Neste artigo vamos analisar o desenvolvimento histórico do batismo infantil. A pergunta chave a ser respondida se tal prática remonta ao tempo dos apóstolos. Os defensores do batismo de bebês costumam apelar à história da igreja. O artigo do site católico veritatis afirma (aqui): “Nos primeiros quatro séculos da era cristã, é completa a unanimidade a respeito (Tertuliano sendo praticamente a única exceção)” . Esse tipo de afirmação é comum em artigos católicos que visam demonstrar que as práticas do romanismo foram o consenso dos tempos antigos. Obviamente afirmações dessa natureza nunca vem acompanhadas de citações de historiadores ou eruditos patrísticos. Isso se dá porque a prática em questão passa longe de ter sido um consenso. O próprio artigo se contradiz pois afirma que foi uma “completa unanimidade”, mas logo depois cita a oposição de Tertuliano. As conclusões que trarei são referendadas pelas modernas pesquisas sobre o assunto. Por isso, farei amplo uso de citações de historiadores da Igreja. Para todos os que desejam se aprofundar no tema, recomendo a obra mais completa sobre o assunto: Baptism in the Early Church do Dr. Everett (aqui). São “apenas” 900 páginas. É uma obra magistral escrita por um dos maiores historiadores da Igreja de nosso tempo.
Didaque
(Início do séc. II)
A Didaque é provavelmente o
documento cristão mais antigo fora do Novo Testamento. É de interesse para o
nosso estudo pois contém instruções específicas em relação ao batismo:
Antes
de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que
puderem, devem observar o jejum. Você
deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias. (cap.
7)
Não faria sentido exigir de um
recém-nascido tal jejum. As instruções da Didaque se encaixam melhor com a
tradição credobatista. Alguém pode argumentar que essa orientação tem em vista
somente catecúmenos adultos sem descartar o batismo de crianças. É uma leitura
possível, mas não é a mais provável. No cap. 7, há diversas orientações que
tratam até mesmo da temperatura da água ou sobre o uso de água corrente, mas
não há nenhuma orientação sobre o batismo de recém-nascidos. Uma vez que a
Didaque foi concebida como um manual litúrgico a ser usado na igreja, essa
ausência é relevante. Se a Igreja desse período batizasse recém-nascidos, seria
esperado encontrar instruções específicas.
Aristides
de Atenas (séc. II)
Aristides escreveu uma
apologia em favor do cristianismo provavelmente dirigida ao imperador Adriano
(117-138):
Mas
quanto aos seus servos ou servas, ou
seus filhos, se algum deles tem algum, eles [os cristãos] os persuadem para se tornarem cristãos pelo
amor que têm para com eles; e quando eles se tornam cristãos, eles os
chamam sem distinção de irmãos (...) (Apologia, cap. 15)
A versão traduzida dessa obra
hospedada em sites católicos é mais curta e me parece ter usado o texto grego.
Por isso, o trecho acima não é encontrado nelas. Eu traduzi da versão completa
(a siríaca) que pode ser encontrada no site tertullian.org (referência em
textos patrísticos). O trecho em questão é importante pois sugere que os filhos
dos cristãos não eram automaticamente incluídos como membros da Igreja. Eles
precisavam ser persuadidos e se tornarem cristãos, o que pressupõe uma decisão
consciente.
Justino
Mártir (100-165)
Em sua famosa I Apologia (150 d.C):
Todos os que se convencem e
acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e
prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos em primeiro lugar para
que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente
cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de
regeneração com que também nós fomos regenerados eles são regenerados, pois
então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de
nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. (cap.
61)
Justino trata especificamente
do batismo aqui. Aquele que iria se batizar deveria atender exigências que um
recém-nascido jamais poderia. Observem como confissão e arrependimento eram
pré-requisitos. Duas objeções podem ser levantadas: (1) o texto não exclui de
forma explícita o batismo de recém-nascidos e (2) a igreja desse período era
predominantemente missionária – a maioria dos cristãos seriam pessoas que se
converteram na fase adulta, por isso, quando se fala de batismo, o foco sempre
está sobre o batismo de adultos. Sobre a primeira objeção, a continuação da
citação é relevante:
A
explicação que aprendemos dos apóstolos sobre isso é a seguinte: Uma vez que não tivemos consciência de
nosso primeiro nascimento, pois fomos gerados por necessidade de um germe
úmido, através da união mútua de nossos pais, e nos criamos em costumes maus e
em conduta perversa, agora, para que não
continuemos sendo filhos da necessidade e da ignorância, mas da liberdade e do
conhecimento e, ao mesmo tempo, alcancemos o perdão de nossos pecados
anteriores, pronuncia-se na água, sobre
aquele que decidiu regenerar-se e se arrepender de seus pecados, o nome de
Deus, Pai e soberano do universo. Aquele
que conduz ao banho pronuncia este único nome sobre aquele que vai ser lavado.
(cap.
61)
Ele contrasta o primeiro
nascimento (marcado pela nossa falta de conhecimento) com o segundo nascimento
que requer conhecimento. Ele contrasta o fato de que não pudemos escolher em
nosso primeiro nascimento, por isso o batismo foi instituído, pois agora é
possível a escolha. É muito improvável que alguém que concebesse o batismo de
bebês argumentasse dessa forma. Os bebês continuariam sendo ignorantes a
respeito do primeiro e segundo nascimentos e também não podem exercer qualquer
tipo de escolha. O batismo foi discutido por Justino em vários lugares de suas
apologias e outras obras, sem qualquer menção ao batismo de infantes. O
argumento de que a Igreja era formada por conversos também me parece não
prosperar. No período em que Justino escreveu (150), já havia muitas famílias
cristãs com filhos pequenos. A obra Diálogo com Trifão é relevante também.
Nela, Justino discute com um judeu e diz bastante coisa sobre a circuncisão. Os
pedobatistas afirmam que o batismo substituiu a circuncisão. Justino aplica a
circuncisão aos cristãos de diversas formas, sem recorrer a qualquer analogia
que implique no batismo de infantes:
Jesus
Cristo circuncida todos os que desejarem
- como foi declarado acima - com facas de pedra, para que eles sejam uma nação
justa, um povo que mantem a fé, a
verdade e a paz. (Diálogo com Trifo, 24)
Ainda
que um homem seja um scitiano ou persa, se
ele tiver o conhecimento de Deus e de Seu Cristo, e guardar os decretos justos
e eternos, ele é circuncidado com a boa e proveitosa circuncisão. Ele é
amigo de Deus e regozija-se com seus presentes e ofertas.
(Diálogo com Trifo, 28)
Aqueles também da circuncisão
que se aproximam dele, isto
é, acreditando nele e buscando suas
bênçãos, Ele tanto o receberá como o abençoará.
(Diálogo com Trifo, 33)
A
sua primeira circuncisão [de Trifo o judeu] foi e é realizada por instrumentos
de ferro, pois você permanece com coração duro. Mas a nossa circuncisão, que é a segunda, tendo sido instituída
após a sua, nos circuncidou da idolatria
e de absolutamente toda espécie de perversidade pelas pedras afiadas, ou seja, pelas palavras pregadas pelos apóstolos.
E nossos corações são assim circuncidados do mal, de modo que estamos felizes
em morrer pelo nome da boa Rocha, que faz com que a água viva inunde os
corações (...) (Diálogo com Trifo, 33)
Observem que, sempre que
Justino aplica a circuncisão ao contexto cristão, ele se refere a pessoas que
creram no evangelho e foram circuncidadas em seu coração. No último trecho, ele
é explícito ao dizer que fomos circuncidados pelas palavras dos apóstolos, ou
seja, pelo evangelho. Justino não é tão explícito quanto Tertuliano. Mas,
quando alguém discute muito o batismo, a circuncisão e outras questões
relacionadas, nunca mencionando o batismo infantil e associando repetidamente o
batismo a conceitos que excluem bebês, por que devemos pensar que é provável
que ele acreditasse no batismo infantil?
Irineu
de Lyon (130-202)
Irineu é a testemunha mais
antiga citada em favor do batismo infantil. Ainda que esse pai da igreja
apoiasse a prática, há dois problemas: (1) os pedobatistas pressupõe que a
posição de Irineu era adotada pela Igreja desde o princípio e (2) a posição de
Irineu era generalizada. O problema é que (1) e (2) não podem ser sustentadas
com base nos escritos de Irineu. Como abordado acima, documentos mais antigos
sugerem que o credobatismo é a tradição mais antiga. E como veremos mais
adiante, a Igreja antiga comportava opiniões diversas em relação ao batismo. No
entanto, vejamos a citação:
Porque
veio salvar a todos. E digo ‘todos’, isto é, àqueles tantos que por Ele
renascem para Deus, sejam
recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso, quis
passar por todas as idades, para
tornar-se recém-nascido com os recém-nascidos, a fim de santificar os recém-nascidos; criança com as crianças, a
fim de santificar aos de sua idade, oferecendo-lhes exemplo de piedade e sendo
para eles modelo de justiça e obediência. Fez-se jovem com os jovens, para dar
exemplo aos jovens e santificá-los para o Senhor.
(Contra as Heresias 2:22:4)
O argumento é que como Jesus
regenerou os recém-nascidos, segue que eles também deveriam ser batizados. A
premissa aqui é santificar/regenerar = batizar. A questão é se Irineu tratava
as duas coisas como implicação uma da outra. Irineu respondia a afirmação de
que o ministério de Jesus durou apenas um ano. Ele usou o argumento de que como
Jesus veio para regenerar pessoas de todas as idades, ele deveria ter passado
por todas as idades. Nesse mesmo livro, Irineu afirma que Jesus viveu mais de
40 anos. Obviamente, o bispo de Lyon estava errado. Em todo o caso, nem a
citação nem o seu contexto imediato falam sobre batismo. Os pedobatistas
complementam o argumento com uma citação de outra obra do bispo:
Nós
somos limpos de nossas antigas transgressões por meio da água sagrada e da invocação do Senhor. Nós, portanto, somos regenerados espiritualmente como
recém-nascidos, assim como o Senhor declarou: "Se alguém não nascer de
novo pela água e pelo Espírito, ele não entrará no reino dos céus".
(Fragmento 34)
O argumento então é que Irineu
defendia a regeneração batismal, logo, se os recém-nascidos foram regenerados,
eles eram batizados. Primeiro, essa combinação de citações diferentes em
contextos diferentes é problemática. Hendrick Stander e Johannes Louw explicam:
É bastante pretensioso
insistir em substituir a noção de batismo cada vez que um escritor usa o termo
"regeneração", a
menos que o contexto se relacione claramente com o batismo (...) [esta passagem
em Irineu] apenas nos diz que a obra redentora de Cristo se estende a qualquer
pessoa (...) A passagem não fala sobre a
idade em que as pessoas eram batizadas. (Baptism In The Early
Church [Webster, Nova Iorque: Carey Publications, 2004], pp. 53, 55)
Além disso, mesmo supondo que
Irineu sustentasse a regeneração batismal, não segue que todo o indivíduo
regenerado foi necessariamente batizado. Mesmo os defensores dessa doutrina
admitem exceções à regra (ex. o ladro da cruz). Além do mais, Irineu está entre
os defensores da salvação infantil – mesmo crianças não batizadas seriam salvas
(uma crença popular no séc. II):
E,
novamente, quem são os que foram salvos
e receberam a herança? São os que sem dúvida acreditam em Deus e
continuaram em seu amor, assim como Caleb, filho de Jefoné e Josué o filho de
Nun, e os filhos inocentes que não
tiveram consciência do mal. (Contra Heresias, 4:28:3)
E também sobra a matança dos
recém-nascidos de Belém:
Por
essa causa também, ele removeu de repente aqueles filhos pertencentes à casa de
Davi, cujo destino feliz era ter nascido naquele tempo, para que Ele pudesse enviá-los antes para o seu reino. Desde que
ele mesmo era uma criança, planejou que os bebês humanos fossem mártires
assassinados de acordo com as Escrituras, por causa de Cristo, que nasceu em
Belém de Judá, na cidade de Davi. (Contra Heresias, 3:16:4)
Nestas passagens, Irineu
sugere que as crianças foram salvas apenas por serem inocentes. Dessa forma,
como na teologia de Irineu a regeneração é condição necessária para a salvação,
segue que regenerado não necessariamente implica em ser batizado. O trecho do
fragmento 34 “somos regenerados espiritualmente como recém-nascidos” também não
sugere o batismo de infantes. A analogia é que quando nascemos de novo
espiritualmente na regeneração, tornamo-nos como bebês em sentido espiritual.
Assim, podemos concluir que Irineu não pode ser contado como uma testemunha
provável a favor do pedobatismo. Encerramos o segundo século com nenhum pai da
Igreja ensinando explicitamente o batismo de recém-nascidos. Isso é problemático
para a afirmação de que esta é a prática da igreja desde o princípio.
Tertuliano
de Cartago (160-220)
Tertuliano foi a primeira testemunha a tratar de forma
explícita sobre o batismo infantil. Em seu tratado sobre o batismo, ele
escreveu:
E
assim, de acordo com as circunstâncias e o caráter, e até mesmo a idade de cada
indivíduo, o atraso do batismo é preferível;
especialmente no caso de crianças pequenas (...) O Senhor realmente diz:
Não os proibais de virem até mim. Deixe-os vir, então, enquanto estão
crescendo. Deixe-os vir enquanto estão aprendendo, enquanto estão aprendendo
para onde vir; que se tornem cristãos
quando conseguirem conhecer Cristo. Por
que o período de vida inocente se apressa para a remissão de pecados? (...)
Deixe-os saber como pedir a salvação,
que você possa ao menos fazer-lhes essas perguntas (...) Se alguém entender a
importância de peso do batismo, temerá a sua recepção mais do que a sua demora:
a fé sólida é segura da salvação. (Tratado sobre o Batismo,
cap. 18)
O argumento de Tertuliano é
claro no sentido de que o batismo é um passo de grande importância. Portanto,
deve ser uma decisão consciente e convicta. Agostinho iria desprezar a posição
de Tertuliano por entender que ele estava negando a existência do pecado
original. Acredito que esse não foi o caso. Ao que parece, como outros pais da
Igreja do séc. II, Tertuliano cria na salvação universal das crianças
inocentes. Como ele não via risco na salvação de crianças não batizadas, não
havia razão para adiantar algo que seria mais adequadamente administrado em
idade mais tardia. Os pedobatistas costumam argumentar que Tertuliano pressupõe
que a prática do batismo infantil já existia em seu tempo, por isso ele a
critica.
No entanto, não está explícito
que ele responde alguém em específico. Não há menção a qualquer grupo de dentro
da Igreja. Tertuliano poderia muito bem tratar de uma mera possibilidade. É
possível que o batismo infantil já fosse praticado? Sim, mas não é o mais
provável. De qualquer forma, o mesmo argumento pode ser feito em sentido
contrário. Ao condenar o batismo infantil, Tertuliano não parece ter
consciência de estar indo contra a uma doutrina da Igreja. Além disso, o
tratado sobre o batismo é da fase pré-montanista de Tertuliano, o que invalida
a objeção que apologistas católicos constumam levantar contra ele (apenas
quando Tertuliano contradiz o romanismo obviamente).
Supondo que o batismo já fosse
praticado. É necessário pontuar que a simples existência da prática não a tornaria
normativa. Ademais, não sabemos quão generalizada tal prática seria, pois
poderia ser característico de um grupo minoritário ou de uma região geográfica
específica. Não sabemos se os que a adotavam representavam a ala ortodoxa da
Igreja. Toda a evidência anterior a Tertuliano sugere que o pedobatismo seria
uma inovação. O fato é que o primeiro pai da Igreja a oferecer uma declaração
explícita sobre o pedobatismo está negando-o.
Hipólito
de Roma (170-235)
Hipólito, escrevendo no início do séc. III, afirmou:
Os
batizandos se despirão e serão batizadas, primeiro,
as crianças. Todos os que puderem falar por si próprios, falem; contudo, os
pais ou alguém da família falem por aqueles que não puderem falar por si
mesmos. Depois batizem-se os homens e, por último, as mulheres.
(Tradição Apostólica 3:5)
Há alguns problemas no uso
dessa citação em favor do batismo infantil:
1 – Há sérias dúvidas quanto a
autenticidade desse trecho. O erudito patrístico David Wright afirmou:
Quase
tudo concernente a esse texto continua sendo objeto de vigorosas discussões
acadêmicas. (What Has Infant Baptism Done To Baptism?
[England: Paternoster Press, 2005], p. 38)
Hendrick Stander and Johannes
Louw também afirmam:
Esta
citação da Tradição Apostólica é encontrada em uma tradução latina que data do
século IV. Alguns estudiosos sugeriram até
mesmo que não é improvável que este verso tenha sido inserido na tradução latina,
pois foi no século IV que o batismo infantil se tornou popular (...) deve-se
lembrar que os antigos tradutores não tinham objeções em inserir e omitir
frases no texto a qual eles traduziam. Eles geralmente adaptavam os textos para
sua situação atual. Isso pode ser
claramente visto quando se compara, por exemplo, as seções existentes das
traduções grega, saídica, árabe, etíope e boharica da tradição apostólica
(...) O argumento mais importante, no entanto, para a adição posterior desta
frase é que não se encaixa bem com o restante da obra. Como Aland (1963:43)
apontou, as seções que precedem esta
regulação batismal lidam exclusivamente com os catecúmenos adultos(...) Ele também se refere à tradução copta que
contém uma declaração de que três anos de instrução na fé cristã são
necessários para que uma pessoa receba o batismo.
(Baptism In The Early Church [Webster, New York: Carey Publications, 2004], pp.
77-78)
2 – O texto não
necessariamente implica em batismo de recém-nascidos. Stander e Louw explicam:
Aqueles
que não podiam falar por si mesmos podiam ser crianças muito novas que
precisavam de assistência para responder ao pronunciar as fórmulas necessárias.
Elas não estavam isentas das
preliminares de ensino e jejum etc. (Baptism In The Early Church
[Webster, New York: Carey Publications, 2004], p. 77)
A obra em questão comina que
os batizandos deveriam passar por um longo processo de instrução catequética e
deveriam jejuar antes do batismo. Tais requisitos não poderiam ser atendidos
por recém-nascidos, mas poderiam ser cumpridos por crianças pequenas. Dessa
forma, a luz do contexto, parece improvável que Hipólito se referisse a
recém-nascidos. Um destaque é importante aqui – os credobatistas não afirmam
taxativamente que crianças não podem ser batizadas. Uma criança de 6, 7 anos
pode estar em condições de entender e responder positivamente ao evangelho.
David Wright assevera que a ideia de que um adulto falasse por uma criança,
ainda que esta tivesse capacidade de falar não eram sem precedentes:
O
que está em vista é a capacidade física e mental da criança ou a habilidade
jurídica, implicando o reconhecimento romano de que com a idade de sete anos as
crianças adquiriam certos direitos para falar por si mesmas? Agostinho e
Jerônimo mais tarde considerariam sete como a nova idade de responsabilidade
cristã. Agostinho [afirmou a idade de sete], em relação ao batismo de um menino
falando por si mesmo. Em que termos um pai ou outro parente respondia por uma
criança, ainda não sabemos e nenhuma fonte nos diz até cerca de 400. (What
Has Infant Baptism Done To Baptism? [England: Paternoster Press, 2005], p. 40)
Ou seja, nos tempos de
Agostinho, uma criança de 7 anos já poderia responder por si mesma. Isso
implica que uma criança de 5, 6 anos não poderia. Todavia, crianças com tais
idades não eram incapazes de falar. Elas apenas não tinham o direito jurídico
de falar por si mesmas. Obviamente, Agostinho não pertence ao mesmo contexto
que Hipólito. Mas isso no mínimo nos leva a concluir que a interpretação
pedobatista da citação não é definitiva e necessitaria de mais dados para ser
sustentada. Além disso, um concílio em Cartago permitia que alguém falasse
pelas pessoas doentes nas cerimônias de batismo (veja o cânon 45 aqui).
Isto vem a reforçar que o simples falar por alguém não implica que o catecúmeno
fosse totalmente incapaz de se expressar.
Orígenes
de Alexandria (185-254)
Orígenes foi o primeiro pai da Igreja a defender claramente
o batismo infantil:
Um
recém-nascido era capaz de pecar? Ainda assim ele tem um pecado pelo qual é
ordenado que sacrifícios sejam oferecidos, e a partir do qual é negado que
alguém seja puro, mesmo que sua vida dure apenas um dia (...) É também por isso
que a Igreja recebeu dos apóstolos a
prática de dar o batismo até aos filhos pequenos.
(Comentário sobre Romanos, Livro 5, cap. 9)
A afirmação de Orígenes
obviamente não tem raízes históricas confiáveis. Vimos que pele menos um pai da
igreja anterior a ele ensinou explicitamente o contrário. Tertuliano não se
oporia ao batismo infantil se o considerasse uma prática herdada dos apóstolos.
O apoio de Orígenes ao pedobatismo se baseia na pecaminosidade dos bebês. Ele
derivou este ensino da pré-existência das almas. Segundo o alexandrino, as
almas foram criadas e teriam pecado antes da criação do mundo. Todas essas
almas (exceto de Jesus) foram exiladas em corpos humanos. Obviamente, essa
visão de queda e redenção não é apostólica. Por isso rejeitamos a doutrina de
Orígenes, pois se baseia numa doutrina contrária ao que os apóstolos ensinaram.
Cipriano
de Cartago (200-258)
Enquanto Orígenes foi o
primeiro a defender o batismo de infantes na igreja oriental, Cipriano foi o
primeiro na igreja oriental.
“É no batismo que nós (...)
recebemos a remissão dos pecados" (Carta 58 a Fido). Em resposta ao bispo
Fido, que sugeriu que o batismo deveria ser no oitavo dia, Cipriano e o Sínodo
de Cartago (cerca de 252) disseram que o 2º ou 3º dia eram melhores e que a
espera "negaria a misericórdia e a graça de Deus" e "devemos
fazer tudo o que possamos para evitar a destruição de qualquer alma".
É inegável que Cipriano
ensinou o pedobatismo e que se tratava de uma prática já estabelecida na igreja
norte africana em meados do séc. III. Cipriano cria na indispensabilidade do
batismo para a salvação. Dessa forma, crianças não batizadas estaria correndo
risco de irem para o inferno. Esta é uma visão contrária ao que os pais do
segundo século ensinaram, nos quais a salvação infantil independente do batismo
foi a visão majoritária.
Basílio
Magno (330-379)
Sites católicos como o já
mencionado Veritatis trazem uma citação de Basílio acerca da necessidade do
batismo. Todavia, nada é falado sobre o batismo de crianças. De fato, nem
poderia, pois Basílio via a fé como condição necessária:
A
fé e o batismo são dois modos de salvação iguais e inseparáveis: a fé é
aperfeiçoada através do batismo, o batismo é estabelecido através da fé, e
ambos são completados pelos mesmos nomes. Pois, como acreditamos no Pai, no
Filho e no Espírito Santo, também somos batizados em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo; primeiro vem a confissão,
apresentando-nos a salvação, e o batismo
segue, estabelecendo o selo sobre o nosso consentimento. (O
Espírito Santo, Cap. 12:28)
Na mesma obra, ele continua a
ensinar a fé que precede o batismo:
Como,
então, conseguimos a descida para o inferno? Ao imitar, através do batismo, o
enterro de Cristo. Pois os corpos dos batizados estão, por assim dizer,
enterrados na água. O batismo simboliza
expulsar as obras da carne. (O Espírito Santo, Cap.
15:35)
No
que diz respeito ao batismo (...) é
impossível que alguém seja imerso três vezes, sem emergir três vezes. (O
Espírito Santo, Cap. 15:35)
São descrições incompatíveis
com o batismo de infantes.
Gregório
Nazianzeno (329-389)
Gregório expressa uma opinião
peculiar. É possível dizer que ele ficou no meio termo entre o credo e
pedobatismo:
Tudo
isto é dito para aqueles que pedem o batismo por si mesmos; mas o que podemos
dizer das crianças, ainda de pouca idade, que são incapazes de perceber o
perigo em que se encontram e a graça do sacramento? Certamente, no caso de
perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que deixá-las
morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados a dizer o mesmo
acerca da prática da circuncisão, que era realizada no oitavo dia prefigurando
o batismo, também realizada nos meninos desprovidos de razão. Da mesma forma,
realizava-se a unção dos umbrais da porta que, embora se tratasse de coisas
inanimadas, protegia os primogênitos. E quanto às demais crianças? Eis aqui a
minha opinião: esperai que alcancem a
idade de três anos, de modo que sejam capazes de compreender e expressar
superficialmente os mistérios; apesar da imperfeição da sua inteligência,
recebem o sinal, e o seu corpo e a sua alma se encontram santificados pelo
grande sacramento da iniciação. Elas renderão conta dos seus atos no momento
preciso em que, com plena posse da razão, chegarem ao pleno conhecimento do
Mistério, já que não serão responsáveis das faltas que, pela ignorância da
idade, tiverem cometido. Ademais, de todos os modos, lhes resulta vantajoso
possuir a muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem
sobre nós e ultrapassam as nossas forças (…) Porém, alguém dirá: ‘Cristo, que é Deus, se fez batizar aos trinta anos e tu
nos empurras desde logo o batismo’. Afirmar assim a sua divindade é o que
responde a essa objeção. Ele – a própria pureza – não precisava de purificação,
mas se fez purificar por vós, assim como por vós se fez carne, uma vez que Deus
não tem corpo. Além disso, Ele não corria nenhum perigo por retardar o seu
batismo, pois podia livremente regular o seu sofrimento assim como regulou o
seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria pequeno o perigo no caso de
deixardes este mundo sem terdes recebido, no vosso nascimento, nada além que
uma vida perecível, sem estardes revestidos da incorruptibilidade.
(Sermão 40,26-27)
Gregório expressa a liberdade
existente ainda no séc. IV sobre o batismo de crianças. Se a criança corria
risco de morte, deveria ser batizada. Em caso contrário, dever-se-ia esperar
até os três anos. Mas porque essa idade? Ele acreditava que nessa idade já
seria possível expressar de forma superficial o consentimento ao evangelho.
Percebam como a regra era que a criança deveria expressar algum consentimento,
ainda que com razão imperfeita. Trata-se de uma posição incompatível com o
pedobatismo, mas não necessariamente incompatível com o credobatismo. A maioria
dos credobatistas discordaria de Gregório quando a idade do batizando, mas
concordaria com o requisito do consentimento. Além disso, o bispo cristão
atesta que em seus dias havia indivíduos provavelmente cristãos contrários ao
batismo de infantes. Estes argumentavam que Cristo foi batizado apenas aos 30
anos, portanto, não faria sentido batizar crianças. Gregório rebate tal
argumento. De todo modo, seu testemunho é importante para atestar a liberdade
que havia a respeito dessa questão. Se a Igreja desde cedo creu que a prática era
apostólica e obrigatória, a existência de opiniões como a de Gregório é
inexplicável. Everett Ferguson escreve:
Gregório
claramente não rejeita, mas incentiva o batismo de bebes. No entanto, não o reconhece como a prática regular,
como também conhece questionamentos a respeito - fatores que não estimulam a
ideia de que era uma prática rotineira de longa data. (Baptism
in the Early Church, Grand Rapids, 2009, p. 595)
Pais
da Igreja que nasceram em famílias cristãs
A evidência de que havia ampla
liberdade sobre o batismo de crianças está no fato de que boa parte dos pais da
igreja do séc. IV, que nasceram em famílias cristãs, somente foram batizados na
idade adulta. S. L Greenslade escreveu:
Ambrósio
nasceu no ano de 339 (...) era filho de cristãos e foi criado como cristão,
mas, à maneira de seu tempo, teve seu
batismo adiado. (Early Latin Theology, S. L. Greenslade, The
Westminster Press, Louisville, 1956, p. 175)
O historiador Stefan Rebenich
escreveu:
Jerônimo
nasceu em 347 (...) [perto] da Dalmácia (...) Os pais de Jerônimo eram
cristãos, que cuidaram para que ele tivesse sido como bebê "alimentado com
o leite católico". Ele não foi
batizado quando era criança (...) mas como jovem (...) Naquele tempo, o batismo foi adiado até a maturidade (...) Os amigos de
Agostinho e Jerônimo, Rufino e Heliodoro, são casos paralelos. (Jerome,
Stefan Rebenich, Routledge, London 2002, p. 2)
O erudito patrístico J. N. D.
Kelly escreveu sobre João Crisóstomo:
Sua
família (...) era cristã (...) Apesar disso, ele não foi batizado na infância. Seguindo a prática amplamente aceita
naqueles dias (...) foi apenas como um jovem aproximando-se dos vinte que ele
se ofereceu para o batismo. (Golden Mouth: The Story of
John Chrysostom, Ascetic, Preacher, Bishop, J.N.D.Kelly, Cornell University
Press, 1995, p. 5)
Agostinho também testemunha
que ele próprio não foi batizado quando criança:
Eu
pergunto-lhe, meu Deus, pois, se é sua vontade, eu desejo saber - para que propósito meu batizado foi adiado
neste momento? Foi para o meu bem que as rédeas que me privaram do pecado
fossem diminuídas? Ou não é verdadeiro que elas estavam relaxadas? (Confessions.
Trans. R.S. Pine-Coffin. London: Penguin Books, 1961. Book 1.11, p. 31-32)
Na infância, Agostinho foi
acometido por uma doença. Sua mãe Mônica – uma cristã piedosa – considerou a
possibilidade de batizá-lo uma vez que o filho corria risco de vida. O bispo de
Hipona foi curado e. como era o costume de seus dias, teve seu batismo adiado
para a idade adulta. Todos esses exemplos demonstram que adiar o batismo não
apenas era aceitável, como foi a posição padrão. Esse é um dado problemático
para aqueles que defendem o batismo infantil como uma prática apostólica. O
fato de tantos pais cristãos piedosos adiarem o batismo de seus filhos até a
idade adulta demonstra que a igreja não havia dogmatizado sobre o tema.
Comparemos com o que diz o catecismo:
A
Igreja e os pais negariam a uma criança a graça inestimável de se tornar filho
de Deus se não conferissem a ele o batismo pouco depois do nascimento (...)
Mais urgente é o apelo da Igreja para
não impedir que as crianças pequenas venham a Cristo através do presente do
santo batismo (...) Com respeito a crianças que morreram sem o batismo, a
liturgia da Igreja nos convida a confiar na piedade de Deus e a rezar pela
salvação. (Catecismo da Igreja Católica, 1250, 1261, 1283)
Percebam que a prática do
batismo infantil não é uma opção, mas uma obrigação dos pais. Negar o batismo
às crianças poria em risco a salvação. Isso contrasta com a liberdade que houve
na igreja antiga. O ponto de inflexão da história foi Agostinho. Apesar de ele
mesmo não ter sido batizado na infância, tornou-se o voraz defensor dessa
prática. Foi ele quem ofereceu a justificativa teológica para dogmatização do
batismo infantil. Ele viu no pedobatismo um poderoso argumento em sua
controvérsia contra os pelagianos. Para o bispo de Hipona, negar o batismo
equivalia a negar o pecado original.
O
que a erudição moderna diz a respeito das raízes históricas do batismo
infantil?
A erudição moderna realiza a
opinião de que o batismo não foi uma prática dos apóstolos. Esta opinião tem
sido seguida por muitos teólogos pedobatistas. O batismo de infantes teria sua
origem nos filhos de cristãos que corriam risco de vida. O estudioso luterano pedobatista H.A.W. Meyer
diz:
O
batismo dos filhos dos cristãos, do qual
nenhum vestígio é encontrado no N.T, não
deve ser considerado uma ordenança apostólica, pois, de fato, encontrou longa e
precoce resistência; mas é uma instituição da igreja, que surgiu gradualmente nos tempos pós-apostólicos em conexão ao
desenvolvimento da vida eclesiástica e do ensino doutrinário. Certamente não foi observado antes de
Tertuliano, e por ele ainda foi decididamente combatido. Embora defendido
por Cipriano, só se tornou uma prática
generaliza após o tempo de Agostinho (...). (Commentary on Acts
[16:15], New York: Funk & Wagnalls, 1883, p. 312)
O erudito patrístico pedobatista
David Wright é um exemplo dessa tendência da erudição moderna:
Nós
rastreamos, em grande parte nesta palestra, atendendo aos textos do
desenvolvimento batismal ocidental, uma mudança verdadeiramente maciça na
história da igreja de Cristo. De uma
instituição que recrutava por resposta intencional ao evangelho pelo imperativo
do discipulado e batismo, tornou-se uma sociedade inscrita desde o nascimento.
Foi indiscutivelmente uma das maiores mudanças na história do cristianismo. Ela
levou, como vimos, à formação da cristandade, compreendendo um império cristão,
nações ou povos cristãos. O cristianismo
tornou-se uma questão de hereditariedade e não de decisão. As famosas
palavras de Tertuliano "feunt, non nascuntur, Christiani" -
"pessoas são feitas, não nascidas cristãs", foram viradas de cabeça
para baixo. (What Has Infant Baptism Done To Baptism?
(England: Paternoster Press, 2005), p. 74)
Wright ainda diz sobre os
credos ecumênicos:
O
único credo ecumênico a mencionar o batismo é o niceno (nenhum menciona a
eucaristia) na frase "um batismo para a remissão dos pecados". Tenho
argumentado em outro lugar que isso não pode ter compreendido originalmente
bebês, porque nos círculos em que este credo surgiu, para ser aprovado no
Concílio de Constantinopla em 381 (se aceitarmos o testemunho dos Padres no
Concílio de Calcedônia setenta anos depois, como a maioria dos eruditos faz), acreditava-se que os recém-nascidos não
tinham pecados. (Ibid., p. 93)
E continua:
Peter
Leithart afirmou recentemente que "a igreja foi salva da teologia e
prática batista por Agostinho de Hipona". Se “batista” aqui implique a
rejeição ao batismo infantil, essa afirmação corajosa é um exagero, mas dentro
de limites perdoáveis (...) Para Leithart "o fato notável sobre o batismo
na igreja primitiva é que o batismo infantil se tornou (...) a prática dominante
da Igreja". Esta não é a maneira como a história geralmente é contada! Na
verdade, é bastante enganador ver a era
dos pais simplesmente como uma era de batismo infantil. Na verdade, dentre
os indivíduos mais conhecidos daqueles séculos que eram cristãos e foram
batizados em datas conhecidas, a grande
maioria foi batizada pela profissão de fé (...) Como Leithart resume de
forma útil: "as primeiras liturgias batismais (...) foram construídas sobre pressupostos batistas, mesmo quando as
crianças era incluídas" (...) Leithart não consegue tirar a conclusão
óbvia dessa evidência - o batismo
infantil nunca pode ter sido a norma neste período inicial (...) O prazo do
reinado do batismo de bebês se prolonga desde o início do período medieval, a partir do século VI, isto é, depois de
Agostinho de Hipona, que morreu em 430. Foi ele quem forneceu a teologia que levou o batismo infantil a se
tornar uma prática geral pela primeira vez na história da igreja. (Ibid.,
pp. 4-6, 8, n. 7 na p. 8, 12, 17)
O estudioso Anthony Lane
expressa uma opinião peculiar:
A
situação nos primeiros séculos foi de que as
duas formas de batismo existiram lado a lado, tanto por causa do grande
afluxo de conversos quanto porque de
modo algum todos os cristãos trouxeram seus bebês ao batismo. A "dupla
prática" de permitir aos cristãos a
escolha de que os seus filhos fossem batizados ou não, e, em caso afirmativo,
em que idade, pode parecer hoje confuso e sem princípio. O fato claro é que tal variedade de prática
existiu no terceiro e quarto séculos e ninguém criou nenhum princípio opositor
contra ela. Na verdade, pode-se argumentar com este fato que é muito
provável que tal aceitação de variedades
remonta aos tempos apostólicos. (Ibid., p. 7-8)
Everett Ferguson – autor do
estudo mais detalhado sobre o tema – escreve:
Há
concordância geral de que não há
evidências firmes para o batismo infantil antes da última parte do segundo
século (...) A explicação mais plausível para a origem do batismo infantil é encontrada no batismo de emergência de
crianças doentes que se esperava que morressem em breve, de modo a garantir
a entrada no reino dos céus. (Baptism in the Early Church,
Grand Rapids, 2009, p. 856)
A respeito do período em que o
batismo infantil se tornou dominante:
[Batismo
infantil] foi geralmente aceito, mas questionamentos continuaram a ser
levantados sobre a sua propriedade no século V. Tornou-se a prática habitual nos séculos V e VI. (p.
857)
Mesmo os eruditos pedobatistas
tendem a afirmar que o batismo infantil não é uma prática que remonta aos
apóstolos. Nós situamos a primeira evidência patrística favorável em meados do
séc. III (Orígenes e Cipriano) e argumentamos contra aqueles que citam Irineu
como a primeira evidência. Em todo o caso, o consenso sugere que o batismo
infantil começou a ser praticado em virtude de crianças no leito de morte. Até
o séc. V, não havia qualquer posição dogmática a respeito. Por isso, era usual
que mesmo os filhos de pais cristãos tivessem o batismo adiado. Os defensores
do batismo infantil costumam apontar para a história como o argumento decisivo
em favor de sua posição. No entanto, concluímos que a história oferece mais
problemas do que apoio a posição pedobatista.
Tertuliano deixa claro que o batismo infantil era praticado pela igreja, quando diz que “o atraso é preferível” ou quando ele questiona “o porque apressar o batismo”. Se ele fala dessa maneira, é porque logicamente já era algo praticado. Afinal se alguém está escrevendo contra uma prática, é porque ela já é praticada. Inclusive ele chega a citar a existência dos PADRINHOS nessa mesma obra (Sobre o Batismo, 18). E ainda Cipriano, que fala sobre o batismo infantil, viveu praticamente na mesma época e região de Tertuliano.
ResponderExcluirO fato é que Tertuliano não era de modo algum contra o batismo infantil, ele entende que pode sim ser Ministrado às crianças. Ele diz que é apenas “preferível atrasar” e não que era "um erro". Mas porque seria preferível atrasar o batismo? Para compreender Tertuliano, primeiro é preciso entender a mentalidade da época. O problema é que bem no início da igreja o sacramento da penitência (confissão) era bem rígido e mal compreendido por muitos. Acreditava-se que após ser batizado, a pessoa só teria direito a confessar os PECADOS GRAVES ao sacerdote apenas 1 vez na vida, além de ter que cumprir grandes e duras penitências, que em alguns casos durava a vida toda. Dai vem a preocupação de Tertuliano em esperar a pessoa crescer e ter uma fé sólida primeiro, pois assim os riscos de cometer pecados graves seria menor, e então poderia ser batizada. Já que uma criança sendo batizada poderia depois seguir um caminho pecaminoso, caindo em pecados graves muitas vezes, tendo uma “única chance” de confissão.
Vejamos o que ele diz sobre isso em outra obra:
...em outras palavras, que depois disso (do batismo) não tenham que conhecer a penitencia e nem pedi-la. É incômodo mencionar aqui a segunda, melhor dizendo neste caso, a ÚLTIMA PENITÊNCIA. Temo que, ao falar de um remédio da penitência que se tem EM RESERVA, parece sugerir que existe, todavia, um tempo em que se pode pecar. Deus me livre alguém interprete mal meu pensamento, fazendo-os dizer que com esta porta aberta a penitência existe, portanto, agora uma porta aberta ao pecado.... Temos escapado uma vez (no batismo). Não vamos entrar mais em perigo, MESMO QUE NOS PAREÇA QUE AINDA ESCAPAREMOS OUTRA VEZ....” (Tertuliano, On Repentance, 7).
Esse trecho é muito esclarecedor sobre esse pensamento de Tertuliano que citei acima. Ele chega a pedir ao leitor que não entenda que após o batismo temos uma PORTA ABERTA ao pecado, já que poderemos recorrer ao sacramento da penitência mais uma vez, como se tivéssemos ainda uma “remissão de reversa” após o batismo. Como falei, era a mentalidade rígida da época que acreditava que o homem batizado poderia confessar os pecados apenas 1 vez, por isso era melhor esperar a criança crescer na fé e ter uma vida cristã reta para não desperdiçar a única chance de remissão que teria depois do batismo. É por esse motivo que Tertuliano acreditava que era um risco tanto para a criança quanto ao padrinho, que poderia não evitar que aquela criança se desviasse do caminho de Cristo, e seria responsabilizado por isso.
Mas como a doutrina da igreja desenvolveu-se com o tempo, esse entendimento errado sobre o batismo e a confissão foi sendo melhor esclarecidos. Tanto é que muitos doutores da igreja que não tinham sido batizados na infância, como Santo Agostinho, São Jerônimo, São Basílio, Santo Ambrósio, São João Crisóstomo, entre outros, reagiram vigorosamente contra tal negligência, pedindo com insistência para não retardarem o batismo infantil, necessário para a salvação, que produz graça e cura. Uma das objeções da heresia pelagiana foi justamente negar o batismo infantil, onde podemos ver que foi algo combatido duramente pela igreja por se tratar de um erro.
Se vc entende que o batismo foi instituído para “limpar” a alma do pecado original, então não há o menor sentido em esperar a criança crescer e ter consciência. Eu não sei qual a necessidade do batismo para o homem, na visão protestante, gostaria de saber para entender o motivo do adiamento.
Não há nada explícito na obra de Tertuliano que afirme que o batismo já era praticado. Você está afirmando que ele condena algo que já era praticado. No entanto, ele não escreveu nada sobre isso. Ele não afirma que era uma prática da Igreja. Além disso, a existência de padrinhos não prova seu ponto pois até mesmo um adulto poderia ter padrinhos.
ExcluirMas para o bem do debate, vamos conceder que ele está condenando algo que já era praticado entre os cristãos. Quão generalizada era essa prática? Fazia parte do costume de toda a igreja ou apenas de uma parcela? Era obrigatório ou facultativo? Os pedobatistas tendem a ler mais do que está escrito. Quando analisamos a evidência pré-tertuliana, para onde ela aponta? O que vimos foi que não há evidência alguma a favor do batismo infantil antes desse período. Pelo contrário, a evidência disponível, embora não tão explícita quanto gostaríamos, aponta para o contrário.
Em relação a penitência, você está parcialmente certo. A confissão e a penitência eram processos públicos, rígidos e acessíveis apenas uma vez para pecados graves. Porém, isso não foi apenas no tempo de Tertuliano, mas duraria por vários séculos. Ainda no século IX, os teólogos estariam a discutir a possibilidade de mais de um perdão após o batismo.
Agora, isso é extremamente problemático para a apologética católica. Tertuliano e outros pais da Igreja deturparam a tradição apostólica? Como uma igreja que supostamente tem um magistério infalível ao seu favor pode estar errado durantes séculos? Você não percebe como isso mina a narrativa católica romana sobre a história da igreja. Você chamou essa substancial mudança de "desenvolvimento", mas isso é apenas um eufemismo para dizer que a igreja esteve errada durante séculos e só foi corrigida em seu ensino séculos depois.
Dizer que alguém pode recorrer a penitência apenas uma vez na vida e depois dizer que ele pode recorrer ao mesmo sacramento diversas vezes na vida não é um desenvolvimento. Pelo contrário, é uma substancial mudança de ensino. Ambas ideias são contradição patente. Quantos pessoas ao longo da historia não tiveram o perdão de Deus negado por um doutrina flagrantemente errada. O problema de Tertuliano nesse ponto não foi que ele entendeu errado a doutrina da penitência, foi que ele aderiu a uma tradição (neste caso a própria penitência) sem lastro no ensinamento dos apóstolos.
Além disso é obvio que Tertuliano era contrário ao batismo infantil. Você traz o motivo pelo qual ele era contrário, o que não invalida o fato da sua oposição. Além disso, por trás do motivo que você trouxe, há a ideia de que o cristão deve estar consciente da sua fé antes de descer as águas do batismo, o que contradiz o batismo de de recém-nascidos.
O ponto do meu artigo foi demonstrar que a história não oferece evidências de que o batismo infantil foi um doutrina apostólica. O que vemos é um período em que não há qualquer evidência favorável (séc. II), seguido por um período em que havia ampla liberdade sobre a questão (séc. III-IV, e depois (séc. V) a normatização da prática. Porque deveríamos acreditar que isso foi um desenvolvimento legítimo? Você admitiu que os pais da igreja estavam errados sobre a questão da penitência. Porque os pais da igreja mais adiantados não poderiam estar errados sobre o batismo de recém-nascidos também? Mesmo no séc. IV vemos Cirilo contradizendo a doutrina do batismo mais tarde aceita. E discordo de você quanto a Basílio. O que ele escreveu sobre o batismo sugere o contrário.
Eu não entendo que o batismo limpa alguém do pecado original. Não acredito em regeneração batismal. Acredito que o batismo é sinal externo da regeneração que já ocorrera no converso. As águas do batismo não possuem qualquer propriedade mágica. A maior parte das Igrejas Protestantes rejeitam a regeneração batismal. A exceção fica por conta da Igreja Luterana e Anglicana.
O que vc acha desse artigo?
ResponderExcluirhttp://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/853-a-inquisicao-protestante-pelo-historiador-protestante-philip-schaff
Schaff não afirma que houve uma inquisição protestante. Nem poderia haver, afinal não havia um tribunal religioso protestante agindo sob a égide de uma lei protestante condenando a heresia. O que de fato aconteceu é que os países protestantes não experimentaram logo após a reforma ampla liberdade de religião, como temos no mundo moderno.
ExcluirNo entanto é amplamente reconhecido mesmo por historiadores católicos (Ex. Paul Jonhson) que os países protestantes eram mais livres do que os católicos. Os reformadores não se livraram da equivocada visão de mundo romanista da noite para o dia. Isso levou tempo. Mas, é inegável que o protestantismo plantou a semente da liberdade religiosa. Não por acaso, foi nos países protestantes que ela floresceu primeiro. Você vai encontrar essa visão sendo sustentada pelo historiador Geofrey Blanei.
Já do lado católico romano, até o início do século passado, a posição oficial da igreja romana era condenar a liberdade religiosa e de consciência. Basta comparar a postura da apologética católica que faz todos os malabarismo para defender a instituição herética que foi a inquisição e apologética protestante que não tem nenhum problema em condenar os episódios de perseguição religiosa que ocorreram em países como de influência reformada.
Bruno nesse video de 5 minutos o Felipe aquino usa pais da igreja como tertuliano para provar orações aos mortos e purgatorio.. vc poderia comentar sobre essas passagens que ele cita desses pais:
ResponderExcluirhttps://www.facebook.com/escoladafe/videos/1547953688626883/
Quem não percebe o purgatório nos escritos de Tertuliano é porque não conhece essa doutrina. Tertuliano fala claramente a respeito. O próprio Lutero acreditava nesta doutrina e inclusive falou sobre ela em suas 95 teses. O purgatório é obra da misericórdia divina, e os protestantes não compreendem por pura implicância com o Catolicismo, não fazem um esforço sincero pra entender algo tão óbvio e necessário ao homem. Afinal quem entrará direto no céu a não ser pelo martírio? Ninguém entra direto no céu sem antes pagar as penas dos pecados, seja aqui nesta vida com nossos sofrimentos ou no purgatório. Basta estudar sobre as consequências do pecado na alma, que são a "pena" e a "culpa", e sobre pecados leves e graves, que será impossível NÃO entender o purgatório.
Excluir"Quem não percebe o purgatório nos escritos de Tertuliano é porque não conhece essa doutrina. Tertuliano fala claramente a respeito."
ExcluirSeu contato com os escritos de Tertuliano provavelmente depende de artigos apologéticos católicos. Tertuliano falou bastante sobre a vida pós-morte, em que ele deixa claro que as almas dos salvos vão para o Seio de Abraão. Neste lugar não há pagamento de penas, tampouco sofrimento pelo fogo. É um lugar onde as almas já desfrutam da felicidade e alegria que terão no paraíso. Segue o comentário de Le Goff:
Em relação à pré-história do Purgatório, a inovação de Tertuliano, se é que foi uma inovação, foi o justo ter que passar um período de tempo no refrigerium interim antes de ir habitar no eterno refrigerium. Mas não há nada realmente novo acerca do lugar de refrigério, que ainda é o seio de Abraão. Entre o refrigerium interim de Tertuliano e o purgatório existe uma diferença não só de gênero - para Tertuliano é uma questão de uma espera tranquila até o juízo final, enquanto com o Purgatório é uma questão de um sofrimento que purifica porque é punitivo e expiatório - mas também de duração: as almas permanecem no refrigerium até a ressurreição, mas no Purgatório apenas o tempo que for preciso para expiar os seus pecados. (Le Goff, op. cit., pp. 21)
Eu analiso todas as citações de Tertuliano aqui:
http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-parte-2.html
"O próprio Lutero acreditava nesta doutrina e inclusive falou sobre ela em suas 95 teses."
Seria estranho se ele não acreditasse, pois era um católico romano nesse período. Todavia, como seria de esperar, ele abandonou essa inovação herética tempos depois.
"O purgatório é obra da misericórdia divina, e os protestantes não compreendem por pura implicância com o Catolicismo, não fazem um esforço sincero pra entender algo tão óbvio e necessário ao homem."
De todos os ramos do cristianismo, o romanismo é o único que ensina tal doutrina. Todos os outros ramos também não creem por implicância? Ademais, como fazer com que os crentes passem por um castigo doloroso que pode durar séculos é expressão de misericórdia? Se formos pegar as imagens do purgatório que a Igreja Romana cultivou ao longo da história, parece haver pouca diferença do inferno. Não há misericórdia alguma ai.
"Afinal quem entrará direto no céu a não ser pelo martírio?"
E quem disse que o martírio é necessário? Pelos seus critérios, o apóstolo João não entrou no céu então?
"Ninguém entra direto no céu sem antes pagar as penas dos pecados, seja aqui nesta vida com nossos sofrimentos ou no purgatório."
Aqui está o ensinamento herético por trás do purgatório. Porque você acha que Cristo morreu na cruz? É pelo sacrifício dele e não o nosso que somos salvos. O purgatório implica que o sacrifício de Cristo foi insuficiente. Agora, você pode nos trazer o ensinamento de algum apóstolo que confirma o que você diz.
"Basta estudar sobre as consequências do pecado na alma, que são a "pena" e a "culpa", e sobre pecados leves e graves, que será impossível NÃO entender o purgatório."
A "apologética" católica é interessante. Basta estudar a teologia católica sobre o pecado e então você verá o purgatório. É sempre o mesmo argumento. X é verdade porque minha igreja diz que é verdade. A teologia católica está errada e contradiz a Escritura, por isso, rejeitamos tal doutrina. Você poderia nos trazer qualquer versículo bíblico que diga que o indivíduo que cometeu pecados levais terá que pagar por eles na vida pós-morte?
O professor Aquino demonstra conhecimento bem parco sobre história da Igreja. O fato de ele usar Tertuliano, quando os seus escritos sobre o pós-morte são claros sobre o assunto, demonstra isso. Eu escrevi uma série sobre o assunto que teve como mote o excelente livro "O Nascimento do Purgatório" de Jacques Le Goff:
ResponderExcluirhttp://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-inacio.html
http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-parte-2.html
http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-parte-3.html
Bruno é certo dizermos que Maria é Mãe de Deus e Mãe da Igreja?
ResponderExcluirÉ possível sim usar o título Mãe de Deus num sentido ortodoxo com o objetivo de enfatizar que Maria carregar em seu ventre uma pessoa da trindade. Esse era o objetivo do Concílio de Éfeso. No entanto, eu considero o uso do termo não recomendável por criar mais ideias erradas do que certas na cabeça do cristão médio. O termo mãe de Cristo é mais adequado por resguarda a ortodoxia trinitária e cria menos impressões erradas.
ExcluirAgora, mãe da igreja me parece um termo inadequado. Maria foi membro destacado da igreja nascente, mas a igreja deve sua origem somente a Cristo.
Olá. Eu passei a frequentar o blog recentemente.
ResponderExcluirVi que ele diz ser reformado, mas as Igrejas de cunho reformado, desde Calvino até hoje, batizam crianças. Isso me leva a crer que você deva ser um batista reformado. Acha que é equivocado o pedobatismo reformado assim como o romanista é? Diferente da ligação direta com o pecado original, os reformados crêem que o pedobatismo é a inclusão do filho do crente no povo de Deus.
E se for um equívoco, ele é nocivo a ponto de ser herético ou um erro que não interfere na fé?
São somente perguntas mesmo, fiquei curiosa quanto ao seu posicionamento sobre.
Bem-vinda ao blog, espero que lhe seja útil.
ExcluirEu sou batista reformado e acredito que o pedobatismo foi um dos equívocos dos reformadores, o que vejo com naturalidade, uma vez que se tratava de homens que há pouco tempo saíram dos braços de Roma.
O batismo infantil em si não é uma heresia, mas a teologia que o sustenta pode ser. Nesse sentido, acredito que a prática igrejas reformadas não ofende ao evangelho, já a da igreja romana sim.
Por detrás de sua teologia sobre o batismo, está um sistema sacramental, do qual o próprio batismo é parte, que mina a mensagem evangélica da salvação somente pela graça.
Dessa forma, apesar de minha discordância, não acredito que a Igreja presbiteriana por exemplo esteja a ensinar uma heresia.