O
conteúdo da Tradição de Irineu
Diante de tudo o que já vimos, torna-se vital
saber qual era o conteúdo doutrinário da tradição de Irineu:
Muitos povos bárbaros que creem em Cristo, se
atêm a esta maneira de proceder; sem papel nem tinta. Levam a salvação escrita
em seus corações pelo Espírito e preservam cuidadosamente a antiga
tradição, acreditando em um único Deus, o Criador do céu e da terra, e
todas as coisas nele, por meio de Cristo Jesus, o Filho de Deus, que por causa
de Seu amor pela sua criação condescendeu em ser nascido da virgem, unindo o
homem através de Si mesmo a Deus, e, depois de ter sofrido sob Pôncio Pilatos,
subiu novamente aos céus, sendo recebido em esplendor, e virá em sua glória
como o Salvador daqueles que são salvos, e como juiz daqueles que serão
julgados, enviando para o fogo eterno aqueles que transformaram a verdade e
desprezaram o Seu Pai e seu advento. Aqueles que na ausência de
documentos escritos acreditam nessa fé, sendo bárbaros até no que diz
respeito à nossa língua, mas no que dizem respeito à doutrina, moral e teor de
vida são, por causa da fé, muito sábios, pelo favor de Deus, conversando em
toda a justiça, castidade e sabedoria. Se alguém fosse pregar a esses homens as
invenções dos hereges, falando com eles em sua própria língua, eles iriam
tampar de uma só vez os ouvidos e fugiriam ao mais longe possível, não
suportando até mesmo escutar tais blasfêmias. Assim, por meio da antiga
tradição dos apóstolos eles não têm sua mente aberta para conceber qualquer
doutrina sugerida por esses mestres. (Contra as Heresias,
Livro III, 3:3)
Sobre esta citação, Behr também comentou:
O
conteúdo da tradição que esses bárbaros acreditavam, é importante notar, não é nada além do que está escrito nos
escritos apostólicos, eles próprios [os escritos apostólicos] "de acordo
com as Escrituras". Novamente, os
escritos e a tradição apostólica não são duas fontes independentes ou
complementares, mas duas modalidades do Evangelho "de acordo com as
Escrituras". Assim, para Irineu, tanto a verdadeira tradição
apostólica mantida pelas igrejas como os próprios escritos apostólicos, derivam
dos mesmos apóstolos e têm um mesmo conteúdo, o Evangelho, que é, como vimos,
"de acordo com As Escrituras ". A
"Tradição" para a Igreja primitiva é, como afirmou Florovsky, "a
Bíblia entendia corretamente". O apelo de Irineu à tradição é, portanto,
fundamentalmente diferente de seus oponentes. Enquanto eles apelavam para a tradição precisamente para o que não
estava na Escritura, ou para princípios que legitimariam sua interpretação da
Escritura, Irineu, em seu apelo à tradição, não apelava a nada mais do aquilo
que também estava na Escritura. Assim, Irineu podia apelar à tradição para
estabelecer seu caso e, ao mesmo tempo, sustentar que a Escritura não poderia
ser entendida, exceto com base na própria Escritura, usando sua própria
hipótese e cânone. (Behr, p. 40)
É neste momento que vemos quão vazios são os
apelos apologéticos romanistas a Irineu. Não há absolutamente nada das
peculiares doutrinas de Roma. Onde está o purgatório, os dogmas marianos, a
infalibilidade papal, indulgências, transubstanciação e etc? A Tradição a que
Irineu se refere não tem nenhuma relação com a tradição fantasma criada por
Roma. De fato, Irineu jamais poderia ser considerado um católico Romano (aqui). A Tradição de Irineu nada mais era
do que um sumário de doutrinas claramente expostas na Escritura – algo que mais
tarde formaria o credo apostólico. Há outras citações onde Irineu novamente
expressa o conteúdo doutrinário da tradição:
A
Igreja, embora dispersa através de todo o mundo, até os confins da terra, recebeu
dos apóstolos e de seus discípulos essa fé: num Deus Pai Todo-Poderoso,
Criador do Céu e da terra, e do mar, e de todas as coisas que neles há, e em
Cristo Jesus, o Filho de Deus, que se encarnou para a nossa salvação, e no
Espírito Santo, que proclamou através dos profetas as dispensações de Deus, os
adventos, o nascimento através de uma virgem, a paixão, a ressurreição dos
mortos, a ascensão para o Céu em carne do nosso amado Cristo Jesus, nosso
Senhor, e a Sua futura manifestação do Céu na glória do Pai, para reunir todas
as coisas em uma e levantar de novo toda a carne de toda a raça humana, a fim
de que a Jesus Cristo, nosso Senhor, Deus, Salvador e Rei, de acordo com a
vontade do Pai invisível, se dobre todo joelho dos que estão nos céus, na terra
e debaixo da terra, e toda língua confesse que por Ele deve ser executado o
juízo para todos, e que os anjos que transgrediram e se tornaram apóstatas,
juntamente com os ímpios e profanos entre os homens, sejam condenados ao fogo
eterno, mas no exercício da Sua graça conferir imortalidade ao justo e santo, e
àqueles que mantiveram Seus mandamentos e perseveraram em Seu amor, alguns
desde o início e outros desde o seu arrependimento, e conduzi-los à eterna
glória. Como já observado, a Igreja, tendo recebido essa pregação de fé,
embora espalhada por todo o mundo, cuidadosamente a preserva. (Contra
as Heresias 1:10:1-2)
Não encontramos o mínimo sinal das inovações
romanistas. Behr expressa de forma inequívoca a visão de Irineu segundo a qual
a Escritura estava acima da tradição:
A
Escritura, como está escrita, é constante, e
embora a tradição mantida pela sucessão dos presbíteros seja igualmente
constante em princípio, na prática é muito menos segura e, em qualquer caso,
nunca pode ser, para Irineu, um ponto de referência a parte da Escritura. A
doutrina em relação a Deus e a verdade que é Cristo, é encontrada na exposição
das Escrituras como interpretada pelos apóstolos, que por si só proclamaram o
Evangelho, entregando-o tanto na Escritura quanto na tradição. (Behr, p. 45)
Mais interessante ainda é que Behr (sendo
ortodoxo oriental) alerta para o perigo de as Igrejas posteriores projetarem
nos conceitos de tradição e sucessão de Irineu os seus próprios conceitos de
tradição e sucessão:
Igualmente
importante é que, apesar da grande variedade de posições contra as quais essa
base foi articulada, e mesmo que não se manifeste clara e continuamente desde o
início, é, no entanto, baseada no que foi entregue no início. A ordem e a
estrutura da Igreja cristã, seus ministros ordenados e sua liturgia, sofreram muitos desenvolvimentos e
modificações nos séculos subsequentes (...) Devido a essas mudanças, é
preciso ter cuidado para garantir que os entendimentos posteriores da Igreja,
seus ministros e sua tradição não sejam
projetados de volta ao uso que foi feito do apelo à sucessão apostólica e à
tradição nos primeiros debates sobre a base o cristianismo normativo ou
ortodoxo. (Ibid)
Behr descreve o comportamento dos apologistas
católicos que usam a tradição de Irineu de forma abusiva para atestar doutrinas
que levaram séculos e séculos para serem cridas por sua Igreja. O próprio
estudioso admite que a Igreja Cristã passou por muitos desenvolvimentos (diria
eu que ilegítimos), e que, portanto, os atuais ensinos sobre tradição e
sucessão apostólica não são o que Irineu entendia em seu tempo. Mais à frente
vamos lidar com esses “desenvolvimentos”.
A alta
visão de Irineu sobre a Escritura
Irineu acreditava piamente na inspiração,
inerrância e infalibilidade das Escrituras. Ele claramente se referiu às
Escrituras em termos muito elevados que não foram igualmente aplicados a
tradição ou ao magistério. Ele declara que as "Escrituras são perfeitas,
entregues pelo Verbo de Deus e pelo seu Espírito" (2.28.2). Elas são
chamadas de "a Escritura da verdade" em oposição aos "escritos
falsos" dos hereges (1.20.1). O fato de que "toda a Escritura, que
nos foi dada por Deus", é mais uma prova de sua inerrância, já que Deus
não pode erradicar (AH 2.28.3). Do mesmo modo, o fato de serem
"encontrados por nós perfeitamente consistentes" mostram seu caráter
impecável. Na verdade, Irineu fala dos autores da Escritura como "os
apóstolos, igualmente, sendo discípulos da verdade, estão acima de qualquer
falsidade" no que ensinaram (3.5.1). Os evangelhos, escritos pelos
apóstolos, baseiam-se nas palavras de nosso Senhor. E "nosso Senhor, portanto,
sendo a verdade, não disse mentiras" (3.5.1). Esta é uma constante entre
os Pais da Igreja. Eles defenderam de forma explícita a inspiração e
infalibilidade da Escritura. Todavia, os mesmos termos nunca são usados para se
referir à Tradição ou magistério da Igreja. Isso demonstra a preeminência da
Escritura.
A
defasagem dos apologistas católicos
O argumento de que a Tradição complementa as
Escrituras é muito popular ente os apologistas católicos. De fato, esse é o
ensino histórico da Igreja Romana. O
Concílio de Trento afirmou:
Vendo
que esta verdade e disciplina estão contidas nos livros escritos e nas
tradições orais, que – recebidas ou pelos Apóstolos dos
lábios do próprio Cristo, ou dos próprios Apóstolos sob a inspiração do
Espírito Santo – chegaram até nós como que entregues de mão em mão, fiéis aos
exemplos dos Padres ortodoxos, com igual
sentimento de piedade e reverência aceita e venera todos os livros, tanto os do
Antigo, como os do Novo Testamento, visto terem ambos o mesmo Deus por autor,
bem como as mesmas tradições que se referem tanto à fé como aos costumes,
quer sejam só oralmente recebidas de Cristo, quer sejam ditadas pelo Espírito
Santo e conservadas por sucessão contínua na Igreja Católica. (Sessão IV – 783)
Resta claro que
Escritura e Tradição deveriam estar no mesmo patamar. As duas devem ser
recebidas com igual devoção. A Escritura não é tratada como a fonte mais
excelente da revelação. O proeminente teólogo católico Karl Rahner escreveu:
Não seremos capazes de duvidar ou questionar
o fato de que na teologia pós-tridentina a principal tendência de pensamento
tem sido a de manter, com base numa frente antiprotestante, que há não somente
a verdade da inspiração e do cânon das escrituras, mas que também há
outras verdades de fé que não são encontradas nas escrituras, de
modo que para eles tradição oral é uma fonte materialmente distinta da fé. (Theological
Investigations [Londres: Darton, Longman & Todd, 1969], Vol. VI, 106-107)
Todavia esta jamais foi a visão dos pais da
Igreja. Já apresentamos o testemunho de Kelly, vejamos a opinião do franciscano Van den Eynde que foi perito
do Concílio Vaticano II:
[Os Padres pré-nicenos] ... derivam do Novo e mesmo do Antigo
Testamento toda a doutrina propriamente dita da Igreja, todos os pontos que
são compreendidos naquilo que eles chamam a regra da verdade ou a pregação dos
apóstolos. É certo que Irineu invoca
muitas vezes em favor da fé eclesiástica as palavras dos presbíteros e anciãos.
Mas eles lhe servem para confirmar, não para completar as verdades
escriturísticas; ele mesmo acentua isso habitualmente. (EYNDE, D., Les Normes de
l’Enseignement Chrétien dans la Litttératura Patristique des trois premiers
siecles, p. 122; apud KLOPPENBURG, B., A Defensibilidade da Suficiência
Material da S. Escritura, p. 25)
O
Padre Ari Luís do Vale Ribeiro em seu artigo sobre a teoria das duas fontes
afirma:
Os
Santos Padres apoiavam a doutrina cristã sobre a
Revelação divina, manifestada pelos profetas, por Cristo e pelos Apóstolos,
identificando esta Revelação com as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Todos admitem que entre a Revelação e
Escritura haja perfeita harmonia que vai até a identidade de conteúdo; a voz de
Deus ou a doutrina das Escrituras goza duma autoridade absoluta. Por isso, os Padres a apresentam como critério do
verdadeiro ou do falso, como a única demonstração da fé e norma do ensinamento
cristão. (Fonte)
Na Idade Média e na Escolástica, os escritores eclesiásticos são incisivos
em identificar a revelação divina e as verdades da fé cristã com a Sagrada
Escritura. Na Idade Média “Teologia” e “Sacra Página” são simplesmente
sinônimos; estudar a teologia significa estudar a Sagrada Escritura; “praticar
a teologia” é crer na Escritura, explicá-la, defendê-la e tirar dela conclusões.
Desta forma, para os escolásticos a
Escritura e a Teologia são uma coisa só, e a teologia está sempre centrada na
Escritura. (Ibid)
Segundo S. Tomás, a teologia assume os seus princípios exclusivamente da S. Escritura
(STh I, q. 1, a. 8, ad 2). Das sentenças dos Doutores da Igreja, a teologia se
serve quase como de argumentos próprios, mas de um valor apenas provável (Ib.).
Estes argumentos não podem reclamar a
mesma certeza daqueles que são diretamente da Revelação porque não fazem parte
dos princípios infalíveis, como os da Palavra de Deus. Segundo S. Tomás, o
argumento fundado sobre a autoridade dos
Padres da Igreja tem um valor intermediário entre o dos argumentos fundados
sobre o “locus firmissimus” da Escritura e o dos argumentos fundados sobre a
autoridade dos filósofos, que são “argumentos externos e meramente prováveis. (Ibid)
Sobre
a elevada visão de Tomás de Aquino sobre a Escritura (aqui).
Nos últimos tempos, os teólogos católicos têm aderido a visão da Suficiência
Material da Escritura. Eles não mais acreditam que a tradição contenha doutrina
apostólica não presente na Escritura (teoria das duas fontes). Todavia, parece
que o círculo apologético católico ainda não se deu conta disso. O Cardeal Yves
Congar escreveu:
(...) Podemos
admitir Sola Scriptura no sentido de uma suficiência material das Escrituras
canônicas. Isso significa que a Escritura contém, de uma forma ou de outra, todas
as verdades necessárias para a salvação. Esta posição pode reivindicar o apoio
de muitos Padres e teólogos primitivos. Tem sido e ainda é defendida por muitos
teólogos modernos. (Yves Congar, Tradição e Tradições, p. 410.)
O
teólogo também católico Thomas G. Guarino escreveu:
Os evangélicos, é claro, seguiram
geralmente o ditado reformado da Sola Scriptura. A essência desta frase tem uma história teológica longa e
interessante e é, com nuances, aceita por muitos, se não a maioria dos teólogos
católicos contemporâneos (...) Enquanto Congar e J. Geiselmann acreditam
que Trento deixou a porta aberta para a tese da suficiência material das
Escrituras, Joseph Ratzinger afirma a mesma reivindicação para a Constituição
Dogmática do Concílio Vaticano II, Dei Verbum. Este texto é "... o produto da tentativa de levar em
consideração, na mais ampla medida possível, as observações feitas pelas
igrejas reformadas e destina-se a manter o campo aberto para a ideia católica
de Sola Scriptura ...". Se esses teólogos estão corretos, e a maioria dos teólogos católicos
contemporâneos certamente concorda com eles, então os católicos, em sua própria
maneira, poderiam concordar com a posição de que toda a verdade da salvação é
encontrada nas Escrituras.
(Thomas G. Guarino, “Catholic Reflections on Discerning the Truth of Sacred
Scripture” inYour Word Is Truth, edited by Charles Colson and Richard John
Neuhaus, 2002, pp. 79 85, 86.)
Quando
os católicos utilizam citações dos Pais da Igreja para atacar a suficiência
material da Escritura (o que há aos montes nos blogs católicos), eles estão
tentando refutar uma posição que tem sido amplamente abraçada pelos teólogos da
sua própria Igreja. Alguns chegam a dizer que a Dei Verbum chegou ao ponto de
declarar a suficiência material da Escritura. Eu não chegaria a tanto e diria
que, como em quase todos os documentos católicos, a linguagem é ambígua. Além
disso, historicamente o decreto do Concílio de Trento foi entendido a luz da
teoria das duas fontes, mas como a doutrina romana está em constante mutação,
nada impede que no futuro haja uma declaração oficial mais explícita em favor
da suficiência material.
O novo conceito de Roma sobre a Tradição
Ocorre
que não foi somente a relação entre Tradição e Escritura que sofreu mudanças na
Igreja Romana. O próprio conceito de tradição passou por uma mudança radical
que parece ainda não ter sido percebida pela maioria dos apologistas católicos.
Isso ficou claro no parágrafo final do texto católico que inspirou este artigo:
O mesmo se aplica à Tradição não escrita. Há crenças e práticas da
igreja nos primeiros séculos que independem da Escritura e que são tão
universalmente aceitas quanto esta: a concepção da eucaristia como presença
real, corporal e transmutacional de Cristo, bem como a crença no seu caráter
sacrificial; o governo eclesiástico episcopal; a devoção à virgem Maria e a
intercessão dos santos; etc. Todas estas práticas eram tratadas com importância
e centralidade e o seu registro é tão antigo quanto amplo, até mais que o das
Escrituras, em certos casos. E aqui é importante discernir se a igreja antiga,
no momento em que reconhecia as obras apostólicas como escriturísticas, tinha a
intenção de fazer delas único fundamento da doutrina. Como supracitado, a
igreja antiga possuía doutrinas e práticas que não poderiam se fundamentar
apenas nas Escrituras e atribuía à elas origem apostólica, o que também pode
ser demonstrado como acima fora dito, logo, não pretendia apoiar-se só na
Sagrada Escritura, mas também na Sagrada Tradição.
Ele
afirma que há crenças e práticas da Igreja Primitiva que independem da
Escritura. Ou seja, elas não carecem de uma prova bíblica. Já vimos que esta
posição seria amplamente rejeitada pela Igreja Antiga. E esta opinião não é de
estudiosos protestantes apenas, mas é predominante também entre teólogos
romanos e ortodoxos. Ele então nos dá exemplos dessas doutrinas cuja crença foi
universal e até mais antiga do que a própria Escritura: a concepção eucarística
romanista que se vale da transubstanciação, o governo episcopal, a devoção à
virgem Maria e a intercessão dos Santos.
Primeiro
percebe-se que ele comete o erro básico de limitar as Escrituras ao Novo
Testamento. Como já visto, antes mesmo de Cristo encarnar já havia Escritura
Sagrada Autoritativa. Segundo, o fato de a Igreja ter práticas e costumes que
não estão na Escritura é irrelevante para a discussão da Sola Scriptura.
Igrejas Protestantes tem práticas e costumes que não estão na Escritura, que
são admissíveis desde que não contradigam nenhum dos princípios expostos no
Livro Sagrado. O ponto em questão são as doutrinas. Terceiro, demonstrando
desconhecer a doutrina reformada, o autor acredita que Sola Scriptura implica
que nada além da própria Escritura pode ser usado para fundamentar uma doutrina
– ou seja – um espantalho da doutrina reformada. O teólogo protestante Kevin
Vanhoozer sintetizou num vídeo de poucos minutos a relação entre Escritura e
Tradição na doutrina reformada (aqui). Para um vídeo mais longo do mesmo teólogo sobre Sola Scriptura – aqui. E mais
importante, as doutrinas por ele citadas não passam nem perto de terem sido
cridas desde o início e universalmente pela Igreja Antiga. Esse é o tipo de
afirmação que até mesmo historiadores romanos não fazem. Apenas pessoas leigas
sobre a história da Igreja ou que usam os “óculos de Roma” para ler os Pais fazem
esse tipo de afirmação. Felizmente eu tratei do desenvolvimento histórico
destas doutrinas em meu blog. Eu tratei sobre a Eucaristia numa série de
artigos (aqui). Como os historiadores da Igreja Antiga afirmam, nós encontramos uma variedade
de posições ente os Pais sobre a Eucaristia. Desde a visão simbólica até a visão
espiritual da Eucaristia (defendida por Agostinho). Um exemplo notável é de
Gelásio (bispo de Roma) que negou a transubstanciação (aqui):
Certamente
o sacramento, que tomamos, do corpo e sangue de Cristo é uma coisa divina, pela
qual somos feitos participantes da natureza divina; e, contudo, a
substância ou natureza do pão e do vinho não deixa de existir. E certamente
a imagem e semelhança do corpo e sangue de Cristo celebram-se
na ação dos mistérios. (Sobre as duas naturezas de Cristo)
O reconhecido especialista católico
jesuíta Edward J. Kilmartin disse:
Segundo
Gelásio, os sacramentos da Eucaristia comunicam a graça do mistério principal.
A sua principal preocupação, no entanto, é realçar, como fez Teodoreto,
o fato de que, após a consagração os elementos permanecem o que eram antes da
consagração (...) O ensino de Gelásio sobre o assunto dos sacramentos
da Eucaristia tem sido frequentemente explicado como sendo de acordo com o
ensinamento do Concílio de Trento. Mas, como uma questão de fato,
Trento o rejeitou-o por duas razões. No cânon 1 da décima terceira sessão
(1551), o concílio ensinou que a Eucaristia não significa apenas, mas contém
"o totum Christum”. A explicação de Gelásio não a inclui. De
fato parece excluir explicitamente a doutrina da presença real somática do
"Cristo total". (Edward
J. Kilmartin, S.J., “The Eucharistic Theology of Pope Gelasius I: A
Nontridentine View” in Studia Patristica, Vol. XXIX (Leuven:
Peeters, 1997), p. 288.)
A doutrina romana sobre a Eucaristia foi tão aceita
por “todos” e desde “antes do Novo Testamento”. Ainda na idade média os
teólogos ocidentais debatiam sobre a questão. O historiador católico romano
Garry Wills escreveu:
Tomás
foi obrigado a empreender muitos esforços porque as alternativas à
transubstanciação foram condenadas pela Igreja. Uma dessas alternativas foi oferecida no século 9 por Ratramo de
Corbie, que disse que Jesus estava presente na Eucaristia apenas simbolicamente
(em figura), não fisicamente.
Ratramo foi repreendido por seu superior, Pascácio Radberto, que insistiu na
presença real de Jesus na Eucaristia - o
que fez o estudante Ratramo afirmar que Pascácio estava defendendo o canibalismo.
A visão de Pascácio seria dominante nos dois séculos seguintes. Mas, no século XI, Berengário de Tours
renovou de forma mais sofisticada o que Ratramo havia defendido, que a
Eucaristia é Cristo em figura (em símbolo). Baseando-se na filosofia do sinal
de Agostinho, Berengário disse que o sinal não está sozinho. Tem que ter um
significante e destinatário do sinal. Todo o sistema não pode funcionar sem essa
transação. Para ele, a Eucaristia era um sistema dinâmico, no qual as riquezas
da salvação eram oferecidas àqueles com fé para recebê-las. (Why
Priests,"describes the development of Eucharistic theology in the Middle
Ages [p. 49])
Note-se que não estamos
falando de homens considerados hereges pela Igreja Romana – mas de teólogos até
hoje tidos em alta conta (especialmente Berengário de Tours). Somente no séc.
XII a Igreja Romana iria dogmatizar sua visão da Eucaristia e assim desprezando
a posição de diversos pais da Igreja, dentre os quais poderíamos citar
Agostinho (aqui). O próprio
Berengário (e outros teólogos medievais) iriam seguir Agostinho e rejeitar a
ideia da transubstanciação. Conforme Schaff, muitos outros autores cristãos,
inclusive seu pupilo Facundus, seguindo o mestre Agostinho, defenderam uma
visão espiritual e não literal da eucaristia:
O
discípulo de Agostinho, Facundus, ensinou que o pão sacramental "não é
propriamente o corpo de Cristo, mas contém o mistério do corpo." Fulgêncio de Ruspe tinha a mesma visão
simbólica; e até mesmo em um período bem mais tarde, podemos segui-la [a
visão de Agostinho] por meio da poderosa influência dos escritos de Agostinho em Isidoro de Sevilha e Beda o
Venerável. Entre os teólogos da época carolíngia, em Ratramo, e Berengário de Tours, até que irrompeu em uma forma modificada com maior força do que nunca,
no século XVI, e tomou posição permanente nas igrejas reformadas. (Fonte)
Sobre
o Governo Episcopal, tratei em detalhes aqui e aqui.
Há um virtual consenso entre historiadores romanos, ortodoxos e protestantes de
que, nos tempos dos Apóstolos, as Igrejas eram governadas por um colégio de
presbíteros e não por um bispo monárquico. Ao longo do século II, em intervalos
de tempo diferentes, as Igrejas locais começaram a nomear um presbítero para
presidir sobre os demais (esta eleição sempre contava com a participação do
povo). O exemplo notável é a Igreja de Roma que em princípio era formada por
várias Igrejas domésticas independentes. A ascensão do bispo monárquico só veio
a acontecer na segunda metade do século II. O Teólogo Jesuíta Francis Sullivan
escreve:
A
palavra grega traduzida por "oficiais" é prohegoumenois, que também
aparece em I Clemente 21:6. Literalmente significa "aqueles que vão antes
e liderar o caminho"; tanto aqui como em I Clemente refere-se aos líderes
da Igreja local. Em ambos os textos a palavra está no plural; não
havia nenhum bispo de Corinto quando Clemente escreveu, nem há qualquer
indicação de um único bispo na Igreja [Roma] para a qual Hermas estava
escrevendo. (Sullivan F.A, Op. Cit., pp. 134)
Da ausência de qualquer referência a um bispo e as
várias referências no plural para os líderes e presbíteros,
a maioria dos estudiosos agora conclui
que, durante o período em que esta obra foi escrita, a Igreja de Roma ainda
tinha liderança colegial.
(Op. Cit., pp. 138)
Klaus
Schatz, reconhecido teólogo e também sacerdote jesuíta, afirma sobre a carta de
Clemente:
No
entanto, ele [Clemente de Roma] não é apontado como o autor da carta; em vez
disso, o verdadeiro remetente é a comunidade romana. Nós provavelmente
não podemos dizer com certeza que havia um bispo de Roma na época. Parece
provável que a Igreja romana era governada por um grupo de presbíteros, de
quem muito rapidamente surgiu um oficiante ou "primeiro entre
iguais", cujo nome foi lembrado e que posteriormente foi descrito como
"bispo", após meados do século II (...) Mas seria ir longe
demais deduzir que a Igreja romana tinha autoridade formal ou precedência sobre
outras Igrejas, como foi feito com muita pressa por católicos romanos no
passado. Em primeiro lugar, mesmo se essa admoestação reivindicasse a
autoridade de Deus e a assistência do Espírito Santo, permaneceria dentro do
contexto da universal e fraterna solidariedade das Igrejas cristãs, embora seja
falado a uma igreja irmã que havia se desviado. (El primado del papa: su
historia desde los orígenes hasta nuestros días. Ed. Sal Terrae, Maliaño
1996, pp. 4, 5)
Aqui chegamos a uma importante questão – não importa
quão generalizada uma prática ou doutrina tenha se tornado em tempos depois dos
apóstolos, se ela não pode ser rastreada até o período apostólico, não pode ser
vinculante para os cristãos. O Epsicopado Monárquico se tornaria uma prática
generalizada no fim do séc. II, no entanto, ao analisarmos as evidências mais
antigas, percebemos que foi fruto de mudanças não instituídas por qualquer
apóstolo. Dessa forma, embora seja uma forma aceitável de Governo da Igreja,
não pode ser obrigatória. Outras Igrejas que se organizam na forma presbiteral
(mais antiga do que a episcopal) ou congregacional estão tão ou até mais
harmônicas à doutrina apostólica.
O
autor católico ainda afirma que a doutrina romana de intercessão dos santos
seria uma dessas tradições generalizadas e tão antigas quanto a própria
Escritura (resta saber que documentos tão antigos são esses?) Essa é outra
afirmação que apenas alguém muito leigo faria. Isso se dá porque a crença na
oração aos santos só ganhou força na Igreja a partir do séc. IV (ainda assim
com oposição). Eu tratei desta questão aqui.
O fato histórico é que não há sequer um escrito patrístico confiável dos três
primeiros séculos que apoie a oração aos santos. Levando-se em conta que a
oração é um dos temas mais abordados pelos Pais da Igreja, como tal crença
poderia ser a prática de toda a Igreja desde o início? Tertuliano por exemplo
escreveu um tratado sobre a oração e parece ter “esquecido” de mencionar esta
importante doutrina. Que tipo de católico romano esqueceria de tal “detalhe”
num tratado sobre oração?
Como
alguém pode afirmar que uma crença que só passou a ganhar força mais de 300
anos após a fundação da Igreja pode ser uma tradição generalizada e tão antiga
quanto a própria Igreja? Nesse ponto, os romanistas passam a fazer uso de uma
linha de evidências que mostra quão distorcida é sua abordagem da história da
Igreja. É comum ouvirmos falar de inscrições em catacumbas que eram locais de
culto cristão nas quais havia pedidos a algum apóstolo já morto. O problema é
que não sabemos quem eram os autores destas inscrições. Sabemos que tais
crenças não eram generalizadas, pois os Pais da Igreja mais antigos não as
adotaram. E o mais importante, não sabemos se eram fontes ortodoxas. O que
apologistas católicos não costumam falar é que nas catacumbas também foram
encontradas inscrições de pedidos feitos a deuses pagãos. Devemos então
concluir que esta era a crença generalizada da Igreja? Boa parte das cartas do
Novo Testamento foi escrita para repreender Igrejas que estavam aderindo a
doutrinas heréticas. Se tais cristãos, sob supervisão direta dos apóstolos,
poderiam claudicar, como então as práticas de “cristãos” que sequer sabemos
quem eram pode se tornar o critério da ortodoxia da Igreja? Lembremos que as
heresias sempre surgiram dentro da Igreja e contaram com o apoio de muitos
cristãos. O gnosticismo por exemplo teve seu epicentro na Igreja de Roma.
Ainda
é citado a devoção à Maria. A abordagem que os Pais da Igreja mais antigos
tinham sobre Maria era muito mais parecida àquela dos reformadores do que
atuais católicos Romanos. Maria é pouquíssimo citada pelos pais do séc. II (em
oposição aos católicos atuais que a citam até em uma simples carta). Não há um
registro patrístico sequer de Oração a Maria anterior ao século IV? Essa seria
mais uma dessas tradições secretas que passam séculos e séculos escondidas? A
oração à Maria era uma prática tão “generalizada” na Igreja Antiga que a
evidência mais antiga desta prática (de uma fonte que sequer conhecemos) é o
papiro 470. O problema é que a data mais antiga atribuída ao papiro é o ano 250.
Agora pense nos católicos romanos atuais. Um fiel praticante deve rezar para
Maria quase todos os dias. Como uma prática tão generalizada poderia ter
evidência tão escassa e tardia? A datação do papiro também é objeto de
controvérsia:
Este fragmento de papiro é uma oração
para Theotokos escrito em torno de 250 d.c, por papirorólogos que examinaram o
estilo de caligrafia. Alguns
inicialmente colocaram o papiro no quarto ou quinto século (a descrição da
Biblioteca de John Rylands abaixo o enumera como 3º - 4º século), talvez porque
não pensassem que os cristãos estariam orando pelos Theotokos tão cedo. (Fonte)
Os
dogmas marianos são exemplos por excelência de como a tradição romana não pode
rastrear suas doutrinas até fontes apostólicas. A ideia da Assunção de Maria
foi completamente desconhecida pela Igreja por séculos (aqui e aqui).
A imaculada conceição não conta com nenhum testemunho patrístico favorável e
com muitos contrários (aqui), (aqui) e (aqui).
Como qualquer teologia dogmática católica vai reconhecer, a imaculada conceição
foi contestada por vários teólogos medievais, cujo principal exemplo é Tomas de
Aquino (aqui).
Será que o doutor da Igreja Romana desconhecia o fato de que esta era uma
dessas tradições generalizadas aceitas desde o início? A virgindade perpétua
foi tratada por mim (aqui).
Trata-se de uma crença que tem como fonte mais antiga evangelhos apócrifos e
fontes gnósticas, tendo, contudo, sido contestada por vários pais da igreja em
alguns de seus fundamentos (virgindade no parto e pós-parto). Durante mais de
300 anos após os apóstolos, absolutamente nenhum pai da Igreja afirmou que a
virgindade pós-parto e no parto eram artigos de fé da Igreja.
O
mesmo raciocínio se aplica a outras inovações romanistas como o papado (veja coleção de artigos aqui),
purgatório (aqui),
Confissão e Penitência (aqui).
Onde estavam as indulgências na Igreja antiga? Nenhum historiador católico
romano por mais enviesado que fosse afirmaria que as Indulgências foram uma
prática da Igreja antiga desde os apóstolos. Eu não estou falando de teses de
autores anti-católicos. Quem se der ao trabalho de ler os artigos, verá que
tais conclusões são amplamente compartilhadas por autores católicos. Por
exemplo, Klaus Schatz (reconhecido teólogo jesuíta) afirma sobre o papado:
Se
perguntássemos se a Igreja primitiva estava ciente,
após a morte de Pedro, de que a sua autoridade tinha passado para o próximo
bispo de Roma, ou em outras palavras, que o chefe da comunidade em Roma era
agora o sucessor de Pedro, a Pedra da Igreja, portanto, o sujeito da promessa
em Mateus 16:18-19, a questão, colocada nesses termos, deve certamente
ser dada uma resposta negativa. (Klaus
Schatz, Papal Primacy: From Its Origins to the Present.
Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 1996, p. 2)
O
historiador católico Garry Wills citando ninguém menos do que Cardeal Newman
disse:
O
papado não veio à existência ao mesmo tempo que a Igreja.
Nas palavras de John Henry Newman: "Enquanto
os apóstolos estavam na terra, não havia nem Bispo nem Papa". Pedro não era um Bispo em Roma. Não houve
bispos em Roma por pelo menos cem anos após a morte de Cristo. O próprio
termo "papa" (papai) não foi reservado para o bispo de Roma até o
século V - antes disso era usado para qualquer bispo. (Why I am a Catholic. Boston, Houghton,
Mifflin and Company, 2002. p. 54)
A
opinião acima expressa não é minoritária, sendo também endossada pela maioria
dos teólogos católicos, inclusive aqueles que receberam imprimatur em suas obras. Veja aqui e aqui.
Ocorre que a maior parte da apologética católica está defasada e utiliza um
conceito de tradição que já foi há muito abandonado pela Igreja Romana. A
maioria dos apologistas (e parece ser esta a linha de argumento aqui atacada)
defende a tradição romana como aquela que foi a crença da Igreja desde o
início. Todavia, os teólogos católicos já perceberam que esta linha de
argumento invalidaria as peculiares doutrinas romanas. Roma abandonou este
conceito de tradição que remonta a Vincente Lérins (aquilo foi crido por todos,
em todos os lugares, em todos os tempos) e abraçou a teoria do desenvolvimento
da doutrina proposta por Cardeal Newman. Esta é a grande mente por trás do
catolicismo moderno. Roma adota o conceito de tradição viva. Trata-se de uma
tradição que está em constante desenvolvimento, de forma que é perfeitamente
possível que gerações e gerações de cristãos não cressem em algo mais tarde dogmatizado.
Como dito no início, o autor católico defende um conceito de tradição já
abandonado por sua própria Igreja. A tradição católica não precisa mais ser
rastreada até uma fonte apostólica (algo que seria impossível). A Tradição é o
que o magistério infalível da Igreja ensina, não importando se ela não é capaz
de evidenciar isso ao longo do corredor da história. Essa mudança é abordada em
detalhes aqui.
Várias doutrinas poderiam ser tomadas como exemplo, mas o caso mais
exemplificativo é o dogma da Assunção de Maria proclamado 19 séculos depois da
morte do último Apóstolo. O historiador católico romano Joussard escreveu:
Nestas condições não vamos apelar ao
pensamento patrístico
- como alguns teólogos fazem ainda hoje sob uma forma ou outra - para
transmitir, no que diz respeito à assunção, uma verdade recebida como tal no
início e fielmente repassada às épocas subsequentes. Tal atitude não caberia
aos fatos ... o pensamento patrístico não tem, nesse caso, desempenhado
o papel de um fiel instrumento de transmissão. (Joussard, L'Assomption
coropelle, pp. 115-116. Cited by Juniper B. Carol, O.F.M., ed., Mariology,
Vol. I (Milwaukee: Bruce, 1955), p. 154. Juniper B. Carol, O.F.M., ed.,
Mariology, Vol. I (Milwaukee: Bruce, 1955), p. 154)
Os
editores do livro (entre eles o famoso mariologista Juniper B. Carol) fazem
referência a essas declarações de Joussard com os seguintes comentários:
Uma
palavra de cautela não é impertinente aqui. A investigação dos documentos
patrísticos pode muito bem levar o historiador à conclusão: nos
primeiros sete ou oito séculos nenhuma tradição histórica confiável sobre a
assunção corpórea de Maria é existente, especialmente no Ocidente. A conclusão é legítima; se o
historiador parar por aí, alguns nervos teológicos serão tocados. O erro do
historiador seria concluir: portanto, nenhuma prova da tradição pode ser
apresentada. O método histórico não é o método teológico, nem tradição
histórica é sinônimo de tradição dogmática. (Juniper B. Carol, O.F.M., ed., Mariology,
Vol. I (Milwaukee: Bruce, 1955), p. 154)
Por
isso, os critérios propostos pelo autor católico apenas serviriam para chegar a
uma conclusão inaceitável para um bom católico romano – doutrinas como papado,
assunção de Maria e tantas outras não seriam parte da tradição apostólica. É
inútil para ele dizer que devemos investigar a tradição. As conclusões
individuais dele serão irrelevantes caso se choquem com os ensinos de sua
Igreja. Livre exame mesmo da tradição é coisa de protestante. No caso de outras
doutrinas como o culto às imagens isso é mais patente. Os pais da Igreja pré-nicenos
foram amplamente contrários ao uso de imagens (aqui).
Todavia, tal prática se generalizou na Igreja de séculos depois. Se formos
aplicar o raciocínio do autor católico para filtrar dos pais da Igreja a
verdadeira tradição, teríamos que rejeitar o uso de imagens no culto. Eu duvido
que ele irá fazer isso, pois pouco importa qual é a posição dos pais da Igreja,
a posição do magistério atual sempre deverá prevalecer por mais infundada que
seja. Cardeal Newman expressa a inaplicabilidade da regra de Vicente para
referendar a tradição romana aqui:
Não
parece possível, então, evitar a conclusão de que, qualquer que seja a chave
apropriada para harmonizar os registros e documentos da Igreja Primitiva e da Igreja
mais tardia e considerando como verdadeiro o ditado de Vicente, deve
ser considerado em abstrato, e como possível a sua aplicação em sua própria
época, quando ele quase poderia pedir aos séculos primitivos o seu testemunho. Isso
dificilmente está disponível agora, ou efetivo para qualquer resultado
satisfatório. A solução que ele oferece é tão difícil quanto o problema
original. (John
Henry Newman, An Essay on the Development of Christian Doctrine (New
York: Longmans, Green and Co., reprinted 1927), p. 27)
A Tradição como intérprete das
Escrituras
Essa é
a posição defendida por aqueles que não negam a Suficiência Material da
Escritura. Quanto à utilidade e importância da tradição da Igreja (entendida
aqui como o ensino histórico da Igreja) não há objeção da Fé Protestante.
Todavia, os Pais da Igreja são intérpretes falíveis da Escritura. Dessa forma,
nenhum Pai da Igreja possui autoridade tal que ofereça uma interpretação
obrigatória da Escritura.
Apologistas
católicos costumam dizer que não podemos interpretar a Escritura por nós
mesmos. O Texto sagrado é complexo e obscuro, então, somente o magistério
“infalível” teria essa prerrogativa. Deixando de lado a existência desse
magistério infalível (que como já visto sequer é parte da Tradição da Igreja), onde
estão as interpretações infalíveis do texto bíblico? Há um comentário infalível
da Escritura? Há sequer uma lista de textos bíblicos para os quais o magistério
produziu as tais interpretações? Não há nada disso. Os teólogos católicos mais
otimistas afirmam que o magistério produziu a interpretação infalível de talvez
doze versículos bíblicos. E só para constar, Mateus 16:18 (o mais utilizado por
apologistas) sequer é um deles. Doze versículos não representam sequer 1% da
Escritura. Isso quer dizer que, em mais de 99% dos versículos, ele depende de
uma interpretação falível. Por motivos como tais, podemos dizer que se foi a
vontade de Deus que houvesse um magistério infalível sucessor dos apóstolos, a
Igreja de Roma não pode tê-lo. Como um magistério com grau de eficiência
ridiculamente baixo poderia cumprir o propósito de prevenir a Igreja de Cristo
do erro. Em
séculos de história, a igreja Romana nunca produziu uma tradução bíblica
infalível. Na verdade, tentou produzir, mas falhou miseravelmente.
O papa Sisto V, encorajado pela decisão do Concílio
de Trento, onde a "Vulgata" foi reconhecida como um artigo autêntico
da Igreja católica romana, publicou e distribuiu uma nova edição,
historicamente conhecida como a edição "sixtina". No decreto papal
que anunciou a edição, Sisto V mencionou que o referido texto seria o único
texto autêntico e que o considerava como tendo sido corrigido "pela mesma
mão fundamentada na autoridade da abundância do poder apostólico." (Paul Fr. Ballester Convalier, My turn to Orthodoxy, Athens 1954, pg 33,
1-pg34)
Ele também determinou que todas as outras
publicações das Sagradas Escrituras não tinham valor e que quem tentasse
derrubar o novo texto seria automaticamente excomungados. Dois anos mais tarde,
o Papa Clemente VII (1592-1605) retratou a edição de Sisto V porque estava
cheio de enganos e erros em "tradução, expressão e ensino." (Ibid.,
p. 34). Na verdade, o cardeal jesuíta Roberto Belarmino - um dos maiores
teólogos papistas até aquela data, um santo para os católicos romanos e grande
defensor do primado papal - caracterizou o artigo de Sisto V "como um
labirinto de enganos de toda espécie." (Ibid., p. 34)
O mesmo Belarmino na verdade menciona em sua
autobiografia que pediu ao Papa Gregório XIV (1590-1591) para proteger a
reputação de Sisto V do escárnio. Como? Através da republicação de sua edição
de 1590 corrigida e com a adição de um prólogo de Belarmino em que ele iria
explicar aos fiéis que Sisto V não foi culpado pelos erros, mas as "impressoras
e outros." (Ibid., p. 34)
Eu tratei numa série de três artigos as principais
objeções à Sola Scriptura (AQUI http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/05/respondendo-objecoes-sola-scriptura.html).
Não há nenhum problema em apelar aos Pais da Igreja para apoiar determinada
interpretação, todavia, é um problema definir uma interpretação como verdadeira
assentado unicamente sobre a autoridade dos Pais da Igreja. Como já visto,
Tomás de Aquino entendia que os pais da Igreja ofereciam apenas um argumento provável.
Além disso, há outro problema – o consenso interpretativo dos Pais da Igreja é
raro. Nenhuma das peculiares doutrinas de Romana pode invocar para si o
consenso dos Pais. Cardeal Congar escreveu:
Em todas as épocas o
consenso dos fiéis, ainda mais o acordo daqueles que são comissionados para
ensiná-los, tem sido considerado como uma garantia de verdade: não por causa de
alguma mística da votação universal, mas por causa do princípio do Evangelho de
que a unanimidade e o companheirismo em matéria cristã exigem e também indicam
a intervenção do Espírito Santo. A partir do momento em que o argumento
patrístico começou a ser usado em controvérsias dogmáticas, ele apareceu pela
primeira vez no segundo século e se tornou comum no quarto século. Teólogos
tentaram estabelecer um acordo entre as testemunhas qualificadas da fé, e têm
tentado provar a partir desse acordo que esse era de fato a crença da Igreja
... consentimento patrístico unânime como um locus theologicus confiável é
clássico na teologia católica; ele tem sido muitas vezes declarado pelo
magistério e o seu valor de interpretação bíblica foi especialmente
valorizado. A aplicação do princípio é difícil, pelo menos, num certo
nível. Em relação aos textos individuais das Escrituras, total
consenso patrístico é raro. Na verdade, um consenso completo é
desnecessário: muitas vezes, aquilo que é objeto de recurso como suficiente
para pontos dogmáticos não vai além do que é encontrado na interpretação de muitos
textos. Mas às vezes acontece de alguns Padres terem entendido uma
passagem de uma maneira que não vai estar de acordo com o ensinamento da Igreja
mais tarde. Um exemplo: a interpretação da confissão de Pedro em Mateus 16:
16-18. Exceto em Roma, esta passagem não foi aplicada pelos Padres
ao primado papal; eles trabalhavam fora uma exegese ao nível do seu próprio
pensamento eclesiológico, mais antropológica e espiritual do que jurídica. Esse
exemplo, selecionado a partir de um número de outros semelhantes, mostra que os
primeiros pais não podem ser isolados da igreja e da sua vida. Eles são
grandes, mas a Igreja supera-os em idade, como também pela amplitude e riqueza
de sua experiência. É a Igreja, e não os pais. O consenso da Igreja, na
submissão ao seu Salvador, é a regra suficiente de nosso cristianismo. (Yves Congar, Tradition and Traditions (New
York: Macmillan Company, 1966), pp. 397-400)
Congar expressa a inaplicabilidade do consenso
unânime dos Pais para validar muitos dos ensinos atuais da Igreja, em especial,
a interpretação de Mateus 16:18. Dessa forma, o uso dos pais da Igreja se torna
arbitrário. Se pegarmos um texto individual da Escritura e procurarmos as
várias interpretações patrísticas sobre eles, provavelmente encontraremos
diversas interpretações divergentes. Isso é tão verdadeiro que havia duas
escolas interpretativas rivais na Igreja Antiga: Antioquia e Alexandria. A
primeira pendia para uma interpretação mais literal enquanto a segunda abusava
da alegoria e tipologia do texto (o que dava origem a interpretações bizarras).
Além disso, há um problema adicional – a tradição
que emerge do ensino dos Pais precisa ser interpretada e sua interpretação é
mais difícil do que a do texto bíblico. Diferente da Escritura, onde há limites
claros, ninguém pode consultar um volume onde vá encontrar toda a genuína
interpretação patrística da Escritura. O argumento da tradição interpretativa
não raro cria uma solução mais problemática do que o problema original. Além
disso, tem a questão do peso das testemunhas. Alguns pais da Igreja tinham
maior bagagem teológica como Agostinho. Outros tinham melhor conhecimento das
línguas originais como Jerônimo. Outros já estavam mais próximos das fontes
como Policarpo. Todavia, pouquíssimos escritos sobreviveram dos pais mais
antigos. A maior parte dos escritos são do séc. IV em diante – ou seja –
testemunhas distantes das fontes apostólicas.
Outro problema é o estado de preservação das obras.
Os Escritos apostólicos, até pela posição suprema que ocupavam, foram muito
mais replicados e preservados do que os escritos patrísticos. Quem estuda patrística
sabe que há dúvidas sobre a autenticidade de várias obras e já foram
descobertas diversas interpolações em escritos patrísticos. As obras de Irineu
por exemplo são objeto de várias dúvidas de autenticidade. Teólogos medievais
acreditaram numa série de falsificações (muitas delas usadas por Roma para
sedimentar sua ânsia por poder), tais como: a doação de Constantino e
pseudo-dionísio. Aquino acreditava por exemplo em obras espúrias atribuídas a
Agostinho e que pseudo-dionísio fora escrito pelo areopagita convertido por
Paulo.
Além do mais, para aqueles que acreditam na
tradição apenas como um veículo diferente da mesma doutrina apostólica contida
na Escritura, a tradição não terá grande valor interpretativo. Se a doutrina X
foi registrada por escrito por Paulo e foi preservada oralmente, como a mesma
doutrina poderia interpretar a si mesma? A interpretação de uma doutrina não
pode ser a própria, sempre será uma entidade a parte. A interpretação da
Escritura, da Tradição ou até mesmo dos documentos do magistério sempre será um
apelo externo que precisará se valer de elementos não contidos nem na
Escritura, nem no Magistério e nem na Tradição. Nenhum texto pode conter sua
própria interpretação.
Os
Pais da Igreja não foram defensores vorazes apenas da Suficiência Material.
Eles também defenderam a Suficiência Formal da Escritura – ou seja – a clareza
do texto bíblico a ponto de que o homem comum fazendo uso das ferramentas
corretas (sem a necessidade de um bispo infalível) poderia chegar ao correto
entendimento do texto. Tratei desse tema numa série de artigos que atesta com
quase 100 citações este fato aqui.
Como escolhemos Irineu para o nosso estudo, deixo abaixo o seu testemunho:
Leia
com maior diligência aquele
evangelho que nos foi dado pelos apóstolos; e leia com maior diligência
os profetas, e você encontrará
cada ação e toda a doutrina de Nosso Senhor neles pregados. (Contra as Heresias
4:66)
O bispo de Lyon instrui a ler com diligência o
evangelho apostólico e os profetas – uma provável referência à novo e antigo
testamento. O leitor individualmente conseguiria perceber cada ação e doutrina
pregada pelo Senhor.
Em compensação, uma
inteligência sã, equilibrada, piedosa e amante da verdade dedicar-se-á a
considerar as coisas que Deus pôs em poder dos homens, à disposição dos nossos
conhecimentos, e aplicando-se a elas com todo o seu ardor, progredirá
e, pelo estudo constante, terá conhecimento profundo. Estas coisas são
tudo o que cai debaixo dos nossos olhares e tudo o que está contido, claramente
e sem ambiguidade, em termos próprios nas Escrituras. Eis por que as
parábolas não devem ser adaptadas a coisas ambíguas, porque quem as explica o
deve fazer sem acrobacias e devem ser explicadas por todos da mesma
maneira, e assim o corpo da verdade se manterá íntegro, harmoniosamente
estruturado e livre de transformações (...) Ora, todas as Escrituras,
profecias e evangelhos, que todos têm a possibilidade de ouvir, ainda que nem
todos acreditem, proclamam claramente e sem ambiguidade , excluindo qualquer
outro, que um só e único Deus criou todas as coisas por meio de seu Verbo, as
visíveis e as invisíveis, as celestes e as terrestres, as que vivem na água e
as que se arrastam debaixo da terra, como demonstramos com as próprias palavras
da Escritura. Por seu lado, o mundo em que nós estamos, por tudo o que
apresenta aos nossos olhares, testemunha que é único quem o fez e o
governa. Então, como parecem néscios os que diante de manifestação tão
clara, estão com os olhos cegos e não querem ver a luz da pregação, que se fecham
em si mesmos e com explicações obscuras das parábolas se imaginam, cada um, de
ter encontrado o seu Deus! Com efeito, no que diz respeito ao Pai
imaginado por eles, nenhuma Escritura diz algo claramente, em termos próprios e
sem contestação possível; e eles próprios são testemunhas disso quando afirmam
que o Salvador ensinou estas coisas secretamente, não a todos, mas a alguns
discípulos capazes de entendê-las, indicando-as por meio de provas, enigmas e
parábolas. E chegam ao ponto de dizer que um é o que é chamado Deus e outro é o
Pai, indicado pelas parábolas e pelos enigmas. (Contra as Heresias 2:27:1-2)
Diferente
dos apologistas católicos que tratam a Escritura de forma semelhante aos
gnósticos – acusando-a de ser complexa e obscura, exigindo assim a intervenção
de um suposto magistério infalível e de uma tradição secreta, Irineu não
compartilhava disso. Como Kelly bem asseverou:
Por outro lado, Irineu pressupunha que a tradição
apostólica também fora depositada em documentos escritos. Conforme ele diz
(A.H 3.1.1), o que os apóstolos
incialmente proclamavam, mediante a palavra falada, passou mais tarde, por
vontade de Deus, a ser transmitido por eles nas Escrituras. À semelhança
dos apologistas, ele sustentava (A.H 4.33.10-14) que toda a vida, a paixão e os ensinos de Cristo haviam sido
prenunciados no Antigo Testamento; mas o Novo era, a seus olhos, a formulação
escrita da tradição apostólica (A.H 3.1.1; 3.1.2; 3.10.6 e 3.14.2). Por
essa razão, seu teste para determinar os
livros que pertenciam a esta tradição não era apenas o costume da Igreja, mas a
apostolicidade (A.H 1.9.2; 3.1.1; 3.3.4; 3.10.1 e 3.10.6), isto é, o fato de terem sido compostos
pelos apóstolos ou pelos seguidores destes, sendo possível, desse modo, confiar
que continham o testemunho apostólico. Havia, claro, a dificuldade de que
os hereges estariam sujeitos a extrair das Escrituras um sentido diferente, mas
Irineu se satisfazia (A.H 2.27.2) com o
fato de que, sendo interpretada como um todo, o ensino da Bíblia era evidente
por si. Os hereges que a interpretavam erroneamente faziam-no apenas
porque, não levando em conta sua unidade
intrínseca, apegavam-se a trechos isolados e os reorganizavam de forma a
adaptarem às suas próprias ideias (A.H 1.8.1; 1.9.1-4). As Escrituras
deveriam ser interpretadas à luz de seu plano fundamental, a saber, a própria
revelação original. Por essa razão, a exegese correta era prerrogativa da
Igreja, onde se mantinha intata a tradição ou a doutrina apostólica, que era a
chave das Escrituras (A.H 4.26.5; 4.32.1; 5.20.2). Teria Irineu, dessa forma,
subordinado as Escrituras à tradição não-escrita? É comum fazer esta
inferência, mas ela provém de uma antítese um tanto enganosa. Sua
plausibilidade depende de considerações como: (a) na controvérsia com os
gnósticos, a tradição, não as Escrituras, parecia ser sua instância final de
apelação; e (b) aparentemente ele dependia da tradição para determinar a
verdadeira exegese da Escritura. Mas uma análise cuidadosa de seu Adversus
haereses revela que, conquanto o apelo dos gnósticos à sua suposta tradição
secreta tenha-o levado a enfatizar a superioridade da tradição pública da
Igreja, sua verdadeira defesa das
Escrituras baseava-se nas Escrituras (A.H 2.35.4; 3.2.1). Aliás, em sua própria maneira de ver, a
própria tradição era confirmada pelas Escrituras, que era o “alicerce e a
coluna da nossa fé”. Segundo, como se sabe, Irineu afirmava (A.H 1.9.4) que
uma compreensão sólida do “cânon da verdade”, recebida por ocasião do batismo,
evitaria que uma pessoa distorcesse o sentido das Escrituras. Mas esse “cânon”, longe de ser algo
distinto das Escrituras, era simplesmente um resumo da mensagem nela contida. (Kelly, p. 27-28)
Além
de outros apontamentos já feitos neste artigo, Irineu não acreditava que os
hereges interpretavam as Escrituras erroneamente por uma ambiguidade ou
dificuldade intrínseca ao texto bíblico, mas por erro dos próprios hereges. É
nítido que os reformadores estavam muito mais próximos da compreensão de Irineu
do que seus oponentes romanistas. Por outro lado, Trento dogmatizou uma posição
mais próxima da heresia gnóstica do que de Irineu. A partir do século IV, o
apelo aos pais da igreja seria frequente nos debates doutrinários. Kelly
escreve:
Esses desdobramentos podem
insinuar que a tradição dos pais, por si, estava passando a ser tratada como
autoridade. No entanto, seria um engano ler as evidências desta maneira. Por maior que fosse o respeito pelos pais,
não se cogitava que eles houvessem tido acesso a outras verdades que não
aquelas contidas, explícita ou implicitamente, nas Escrituras. Na
controvérsia cristológica, por exemplo, o recurso final de Cirilo (De recta
fide ad regin. 2) sempre esteve no ensino da Bíblia – “a tradição dos apóstolos
e evangelistas .... e o propósito das Escrituras divinamente inspiradas como um
todo”. De sua parte, Teodoreto cristalizou sua posição nesta afirmação (Eran
1): “Devo obediência apenas às Sagradas
Escrituras”. Aos olhos de ambos, a
autoridade dos Pais consistia precisamente no fato de que eles haviam exposto
de modo muito fiel e completo a verdadeira intenção dos escritores bíblicos. (Kelly, p. 36)
Até
mesmo um liberal que não acredita na inspiração da Bíblia reconhece a
precedência desta sobre a tradição por uma simples questão lógica. Supondo a
hipótese irreal de que os Pais da Igreja possuíam doutrinas apostólicas
extra-bíblicas, como os escritos do próprio Apóstolo estariam no mesmo patamar
que os escritos de pessoas que viveram tempos depois dos apóstolos (em alguns
casos séculos)? Uma fonte direta precede uma fonte intermediária.
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