terça-feira, 12 de abril de 2016

João Crisóstomo e o Papado - Parte 2


A rocha da igreja

"E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja"; isto é, na fé de sua confissão. Ele quer dizer que muitos estavam a ponto de acreditar e elevar o seu espírito, e fazer dele um pastor (...) O Pai deu a Pedro a revelação do Filho, mas o Filho atribuiu a ele [Pedro] semear o que é do Pai e do próprio filho em todas as partes do mundo. Ele confiou a autoridade sobre todas as coisas no céu, dando as chaves ao homem mortal, que estendeu a Igreja a todas as partes do mundo, e declarou que ela [a igreja] seria mais forte do que o céu. (Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 54,3)

Essa citação, além de demonstrar que a rocha da igreja era a confissão de Pedro, mostra o que Crisóstomo entendia como o poder das chaves – propagar o evangelho estendendo a igreja por todo o mundo.

Ele fala a partir desse momento coisas humildes, a caminho de sua paixão, para que pudesse mostrar sua humanidade. Ele edificou a sua Igreja sobre a confissão de Pedro, e desse modo a fortificou, de forma que dez mil perigos e mortes não prevaleceriam sobre ela (...) (Sobre Mateus, Homilia 82,3)

"Pois ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo". Eu digo, nenhum homem pode colocá-lo desde que Ele é o mestre-construtor; mas se alguém colocá-lo (...) Ele [Jesus] deixa de ser o mestre-construtor.  (Homilias sobre as Epístolas de Paulo aos Coríntios, 8:7)

Os católicos costumam dizer que a igreja está fundamentada sobre Cristo, mas ainda é necessário que haja um fundamento visível. Crisóstomo não compartilharia dessa opinião. Colocar qualquer homem como fundamento da igreja equivaleria a Cristo deixar de ser o fundamento. Mesmo John Chapman (o autor do texto do site apologistas católicos) admite:

A rocha sobre a qual a Igreja está edificada é regularmente tomada por São Crisóstomo como sendo confissão de Pedro, ou a fé que levou a esta confissão. (Studies on the Early Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 79)

Apesar dessa admissão, Chapman traz um argumento muito utilizado pelos católicos:

Eu acredito que esta declaração somente deixaria claro que a rocha é Pedro na visão de São Crisóstomo, bem como, e por causa da firmeza de sua confissão. Ele não tem ideia de que as duas opiniões "Pedro é a rocha" e "sua fé é a rocha" se excluem mutuamente, como de fato não se excluem. (Ibid., 79)

O argumento católico não dissocia a fé de Pedro da pessoa de Pedro. Crisóstomo não disse que Pedro era a rocha porque ele tinha uma fé convicta, mas que a rocha era a própria fé de Pedro. A fé não é motivo, mas em si é o próprio objeto (a rocha). Agostinho faz claramente essa distinção:

Então, o caso é que Pedro é a verdade ou que Cristo é a verdade em Pedro? Quando o Senhor Jesus Cristo desejou, ele deixou Pedro por si mesmo, e Pedro foi achado como sendo um homem. Quando assim aprouve ao Senhor Jesus Cristo, ele encheu Pedro, e Pedro foi achado como sendo a verdade. A rocha [Cristo] tinha feito Pedro um verdadeiro rochoso, pois a rocha era Cristo. (Sermão 147,3)

Ele claramente diferencia a fé de Pedro que tinha origem em Deus da pessoa do apóstolo. É Cristo a rocha que faz de Pedro uma pedra por causa da fé. Da mesma forma, todos os cristãos que fizerem a mesma confissão também serão pedras. Pedro era naquele momento o representante de toda a igreja, por isso, todos que seguirem o exemplo de Pedro terão o mesmo benefício que ele. Além do mais, a pessoa de Pedro era cambaleante, tanto é que negou a Jesus. Portanto, não seria um fundamento confiável para fazer com que “as portas do inferno não prevaleçam contra a igreja”. É notório que no mesmo capítulo da famosa declaração de Jesus (Mateus 16), ele diz:

Jesus virou-se e disse a Pedro: "Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens". (v. 23)

Como uma mesma pessoa pode ser um fundamento infalível para a igreja e ser uma pedra de tropeço? Por isso, não é Pedro, mas a sua confissão que aponta para Cristo que é a rocha em questão. Essa confissão é a rocha porque aponta para o fundamento da igreja – o Cristo. Crisóstomo faz uma afirmação semelhante a Ambrósio:

Ao falar de S. Pedro, a lembrança de outro Pedro veio a mim, o pai e mestre comum, que herdou seu talento e também obteve sua cadeira. Esse é o grande privilégio de nossa cidade, Antioquia, que recebeu o líder dos apóstolos como seu professor no início. Era justo àquela adornada pela primeira vez com o nome de cristãos, perante todo o mundo, que recebesse o primeiro dos apóstolos como seu pastor. Apesar de termos o recebido como professor, nós não o retivemos até o fim, mas o entregamos a nobre Roma. Ou melhor, nós o retemos até o fim, porque embora não tenhamos o corpo de Pedro, nós mantemos a fé de Pedro, e mantendo a fé de Pedro, nós temos Pedro. (On the Inscription of the Acts, II. Cited by E. Giles, Documents Illustrating Papal Authority. London: SPCK, 1952, p. 168)

Uma vez que o fundamento da igreja era fé no Cristo expressada por Pedro, compreende-se o que ele quis dizer com “temos Pedro, porque temos sua fé”. A igreja permanece “nos trilhos” não por causa de uma cadeira de sucessores em Roma, mas por causa da sua perseverança na fé em Cristo.

Roma não era a única sede de Pedro

Nos debates sobre o papado, os católicos tentam estabelecer a primazia jurídica de Pedro. Após isso, é pressuposto automaticamente que o bispo de Roma é o exclusivo sucessor do pescador com todas as prerrogativas papais. Trata-se da deturpação (2). Já Crisóstomo refere-se a Inácio, bispo de Antioquia, como sucessor de Pedro:

Em todos os eventos, o mestre de todo o mundo Pedro, cujas mãos dele [Jesus] recebeu as chaves do céu, a quem Ele comandou fazer e suportar tudo e ordenou a ele [Pedro] permanecer aqui [Antioquia] por um longo período. Assim, diante dele a nossa cidade foi equivalente a todo o mundo. Mas, como eu já mencionei de Pedro, tenho percebido uma quinta coroa tecida a partir dele, e isso é porque este homem [Inácio de Antioquia] sucedeu ao ofício depois dele. Pois, quando alguém tira uma grande pedra de uma fundação, antecipa  por todos os meios a introdução de uma equivalente a ela, para que todo o edifício não seja estremecido e então se torne pouco firme. Dessa forma, quando Pedro estava prestes a partir daqui, a graça do Espírito introduziu outro professor equivalente a Pedro, para que o edifício já concluído não possa ficar menos firme por causa da insignificância do sucessor. (Homilia sobre St. Inácio, 4)

Inácio e os bispos de Antioquia são colocados como sucessores diretos de Pedro apontados pelo Espírito Santo. Se a lógica da apologética católica for aplicada, teríamos que considerar Inácio um papa. Se não é o caso, porque quando um pai da igreja aponta o bispo de Roma como sucessor de Pedro deve-se considerá-lo um papa? Essa é declaração incompatível com a doutrina papal. Se Inácio era sucessor do ofício de Pedro, a exclusividade do bispo de Roma com base numa suposta sucessão de Pedro é refutada.

A relação com a igreja de Roma

É amplamente reconhecido que Crisóstomo nunca afirmou a supremacia do bispo de Roma. Embora os católicos insistam na primazia petrina em Crisóstomo, eles não conseguem oferecer evidências da mesma primazia com relação aos bispos romanos. Até a Enciclopédia Católica reconhece:

(...) Não há clara e qualquer passagem direta em favor do primado do papa.  (Fonte)

Os católicos tendem a menosprezar esse fato dizendo que Crisóstomo nunca negou o primado papal explicitamente. Isso é basicamente usar o argumento do silêncio para provar a existência de uma doutrina – um tipo especialmente fraco de argumento. Argumentos do silêncio tem mais força para evidenciar a ausência de uma doutrina, especialmente, em contextos que se esperaria que tal doutrina aparecesse. Esse é o caso de Crisóstosmo. Ele foi um dos pais da igreja que mais escreveu. Tratou de todos os temas atinentes ao cristianismo, dando especial interesse a questão da autoridade. Como ele esqueceria uma doutrina tão importante? Àquela que seria a rocha da igreja. Ele falou bastante sopre o primado petrino, como poderia tratar tanto dessa matéria e simplesmente não mencionar as prerrogativas do bispo romano? Qual católico romano falaria tanto sobre o primado de Pedro sem dizer nada sobre as prerrogativas extraordinárias do bispo de Roma? Absolutamente nenhum.

Ninguém esperaria uma negação explícita de Crisóstomo do tipo “o bispo de Roma não é a autoridade suprema e infalível”. E isso se dá por um motivo simples – essa não era uma ideia presente na igreja de seu tempo. Essa doutrina só surgiria séculos mais tarde. Ainda assim, Crisóstomo tinha ideias contraditórias à doutrina papal. Ele considerava o bispo de Antioquia legítimo sucessor de Pedro e afirmava que a rocha da igreja era a confissão de Pedro. Ele também entedia que a Escritura era a autoridade suprema.

É também revelador o fato de que ele passou a maior parte de sua vida eclesiástica fora da comunhão com Roma. João Crisóstomo foi ordenado por um bispo que estava fora da comunhão com Roma. Crisóstomo foi batizado (369 dC) e ordenado diácono (380 dC) por Melécio que na época estava fora da comunhão com Roma e foi ordenado sacerdote (386 dC) por Flaviano, que Roma se recusou a reconhecer como bispo de Antioquia, e tinha de fato excomungado alguns anos antes da ordenação de Crisóstomo. De acordo com o critério do Papa Leão XIII (Satis Cognitum), tanto Melécio como Flaviano estavam "fora da igreja", "separados do rebanho" e "exilados do Reino" na medida em que eles não estavam em comunhão com o romano pontífice, que só reconhecia Paulino como o ocupante legítimo da igreja de Antioquia.

Ao receber o batismo e a ordenação de suas mãos, Crisóstomo estava declarando que os reconheceu como os bispos legítimos. Enquanto pregava em seu túmulo, Crisóstomo se referiu a Melécio como um santo, e disse que Flaviano era o sucessor de Pedro e o herdeiro legítimo de Pedro na Sé de Antioquia. Crisóstomo não poderia ter sido mais claro em seu repúdio a Paulino a quem Roma havia declarado ser o bispo de Antioquia. (Homilia II em Migne PG 52:86). Ele só entraria em comunhão com Roma acidentalmente por ser nomeado patriarca de Constantinopla. A ideia de que para estar na igreja exigia estar em comunhão com o bispo de Roma não passava pela mente de Crisóstomo. Se os católicos fossem consistentes a respeito, sequer deveriam considera-lo um bispo legítimo.

Crisóstomo foi expulso da sede de Constantinopla. No exílio, ele pede ajuda ao bispo romano. Obviamente, os apologistas católicos enxergam ai o primado papal. Porém, os fatos apontam para o oposto. O erudito patrístico W.R.W. Stephens escreve:

As cópias da primeira carta [de João Crisóstomo] foram enviadas também para Venério bispo de Milão e Cromácio bispo de Aquileia. É interessante como ela indica a relação entre os ramos ocidental e oriental da igreja no início do século V. Por um lado, ilustra a tendência crescente da cristandade de recorrer à autoridade da igreja ocidental, especialmente ao bispo de Roma, em questões de disciplina eclesiástica. A lei de tomada, a lei protetora do espírito do ocidente é invocada para conter a turbulência e licenciosidade do Oriente. Nenhum ressentimento é cogitado pelo patriarca da antiga Roma por causa do patriarca da nova [igreja de Constantinopla]. Mas, por outro lado, é de notar que o bispo de Roma não é, em nenhum sentido, tratado como um árbitro supremo: ajuda e simpatia é solicitada dele como de um irmão mais velho, e outros dois prelados da Itália são destinatários conjuntos do recurso. Inocente escreveu para Crisóstomo como de amigo para amigo e de bispo para bispo irmão, uma carta de consolo cristão e encorajamento, não entrando nas questões legais do caso, e não se comprometendo a uma ação decisiva de qualquer tipo. Em sua carta à Igreja de Constantinopla, ele denuncia a ilegalidade do processo tardio de Teófilo e seus cúmplices, nos termos mais veementes; mas insiste na necessidade de convocar um concílio ecumênico como o único meio de acalmar a tempestade. Deve ser concedido que ele fez o seu melhor para alcançar este objetivo. Ele escreveu uma carta a Honório, o imperador do Ocidente, que residia em Ravenna, descrevendo a condição lamentável da Igreja em Constantinopla. O Imperador emitiu uma ordem para a convenção de um sínodo italiano, e o sínodo, influenciado sem dúvida por Inocêncio, solicitou a Honório escrever a seu irmão Arcádio o Imperador oriental, incitando à convocação de um concílio geral a ser realizado em Tessalônica que seria um ponto de encontro conveniente para os prelados do oriente e do ocidente. Honório concordou e a carta foi despachada sob os cuidados de uma delegação da Igreja italiana, composta por cinco bispos, dois sacerdotes e um diácono. Eles foram os portadores das cartas de Inocêncio, dos bispos de Milão e Aquileia, e de um memorial do sínodo italiano, recomendando que Crisóstomo fosse reintegrado na sua sede antes que fosse requerido julgar seu processo perante o concílio. A parte hostil a Crisóstomo, porém, tinha agora tanta influência sobre o tribunal em Constantinopla que a comitiva nunca conseguiu obter uma audiência com o Imperador, e depois de sofrer muitos insultos e indignidades, voltou para a Itália sem ter realizado nada. (Fonte)

Outro erudito patrístico, J.N.D Kelly escreveu:

Embora confinado ao seu palácio, João deu um passo de grande importância. Em alguma data entre a Páscoa e o Pentecostes (...) ele escreveu pedindo apoio ao papa, Inocêncio I, e em termos idênticos, aos dois outros patriarcas líderes no oeste, Venério de Milão e Cromácio de Aquiléia (...) Seu movimento, de modo algum implica que ele reconheceu a Santa Sé como o supremo tribunal de recurso na igreja (...) Tal ideia, ausente de seus sermões e outros escritos, é regida por sua abordagem simultânea aos dois outros patriarcas ocidentais. (Kelly, JND, (1995) Boca de Ouro: A história de João Crisóstomo, (Cornell University Press), p. 246)

Que Crisóstomo apelou aos três bispos sem estabelecer nenhuma hieraquia, fica evidente da própria carta:

Tendo sido informado de todas essas coisas, meus senhores, mais honrados e piedosos, mostrem a coragem e zelo que convém a vocês, de modo a pôr fim a este grande assalto da ilegalidade que tem sido feito sobre as Igrejas. (Epístola 1:4)

Crisóstomo apelou nos mesmos termos a outros bispos ocidentais. Deveríamos considerá-los papas também? Percebam como a autoridade do bispo romano era limitada. Ele não podia resolver a questão por sua própria autoridade, mas precisava apelar ao imperador para que um concílio fosse convocado, e só então a questão poderia ser resolvida. Nada que se pareça com o moderno papado. No final, nem isso o bispo de Roma conseguiu. Sua comitiva foi ignorada e sequer conseguiu uma audiência com o imperador. Vejam que nem para convocar um concílio, o bispo de Roma tinha autoridade suficiente. Embora o bispo de Roma tenha tentado ajudar Crisóstomo, seus esforços falharam. David Farmer explica:

Apesar de seu próprio povo, o papa, e muitos bispos ocidentais o apoiarem, ele [João Crisóstomo] foi exilado, primeiro para a Cáucaso na Arménia e depois para o Ponto onde ele morreu por ter que viajar em tempo ruim. (Oxford Dictionary of Saints [New York, New York: Oxford University Press, 1997] p. 267)

O próprio bispo Romano reconhecia sua limitação na questão:

Mas o que devemos fazer contra tais coisas no presente momento? A decisão sinodal deles é necessária e temos declarado que um sínodo deve ser convocado, uma vez que é o único meio de acalmar a agitação de tais tempestades como estas. Caso obtenhamos isso, é conveniente que a cura desses males esteja comprometida com a vontade do grande Deus e Seu Cristo, nosso Senhor. Todos os distúrbios que têm sido causados pela inveja do diabo para a provação da fé deverão ser destruídos. Através da firmeza da nossa fé, não devemos desanimar de nada do Senhor. Nós estamos considerando que o sínodo ecumênico possa ser reunir a fim de que, pela vontade de Deus, esses movimentos perturbadores possam acabar. (Correspondência de São Crisóstomo com o Bispo de Roma, Carta 4)

Ele reconhece que apenas um concílio ecumênico poderia resolver a questão. Tenhamos em vista que se trata de uma questão de administração eclesiástica, algo menos grave do que uma grande controvérsia doutrinária. Mesmo assim, o bispo de Roma tinha uma autoridade bem limitada. Sua decisão não era final e não vinculava a igreja. Ele sequer poderia convocar o sínodo pela sua própria autoridade. Por isso, a vida de João Crisóstomo é uma demonstração do quanto as reivindicações papistas são infundamentadas.

O que dizem os historiadores?

Apesar da primazia jurídica de Pedro em Crisóstomo ser disputada entre os historiadores, é consenso que ele não defendia a primazia jurídica do bispo de Roma. O proeminente teólogo católico – Cardeal Yves Congar – escreveu:

Muitos dos padres orientais que são justamente reconhecidos como os maiores e mais representativos e sendo também considerados pela Igreja universal, não nos oferecem mais evidências da primazia. Seus escritos mostram que eles reconheceram o primado do apóstolo Pedro, que consideravam que a Sé de Roma, como "prima sedes" desempenhando o papel principal na comunhão católica. Nós estamos nos referindo, por exemplo, aos escritos de St. João Crisóstomo e de St. Basílio, que se dirigiram a Roma em meio das dificuldades do cisma de Antioquia, mas eles não fornecem nenhuma declaração teológica sobre a primazia universal de Roma por direito divino. O mesmo pode ser dito de São Gregório Nazianzeno, São Gregório de Nissa, St. Basílio, St. João Crisóstomo e St. João Damasceno. (Yves Congar, "After Nine Hundred Years" New York: Fordham University, 1959, pp. 61-62)

S. Herbert Scott escreve:

Admitindo-se que Crisóstomo reitera que Pedro é o corifeu, "o pastor universal”, etc., que evidência há que ele reconheceu essas reivindicações no Bispo de Roma? Existe alguma coisa em seus escritos para esse efeito? (...) Embora considere todo o trabalho de Crisóstomo em honrar e fazer atribuições a Pedro, isso não implica na posição exaltada de seus sucessores como sua explicação, é preciso reconhecer que há pouco ou nada em seus escritos que explícita e incontestavelmente afirma que o Bispo de Roma é o sucessor de S. Pedro no seu primado. (The Eastern Churches and the Papacy (London: Sheed & Ward, 1928), p. 133)

Dom Crisóstomo Baur, o biógrafo católico romano de João Crisóstomo, escreve:

A questão mais importante é se Crisóstomo considerava o primado de Pedro apenas como pessoal ou como um primado oficial, portanto, um mecanismo permanente da Igreja, e se ele atribuiu o primado de jurisdição na Igreja também aos bispos de Roma (...) Crisóstomo nunca fez em seus trabalhos quaisquer deduções questionáveis, nunca afirmou com palavras claras algo sobre a jurisdição do Papa. Mesmo P. Jugie admite isso francamente. N. Marini, que depois se tornou cardeal, publicou um livro sobre essa questão. Nesse, ele busca com a ajuda (...) de um número de citações de Crisóstomo provar que essas mostram a evidência do primado jurisdicional dos sucessores de Pedro em Roma. Seu primeiro argumento é tirado do Tratado sobre o Sacerdócio. No Livro 2.1 Crisóstomo pergunta: "Por que Cristo derramou Seu sangue? A fim de resgatar suas ovelhas, que Ele confiou a Pedro e àqueles depois dele". Marini traduz como "Pedro e seus sucessores", o que facilita, naturalmente, a sua prova. Mas Crisóstomo, na verdade, expressou-se de uma forma mais geral, e entendia por "aqueles que depois dele" todos os pastores em geral, a quem as ovelhas de Cristo tinham sido confiadas depois de Pedro. Portanto, não é possível interpretar esta passagem de forma tão restrita como Marini fez. Ainda menos convincente é a segunda peça de evidência de Marini. Em uma carta que Crisóstomo dirigia ao Papa Inocêncio de seu exílio, ele diz que ficaria feliz em ajudar a colocar um fim ao grande mal "pois o conflito espalhou-se por quase todo o mundo". Então, conclui-se, Crisóstomo atribuiu à autoridade ao Papa sobre o mundo inteiro. Em seguida, Crisóstomo escreve ao bispo Tessalônica: "Não vos canseis de fazer o que contribui para a melhoria geral da Igreja", e elogia o bispo Aurélio de Cartago, por ter empreendido tanto esforço e luta pelas igrejas de todo o mundo. Não ocorreria a ninguém interpretar isso como uma possível prova da primazia dos bispos de Tessalônica ou de Cartago. (John Chrysostom and His Time. Westminster: Newman, 1959, Vol. I, pp. 348-349)

O também católico romano Michael Winter admite:

A antipatia a Roma, que encontra seu eco mesmo nas obras de São João Crisóstomo tornou-se mais explícita à medida que a Igreja Oriental ficou mais e mais sob o controle do imperador (...) Teodoro de Mopsuéstia, que morreu um quarto de século depois de Crisóstomo, declarou que a rocha sobre a qual a igreja foi construída era a confissão de fé de Pedro. A mesma opinião é repetida por Paládio de Helenópolis em seus Diálogos sobre a vida de São João Crisóstomo. Sem qualquer elaboração, ele afirma que a rocha em Mateus 16 é a confissão de Pedro. A completa ausência de motivos ou argumentos em apoio da tese é uma indicação de quão amplamente essa opinião foi aceita nessa data. Tal opinião foi também realizada por Theodoro de Ancyra, Basílio de Selêucia e Nilo de Ancyra, na primeira metade do século V (...) A opinião desfavorável à superioridade do St. Pedro ganhou um considerável número de seguidores no Oriente sob a influência da escola de Antioquia (...) (St. Peter and the Popes (Baltimore: Helikon, 1960), p. 73)

O também católico Pierre Batiffol escreve:

Eu acredito que o oriente tinha uma concepção muito pobre do primado romano. O Oriente não viu nele o que a própria Roma viu e o que o Ocidente viu em Roma, isto é, uma continuação do primado de São Pedro. O bispo de Roma era mais do que o sucessor de Pedro em sua cátedra, ele era Pedro perpetuado, investido com responsabilidade e o poder de Pedro. O Oriente nunca entendeu essa perpetuidade. São Basílio ignorou, como fez São Gregório Nazianzeno e São João Crisóstomo. Nos escritos dos grandes Padres Orientais, a autoridade do Bispo de Roma é uma autoridade de grandeza singular, mas nestes escritos ela não é considerada de direito divino. (Cited by Yves Congar, After Nine Hundred Years (New York: Fordham University, 1959), pp. 61-62)

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