A
rocha da igreja
"E eu te digo: Tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja"; isto é, na fé de sua confissão. Ele quer dizer
que muitos estavam a ponto de acreditar e elevar o seu espírito, e fazer dele
um pastor (...) O Pai deu a Pedro a revelação do Filho, mas o Filho atribuiu a
ele [Pedro] semear o que é do Pai e do
próprio filho em todas as partes do mundo. Ele confiou a autoridade sobre
todas as coisas no céu, dando as chaves
ao homem mortal, que estendeu a Igreja a todas as partes do mundo, e
declarou que ela [a igreja] seria mais forte do que o céu. (Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 54,3)
Essa
citação, além de demonstrar que a rocha da igreja era a confissão de Pedro, mostra
o que Crisóstomo entendia como o poder das chaves – propagar o evangelho
estendendo a igreja por todo o mundo.
Ele fala a partir desse
momento coisas humildes, a caminho de sua paixão, para que pudesse mostrar sua
humanidade. Ele edificou a sua Igreja
sobre a confissão de Pedro, e desse modo a fortificou, de forma que dez mil
perigos e mortes não prevaleceriam sobre ela (...)
(Sobre Mateus, Homilia 82,3)
"Pois ninguém pode pôr
outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo". Eu digo,
nenhum homem pode colocá-lo desde que
Ele é o mestre-construtor; mas se alguém colocá-lo (...) Ele [Jesus] deixa de ser o
mestre-construtor.
(Homilias sobre as Epístolas de Paulo aos Coríntios, 8:7)
Os
católicos costumam dizer que a igreja está fundamentada sobre Cristo, mas ainda
é necessário que haja um fundamento visível. Crisóstomo não compartilharia
dessa opinião. Colocar qualquer homem como fundamento da igreja equivaleria a
Cristo deixar de ser o fundamento. Mesmo John Chapman (o autor do texto do site
apologistas católicos) admite:
A rocha sobre a qual a
Igreja está edificada é regularmente tomada por São Crisóstomo como sendo confissão de Pedro, ou a fé que levou
a esta confissão. (Studies on the Early Papacy (London: Sheed
& Ward, 1928), p. 79)
Apesar
dessa admissão, Chapman traz um argumento muito utilizado pelos católicos:
Eu acredito que esta
declaração somente deixaria claro que a
rocha é Pedro na visão de São Crisóstomo, bem como, e por causa da firmeza de sua confissão. Ele não tem ideia de que
as duas opiniões "Pedro é a rocha" e "sua fé é a rocha" se
excluem mutuamente, como de fato não se excluem.
(Ibid., 79)
O
argumento católico não dissocia a fé de Pedro da pessoa de Pedro. Crisóstomo
não disse que Pedro era a rocha porque ele tinha uma fé convicta, mas que a
rocha era a própria fé de Pedro. A fé não é motivo, mas em si é o próprio
objeto (a rocha). Agostinho faz claramente essa distinção:
Então, o caso é que Pedro é a verdade ou que Cristo é a verdade em Pedro? Quando
o Senhor Jesus Cristo desejou, ele
deixou Pedro por si mesmo, e Pedro foi achado como sendo um homem. Quando
assim aprouve ao Senhor Jesus Cristo, ele
encheu Pedro, e Pedro foi achado como sendo a verdade. A rocha [Cristo] tinha feito Pedro um verdadeiro rochoso, pois a rocha era Cristo. (Sermão
147,3)
Ele
claramente diferencia a fé de Pedro que tinha origem em Deus da pessoa do
apóstolo. É Cristo a rocha que faz de Pedro uma pedra por causa da fé. Da mesma
forma, todos os cristãos que fizerem a mesma confissão também serão pedras.
Pedro era naquele momento o representante de toda a igreja, por isso, todos que
seguirem o exemplo de Pedro terão o mesmo benefício que ele. Além do mais, a
pessoa de Pedro era cambaleante, tanto é que negou a Jesus. Portanto, não seria
um fundamento confiável para fazer com que “as portas do inferno não prevaleçam
contra a igreja”. É notório que no mesmo capítulo da famosa declaração de Jesus
(Mateus 16), ele diz:
Jesus
virou-se e disse a Pedro: "Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de
Deus, mas nas dos homens". (v. 23)
Como
uma mesma pessoa pode ser um fundamento infalível para a igreja e ser uma pedra
de tropeço? Por isso, não é Pedro, mas a sua confissão que aponta para Cristo
que é a rocha em questão. Essa confissão é a rocha porque aponta para o
fundamento da igreja – o Cristo. Crisóstomo faz uma afirmação semelhante a
Ambrósio:
Ao falar de S. Pedro, a
lembrança de outro Pedro veio a mim, o pai e mestre comum, que herdou seu
talento e também obteve sua cadeira. Esse
é o grande privilégio de nossa cidade, Antioquia, que recebeu o líder dos
apóstolos como seu professor no início. Era justo àquela adornada pela
primeira vez com o nome de cristãos, perante todo o mundo, que recebesse o
primeiro dos apóstolos como seu pastor. Apesar de termos o recebido como
professor, nós não o retivemos até o fim, mas o entregamos a nobre Roma. Ou melhor, nós o retemos até o fim, porque
embora não tenhamos o corpo de Pedro, nós mantemos a fé de Pedro, e mantendo a
fé de Pedro, nós temos Pedro. (On the Inscription of the Acts, II. Cited by E.
Giles, Documents Illustrating Papal Authority. London: SPCK, 1952,
p. 168)
Uma
vez que o fundamento da igreja era fé no Cristo expressada por Pedro,
compreende-se o que ele quis dizer com “temos Pedro, porque temos sua fé”. A
igreja permanece “nos trilhos” não por causa de uma cadeira de sucessores em
Roma, mas por causa da sua perseverança na fé em Cristo.
Roma
não era a única sede de Pedro
Nos
debates sobre o papado, os católicos tentam estabelecer a primazia jurídica de
Pedro. Após isso, é pressuposto automaticamente que o bispo de Roma é o
exclusivo sucessor do pescador com todas as prerrogativas papais. Trata-se da
deturpação (2). Já Crisóstomo refere-se a Inácio, bispo de Antioquia, como
sucessor de Pedro:
Em todos os eventos, o
mestre de todo o mundo Pedro, cujas mãos dele [Jesus] recebeu as chaves do céu,
a quem Ele comandou fazer e suportar tudo e ordenou a ele [Pedro] permanecer
aqui [Antioquia] por um longo período. Assim, diante dele a nossa cidade foi
equivalente a todo o mundo. Mas, como eu já mencionei de Pedro, tenho percebido
uma quinta coroa tecida a partir dele, e
isso é porque este homem [Inácio de Antioquia] sucedeu ao ofício depois dele.
Pois, quando alguém tira uma grande pedra de uma fundação, antecipa por todos os meios a introdução de uma
equivalente a ela, para que todo o edifício não seja estremecido e então se
torne pouco firme. Dessa forma, quando Pedro estava prestes a partir daqui, a graça do Espírito introduziu outro
professor equivalente a Pedro, para que o edifício já concluído não possa ficar
menos firme por causa da insignificância do sucessor.
(Homilia sobre St. Inácio, 4)
Inácio
e os bispos de Antioquia são colocados como sucessores diretos de Pedro
apontados pelo Espírito Santo. Se a lógica da apologética católica for
aplicada, teríamos que considerar Inácio um papa. Se não é o caso, porque
quando um pai da igreja aponta o bispo de Roma como sucessor de Pedro deve-se
considerá-lo um papa? Essa é declaração incompatível com a doutrina papal. Se
Inácio era sucessor do ofício de Pedro, a exclusividade do bispo de Roma com
base numa suposta sucessão de Pedro é refutada.
A
relação com a igreja de Roma
É
amplamente reconhecido que Crisóstomo nunca afirmou a supremacia do bispo de
Roma. Embora os católicos insistam na primazia petrina em Crisóstomo, eles não
conseguem oferecer evidências da mesma primazia com relação aos bispos romanos.
Até a Enciclopédia Católica reconhece:
(...)
Não
há clara e qualquer passagem direta em favor do primado do papa. (Fonte)
Os
católicos tendem a menosprezar esse fato dizendo que Crisóstomo nunca negou o
primado papal explicitamente. Isso é basicamente usar o argumento do silêncio
para provar a existência de uma doutrina – um tipo especialmente fraco de
argumento. Argumentos do silêncio tem mais força para evidenciar a ausência de
uma doutrina, especialmente, em contextos que se esperaria que tal doutrina
aparecesse. Esse é o caso de Crisóstosmo. Ele foi um dos pais da igreja que
mais escreveu. Tratou de todos os temas atinentes ao cristianismo, dando
especial interesse a questão da autoridade. Como ele esqueceria uma doutrina
tão importante? Àquela que seria a rocha da igreja. Ele falou bastante sopre o
primado petrino, como poderia tratar tanto dessa matéria e simplesmente não
mencionar as prerrogativas do bispo romano? Qual católico romano falaria tanto
sobre o primado de Pedro sem dizer nada sobre as prerrogativas extraordinárias
do bispo de Roma? Absolutamente nenhum.
Ninguém
esperaria uma negação explícita de Crisóstomo do tipo “o bispo de Roma não é a
autoridade suprema e infalível”. E isso se dá por um motivo simples – essa não
era uma ideia presente na igreja de seu tempo. Essa doutrina só surgiria
séculos mais tarde. Ainda assim, Crisóstomo tinha ideias contraditórias à
doutrina papal. Ele considerava o bispo de Antioquia legítimo sucessor de Pedro
e afirmava que a rocha da igreja era a confissão de Pedro. Ele também entedia
que a Escritura era a autoridade suprema.
É
também revelador o fato de que ele passou a maior parte de sua vida
eclesiástica fora da comunhão com Roma. João Crisóstomo foi ordenado por um
bispo que estava fora da comunhão com Roma. Crisóstomo foi batizado (369 dC) e
ordenado diácono (380 dC) por Melécio que na época estava fora da comunhão com
Roma e foi ordenado sacerdote (386 dC) por Flaviano, que Roma se recusou a
reconhecer como bispo de Antioquia, e tinha de fato excomungado alguns anos
antes da ordenação de Crisóstomo. De acordo com o critério do Papa Leão XIII
(Satis Cognitum), tanto Melécio como Flaviano estavam "fora da
igreja", "separados do rebanho" e "exilados do Reino"
na medida em que eles não estavam em comunhão com o romano pontífice, que só
reconhecia Paulino como o ocupante legítimo da igreja de Antioquia.
Ao
receber o batismo e a ordenação de suas mãos, Crisóstomo estava declarando que
os reconheceu como os bispos legítimos. Enquanto pregava em seu túmulo,
Crisóstomo se referiu a Melécio como um santo, e disse que Flaviano era o
sucessor de Pedro e o herdeiro legítimo de Pedro na Sé de Antioquia. Crisóstomo
não poderia ter sido mais claro em seu repúdio a Paulino a quem Roma havia
declarado ser o bispo de Antioquia. (Homilia II em Migne PG 52:86). Ele só
entraria em comunhão com Roma acidentalmente por ser nomeado patriarca de
Constantinopla. A ideia de que para estar na igreja exigia estar em comunhão
com o bispo de Roma não passava pela mente de Crisóstomo. Se os católicos
fossem consistentes a respeito, sequer deveriam considera-lo um bispo legítimo.
Crisóstomo
foi expulso da sede de Constantinopla. No exílio, ele pede ajuda ao bispo
romano. Obviamente, os apologistas católicos enxergam ai o primado papal.
Porém, os fatos apontam para o oposto. O erudito patrístico W.R.W. Stephens
escreve:
As cópias da primeira carta
[de João Crisóstomo] foram enviadas
também para Venério bispo de Milão e Cromácio bispo de Aquileia. É
interessante como ela indica a relação entre os ramos ocidental e oriental da
igreja no início do século V. Por um lado, ilustra a tendência crescente da
cristandade de recorrer à autoridade da igreja ocidental, especialmente ao
bispo de Roma, em questões de disciplina eclesiástica. A lei de tomada, a lei
protetora do espírito do ocidente é invocada para conter a turbulência e licenciosidade
do Oriente. Nenhum ressentimento é cogitado pelo patriarca da antiga Roma por
causa do patriarca da nova [igreja de Constantinopla]. Mas, por outro lado, é de notar que o bispo de Roma não é, em
nenhum sentido, tratado como um árbitro supremo: ajuda e simpatia é
solicitada dele como de um irmão mais
velho, e outros dois prelados da
Itália são destinatários conjuntos do recurso. Inocente escreveu para
Crisóstomo como de amigo para amigo e de
bispo para bispo irmão, uma carta de consolo cristão e encorajamento, não
entrando nas questões legais do caso, e
não se comprometendo a uma ação decisiva de qualquer tipo. Em sua carta à
Igreja de Constantinopla, ele denuncia a ilegalidade do processo tardio de
Teófilo e seus cúmplices, nos termos mais veementes; mas insiste na necessidade
de convocar um concílio ecumênico como o
único meio de acalmar a tempestade. Deve ser concedido que ele fez o seu
melhor para alcançar este objetivo. Ele escreveu uma carta a Honório, o
imperador do Ocidente, que residia em Ravenna, descrevendo a condição
lamentável da Igreja em Constantinopla. O Imperador emitiu uma ordem para a
convenção de um sínodo italiano, e o sínodo, influenciado sem dúvida por
Inocêncio, solicitou a Honório escrever a seu irmão Arcádio o Imperador oriental,
incitando à convocação de um concílio
geral a ser realizado em Tessalônica que seria um ponto de encontro conveniente
para os prelados do oriente e do ocidente. Honório concordou e a carta foi
despachada sob os cuidados de uma delegação da Igreja italiana, composta por
cinco bispos, dois sacerdotes e um diácono. Eles foram os portadores das cartas
de Inocêncio, dos bispos de Milão e Aquileia, e de um memorial do sínodo
italiano, recomendando que Crisóstomo fosse reintegrado na sua sede antes que
fosse requerido julgar seu processo perante o concílio. A parte hostil a
Crisóstomo, porém, tinha agora tanta influência sobre o tribunal em
Constantinopla que a comitiva nunca
conseguiu obter uma audiência com o Imperador, e depois de sofrer muitos insultos
e indignidades, voltou para a Itália sem ter realizado nada.
(Fonte)
Outro
erudito patrístico, J.N.D Kelly escreveu:
Embora confinado ao seu
palácio, João deu um passo de grande importância. Em alguma data entre a Páscoa
e o Pentecostes (...) ele escreveu pedindo apoio ao papa, Inocêncio I, e em termos idênticos, aos dois outros
patriarcas líderes no oeste, Venério de
Milão e Cromácio de Aquiléia (...) Seu movimento, de modo algum implica que ele reconheceu a Santa Sé como o supremo
tribunal de recurso na igreja (...) Tal ideia, ausente de seus sermões e outros escritos, é regida por sua abordagem
simultânea aos dois outros patriarcas ocidentais. (Kelly,
JND, (1995) Boca de Ouro: A história de João Crisóstomo, (Cornell University
Press), p. 246)
Que
Crisóstomo apelou aos três bispos sem estabelecer nenhuma hieraquia, fica
evidente da própria carta:
Tendo sido informado de
todas essas coisas, meus senhores, mais honrados e piedosos, mostrem a
coragem e zelo que convém a vocês, de modo a pôr fim a este grande assalto da
ilegalidade que tem sido feito sobre as Igrejas. (Epístola
1:4)
Crisóstomo
apelou nos mesmos termos a outros bispos ocidentais. Deveríamos considerá-los
papas também? Percebam como a autoridade do bispo romano era limitada. Ele não
podia resolver a questão por sua própria autoridade, mas precisava apelar ao
imperador para que um concílio fosse convocado, e só então a questão poderia
ser resolvida. Nada que se pareça com o moderno papado. No final, nem isso o
bispo de Roma conseguiu. Sua comitiva foi ignorada e sequer conseguiu uma audiência
com o imperador. Vejam que nem para convocar um concílio, o bispo de Roma tinha
autoridade suficiente. Embora o bispo de Roma tenha tentado ajudar Crisóstomo,
seus esforços falharam. David Farmer explica:
Apesar
de seu próprio povo, o papa, e muitos bispos ocidentais o apoiarem, ele [João Crisóstomo] foi exilado,
primeiro para a Cáucaso na Arménia e depois para o Ponto onde ele morreu por
ter que viajar em tempo ruim. (Oxford Dictionary of Saints [New York, New York:
Oxford University Press, 1997] p. 267)
O
próprio bispo Romano reconhecia sua limitação na questão:
Mas o que devemos fazer
contra tais coisas no presente momento? A
decisão sinodal deles é necessária e temos declarado que um sínodo deve ser
convocado, uma vez que é o único meio de acalmar a agitação de tais tempestades
como estas. Caso obtenhamos isso, é conveniente que a cura desses males
esteja comprometida com a vontade do grande Deus e Seu Cristo, nosso Senhor.
Todos os distúrbios que têm sido causados pela inveja do diabo para a provação
da fé deverão ser destruídos. Através da firmeza da nossa fé, não devemos
desanimar de nada do Senhor. Nós estamos considerando que o sínodo ecumênico possa ser reunir a fim de que, pela vontade de
Deus, esses movimentos perturbadores possam acabar. (Correspondência
de São Crisóstomo com o Bispo de Roma, Carta 4)
Ele
reconhece que apenas um concílio ecumênico poderia resolver a questão. Tenhamos
em vista que se trata de uma questão de administração eclesiástica, algo menos
grave do que uma grande controvérsia doutrinária. Mesmo assim, o bispo de Roma
tinha uma autoridade bem limitada. Sua decisão não era final e não vinculava a
igreja. Ele sequer poderia convocar o sínodo pela sua própria autoridade. Por
isso, a vida de João Crisóstomo é uma demonstração do quanto as reivindicações
papistas são infundamentadas.
O
que dizem os historiadores?
Apesar
da primazia jurídica de Pedro em Crisóstomo ser disputada entre os historiadores,
é consenso que ele não defendia a primazia jurídica do bispo de Roma. O
proeminente teólogo católico – Cardeal Yves Congar – escreveu:
Muitos dos padres orientais
que são justamente reconhecidos como os maiores e mais representativos e sendo também considerados pela Igreja
universal, não nos oferecem mais
evidências da primazia. Seus escritos mostram que eles reconheceram o
primado do apóstolo Pedro, que consideravam que a Sé de Roma, como "prima
sedes" desempenhando o papel principal na comunhão católica. Nós estamos nos
referindo, por exemplo, aos escritos de St. João Crisóstomo e de St. Basílio,
que se dirigiram a Roma em meio das dificuldades do cisma de Antioquia, mas eles não fornecem nenhuma declaração
teológica sobre a primazia universal de Roma por direito divino. O mesmo pode
ser dito de São Gregório Nazianzeno, São Gregório de Nissa, St. Basílio, St.
João Crisóstomo e St. João Damasceno. (Yves Congar, "After Nine Hundred Years" New
York: Fordham University, 1959, pp. 61-62)
S.
Herbert Scott escreve:
Admitindo-se que Crisóstomo
reitera que Pedro é o corifeu, "o pastor universal”, etc., que evidência
há que ele reconheceu essas reivindicações no Bispo de Roma? Existe alguma
coisa em seus escritos para esse efeito? (...) Embora considere todo o trabalho
de Crisóstomo em honrar e fazer atribuições a Pedro, isso não implica na posição exaltada de seus sucessores como sua
explicação, é preciso reconhecer que há pouco ou nada em seus escritos que
explícita e incontestavelmente afirma que o Bispo de Roma é o sucessor de S.
Pedro no seu primado. (The Eastern Churches and the Papacy (London: Sheed
& Ward, 1928), p. 133)
Dom
Crisóstomo Baur, o biógrafo católico romano de João Crisóstomo, escreve:
A questão mais importante é
se Crisóstomo considerava o primado de Pedro apenas como pessoal ou como um
primado oficial, portanto, um mecanismo permanente da Igreja, e se ele atribuiu
o primado de jurisdição na Igreja também aos bispos de Roma (...) Crisóstomo
nunca fez em seus trabalhos quaisquer deduções questionáveis, nunca afirmou com palavras claras algo
sobre a jurisdição do Papa. Mesmo P.
Jugie admite isso francamente. N. Marini, que depois se tornou cardeal,
publicou um livro sobre essa questão. Nesse, ele busca com a ajuda (...) de um
número de citações de Crisóstomo provar que essas mostram a evidência do
primado jurisdicional dos sucessores de Pedro em Roma. Seu primeiro argumento é
tirado do Tratado sobre o Sacerdócio. No Livro 2.1 Crisóstomo pergunta:
"Por que Cristo derramou Seu sangue? A fim de resgatar suas ovelhas, que
Ele confiou a Pedro e àqueles depois dele". Marini traduz como "Pedro
e seus sucessores", o que facilita, naturalmente, a sua prova. Mas Crisóstomo, na verdade, expressou-se de
uma forma mais geral, e entendia por "aqueles que depois dele" todos
os pastores em geral, a quem as ovelhas de Cristo tinham sido confiadas depois
de Pedro. Portanto, não é possível
interpretar esta passagem de forma tão restrita como Marini fez. Ainda
menos convincente é a segunda peça de evidência de Marini. Em uma carta que
Crisóstomo dirigia ao Papa Inocêncio de seu exílio, ele diz que ficaria feliz
em ajudar a colocar um fim ao grande mal "pois o conflito espalhou-se por
quase todo o mundo". Então, conclui-se, Crisóstomo atribuiu à autoridade
ao Papa sobre o mundo inteiro. Em seguida, Crisóstomo escreve ao bispo
Tessalônica: "Não vos canseis de fazer o que contribui para a melhoria geral da Igreja", e
elogia o bispo Aurélio de Cartago, por ter empreendido tanto esforço e luta pelas igrejas de todo o mundo. Não ocorreria a ninguém interpretar isso
como uma possível prova da primazia dos bispos de Tessalônica ou de Cartago. (John Chrysostom and His Time. Westminster: Newman,
1959, Vol. I, pp. 348-349)
O
também católico romano Michael Winter admite:
A
antipatia a Roma, que encontra seu eco mesmo nas obras de São João Crisóstomo
tornou-se mais explícita à medida que a Igreja Oriental ficou mais e mais sob o
controle do imperador
(...) Teodoro de Mopsuéstia, que morreu um quarto de século depois de
Crisóstomo, declarou que a rocha sobre a
qual a igreja foi construída era a confissão de fé de Pedro. A mesma
opinião é repetida por Paládio de Helenópolis em seus Diálogos sobre a vida de
São João Crisóstomo. Sem qualquer elaboração, ele afirma que a rocha em Mateus
16 é a confissão de Pedro. A completa ausência de motivos ou argumentos em
apoio da tese é uma indicação de quão
amplamente essa opinião foi aceita nessa data. Tal opinião foi também
realizada por Theodoro de Ancyra, Basílio de Selêucia e Nilo de Ancyra, na
primeira metade do século V (...) A
opinião desfavorável à superioridade do St. Pedro ganhou um considerável número
de seguidores no Oriente sob a influência da escola de Antioquia (...) (St.
Peter and the Popes (Baltimore: Helikon, 1960), p. 73)
O
também católico Pierre Batiffol escreve:
Eu acredito que o oriente
tinha uma concepção muito pobre do primado romano. O Oriente não viu nele o que a própria Roma viu e o que o Ocidente viu
em Roma, isto é, uma continuação do primado de São Pedro. O bispo de Roma
era mais do que o sucessor de Pedro em sua cátedra, ele era Pedro perpetuado,
investido com responsabilidade e o poder de Pedro. O Oriente nunca entendeu essa perpetuidade. São Basílio ignorou, como
fez São Gregório Nazianzeno e São João Crisóstomo. Nos escritos dos grandes
Padres Orientais, a autoridade do Bispo de Roma é uma autoridade de grandeza
singular, mas nestes escritos ela não é
considerada de direito divino. (Cited by Yves Congar, After Nine Hundred Years (New
York: Fordham University, 1959), pp. 61-62)
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