente distingue o conteúdo da confissão da pessoa do apóstolo. Até mesmo as chaves eram a fé confessada. Contudo, o pescador tinha preeminência, mas por quê? A resposta é que enquanto todos ficaram calados, ele fez a confissão correta. Trata-se de um exemplo claro de primazia de honra. Pedro não tinha preeminência porque recebeu autoridade sobre outros apóstolos, mas porque foi o primeiro cristão. Nota-se também que nessas citações não há qualquer menção ao bispo de Roma. O que é dito descreve somente a pessoa de Pedro.

Macário do Egito (310-391)

A apologética católica costuma trazer o seguinte:

No Antigo Testamento, Moisés e Arão, quando possuíam o sacerdócio, sofreram bastante. O próprio Caifás, quando ocupou o seu lugar [lugar de Moisés], perseguiu e condenou o Senhor. Mas o Senhor, no que diz respeito ao sacerdócio, permitiu-lhe exercer o ofício. Os profetas da mesma forma foram perseguidos por sua própria nação. Pedro foi o sucessor de Moisés, a ele foi confiado nova igreja de Cristo com o verdadeiro sacerdócio; pois temos agora um batismo de fogo e do Espírito, e uma circuncisão no coração. (Homilia 26:9 das 50 homilias de Macário)

Pedro seria sucessor de Moisés. Isso implicaria no primado jurídico do pescador? Não sabemos muito do pensamento de Macário a esse respeito, mas a resposta deveria ser provavelmente não. Percebam que ele coloca Caifás como sucessor de Moisés. Teria sido Caifás uma autoridade soberana e infalível? Obviamente não. Dessa forma, é improvável que Macário visse Pedro como um papa no sentido católico romano. Além do mais, em nenhuma das outras 50 homilias, Macário faz qualquer referência à igreja ou bispo de Roma. Seria um silêncio estranho para uma testemunha do papado. Todavia, quando Macário tratou da questão da autoridade, fica evidente que ele não operava sob o paradigma católico romano:

Como um rei escreve cartas para aqueles a quem deseja conferir patentes e dons especiais, e mostra tudo a eles "esforcem-se para vir rapidamente a mim para que possam receber os dons reais"; e se eles não vêm e não os recebem, não estarão em melhor condição por terem lido as cartas, mas, pelo contrário, poderão ser condenados à morte por não terem escolhido ir e serem homenageado pelas mãos do rei. Por isso, Deus o Rei enviou aos homens as santas escrituras como suas cartas, declarando a eles que deveriam orar a Deus e crendo pedirem e receberem o dom celestial da substância de Sua Divindade, porque está escrito: Para que sejamos feitos participantes da natureza divina. [2 Pedro 1:4.]. Mas se o homem não vir, pedir e receber, ele não terá o benefício por ter lido as escrituras, mas é bastante susceptível de morte, porque não optou por receber do Rei o dom celestial da vida, sem o qual é impossível obter a vida imortal, que é Cristo. (Homilia 15:20)

Esse é um contexto em que a menção ao magistério infalível que deve interpretar a Escritura deveria acontecer. Pelo contrário, o crente deve ler as Escrituras, crer e orar diretamente a Deus para obter o dom divino, nada de necessariamente ouvir o magistério aqui para receber os dons divinos.

No cristianismo, provar a graça de Deus é assim. Prove, ele diz, e veja quão gracioso é o Senhor. [Sl. 34:8.] Esse provar é um poder eficaz do Espírito na plena certeza, ministrando no coração. Quantos são os filhos da luz e do ministério da Nova Aliança no Espírito Santo, esses não têm nada a aprender com os homens, eles são ensinados por Deus [1 Tes. 4:9.]. A própria graça escreve sobre seus corações as leis do Espírito. Eles não devem, portanto, descansar sua segurança apenas nas escrituras que estão escritas em tinta. A graça de Deus escreve as leis do espírito e os mistérios dos céus sobre o coração [2 Cor. 3:3.]. O coração governa e reina sobre todo o organismo corporal, e quando a graça possui o coração, ela reina sobre todos os membros e os pensamentos. Pois ali, no coração, está a mente, e todas as faculdades da alma e sua esperança, portanto, a graça penetra também em todos os membros do corpo. (Homilia 15:20)

Macário não está afirmando a insuficiência da Escritura. Ele afirma que o Espírito Santo opera nos corações através das Escrituras. É uma posição semelhante à doutrina reformada da iluminação do Espírito Santo. Todo o processo não envolve nenhum magistério infalível, mas a operação do Espírito Santo no coração do crente.

Cirilo de Jerusalém (313-386)

Apologistas católicos costumam trazer as seguintes citações em favor da primazia papal:

No poder do mesmo Espírito Santo, Pedro, também o primeiro entre os apóstolos e o portador das chaves do Reino dos Céus, curou o paralítico Enéias, em nome de Cristo. (Catequese 17:27)

Nosso Senhor Jesus Cristo, então, tornou-se um homem, mas por muitos Ele não era conhecido. Desejando, portanto, ensinar o que não era conhecido, reuniu os seus discípulos e perguntou: “Quem os homens dizem ser o filho do homem?” (...) E tudo ficou em silêncio (pois foi além do entendimento do homem), Pedro, o primeiro dos Apóstolos, o Chefe Arauto da Igreja, não usando a linguagem de sua própria descoberta, nem convencido pelo raciocínio humano, mas com a mente iluminado pelo Pai, disse-lhe: ‘Tu és o Cristo, não apenas isso, mas’ o Filho do Deus vivo. (Catequese 11:3)

Essas citações não provam em nada a primazia papal, pois nem de forma direta ou indireta indicam o bispo de Roma. Cirilo fala sobre a pessoa de Pedro sem fazer qualquer conexão com o bispo de Roma. O máximo que os católicos poderiam extrair dai é uma primazia jurídica de Pedro, mas nem isso é possível. Cirilo afirma que Pedro é o primeiro entre os apóstolos, mas não fornece qualquer evidência de que essa primazia seja jurídica. Ele afirma que Pedro era portador das chaves e chefe arauto da igreja. As duas afirmações não implicam em primazia jurídica, pois ele não afirma que somente Pedro tivesse a chaves nem diz que Pedro era o chefe jurídico dos demais apóstolos, mas chefe (e não o único chefe) da igreja. Além do mais, em todas essas citações, Cirilo não está incluindo Paulo no grupo dos apóstolos, pois se refere às passagens do ministério terreno de Jesus. Isso fica claro quando vemos a citação abaixo:

Pedro e Paulo, o nobre par, os principais governantes da igreja. (Catequese 6.15)

Ele coloca Pedro e Paulo em pé de igualdade. Isso demonstra que a primazia em questão é bem diferente daquela pregada pela igreja romana. Além de não afirmar nada sobre a primazia jurídica de Roma em suas palestras catequéticas, ele não acreditava numa primazia jurídica de Pedro sobre Paulo. Dessa forma, não há papado em Cirilo.

 Basílio de Cesareia (329-379)

No final do século IV havia uma disputa sobre quem era o legítimo bispo de Antioquia. Algumas pessoas, incluindo a igreja romana e seu bispo, apoiaram Paulino. Outros apoiaram Melécio. O primeiro Concílio de Constantinopla foi presidido por Melécio, e o próprio concílio se opôs a Roma por um tempo. O pai da igreja Basílio, que apoiou Melécio em oposição a Roma, disse o seguinte sobre uma carta do bispo de Roma escrita em apoio a Paulino. Será que um católico romano iria responder a uma carta do bispo de Roma desta forma:

Mas um novo rumor chegou a mim que você está em Antioquia, e estão negociando em conjunto com as principais autoridades. E, além disso, eu ouvi dizer que os irmãos que são do partido do Paulino estão entrando em alguma discussão com Vossa Excelência sobre o tema da união conosco; e por "nós" eu quero dizer aqueles que são simpatizantes do abençoado homem de Deus, Melécio. Eu ouço, além disso, que os Paulinianos estão levando uma carta do ocidente [de Roma], atribuindo-lhe o episcopado da Igreja em Antioquia, mas falando sob uma falsa impressão de Melécio, o admirável bispo da verdadeira Igreja de Deus.

Eu não acuso ninguém; Eu rezo para que eu possa ter amor a todos, e especialmente, àqueles que são da família da fé [Gálatas 6:10], e por isso felicito aqueles que receberam a carta de Roma. E, apesar de ser um grande testemunho em seu favor, eu só espero que a verdade seja confirmada pelos fatos. Mas eu nunca serei capaz de ignorar Melécio baseado nestes motivos, nem esquecer a Igreja que está sob ele, nem trata-lo como pequeno e de pouca importância para a verdadeira religião, por questões que deram origem à divisão. Eu nunca irei consentir a ceder, apenas porque alguém está muito entusiasmado com uma carta recebida de homens. Mesmo que tivesse descida do céu em si, mas se não concorda com o som da doutrina da fé, eu não posso olhar para isto como em comunhão com os santos
(Epístola 214:2)

A opinião do bispo de Roma tinha importância, mas não era suprema e infalível. Basílio conclui que eles estavam errados em apoiar Paulino e chamou sua carta de “carta de homens”. Esse pai da igreja não tinha nenhum problema em julgar a opinião de Roma pelo crivo da sã doutrina e rejeitá-la quando se desviar dela. Foi isso que os reformadores fizeram. Assim como outros pais orientais, Basílio pediu ajuda ao bispo de Roma diante da confusão que reinava no oriente. O apologista católico Stephen Ray traz a seguinte citação de Basílio:

Pareceu-me ser desejável enviar uma carta ao bispo de Roma, pedindo-lhe para examinar a nossa condição, uma vez que existem dificuldades no caminho dos representantes enviados do Ocidente por um decreto sinodal geral, para aconselhá-lo [o bispo de Roma] a exercer sua própria autoridade pessoal no assunto, escolhendo pessoas adequadas para sustentar os trabalhos da viagem - de forma adequada, também com brandura e firmeza de caráter para corrigir o indisciplinado aqui entre nós. (Upon This Rock [San Francisco, California: Ignatius Press, 1999], p. 207)

O bispo de Roma tinha autoridade por ser o chefe da igreja mais importante do ocidente, mas essa autoridade não era suprema e infalível. Como já visto, a opinião do bispo romano seria analisada, e se fosse considerada contra a sã doutrina rejeitada. Porém, existe outro problema. Basílio não pediu ajuda apenas ao bispo de Roma, ele também recorre a Atanásio de Alexandria com as seguintes palavras:

À medida que o tempo passa, ele confirma continuamente a opinião que tenho sobre sua santidade, ou melhor, essa opinião é reforçada pelo curso diário dos eventos. A maioria dos homens é realmente satisfeito com a observação, cada um com o que se encontra principalmente dentro de sua própria província. Não é assim contigo, mas sua aflição por todas as Igrejas não é menor do que sente pela Igreja que foi especialmente confiada a você por nosso Senhor, na medida em que você não deixa de falar, exortando por escrito e enviando emissários, os quais de tempos em tempos dão os melhores conselhos diante de cada emergência à medida que surgem. Agora, a partir das fileiras sagradas do vosso clero, você enviou o venerável irmão Pedro, a quem tenho recebido com grande alegria. Também aprovei o bom objetivo de sua viagem, que ele manifesta de acordo com os comandos de Vossa Excelência, ao trazer reconciliação onde ele encontra oposição e trazer a união ao invés de divisão. Com o objetivo de oferecer alguma contribuição para a ação que está sendo tomada nesta matéria, penso que não poderia começar de forma mais adequada do que recorrendo a Vossa Excelência como o cabeça e chefe de todos, e tratá-lo igualmente como conselheiro e chefe desta iniciativa. Tenho, portanto, determinado enviar a sua reverência nosso irmão Doroteu, o diácono da Igreja sob a jurisdição do honorável bispo Melécio, sendo ao mesmo tempo um defensor enérgico da fé ortodoxa e desejoso de ver a paz das Igrejas. Eu espero que os resultados sejam após suas sugestões (que você é capaz de fazer com a menor possibilidade de fracasso, tanto por causa de sua idade e sua experiência e porque você tem em maior medida do que todos os outros o auxílio do Espírito) de acordo com nossos objetivos (...) o presente estado das coisas torna especialmente necessário que a atenção dele deva ser chamada [o herege Marcellus]. Dessa forma, aqueles que procuram o seu ensejo, possam ser impedidos de consegui-lo, pois os homens sãos estão unidos a sua santidade, e todos os que são falhos na verdadeira fé podem ser conhecidos, de forma que possamos saber quem está do nosso lado, e possamos não lutar como em uma batalha noturna, sem ser capaz de distinguir entre amigos e inimigos (...) você próprio irá dar completa atenção para todas essas questões, tão logo pela bênção de Deus você encontre a responsabilidade de garantir a paz da Igreja. (Epístola 69:1-2)

Imagine se tais palavras fossem dirigidas ao bispo romano. Os católicos rapidamente concluiriam que se trata de um papa. Incoerentemente, não fazem o mesmo aqui. As palavras dirigidas a Atanásio são mais infladas do que as direcionadas a Roma. Atanásio era “cabeça e chefe de todos”, tinha em maior medida do que qualquer outro (inclusive o bispo de Roma) o “auxílio do Espírito”. Como Atanásio poderia ter em maior medida o espírito se o bispo romano tinha supostamente um auxílio tal que lhe conferia infalibilidade? Aqueles que tinham a verdadeira fé estavam unidos a Atanásio. Ele admoestava todas as igrejas com cartas ou enviando representantes. Se os católicos forem coerentes em seus argumentos patrísticos, terão que admitir o papado de Atanásio. Mesmo no ocidente, Basílio não recorreu apenas a igreja romana:

Para seus irmãos verdadeiros ministros de Deus amados e muito queridos e companheiros de mente semelhante, os bispos da Gália e Itália, Basílio, bispo de Cesareia da Capadócia. (Epístola 143)

Ele ainda se refere dessa forma às interferências do bispo romano:

(...) Mas o que bem possível poderia vir da comunicação entre um homem orgulhoso e exaltado, e portanto incapaz de ouvir aqueles que pregam a verdade a ele a partir de um ponto de vista inferior, e um homem como meu irmão, a quem nada como dizer que o servilismo é desconhecido? (Epístola 140)

Klaus Schatz comenta:

Porém, como aconteceria nos próximos séculos, a expectativa de encontrar apoio em Roma era maior do que a capacidade de satisfazê-lo. Muitas vezes faltava em Roma competência e o conhecimento suficiente para lidar com os difíceis problemas do Oriente, assim como a força efetiva para impor-se realmente. O pai da igreja Basílio sabia por experiência própria: ‘Roma dá facilmente cartas de comunhão aos bispos, inclusive àqueles que estão separados entre si’. Ele reclama especialmente do bispo Dâmaso, a quem considerou soberbo e arrogante, e o acusa de fazer julgamentos do alto sem saber a completa situação do Oriente: ‘Que ajuda pode vir do ocidente?’ (Op. Cit., pp. 54)

Basílio também se refere ao bispo de Roma como corifeu (líder) dos ocidentais e não de toda a igreja:

Além de o documento comum, gostaria de ter escrito a seu corifeu. (Epístola 239)

A sua visão sobre o fundamento da igreja é inconsistente com a doutrina papal:

E a casa de Deus, situada nos cumes das montanhas, é a Igreja segundo a opinião do Apóstolo. Pois ele diz que se deve saber “como comportar-se na casa de Deus”. Ora, os fundamentos desta Igreja estão sobre as montanhas sagradas, uma vez que está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas. Uma destas montanhas era certamente Pedro, sobre cuja pedra o Senhor prometeu edificar sua Igreja. Verdadeiramente por certo e por maior direito são as almas sublimes elevadas, almas que se elevam acima das coisas terrenais, chamadas “montanhas”. A alma do bendito Pedro foi chamada uma alta pedra porque tinha um forte apoio na fé e suportou constante e valentemente os golpes infligidos pelas tentações. Todos, portanto, que adquiriram um entendimento da divindade – por causa da amplitude da mente e das ações que procedem dela - são os cumes das montanhas, e sobre eles é edificada a casa de Deus. (Comentário sobre o Profeta Isaías, 2:66 (PG 30:233))

Basílio não tinha qualquer conceito papista. A igreja estava fundada sobre as montanhas sagradas. Pedro era apenas uma dessas montanhas. E era uma montanha por causa de sua fé. Mas não só isso, todos aqueles que professam a mesma fé, também são fundamentos da igreja. Perceba que o fundamento, que torna todos os que a possuem edifício da igreja, é a fé em questão e não a pessoa de Pedro.

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