Esta
será uma série de três artigos. No primeiro lidaremos com a evidência bíblica e
o testemunho histórico exegético de Jerônimo. O segundo tratará da evidência
histórica extra canônica abarcando os séculos I e II. O terceiro discorrerá
sobre a opinião majoritária dos historiadores católicos. A igreja romana adota a forma episcopal de governo.
Nesse modelo, a autoridade na igreja local é exercida de forma singular pelo
bispo. Esse lideraria os presbíteros, que são os atuais padres ou sacerdotes, e
os auxiliando estariam os diáconos. Outros modelos de governo seriam o
presbiteriano, no qual um colégio de presbíteros (geralmente escolhidos pela
congregação) governa a igreja e o modelo congregacional, em que as decisões são
tomadas por todos os membros da igreja.
A
igreja romana afirma que o episcopado monárquico foi instituído pelos apóstolos
como uma regra de observância obrigatória. O protestantismo afirma que os
apóstolos não instituíram um modelo obrigatório de governo, cabendo às igrejas
dentro da margem de liberdade deixada, instituir formas que atendam aos
princípios bíblicos gerais. Os debates apologéticos têm ignorado essa questão,
mas se trata de um ponto central que pode falsear a igreja romana. As doutrinas
da sucessão apostólica e do papado dependem da existência do episcopado monárquico.
Se não havia um bispo monárquico ordenado por um apóstolo que por sua vez
ordenou outro bispo monárquico e assim sucessivamente até os diais atuais, não há
sucessão apostólica. A implicação é que não há papado, pois esse nada mais é do
que a sucessão apostólica do bispo de Roma que remontaria a Pedro.
Obviamente,
em algum momento (que nós situamos na parte final do século II), o episcopado monárquico
se tornou a regra. Isso se deveu em grande parte aos conflitos internos entre
os presbíteros da igreja e a luta contra as heresias. As igrejas entenderam que tal modelo era mais
adequado para enfrentar esses problemas. Por isso, não vamos aqui discutir
períodos como o século III-IV. A questão não é se o modelo monárquico foi
adotado pela igreja, pois de fato foi. A questão é se ele foi instituído como
um modelo obrigatório pelos apóstolos e se de fato há uma sucessão de bispos
monárquicos originada em algum apóstolo. Como é de se esperar, nosso foco estará
sobre a igreja romana. Pio X afirmou no
juramento contra o modernismo:
Terceiro, eu acredito com fé igualmente firme que a
Igreja, Guardiã e mestra da Palavra Revelada, foi instituída pessoalmente pelo
Cristo histórico e real quando Ele viveu entre nós, e que a Igreja foi
construída sobre Pedro, o príncipe da hierarquia apostólica, e seus sucessores
pela duração dos tempos. Quarto: eu
sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos
pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo
propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente
a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um
significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve (...) Também
rejeito o erro daqueles que dizem que a Fé
mantida pela Igreja pode contradizer a história, e que os dogmas católicos, no
sentido em que são agora entendidos, são irreconciliáveis com uma visão mais
realista das origens da Religião cristã. Também condeno e rejeito a opinião
dos que dizem que um cristão erudito assume uma dupla personalidade - a de um
crente e ao mesmo tempo a de um historiador, como se fosse permissível a um
historiador manter coisas que contradizem a Fé do crente, ou estabelecer premissas que, desde que não haja negação direta dos
dogmas, levariam à conclusão de que os dogmas são falsos ou duvidosos. (Fonte)
Ludwig
Ott, em seu "Fundamentos do Dogma Católico", observa que o ensino
descrito no juramento é um ensinamento De Fide da RCC, embora o Papa Paulo VI
tenha abolido o juramento em 1967. Portanto, o ensino da RCC é claro a respeito
da instituição divina do episcopado.
Evidência bíblica
A discussão gira em torno dos termos πρεσβύτεροι
(presbyteroi, "presbíteros" ou "anciãos") e ἐπισκόποι
(episcopoi, "bispos" ou "supervisores"). O termo grego ἐπισκόποι
é geralmente usado para um supervisor enquanto πρεσβύτεροι é o termo para
"ancião". Este termo "ancião" pode referir-se a um líder,
mas também pode se referir a um homem mais velho. Considerando-se que os homens
mais velhos eram muitas vezes os líderes das congregações, a conexão
linguística entre "homem velho" e "líder" parece ser um
desenvolvimento natural.
Nos Atos os Apóstolos
Atos 6 narra a escolha dos primeiros diáconos.
Nota-se que a escolha desses homens foi colegiada. Os escolhidos foram
encaminhados aos apóstolos e esses os ordenaram por imposição de mãos. A função
dos diáconos era servir às viúvas e ensinar as Escrituras. Em Atos 11:30, após a profecia de Ágabo
predizendo a grande fome que chegaria, os discípulos decidem enviar ajuda
através de Paulo e Barnabé aos “anciãos da Judéia”. A partir disso, podemos
concluir que a igreja da Judéia era liderada por presbíteros. Este padrão de
estabelecer anciãos em cada localidade é explicado em Atos 14:23, onde Lucas
narra que era a prática de Paulo e Barnabé ordenar anciãos em cada cidade.
O concílio de Atos 15 é especialmente esclarecedor.
Os anciãos são citados seis vezes nesse capítulo (15:2, 4, 6, 22, 23). Apesar
de Lucas apresentar figuras importantes como Pedro, Tiago, Paulo e Barnabé, a
decisão conciliar é apresentada como fruto da deliberação dos apóstolos, dos
anciãos e dos irmãos da igreja de Jerusalém (Atos 15:22-23). Todo o relato
pressupõe dois níveis de autoridade: o colégio dos apóstolos e o colégio dos
anciãos. Esta pluralidade de líderes no Concílio de Jerusalém também é testemunhada
na igreja local de Éfeso. Em Atos 20:17, Paulo fala aos πρεσβυτέρους (presbíteros
ou anciãos) da igreja de Éfeso. Como seria de esperar no modelo presbiteriano,
Paulo menciona os líderes da igreja de Éfeso no plural e, em seguida, diz:
Preste
muita atenção a vós mesmos e a todo o rebanho sobre o qual Espírito Santo vos
constituiu ἐπισκόπους (bispos) [Atos 20:28]
O mesmo colégio que no vs. 17 é chamado de
“presbíteros”, no vs. 28 é chamado de “bispos”. Claramente eram termos
intercambiáveis para se referir ao mesmo cargo. Os presbíteros (anciãos) são
posteriormente chamados de bispos (supervisores) porque eles foram chamados
para “supervisionar” o rebanho de Deus.
Em resumo, o relato de Atos demonstra que as igrejas possuíam uma
liderança colegiada e não monárquica. No concílio de Jerusalém, os líderes de
todas as igrejas deliberam em conjunto com os apóstolos. Tiago tem uma
contribuição importante, mas nada implica que fosse o bispo de Jerusalém.
Nas cartas pastorais
Paulo escreve:
Por
esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que
ainda restam, e de cidade em cidade
estabelecesses presbíteros [πρεσβυτέρους], como já te mandei: (Tito 1:5)
No vs. 7, é dito:
Porque
convém que o bispo (ἐπίσκοπον) seja
irrepreensível, como despenseiro da casa de Deus (...)
Em cada cidade deveria ser estabelecido presbíteros
(plural) – o que aponta para uma liderança colegiada. Mais uma vez, vemos a
sobreposição dos termos. Bispos e presbíteros se referem ao mesmo cargo. O vs.
7 faz uso do singular porque se refere aos requisitos do bispo como indivíduo,
porém, quando se refere à liderança da igreja (vs. 5), é usado o plural. Já em
1 Timóteo 3:1-2:
Esta
é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja.
Convém, pois, que o bispo (ἐπίσκοπον)
seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto,
hospitaleiro, apto para ensinar.
Paulo mais uma vez se refere aos requisitos do
episcopado – por isso utiliza o singular. Mas em 1 Timóteo 5:17:
Os
presbíteros (πρεσβύτεροι) que governam
bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que
trabalham na palavra e na doutrina.
E no vs. 19:
Não
aceites acusação contra o presbítero
(πρεσβύτεροι), senão com duas ou três testemunhas.
Além da equivalência dos termos, notamos que quando
Paulo se refere à liderança da igreja local, o termo sempre está no plural. Um
argumento utilizado por muitos católicos é apontar Tito e Timóteo como bispos.
Eles seriam a prova da sucessão apostólica, pois teriam sido ordenados por
Paulo e comissionados a ordenar outros homens mantendo assim a sucessão
apostólica. O problema desse argumento é que nem Tito ou Timóteo ou qualquer
dos outros companheiros de Paulo (Barnabé, Silas) são descritos no N.T como bispos.
Um bispo é por definição o pastor estável de uma igreja local. Esses homens não
eram pastores de igrejas locais, eles eram auxiliares do apóstolo e tinham um
ministério igualmente itinerante. O mesmo raciocínio se aplica aos apóstolos.
Quando os católicos colocam Pedro como o primeiro bispo de Roma, apelam a uma
visão anacrônica. Pedro, assim como os outros apóstolos, desempenhava um
ministério itinerante e viajavam por vários lugares plantando igrejas e as
deixando sob a supervisão de líderes locais. O teólogo jesuíta Francis Sullivan
confirma:
Em
nosso calendário litúrgico Timóteo e Tito são chamados de "bispos", mas Paulo não os deixou como líderes
residenciais permanentes daquelas igrejas; eles permaneceram missionários e
se juntavam a Paulo quando tinham terminado sua tarefa atual (Tito 3:12; 2
Timóteo 4: 9, 11, 21). (From Apostles to Bishops: the development of
the episcopacy in the early church. Newman Press,
Mahwah (NJ), 2001, p. 72)
Sobre os apóstolos, o especialista católico
escreve:
O primeiro problema
[com a noção de sucessão apostólica] tem a ver com a noção de que Cristo
ordenou os apóstolos como bispos (...) Um bispo é um pastor residencial que
preside de forma estável sobre a igreja de uma determinada cidade e seus
arredores. Os apóstolos eram
missionários e fundadores de igrejas; não há evidência, e nem é de todo
provável, que quaisquer deles tenham tido residência permanente em alguma
igreja em particular como bispo. (Ibid, p. 14)
Além de tudo, apesar de Tito ter sido encarregado
de ordenar presbíteros em Creta, o mesmo não ocorre com Timóteo. Como a igreja de
Éfeso já possuía presbíteros, são eles que impõem as mãos sobre Timóteo o
ordenando ao episcopado (1 Timóteo 4:14-16). O argumento da sucessão apostólica
se “quebra”, pois não há um bispo ordenado por algum apóstolo ordenando outro
bispo e assim mantendo a sucessão. O que temos é um colégio de presbíteros, dos
quais não há qualquer evidência de que foram todos ordenados por algum
apóstolo, ordenando outro homem que sequer atuaria como um bispo local, mas
como um missionário auxiliar de Paulo. Teólogos católicos e protestantes tem
observado que a ênfase das cartas pastorais não recai sobre uma sucessão de
autoridade oficial, mas uma sucessão de doutrina. O erudito bíblico I. Howard
Marshall comenta:
As
epístolas pastorais não estão
interessadas numa detalhada ordem da igreja. Certamente o pensamento de
sucessão está presente, mas o propósito
da ordenação não é primariamente a transmissão da autoridade oficial, mas a
transmissão segura da tradição que foi confiada ao funcionário. É uma sucessão
no ensino, e não na autoridade oficial. Em suma o que domina as epístolas
pastorais não é o "princípio do ofício", mas o "princípio da
tradição". (I.
Howard Marshall, International Critical Commentary, The Pastorals, [T & T
Clark: Edinburgh, 1999], 514)
O também erudito bíblico Gordon Fee escreve:
A
evidência nas epístolas pastorais corresponde muito de perto a esse
[pluralidade de liderança na igreja] estado das coisas. Embora alguns tenham
argumentado que Timóteo e Tito foram nomear um único bispo, sob o qual haveria
um grupo de diáconos, a exegese das
passagens-chave (1 Timóteo 3:1-2, 8, 5:17; Tito 1:5- 7) e uma comparação com Atos
20:17, 28 indica o contrário. Em
todos os casos a liderança era plural. Esses líderes são chamados de
presbíteros em 1 Tm. 5:17 e Tito 1:5. Eles foram nomeados em Creta por Tito,
mas tinham sido nomeados alguns anos antes, em Éfeso, provavelmente pelo
próprio Paulo. O termo
"anciãos" é provavelmente um termo aplicável tanto para bispos como
diáconos. Em qualquer caso, a gramática de Tito 1:5,7 demanda que
"presbítero" e "bispo" são termos intercambiáveis (como em
Atos 20:17,28). (Gordon Fee, “Reflections on Church Order in the Pastoral Epistles,
with Further Reflection on the Hermeneutics of Ad Hoc Documents” JETS 28/2
(1985) 141-151)
Nas Epístolas Católicas
William Lane – autor do artigo “Judaísmo e
Cristianismo no primeiro século em Roma” – também defende a tese de que o
cristianismo em Roma era caracterizado pelo fracionamento. Havia diversas
igrejas domésticas que funcionavam sem a existência de qualquer bispo
monárquico. William defende que Hebreus foi dirigida aos romanos. O seu
argumento tem as seguintes premissas:
1.
As alusões a generosidade em Hebreus 6:10-11 e 10:33-34 concordam com Roma
sendo rica.
2.
A descrição do sofrimento primitivo contida em 10: 32-34 é congruente com a
expulsão dos cristãos em 49.
3.
A multiplicidade de líderes em Hebreus
13:7 que estão sendo chamados de "proegoumenoi" é usado apenas
por aqueles que escrevem para ou de Roma.
4.
Hebreus é primeiramente conhecido como sendo utilizado em Roma (1 Clemente
36:1-6) (“Social Perspectives on Roman Christianity during
the Formative Years from Nero to Nerva: Romans, Hebrews, 1 Clement” in Judaism
and Christianity in First-Century Rome, Ed. Karl P. Donfried & Peter Richardson
Wipf & Stock: Eugene, 1998)
Se como muitos estudiosos tem afirmado, Hebreus
reflete a realidade do cristianismo em Roma, temos aí uma evidência da
liderança colegiada dessa igreja. Passagens chaves como Hebreus 13:7 apontam
claramente uma liderança plural. Passemos a outra importante evidência. Lemos
em 1 Pedro 5:1-3:
Aos presbíteros, que
estão entre vós, admoesto eu, que
sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e
participante da glória que se há de revelar: Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado
dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo
pronto; Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo
ao rebanho.
Pedro se refere aos líderes da igreja como
presbíteros e no plural. É importante mencionar que algumas variantes textuais
(não é o caso do códice vaticano e sinaítico) incluem o comando de supervisionar
(ἐπισκοποῦντες) as igrejas sob seus cuidados. Independentemente de estar ou não
contido no original, essa variante evidencia que o escriba enxergava os termos
para presbítero e bispo como intercambiáveis. O erudito católico Raymond Brown escreve:
A
ideia de que Pedro falou como "igualmente presbítero" dizendo aos
presbíteros como se comportar não é diferente da de Paulo nas pastorais dando
as qualificações para os presbíteros-bispos. Assim, nas igrejas associadas às três grandes figuras apostólicas do
NT, Paulo, Tiago e Pedro, presbíteros eram conhecidos e estabelecidos no último
terço do século. (Raymond Brown, “Episkope and Episkopos: The New Testament Evidence,”
Theological Studies 41 (1980), 336)
Brown aponta também Tiago. Ele escreve que se
alguém na igreja está doente, os presbíteros da igreja devem ser chamados para
ungir e orar pelo enfermo (Tiago 5:14). Esse é um contexto em que menção ao
bispo monárquico local era esperada. Outra evidência é encontrada em Filipenses
1:1:
Paulo
e Timóteo, servos de Jesus Cristo, a todos os santos em Cristo Jesus, que estão
em Filipos, com os bispos e diáconos.
Paulo obviamente se dirige à liderança da igreja
local de Filipos. Se houvesse algum bispo monárquico, a menção esperada seria
“bispo (singular), presbíteros e diáconos”. Contudo, a liderança era colegiada
(bispos no plural), sem qualquer menção de outro nível de liderança além dos
diáconos. Uma última evidência é o caso de Diótrefes. Sobre ele, o apóstolo
João escreveu:
Tenho
escrito à igreja; mas Diótrefes, que
procura ter entre eles o primado, não nos recebe. (3 João 9)
Diótrefes procurava ter o primado entre um grupo
(entre eles). Isso sugere que a liderança de tal igreja era colegiada e que o
usurpador em questão era aquele que desejava ser o bispo monárquico. Brown
escreve que Diótrefes “fez de si mesmo o primeiro na comunidade joanina”
(Ibid). Depois de uma exaustiva análise da evidência do N.T, estamos habilitados
para dizer que não há qualquer conceito de episcopado monárquico nos escritos canônicos.
O testemunho exegético
de Jerônimo
Apesar
de esse artigo ser direcionado à evidência bíblica, consideramos o testemunho
de Jerônimo pertinente. Sua exegese dos textos bíblicos chaves coincide com o
que já expomos:
Nós lemos em Isaías
as palavras: "o tolo fala tolices". Disseram-me que alguém foi louco
o suficiente para colocar os diáconos antes dos presbíteros, isto é, antes dos bispos. Uma vez que o apóstolo
ensina claramente que os presbíteros são os mesmos que os bispos, portanto, não
devem ser meros servidores de mesas e das viúvas [Atos 6:1-2], não é
loucura colocar-se arrogantemente acima dos homens por cujas orações o corpo e
o sangue de Cristo são produzidos? Você
quer uma prova do que digo? Ouça esta passagem: “Paulo e Timóteo, servos de
Jesus Cristo, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os bispos e diáconos” [Fp. 1:1]. Você
quer outra passagem? Nos Atos dos Apóstolos Paulo fala para os sacerdotes de
uma igreja individual: "Guardai de todo o rebanho, sobre o qual o Espírito
Santo vos constituiu bispos, para
alimentar a igreja de Deus, que ele comprou com o seu próprio sangue"
[Atos 20:28]. E para que ninguém num espírito de discórdia argumentasse que
deveria haver mais de um bispo sobre cada igreja local, há a seguinte passagem que prova claramente que presbítero e bispo eram
o mesmo. O apóstolo escreve a Tito: “A razão de tê-lo deixado em Creta foi
para que você pusesse em ordem o que ainda faltava e constituísse presbíteros em cada cidade, como eu o instruí [Tito
1:5]. ”
E a Timóteo diz:
"Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição de mãos pelo presbitério"
[1 Timóteo 4:14]. Pedro também diz em sua primeira epístola: "Portanto, apelo para os presbíteros que há entre
vocês, e o faço na qualidade de
presbítero como eles e testemunha dos sofrimentos de Cristo, como alguém
que participará da glória a ser revelada: Pastoreiem
o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por
obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer [1 Pedro 5:1-2]." No
grego, o significado é ainda mais claro, pois a palavra usada é επισκοποῦντες,
isto é, supervisor, e esta é a origem do termo bispo. Mas talvez o testemunho
desses grandes homens lhe pareça insuficiente. Se assim for, ouça o som da
trombeta do evangelho, o filho do trovão, o discípulo a quem Jesus amava João e
que reclinou sobre o peito do Salvador e bebeu nas águas da sã doutrina. Uma de
suas cartas começa assim: "O
presbítero à senhora eleita e aos seus filhos, a quem amo na verdade [2
João 1:1]". E outro assim: "O
presbítero ao amado Gaio, a quem amo na verdade [3 João 1:1]".
Quando posteriormente um presbítero foi escolhido para
presidir o resto, isso foi feito para sanar o cisma e impedir cada indivíduo de
rasgar a igreja de Cristo, chamando-o para si mesmo. Pois ainda em Alexandria desde o tempo de Marcos o
Evangelista até o episcopado de Heraclas e Dionísio, os presbíteros sempre
nomearam como bispo alguém escolhido dentre eles e o colocavam na posição mais
elevada, assim como um exército elege um general, ou os diáconos nomeiam um
entre si alguém que eles sabem que é diligente e o chamam de arquidiácono. Qual
função, com exceção da ordenação, pertence a um bispo que também não pertence a
um presbítero? Se se trata de autoridade, o mundo é muito maior do que uma
cidade. Por que me invocas a prática de
uma só cidade [Roma]? Por que submetes a ordem da Igreja a um pequeno número,
do qual procede a presunção? Onde quer que há um bispo, seja em Roma ou em
Gubbio, seja em Constantinopla ou em Reggio, tem a mesma dignidade e sacerdócio.
O poder das riquezas e a humildade da pobreza não fazem o bispo superior ou
inferior, todos são igualmente sucessores dos apóstolos.
Mas você vai dizer: como, então, que em Roma um presbítero é
ordenado apenas pela recomendação de um diácono? Ao qual eu respondo como se
segue. Por que você apresenta um costume que existe em uma única cidade? Por
que você se opõe às leis da Igreja uma exceção insignificante que deu origem à
arrogância e orgulho? (...) O termo presbítero indica idade e o termo bispo
o cargo. Ao escrever a Tito e Timóteo, o
apóstolo fala da ordenação de bispos e de diáconos, mas não diz uma palavra
sobre a ordenação de presbíteros, pois o fato é que a palavra bispos incluía
presbíteros também. (Epístola 146)
Jerônimo
esclarece que no tempo dos apóstolos não havia episcopado monárquico. Bispo e
presbítero são termos intercambiáveis no Novo Testamento para se referir ao
mesmo cargo. Isso tem importantes implicações. Diante desse testemunho
contundente, ortodoxos e romanistas argumentam que o desenvolvimento posterior
a que Jerônimo se refere ocorreu ainda no período apostólico. Inicialmente, os
apóstolos instituíram uma estrutural presbiteral, depois teriam instituído uma
nova forma de governo. Ocorre que isso não se encaixa com as palavras de
Jerônimo. Ele afirma que o episcopado monárquico ocorreu depois de citar o
testemunho do último apóstolo – João. Ele dá a entender que o fato é posterior
ao período apostólico. Outro problema é que muitas igrejas demorariam muito
tempo até desenvolver o posto de bispo monárquico (algumas mais de um século).
Se algum apóstolo tivesse instituído uma nova estrutura, esperar-se-ia que já
em meados do séc. II todas as igrejas apresentassem um bispo monárquico. Roger
Beckwith comenta:
Além de Jerônimo,
outros escritores do século IV como Ambrosiastro, Crisóstomo e Teodoro de
Mopsuéstia continuam a reconhecer que
presbítero e bispo eram originalmente o mesmo. (Elders In Every City [Waynesboro, Georgia: Paternoster Press, 2003], n.
13 on p. 24)
Jerônimo
também escreve:
Portanto, como temos
demonstrado, os presbíteros antigos e os
bispos eram os mesmos. Mas,
gradualmente, para que as sementes da dissensão pudessem ser arrancadas,
toda a responsabilidade foi transferida para uma pessoa. Assim, os presbíteros
sabem que é pelo costume da Igreja que estão sujeitos àquele que é colocado
sobre eles, então que os bispos saibam que
estão acima dos presbíteros pelo costume e não por determinação divina, e
que devem governar a Igreja em comum, seguindo o exemplo de Moisés, que quando
ele somente tinha poder para presidir o povo de Israel, escolheu setenta, com a
ajuda dos quais poderia julgar os povos. (Commentariorum Em Epistolam Ad Titum,
PL 26:563)
Jerônimo
esclarece que o episcopado monárquico é um costume e não uma determinação
divina. Dessa forma, ele obviamente não poderia acreditar que os apóstolos
instituíram essa forma de governo. Outro argumento utilizado é que não há
registro de controvérsias sobre essa mudança no governo da igreja. Isso se
deveria ao fato de que tal mudança foi instituída por algum apóstolo. Alguns também argumentam que a alteração foi
decidida por algum concílio. Somente isso explicaria uma mudança tão relevante
sem deixar controvérsias. Porém, o argumento tem os seguintes problemas:
(1)
A mudança foi gradual. O episcopado monárquico surgiu mais cedo nas igrejas da
Ásia, como atestam as epístolas de Inácio. No entanto, em outras igrejas como
Roma e Corinto demoraria décadas a mais para emergir. Essa gradualidade e não
uniformidade da mudança sugere que ela não foi instituída por nenhuma instancia
superior de autoridade como um apóstolo ou concílio;
(2)
Nós temos pouquíssimo registro histórico do período. Com exceção do Novo
Testamento, que traça o histórico do período inicial da igreja, há pouca
documentação histórica do que aconteceu no final do primeiro século e início do
segundo. Portanto, é espero que controvérsias como essa possam tem ocorrido sem
deixar registro;
(3)
Outras mudanças na estrutura da igreja ocorreram sem igualmente deixar registro
histórico de controvérsia. O N.T e a Didaquê claramente apontam que um ofício
importante na igreja primitiva era o de profeta. Todavia, esse cargo
desapareceu da igreja no século II. Uma vez que a Didaquê provavelmente foi
escrita após o período apostólico, esse desaparecimento não se deveu a ordem de
algum apóstolo. Ainda assim, o cargo desapareceu sem registro de qualquer
controvérsia;
(4) Mesmo uma mudança
introduzida pelos apóstolos causaria controvérsia. O N.T atesta que as decisões
do concílio de Jerusalém não foram aceitas sem polêmica. Paulo atesta que sua
própria autoridade apostólica era contestada. Isso evidencia que a falta de registro
explícito de tais controvérsias é um argumento do silêncio pouco qualificado.
Já como deve estar cansado dos apologistas católicos que costuma debater com você, recomendo este texto: http://www.calledtocommunion.com/2014/06/the-bishops-of-history-and-the-catholic-faith-a-reply-to-brandon-addison/
ResponderExcluirJá li esse artigo e os argumentos ai expostos já foram respondidos nesse blog.
ExcluirNão vi resposta,ele enfraqueceu seus argumentos.
ExcluirCite-me o argumento que ele enfraqueceu. Porque eu deveria responder objeções que já foram abordados no meu artigo? Você defende um posição refutada pelos historiadores e teólogos da sua própria denominação. Porque eu deveria continuar escrevendo sobre algo que nem os especialistas da sua própria igreja defendem?
ExcluirEu li todos os seus artigos sobre os pais da igreja sobre esse assunto e não vi nenhuma resposta a ele, inclusive vcs disse que em algum lugar dos comentários que o site apologistas católicos tentou responder ao "conhecereis a verdade" mas fracassou, ou seja o fato de ter comentado a respeito não significa que respondeu ou refutou, esse é o seu caso meu amigo.
ResponderExcluirDe que artigo você está falando? Do que foi postado acima do site calledtocommunion? Eu não respondi diretamente este artigo, o que não quer dizer que não abordei os argumentos que ele traz. Sobre o site apologistas católicas, a qual artigo eu me referia sobre a tentativa de refutação? Eu já escrevi muita coisa sobre isso e posso não me lembrar disso. Não estou ciente de qualquer artigo em português que enderece os argumentos que eu trouxe sobre o episcopado monárquico.
Excluir