segunda-feira, 20 de março de 2017

O Cânon do Antigo Testamento: De Jerônimo até a Reforma - Parte 2


Honório de Autum (1080–1154)

Honório de Autum foi um teólogo cristão prolífico e muito popular no século XII. Ele fez menção ao cânon do Antigo Testamento em várias de suas obras, dividindo-o em três categorias: a Lei, os Profetas e os Hagiográficos. Ele observou que os livros de Judite e Tobias não foram incluídos entre os livros canônicos pelos judeus, mas foram considerados dignos de leitura na Igreja. Também colocou esses livros na categoria eclesiástica, ao contrário de serem totalmente canônicos:

A escritura do Antigo Testamento é escrita tendo o Espírito Santo como autor e é dividida em três partes: história, profecia e hagiografia. A história dá conta das coisas passadas, a profecia anuncia as coisas futuras, a hagiografia proclama as alegrias da vida eterna. Este livro (Salmos) toma o seu lugar na hagiografia, uma vez que brilha mais plenamente com as alegrias da pátria eterna. (Expositio In Psalmos: De mysterio psalmorum, PL 172.273B.) Tradução de Benjamin Panciera, The Medieval Institute, Notre Dame)

Os Livros de Tobias e de Judite não estão no cânon dos hebreus, mas desde que os aceitam entre sua hagiografia, nós cantamos e os lemos. (Operum Pars Tertia.â Liturgica, Sacramentarium, Seu De Causis Et Significatu Mystico Rituum Divini Em Ecclesia Officii Liber Cap. C. De lectionibus em matutinis post Pentecosten PL 172.800D)

Pedro Comestor (morreu em 1179)

Pedro Comestor foi um teólogo francês do século XII. Em sua obra História Escolástica alinhou-se com Jerônimo ao separar os Apócrifos dos livros canônicos do Antigo Testamento:

Eles [os Judeus] distinguem o Antigo Testamento em três ordens: a primeira que eles chamam de Lei, a segunda os Profetas e a terceira as Hagiografias. Eles colocam os cinco livros de Moisés na Lei, oito nos Profetas, Josué, Juízes, Samuel, Malaquias, Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas. Nas Hagiografias colocaram nove livros do Antigo Testamento, que estão acima. (Peter Comestor, Historia Scholastica, Historia Libri Josue. Incipit praefatio in historiam libri Josue. PL 198:1259)

Os judeus relegam esta história (Tobias) aos apócrifos, mas Jerônimo diz em seu prólogo que deveria estar nas Hagiografias e, de qualquer modo, se estivesse ali, seria na terceira ordem do cânon do Antigo Testamento. Como não está em nenhuma ordem, diríamos que isso é porque Jerônimo aceita muitas coisas como hagiografias, a ponto de incluir também Apócrifos. (Peter Mauritius (Venerabilis), Historia Scholastica, Historia Libri Tobiae. Incipit praefatio in historiam libri Josue. PL 198:1432)

Ele ainda comenta a respeito dos acréscimos apócrifos feitos ao Livro de Daniel:

Daniel profetizou na Caldéia, que era da linhagem dos reis de Judá, de acordo com Josefo e Epifânio. De acordo com os setenta [Septuaginta], porém, ele era da tribo de Levi, que colocou isso no título da fábula de Bel (...) Ele foi escrito em língua caldeia, mas em letras hebraicas, e não foi lido pela Igreja de acordo com a Septuaginta, cuja edição é muito imprecisa, mas de acordo com [a edição de] Theodotios. Entre os hebreus, ele [Livro de Daniel] não tem a história de Susana, nem o Hino dos três meninos, nem a história de Bel o dragão. (Peter Mauritius (Venerabilis), Historia Scholastica, Historia Libri Danielis -1448)

E sobre a História de Susana, ele diz:

A história de Susana que no hebraico não está livro de Daniel. E ele a chama de fábula, não porque a própria história seja corrupta, mas a parte sobre o apedrejamento dos dois sacerdotes é falsa, a quem Jerônimo diz que foi queimada, e porque afirmam que foi escrito por Daniel, quando foi escrito por algum orador grego. (Peter Mauritius (Venerabilis), Historia Scholastica, Historia Libri Danielis, Cap. XIII, De Sussana, PL 198:1466)

Pedro Maurício (1092-1156)

Teólogo do século XII e abade de Cluny na França, Pedro Maurício listou os livros do Antigo Testamento como aqueles que refletiam o cânon hebraico:

E eu devo começar de cabeça a lista desses livros sagrados, veja se você não se lembra, o Livro do Gênesis (...) Êxodo (...) venha para o Levítico, daí para o Livro de Números. Venha para o último livro do Pentateuco, que é a lei Mosaica [Deuteronômio] (...) Outros livros divinos e proféticos seguem a estes, o primeiro dos quais é chamado Josué, ao qual seu vizinho é Deuteronômio, que por sua vez ganha autoridade do Evangelho e dá autoridade. O Livro dos Juízes (...) já foi provado ser canônico por testemunho escrito (...) Então o pequeno, mas confirmado pelo próprio Evangelho, o livro de Rute aparece (...) Então a pena apressa-se aos livros de Samuel [Crônicas] e dos Reis (...) Então o discurso se volta aos profetas e o próprio Evangelho dá testemunho primeiro a Isaías, profeta do Evangelho. Segue então Jeremias, profeta a qual o Evangelho não é silente que suas palavras sejam consideradas como proféticas (...) As palavras apostólicas de Paulo fazem Ezequiel canônico (...) A autoridade do Evangelho nos impele a aceitar Daniel entre os profetas (...) Depois destes grandes e, por assim dizer, dos principais profetas, vamos imediatamente aos doze que são chamados menores, não por menor autoridade, mas pela quantidade de sua escrita e vamos prová-los todos canônicos, não de uma vez nem confusamente, mas individualmente e distintamente: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu e Zacarias (...) Por último, na ordem dos profetas, mas não menos importante, segue Malaquias. Então vem (...) A autoridade dos salmos (...) e quanto aos livros de Salomão (que são Provérbios, Eclesiastes, o Cântico, que é o Cântico dos Cânticos). (Adversus Petrobrusianos, Probatio totius Veteris Testamenti ex Evangelio. PL 189:741)

Adam Scotus (1140 - 1212)

Adam Scotus foi um teólogo, escritor e monge anglo-escocês, do final do século XII e início do XIII. Ele identificou os livros canônicos do Velho Testamento em vinte e dois de acordo com o cânon hebraico de cinco livros da Lei, oito dos Profetas e nove da Hagiografia:

Estes livros, então, sobre os quais estamos falando e que são extraídos da Escritura, pertencem ao Antigo Testamento ao Novo. Na verdade, o Antigo Testamento é dividido em três ordens: a Lei, de que há cinco livros, os Profetas, dos quais há oito livros, e as Hagiografias de que há nove livros, completando vinte e dois, que é também o número de letras no alfabeto hebraico. (De Tripartito Tabernaculo, Pars Secunda. De Tabernaculo Christi Quod Est In Fide. Caput VIII. PL 198:697B)

Hugo Cardinali (1200–1263)

Ele foi um importante cardeal dominicano do século XIII. No prólogo a seu comentário do livro de Josué, Hugo deu uma lista dos livros do Antigo Testamento de acordo com o cânone hebraico, indicando que a totalidade do Antigo Testamento foi incluída nos livros específicos listados. Ele também mencionou os apócrifos, mas afirmou que não eram numerados no cânon. A Igreja, disse ele, os aceitou, mas o que ele quis dizer com isto, uma vez que seguiu a opinião de Jerônimo, foi que a Igreja os colocou na categoria secundária de ser útil para a edificação, mas não para o propósito de estabelecer doutrina:

(...) os hebreus dividem o Velho Testamento em subsecções. À primeira chamam de a Lei; a segunda de os Profetas; a terceira de Hagiografia. Na Lei colocam os cinco livros de Moisés. Nos profetas colocam oito livros, ou seja, Josué, Juízes, Samuel, que são os dois primeiros livros dos Reis, Malaquias, que são os dois últimos livros dos Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, os Doze Profetas. Na Hagiografia colocam os nove livros do Velho Testamento que permanecem, isto é, David, Provérbios, Eclesiastes, Daniel, o Cântico, Crônicas, Esdras, Ester. Eles são chamados de Hagiografia, isto é, os escritos dos santos, que é um nome comum a todos os livros da Sagrada Escritura (...) Os Apócrifos permanecem: Jesus, Sabedoria, O Pastor, os Livros dos Macabeus, Judite e Tobias. Uma vez que estes são duvidosos não são numerados no cânon. Mas, uma vez que eles proclamam coisas verdadeiras, a Igreja os aceita. (Postillam super Librum Iosue: Prologus, tradução de Benjamin Panciera, The Medieval Institute, Universidade de Notre Dame)

Filipe de Harveng (morreu em 1183)

Foi um monge e teólogo XII. Felipe aderiu à autoridade do cânon hebraico e rejeitou os apócrifos:

De fato, Jerônimo traduziu do hebraico para o latim todas as escrituras que foram mantidas entre os hebreus no cânon. Neles não se pode achar que Salomão ofereceu ramos aos escribas para que ele pudesse ser derrotado [trecho contido em Eclesiástico]. Suas escrituras restantes são apócrifas cuja autoridade não é adequada para confirmar as coisas que poderiam entrar em disputa. De onde também o livro de Jesus, filho de Siraque, Judite, Tobias e os primeiros Macabeus são contados por eles entre os apócrifos, uma vez que não são mantidos em seu cânon (...) Salomão não escreveu Eclesiástico como Agostinho no décimo livro da Cidade de Deus e, antes dele, Jerônimo disse em muitos lugares. (Responsio De Damnatione Salamonis. PL 203:659)

Nicolas de Lyra (1270-1340)

Nicolas foi um dos teólogos mais respeitados e influentes da Idade Média, superando até mesmo Tomás de Aquino em autoridade como comentarista bíblico. Sua influência é tão evidente que seu comentário foi incluído na Glossa Ordinária. Nicolas era um erudito em hebraico que endossava o cânon hebraico de acordo com o julgamento de Jerônimo. Em seu prefácio ao livro de Tobias, ele escreveu que os livros da Sabedoria, Siraque, Judite, Tobias e Macabeus não foram considerados canônicos, mas foram recebidos e lidos pela Igreja apenas para fins de edificação e encorajamento moral:

Aqui começa o comentário de Nicolau de Lyra sobre o Livro de Tobias, e primeiro o prefácio do livro. Depois de ter escrito, com a ajuda de Deus, nos livros canônicos da Sagrada Escritura, começando desde o princípio do Gênesis e prosseguindo até o fim do Apocalipse, Eu, confiando novamente com a ajuda de Deus, escreverei sobre outros livros que não são do cânon, ou seja, o Livro da Sabedoria, Siraque, Judite, Tobias e os Livros dos Macabeus, seguindo o que Jerônimo diz no Prólogo que é colocado antes dos Livros dos Reis. E ele diz a mesma coisa sobre o Livro de Baruque em seu prólogo e sobre o segundo de Esdras em seu prólogo sobre Esdras. (Postilla Nicolai de Lyra super librum Tobiae, prefatio. Biblia cum glosa ordinaria et expositione Lyrae litterali et morali (Basel:Petri & Froben, 1498). British Museum IB.37895, Vol. 2)

Em suas observações introdutórias ao livro de Esdras, Nicolau afirmou que renunciaria a fazer comentários sobre os livros de Tobias, Judite e Macabeus porque, mesmo sendo incluídos nas Bíblias, eles não eram recebidos como canônicos pelos judeus ou cristãos:

No momento pretendo pular os livros de Tobias, Judite e Macabeus, pois embora sejam históricos, não são do cânon para judeus nem para os cristãos. Pelo contrário, Jerônimo diz sobre eles, no Prólogo sobre os Livros dos Reis, que eles são contados entre os apócrifos. E no prólogo sobre Judite ele diz que sua autoridade não é eficaz para provar qualquer coisa que entre em disputa ou dúvida. Portanto, não pretendo prosseguir com a exposição deles até que, com a ajuda de Deus e a vida continuada, escreva sobre todos os livros canônicos. Agora, se o Senhor me conceder a vida, eu poderei escrever sobre esses livros e outros que são comumente colocados nas Bíblias, embora não sejam do cânon (...) Todavia, no momento, não pretendo ocupar-me do segundo livro de Esdras pela razão dada, a saber, que não é do cânon. (Postilla Nicolai de Lyra super librum Edsrae, cap.i, Biblia cum glosa ordinaria et expositione Lyre litterali et morali (Basel: Petri & Froben, 1498). British Museum IB.37895, vol. 1, Lyra on Ezra)

Quando ele comentava o texto de um dos livros apócrifos, começava afirmando seu status não-canônico. Por exemplo, com Tobias ele escreveu:

Aqui começa o livro de Tobias que não está no cânon. (Biblia cum glosa ordinaria et expositione Lyre litterali et morali (Basel: Petri & Froben, 1498). British Museum IB.37895, vol. 1)

E no livro de Judite:

Aqui começa o livro de Judite que não está no cânon. (Ibid., vol. 1)

E no livro da Sabedoria:

Aqui começa o Livro da Sabedoria que não está no cânon. (Ibid., vol. 1)

Michael Woodward – um especialista em Nicolas de Lyra – afirma:

Quando se tratava do uso legítimo do argumento bíblico, Nicolau não apenas seguia a visão comum nas escolas, evitando interpretações místicas, mas também evitava o uso dos livros deutero-canônicos (...) Para Nicolas, os livros deutero-canônicos, bem como Interpretações místicas, eram úteis apenas para a instrução moral. Em sua Postilla litteralis em Esdr. 1.1, Nicolas justificou ignorar Tobias, Judite e Macabeus até que ele tivesse comentado os livros canônicos. (Nicholas of Lyra, Postilla literalis in librum Edsrae, BIBLIA SACRA (Lyon, 1589) vol. 2, col. 1276)

Nicolas afirmou novamente o status não-canônico desses livros:

O segundo modo de demonstração é pelas autoridades das Escrituras sagradas e canônicas. Eu digo "canônico" por causa dos livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico e Macabeus, cuja autoridade não é eficaz para provar qualquer coisa que entra em disputa, como Jerônimo diz em seu Prólogo colocado antes do livro dos Reis. (De visione divinae essentiae)

Michael Woodward mais uma vez afirma:

Esta posição [a de Nicolas de Lyra] foi mais tarde adotada pelos protestantes, enquanto que a determinação católica romana do cânon do Antigo Testamento não veio até o Concílio de Trento. (Michael Woodward, Nicholas of Lyra on Beatific Vision, A Dissertation Submitted to the Graduate School of the University of Notre Dame in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of Doctor of Philosophy, Medieval Institute, Notre Dame, Indiana, April, 1992, p. 177-178, 227-228)

William de Ockham (1287 - 1347)

Foi o criador da teoria da Navalha de Ockham, e também um frade franciscano, filósofo, lógico e teólogo escolástico inglês. Em seus Diálogos, Ockham escreveu que a Igreja não recebeu os livros apócrifos como canônicos e, portanto, não foram usados para a confirmação de doutrinas da fé. Ele mencionou Judite, Tobias, Macabeus, Eclesiástico e Sabedoria por nome a este respeito. Ele se referiu à autoridade de Jerônimo e Gregório o Grande como confirmação desse ponto de vista:

De acordo com Agostinho, como se diz em Distich IX em vários capítulos, a Sagrada Escritura deve ser colocada sobre as cartas e os escritos de todos os bispos e outros. Assim como o temor e a honra devem ser oferecidos aos santos escritores da Bíblia, para que não se acredite que erram em alguma coisa, tal temor e honra não deve ser oferecido a ninguém depois deles. De acordo com Jerônimo no prólogo aos livros de Provérbios e Gregório no Moralia, os livros de Judite, Tobias e Macabeus, Eclesiástico e Sabedoria não devem ser tomados para confirmar qualquer elemento de fé. Pois Jerônimo diz, como faz Gregório: a Igreja lê os livros de Judite, Tobias e Macabeus, mas não os aceita entre as escrituras canônicas. (Guillelmus de Occam O.F.M., Opera Plurima (Lyon, 1494-1496), Dialogus de Impero et Pontificia Potestate, Liber iii, tractus i, cap. 16)

Antonino (1389 - 1459)

Antonino escreveu que os livros apócrifos não eram considerados canônicos pela Igreja e, portanto, não eram autoritários para a confirmação de doutrinas da fé. Ele numerou os livros canônicos do Velho Testamento aos vinte e dois, indicando assim que seguiu o cânone hebraico e citou Jerônimo e Nicolau de Lyra como autoridades para sua posição:

Os judeus (...) de acordo com Jerônimo em seu prólogo (...) criaram quatro divisões dos livros do Antigo Testamento. Os primeiros chamaram a Lei (...) o segundo os Profetas (...) o terceiro a Hagiografia (...) o quarto (que os judeus não colocaram no cânon das Sagradas Escrituras, mas chamaram Apócrifos) eles fizeram do outros cinco livros, a saber, Sabedoria, Eclesiastico, Judite, Tobias, e Macabeus, que foi dividido em dois livros. Sobre esses cinco livros Jerônimo diz em seu Prólogo a Judite, que sua autoridade é julgada menos adequada para fortalecer as coisas que entram em disputa (...) E Tomás diz a mesma coisa na Secunda Secundae, e Nicolau de Lyra sobre Tobias, ou seja, que eles não são de tal autoridade, que não pode ser discutido a partir de suas palavras sobre o que é da fé, como a partir dos outros livros da Sagrada Escritura. (Sancti Antonini, Archiepiscopi Florentini, Summa Theologica, em Quattuor Partes Distributa, Pars Tertia, Tit xviii, Cap vi, Seção 2, De Dilatatione Praedicationis , Col 1043-1044)

Alonso Tostado (1410-1455)

Foi um clérigo, acadêmico e escritor espanhol. Em seus comentários e, em particular, em seu prefácio ao Evangelho de Mateus, Tostado ensinou que os livros apócrifos não eram canônicos e, como tais, não eram autoritários para estabelecer pontos de doutrina. Ele também afirmou que a Igreja permitiu que os livros fossem lidos e estudados com o propósito de edificação:

(...) Como é dos livros da Sabedoria, ... Eclesiástico, ... Macabeus, ... Judite ... e Tobias. Pois, embora sejam recebidos pelos cristãos, e uma demonstração retirada deles pode às vezes ser útil, a Igreja mantém esses livros. Todavia, eles não são úteis contra hereges ou judeus para provar as coisas que poderiam entrar em dúvida: Assim como Jerônimo diz em seu prólogo sobre Judite, ou seja, entre os hebreus o livro de Judite é lido como hagiografia, cuja autoridade é julgada menos adequada para fortalecer as coisas que entram em disputa. Essas coisas tendo sido pressupostas, deve-se dizer que no Antigo Testamento certos livros são colocados no cânon e certos livros não são. Aqueles que não são colocados, como Judite, Tobias, os dois livros de Macabeus, Sabedoria e Eclesiástico não têm qualquer subsecção ou divisão dentro de si mesmos. Aqueles que estão no cânone já têm. Deve-se saber que os livros colocados no cânon têm três subseções, a primeiro da Lei, o segundo dos Profetas e o terceiro dos livros hagiográficos. Na primeira subseção de livros da Lei são colocados apenas os cinco livros de Moisés, que são chamados de Torá entre os judeus, isto é, a lei. Outros os chamam de humas, isto é, os cinco, pois há cinco livros. E a este nome corresponde certo nome grego entre nós, a saber, Pentateuco, que significa os cinco livros da lei. E eles são Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio (...) A segunda subseção de livros é chamada profética ou dos Profetas e contém oito livros. O primeiro é o livro de Josué; segundo Juízes com o qual colocam o livro de Rute; o terceiro é o livro de Samuel, que chamamos primeiro e segundo Reis; quarto é Malaquias (...) quinto, Isaías; sexto, Jeremias; sétimo, Ezequiel; oitavo, o Livro dos Doze Profetas Menores, que entre os hebreus é um único volume. O Livro de Daniel não está colocado entre os livros proféticos, mas na terceira subseção, a hagiografia. Nesta subseção são nove livros. O primeiro é o livro de ; segundo Davi (...) terceiro, Provérbios (...) quarto, o Eclesiastes do mesmo Salomão (...) O quinto é o Cântico dos Cânticos (...) sexto, Daniel; sétimo, Crônicas (...) oitavo é Esdras que está dividido em dois livros e dentro dele está contido o outro livro de Neemias. O nono é o livro de Ester, e assim é a terceira subseção completada. Há, portanto, três subsecções de livros do Antigo Testamento e no primeiro está contido cinco livros; no segundo, oito; no terceiro nove. E assim há vinte e dois livros. Alguns colocam onze livros na terceira subseção, ou seja, eles colocam o livro de Rute com os mencionados, separando-o do outro livro de Juízes. Eles também colocam o livro threnorum, ou as Lamentações de Jeremias, lá que é chamado Cinoth entre os hebreus que o separa do livro do profeta Jeremias, e assim há vinte e quatro livros no cânon do Antigo Testamento. Sobre todas estas coisas Jerônimo escreve em seu prólogo (...) Certos livros são apócrifos no primeiro sentido [não são canônicos mas a Igreja os lê para edificação], que são colocados fora do Canon do Antigo Testamento, mas são contados entre os livros da Sagrada Escritura, a saber, o Livro da Sabedoria, Eclesiástico, Judite, Tobias e Macabeus, pois sobre seus autores, não é estabelecido para a Igreja se eles os escreveram com o Espírito Santo compondo. (Alphonsi Tostati, Episcopi Abulensis, Commentariorum in Sanctum Iesu Christi Euangelium secundum Matthaeum, Praefatio, Quest 1, 2, 3)

Dionísio Cartusiano (1402 - 1471)

Em seu Comentário sobre Gênesis, Denys escreve sobre os livros do cânon. Ele deu uma lista dos livros canônicos do Antigo Testamento repetindo o Prólogo de Jerônimo para o livro de Reis, no qual listou os livros canônicos do Antigo Testamento como correspondentes ao cânon hebraico e compreendendo vinte e dois em número. Ele também mencionou os livros de Judite, Tobias, Macabeus, Susana, Bel e o Dragão e Eclesiástico dizendo que não estavam incluídos no cânon e, portanto, não foram usados para provar artigos da fé:

Em seu prólogo aos Livros dos Reis, Jerônimo diz que há vinte e dois livros do Antigo Testamento. Os hebreus dividem a Escritura do Antigo Testamento em três partes, isto é, em lei, profetas e hagiografia. Os cinco livros de Moisés são chamados de a lei, os outros oito livros, que é Josué, o Livro de Juízes, sob o qual eles incluem o Livro de Rute e os Livros de Reis que eles dividem em dois volumes, também Isaías, Jeremias, Ezequiel, e o livro dos doze profetas eles chamam de os livros proféticos. Na hagiografia está os últimos nove livros, que é o Livro de Jó, o Saltério, os três livros de Salomão, Crônicas, Esdras e Ester. Hagiografia é assim chamado de hagios, que é sagrado, e gráfico, escrito, assim, escrita santa. Eles chamam esses livros de canônicos e os outros apócrifos. (Denys the Carthusian, Enneration In Genesis, Cap I, Articulus IV, De Multiplici Distinctione Atque Divisione Totius Divinae Scripturae)

Ora, o livro não é contado entre as escrituras canônicas, no entanto, a Igreja Mãe não tem dúvidas sobre a sua verdade: por isso ela recebe e estabelece que não deve ser lido para a confirmação e prova das coisas que entram em disputa. (Denys the Carthusian, Proemium, Judith and Tobit)

Agora que o livro não é contado do cânon, que está entre as Escrituras canônicas, embora não haja dúvida quanto à sua verdade. E isso se encaixa muito bem com o Livro dos Provérbios de Salomão em seu significado e estilo. Sobre este Jerônimo escreve que ele encontrou este livro entre os hebreus, não chamado de Eclesiástico, como é por nós, mas intitulado Parábola. (Denys o cartuxo, Prologus, Ecclesiasticus (Sirach)


Thomas Walden (1375 - 1430)

Tomás ensinou que a Igreja de seu tempo aceitou apenas vinte e dois livros do Antigo Testamento para ser de autoridade canônica. Ele citou o julgamento de Jerônimo:

Assim como (diz ele) há vinte e duas letras através das quais escrevemos em hebraico tudo o que dizemos e a fala humana é compreendida por seus primórdios, então são considerados como sendo vinte e dois volumes, pelo qual, assim como nas letras e início na doutrina de Deus, a infância ainda tensa e enferma do homem justo poderia ser nutrida. O primeiro deles é chamado Bresith, que chamamos de Gênesis. Essas coisas Jerônimo diz. (Thomae Waldensis, Doctrinale Fidei Catholicae, Tomus Primus, Articulus Secundus, cap.2, 353)

Jean Driedo (morreu em 1535)

Jean Driedo foi um teólogo do século XVI e membro da Universidade Católica de Lovaina que condenou os ensinamentos de Lutero em 1519. Ele afirmou que os livros apócrifos não eram considerados parte do cânon do Antigo Testamento. A Igreja os usou para fins de edificação, mas eles não carregavam a mesma autoridade que os livros canônicos, os quais foram usados apenas para a confirmação das doutrinas da fé:

Jerônimo pode ser contraditório consigo mesmo, já ele ensina em seu prólogo que esses livros não canônicos estão reunidos na Hagiografia (...) Podemos dizer que entre os judeus a Hagiografia é dupla, exatamente como dissemos acima, a apócrifa é dupla (isto é, pode ser entendida de duas maneiras). Certas coisas são Hagiografia, isto é, escritos dos santos, cuja autoridade é adequada para fortalecer as coisas que são da fé: hagiografias deste tipo estão no cânon bíblico. Mas há outras Hagiografias (isto é, escritos sagrados ou escritos dos santos) cuja autoridade não é adequada para fortalecer as afirmações da fé, embora sejam consideradas verdadeiras e santas, assim como os escritos de Agostinho e Jerônimo são considerados, sendo também chamados de Hagiografia (escritos sagrados ou escritos dos santos). Hagiografias deste tipo entre Hebreus são as histórias de Judite, Tobias e Eclesiástico e primeiro Macabeus, cujos livros, embora [a Igreja] os mantêm e lê, contudo não os conta entre os livros canônicos, mas entre os apócrifos, não porque são falsos, mas porque sua origem secreta não era aparente para toda a Sinagoga. O terceiro e quarto Esdras, segunda Macabeus, o Hino dos três filhos e as histórias de Susana, Bela e o Dragão, não guardamos nem rejeitamos, e relatam que foram inventados. Todavia, a Igreja Cristã, por causa da autoridade de certas escrituras antigas que são lidas para fazer uso de evidências de histórias deste tipo, lê estas mesmas escrituras com fé piedosa, e, além disso, não as rejeita ou despreza, mesmo que não recebam esses livros autoridade igual às escrituras canônicas. (Jean Driedo, De Ecclesiasticis Scripturis et Dogmatibus, Libri quator. fol. XXI?XXII)

John Ferus (1497 - 1554)

Em seu livro “O Exame daqueles que deveriam ser ordenados para o Ministério Sagrado da Igreja” John Ferus listou os livros que compunham o cânon do Antigo Testamento. Ele incluiu os livros apócrifos naquela lista. Ao fazê-lo, ele fez uma distinção entre aqueles que eram verdadeiramente canônicos e autoritários e os apócrifos que não eram canônicos, mas úteis para a leitura privada em sua própria casa:

Quais são os livros do Antigo Testamento? Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, quatro livros de Reis, dois livros de Crônicas, quatro livros de Esdras, Tobias, Judite, Ester, Jó, o Saltério, Provérbios, Eclesiastes, Sabedoria, Eclesiástico, Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruque, Ezequiel, Daniel, os Doze Profetas, dois livros de Macabeus. Alguns destes são às vezes chamados de apócrifos (isto é, oculto), porque era permitido lê-los em particular em casa, cada um de acordo com sua própria inclinação. Na Igreja eles não são lidos publicamente, nem a qualquer deles é dada autoridade. Os livros apócrifos são: terceiro e quarto Esdras, Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, e os dois livros de Macabeus. Todos os outros são chamados canônicos, já que são de autoridade irrefutável, mesmo entre os judeus. E assim todos os livros do Velho Testamento são trinta e sete, vinte e oito canônicos e nove apócrifos. (John Ferus, The Examination of Those Who Were to Be Ordained for the Sacred Ministry of the Church)

Jacobus Faber Stapulensis (1455-1536)

Jacobus foi um teólogo do século XVI e doutor na Universidade de Paris. Ao se referir aos Apócrifos, ele seguiu Jerônimo ao afirmar que esses livros particulares não eram considerados parte do cânon e, consequentemente, não possuíam a autoridade das Escrituras canônicas, embora fossem úteis para a edificação dos crentes:

Veja como Jerônimo conecta o Pastor [de Hermas] ao livro da Sabedoria, Eclesiástico, Judite e Tobias, concedendo-lhes a mesma autoridade, uma vez que eles contêm o mesmo poder de construir a devoção, mas ele também chama todos esses de apócrifos, uma vez que eles não estão no cânon nem na primeira e mais elevada autoridade da Igreja. Contudo, eles não estão no outro sentido de apócrifos para serem abertamente condenados, como o livro de Enoque, mas na primeira compreensão conhecida de apócrifos, muito louváveis após a Santa Eloquência (isto é, Escritura). (Jacob Faber Stapulensis, Praef in Libri Trium Virorum et Virg)

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