quarta-feira, 22 de novembro de 2017

O Batismo Infantil e os Pais da Igreja


Neste artigo vamos analisar o desenvolvimento histórico do batismo infantil. A pergunta chave a ser respondida se tal prática remonta ao tempo dos apóstolos. Os defensores do batismo de bebês costumam apelar à história da igreja. O artigo do site católico veritatis afirma (aqui): “Nos primeiros quatro séculos da era cristã, é completa a unanimidade a respeito (Tertuliano sendo praticamente a única exceção)” . Esse tipo de afirmação é comum em artigos católicos que visam demonstrar que as práticas do romanismo foram o consenso dos tempos antigos. Obviamente afirmações dessa natureza nunca vem acompanhadas de citações de historiadores ou eruditos patrísticos. Isso se dá porque a prática em questão passa longe de ter sido um consenso. O próprio artigo se contradiz pois afirma que foi uma “completa unanimidade”, mas logo depois cita a oposição de Tertuliano. As conclusões que trarei são referendadas pelas modernas pesquisas sobre o assunto. Por isso, farei amplo uso de citações de historiadores da Igreja. Para todos os que desejam se aprofundar no tema, recomendo a obra mais completa sobre o assunto: Baptism in the Early Church do Dr. Everett (aqui). São “apenas” 900 páginas. É uma obra magistral escrita por um dos maiores historiadores da Igreja de nosso tempo.

Didaque (Início do séc. II)

A Didaque é provavelmente o documento cristão mais antigo fora do Novo Testamento. É de interesse para o nosso estudo pois contém instruções específicas em relação ao batismo:

Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias. (cap. 7)

Não faria sentido exigir de um recém-nascido tal jejum. As instruções da Didaque se encaixam melhor com a tradição credobatista. Alguém pode argumentar que essa orientação tem em vista somente catecúmenos adultos sem descartar o batismo de crianças. É uma leitura possível, mas não é a mais provável. No cap. 7, há diversas orientações que tratam até mesmo da temperatura da água ou sobre o uso de água corrente, mas não há nenhuma orientação sobre o batismo de recém-nascidos. Uma vez que a Didaque foi concebida como um manual litúrgico a ser usado na igreja, essa ausência é relevante. Se a Igreja desse período batizasse recém-nascidos, seria esperado encontrar instruções específicas.

Aristides de Atenas (séc. II)

Aristides escreveu uma apologia em favor do cristianismo provavelmente dirigida ao imperador Adriano (117-138):

Mas quanto aos seus servos ou servas, ou seus filhos, se algum deles tem algum, eles [os cristãos] os persuadem para se tornarem cristãos pelo amor que têm para com eles; e quando eles se tornam cristãos, eles os chamam sem distinção de irmãos (...) (Apologia, cap. 15)

A versão traduzida dessa obra hospedada em sites católicos é mais curta e me parece ter usado o texto grego. Por isso, o trecho acima não é encontrado nelas. Eu traduzi da versão completa (a siríaca) que pode ser encontrada no site tertullian.org (referência em textos patrísticos). O trecho em questão é importante pois sugere que os filhos dos cristãos não eram automaticamente incluídos como membros da Igreja. Eles precisavam ser persuadidos e se tornarem cristãos, o que pressupõe uma decisão consciente.

Justino Mártir (100-165)

Em sua famosa I Apologia (150 d.C):

Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos em primeiro lugar para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração com que também nós fomos regenerados eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. (cap. 61)

Justino trata especificamente do batismo aqui. Aquele que iria se batizar deveria atender exigências que um recém-nascido jamais poderia. Observem como confissão e arrependimento eram pré-requisitos. Duas objeções podem ser levantadas: (1) o texto não exclui de forma explícita o batismo de recém-nascidos e (2) a igreja desse período era predominantemente missionária – a maioria dos cristãos seriam pessoas que se converteram na fase adulta, por isso, quando se fala de batismo, o foco sempre está sobre o batismo de adultos. Sobre a primeira objeção, a continuação da citação é relevante:

A explicação que aprendemos dos apóstolos sobre isso é a seguinte: Uma vez que não tivemos consciência de nosso primeiro nascimento, pois fomos gerados por necessidade de um germe úmido, através da união mútua de nossos pais, e nos criamos em costumes maus e em conduta perversa, agora, para que não continuemos sendo filhos da necessidade e da ignorância, mas da liberdade e do conhecimento e, ao mesmo tempo, alcancemos o perdão de nossos pecados anteriores, pronuncia-se na água, sobre aquele que decidiu regenerar-se e se arrepender de seus pecados, o nome de Deus, Pai e soberano do universo. Aquele que conduz ao banho pronuncia este único nome sobre aquele que vai ser lavado. (cap. 61)

Ele contrasta o primeiro nascimento (marcado pela nossa falta de conhecimento) com o segundo nascimento que requer conhecimento. Ele contrasta o fato de que não pudemos escolher em nosso primeiro nascimento, por isso o batismo foi instituído, pois agora é possível a escolha. É muito improvável que alguém que concebesse o batismo de bebês argumentasse dessa forma. Os bebês continuariam sendo ignorantes a respeito do primeiro e segundo nascimentos e também não podem exercer qualquer tipo de escolha. O batismo foi discutido por Justino em vários lugares de suas apologias e outras obras, sem qualquer menção ao batismo de infantes. O argumento de que a Igreja era formada por conversos também me parece não prosperar. No período em que Justino escreveu (150), já havia muitas famílias cristãs com filhos pequenos. A obra Diálogo com Trifão é relevante também. Nela, Justino discute com um judeu e diz bastante coisa sobre a circuncisão. Os pedobatistas afirmam que o batismo substituiu a circuncisão. Justino aplica a circuncisão aos cristãos de diversas formas, sem recorrer a qualquer analogia que implique no batismo de infantes:

Jesus Cristo circuncida todos os que desejarem - como foi declarado acima - com facas de pedra, para que eles sejam uma nação justa, um povo que mantem a fé, a verdade e a paz. (Diálogo com Trifo, 24)

Ainda que um homem seja um scitiano ou persa, se ele tiver o conhecimento de Deus e de Seu Cristo, e guardar os decretos justos e eternos, ele é circuncidado com a boa e proveitosa circuncisão. Ele é amigo de Deus e regozija-se com seus presentes e ofertas. (Diálogo com Trifo, 28)

Aqueles também da circuncisão que se aproximam dele, isto é, acreditando nele e buscando suas bênçãos, Ele tanto o receberá como o abençoará. (Diálogo com Trifo, 33)

A sua primeira circuncisão [de Trifo o judeu] foi e é realizada por instrumentos de ferro, pois você permanece com coração duro. Mas a nossa circuncisão, que é a segunda, tendo sido instituída após a sua, nos circuncidou da idolatria e de absolutamente toda espécie de perversidade pelas pedras afiadas, ou seja, pelas palavras pregadas pelos apóstolos. E nossos corações são assim circuncidados do mal, de modo que estamos felizes em morrer pelo nome da boa Rocha, que faz com que a água viva inunde os corações (...) (Diálogo com Trifo, 33)

Observem que, sempre que Justino aplica a circuncisão ao contexto cristão, ele se refere a pessoas que creram no evangelho e foram circuncidadas em seu coração. No último trecho, ele é explícito ao dizer que fomos circuncidados pelas palavras dos apóstolos, ou seja, pelo evangelho. Justino não é tão explícito quanto Tertuliano. Mas, quando alguém discute muito o batismo, a circuncisão e outras questões relacionadas, nunca mencionando o batismo infantil e associando repetidamente o batismo a conceitos que excluem bebês, por que devemos pensar que é provável que ele acreditasse no batismo infantil?

Irineu de Lyon (130-202)

Irineu é a testemunha mais antiga citada em favor do batismo infantil. Ainda que esse pai da igreja apoiasse a prática, há dois problemas: (1) os pedobatistas pressupõe que a posição de Irineu era adotada pela Igreja desde o princípio e (2) a posição de Irineu era generalizada. O problema é que (1) e (2) não podem ser sustentadas com base nos escritos de Irineu. Como abordado acima, documentos mais antigos sugerem que o credobatismo é a tradição mais antiga. E como veremos mais adiante, a Igreja antiga comportava opiniões diversas em relação ao batismo. No entanto, vejamos a citação:

Porque veio salvar a todos. E digo ‘todos’, isto é, àqueles tantos que por Ele renascem para Deus, sejam recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso, quis passar por todas as idades, para tornar-se recém-nascido com os recém-nascidos, a fim de santificar os recém-nascidos; criança com as crianças, a fim de santificar aos de sua idade, oferecendo-lhes exemplo de piedade e sendo para eles modelo de justiça e obediência. Fez-se jovem com os jovens, para dar exemplo aos jovens e santificá-los para o Senhor. (Contra as Heresias 2:22:4)

O argumento é que como Jesus regenerou os recém-nascidos, segue que eles também deveriam ser batizados. A premissa aqui é santificar/regenerar = batizar. A questão é se Irineu tratava as duas coisas como implicação uma da outra. Irineu respondia a afirmação de que o ministério de Jesus durou apenas um ano. Ele usou o argumento de que como Jesus veio para regenerar pessoas de todas as idades, ele deveria ter passado por todas as idades. Nesse mesmo livro, Irineu afirma que Jesus viveu mais de 40 anos. Obviamente, o bispo de Lyon estava errado. Em todo o caso, nem a citação nem o seu contexto imediato falam sobre batismo. Os pedobatistas complementam o argumento com uma citação de outra obra do bispo:

Nós somos limpos de nossas antigas transgressões por meio da água sagrada e da invocação do Senhor. Nós, portanto, somos regenerados espiritualmente como recém-nascidos, assim como o Senhor declarou: "Se alguém não nascer de novo pela água e pelo Espírito, ele não entrará no reino dos céus". (Fragmento 34)

O argumento então é que Irineu defendia a regeneração batismal, logo, se os recém-nascidos foram regenerados, eles eram batizados. Primeiro, essa combinação de citações diferentes em contextos diferentes é problemática. Hendrick Stander e Johannes Louw explicam:

É bastante pretensioso insistir em substituir a noção de batismo cada vez que um escritor usa o termo "regeneração", a menos que o contexto se relacione claramente com o batismo (...) [esta passagem em Irineu] apenas nos diz que a obra redentora de Cristo se estende a qualquer pessoa (...) A passagem não fala sobre a idade em que as pessoas eram batizadas. (Baptism In The Early Church [Webster, Nova Iorque: Carey Publications, 2004], pp. 53, 55)

Além disso, mesmo supondo que Irineu sustentasse a regeneração batismal, não segue que todo o indivíduo regenerado foi necessariamente batizado. Mesmo os defensores dessa doutrina admitem exceções à regra (ex. o ladro da cruz). Além do mais, Irineu está entre os defensores da salvação infantil – mesmo crianças não batizadas seriam salvas (uma crença popular no séc. II):

E, novamente, quem são os que foram salvos e receberam a herança? São os que sem dúvida acreditam em Deus e continuaram em seu amor, assim como Caleb, filho de Jefoné e Josué o filho de Nun, e os filhos inocentes que não tiveram consciência do mal. (Contra Heresias, 4:28:3)

E também sobra a matança dos recém-nascidos de Belém:

Por essa causa também, ele removeu de repente aqueles filhos pertencentes à casa de Davi, cujo destino feliz era ter nascido naquele tempo, para que Ele pudesse enviá-los antes para o seu reino. Desde que ele mesmo era uma criança, planejou que os bebês humanos fossem mártires assassinados de acordo com as Escrituras, por causa de Cristo, que nasceu em Belém de Judá, na cidade de Davi. (Contra Heresias, 3:16:4)

Nestas passagens, Irineu sugere que as crianças foram salvas apenas por serem inocentes. Dessa forma, como na teologia de Irineu a regeneração é condição necessária para a salvação, segue que regenerado não necessariamente implica em ser batizado. O trecho do fragmento 34 “somos regenerados espiritualmente como recém-nascidos” também não sugere o batismo de infantes. A analogia é que quando nascemos de novo espiritualmente na regeneração, tornamo-nos como bebês em sentido espiritual. Assim, podemos concluir que Irineu não pode ser contado como uma testemunha provável a favor do pedobatismo. Encerramos o segundo século com nenhum pai da Igreja ensinando explicitamente o batismo de recém-nascidos. Isso é problemático para a afirmação de que esta é a prática da igreja desde o princípio.

Tertuliano de Cartago (160-220)

Tertuliano foi a primeira testemunha a tratar de forma explícita sobre o batismo infantil. Em seu tratado sobre o batismo, ele escreveu:

E assim, de acordo com as circunstâncias e o caráter, e até mesmo a idade de cada indivíduo, o atraso do batismo é preferível; especialmente no caso de crianças pequenas (...) O Senhor realmente diz: Não os proibais de virem até mim. Deixe-os vir, então, enquanto estão crescendo. Deixe-os vir enquanto estão aprendendo, enquanto estão aprendendo para onde vir; que se tornem cristãos quando conseguirem conhecer Cristo. Por que o período de vida inocente se apressa para a remissão de pecados? (...) Deixe-os saber como pedir a salvação, que você possa ao menos fazer-lhes essas perguntas (...) Se alguém entender a importância de peso do batismo, temerá a sua recepção mais do que a sua demora: a fé sólida é segura da salvação. (Tratado sobre o Batismo, cap. 18)

O argumento de Tertuliano é claro no sentido de que o batismo é um passo de grande importância. Portanto, deve ser uma decisão consciente e convicta. Agostinho iria desprezar a posição de Tertuliano por entender que ele estava negando a existência do pecado original. Acredito que esse não foi o caso. Ao que parece, como outros pais da Igreja do séc. II, Tertuliano cria na salvação universal das crianças inocentes. Como ele não via risco na salvação de crianças não batizadas, não havia razão para adiantar algo que seria mais adequadamente administrado em idade mais tardia. Os pedobatistas costumam argumentar que Tertuliano pressupõe que a prática do batismo infantil já existia em seu tempo, por isso ele a critica.

No entanto, não está explícito que ele responde alguém em específico. Não há menção a qualquer grupo de dentro da Igreja. Tertuliano poderia muito bem tratar de uma mera possibilidade. É possível que o batismo infantil já fosse praticado? Sim, mas não é o mais provável. De qualquer forma, o mesmo argumento pode ser feito em sentido contrário. Ao condenar o batismo infantil, Tertuliano não parece ter consciência de estar indo contra a uma doutrina da Igreja. Além disso, o tratado sobre o batismo é da fase pré-montanista de Tertuliano, o que invalida a objeção que apologistas católicos constumam levantar contra ele (apenas quando Tertuliano contradiz o romanismo obviamente).

Supondo que o batismo já fosse praticado. É necessário pontuar que a simples existência da prática não a tornaria normativa. Ademais, não sabemos quão generalizada tal prática seria, pois poderia ser característico de um grupo minoritário ou de uma região geográfica específica. Não sabemos se os que a adotavam representavam a ala ortodoxa da Igreja. Toda a evidência anterior a Tertuliano sugere que o pedobatismo seria uma inovação. O fato é que o primeiro pai da Igreja a oferecer uma declaração explícita sobre o pedobatismo está negando-o.

Hipólito de Roma (170-235)

Hipólito, escrevendo no início do séc. III, afirmou:

Os batizandos se despirão e serão batizadas, primeiro, as crianças. Todos os que puderem falar por si próprios, falem; contudo, os pais ou alguém da família falem por aqueles que não puderem falar por si mesmos. Depois batizem-se os homens e, por último, as mulheres. (Tradição Apostólica 3:5)

Há alguns problemas no uso dessa citação em favor do batismo infantil:

1 – Há sérias dúvidas quanto a autenticidade desse trecho. O erudito patrístico David Wright afirmou:

Quase tudo concernente a esse texto continua sendo objeto de vigorosas discussões acadêmicas. (What Has Infant Baptism Done To Baptism? [England: Paternoster Press, 2005], p. 38)

Hendrick Stander and Johannes Louw também afirmam:

Esta citação da Tradição Apostólica é encontrada em uma tradução latina que data do século IV. Alguns estudiosos sugeriram até mesmo que não é improvável que este verso tenha sido inserido na tradução latina, pois foi no século IV que o batismo infantil se tornou popular (...) deve-se lembrar que os antigos tradutores não tinham objeções em inserir e omitir frases no texto a qual eles traduziam. Eles geralmente adaptavam os textos para sua situação atual. Isso pode ser claramente visto quando se compara, por exemplo, as seções existentes das traduções grega, saídica, árabe, etíope e boharica da tradição apostólica (...) O argumento mais importante, no entanto, para a adição posterior desta frase é que não se encaixa bem com o restante da obra. Como Aland (1963:43) apontou, as seções que precedem esta regulação batismal lidam exclusivamente com os catecúmenos adultos(...) Ele também se refere à tradução copta que contém uma declaração de que três anos de instrução na fé cristã são necessários para que uma pessoa receba o batismo. (Baptism In The Early Church [Webster, New York: Carey Publications, 2004], pp. 77-78)

2 – O texto não necessariamente implica em batismo de recém-nascidos. Stander e Louw explicam:

Aqueles que não podiam falar por si mesmos podiam ser crianças muito novas que precisavam de assistência para responder ao pronunciar as fórmulas necessárias. Elas não estavam isentas das preliminares de ensino e jejum etc. (Baptism In The Early Church [Webster, New York: Carey Publications, 2004], p. 77)

A obra em questão comina que os batizandos deveriam passar por um longo processo de instrução catequética e deveriam jejuar antes do batismo. Tais requisitos não poderiam ser atendidos por recém-nascidos, mas poderiam ser cumpridos por crianças pequenas. Dessa forma, a luz do contexto, parece improvável que Hipólito se referisse a recém-nascidos. Um destaque é importante aqui – os credobatistas não afirmam taxativamente que crianças não podem ser batizadas. Uma criança de 6, 7 anos pode estar em condições de entender e responder positivamente ao evangelho. David Wright assevera que a ideia de que um adulto falasse por uma criança, ainda que esta tivesse capacidade de falar não eram sem precedentes:

O que está em vista é a capacidade física e mental da criança ou a habilidade jurídica, implicando o reconhecimento romano de que com a idade de sete anos as crianças adquiriam certos direitos para falar por si mesmas? Agostinho e Jerônimo mais tarde considerariam sete como a nova idade de responsabilidade cristã. Agostinho [afirmou a idade de sete], em relação ao batismo de um menino falando por si mesmo. Em que termos um pai ou outro parente respondia por uma criança, ainda não sabemos e nenhuma fonte nos diz até cerca de 400. (What Has Infant Baptism Done To Baptism? [England: Paternoster Press, 2005], p. 40)

Ou seja, nos tempos de Agostinho, uma criança de 7 anos já poderia responder por si mesma. Isso implica que uma criança de 5, 6 anos não poderia. Todavia, crianças com tais idades não eram incapazes de falar. Elas apenas não tinham o direito jurídico de falar por si mesmas. Obviamente, Agostinho não pertence ao mesmo contexto que Hipólito. Mas isso no mínimo nos leva a concluir que a interpretação pedobatista da citação não é definitiva e necessitaria de mais dados para ser sustentada. Além disso, um concílio em Cartago permitia que alguém falasse pelas pessoas doentes nas cerimônias de batismo (veja o cânon 45 aqui). Isto vem a reforçar que o simples falar por alguém não implica que o catecúmeno fosse totalmente incapaz de se expressar.

Orígenes de Alexandria (185-254)

Orígenes foi o primeiro pai da Igreja a defender claramente o batismo infantil:

Um recém-nascido era capaz de pecar? Ainda assim ele tem um pecado pelo qual é ordenado que sacrifícios sejam oferecidos, e a partir do qual é negado que alguém seja puro, mesmo que sua vida dure apenas um dia (...) É também por isso que a Igreja recebeu dos apóstolos a prática de dar o batismo até aos filhos pequenos. (Comentário sobre Romanos, Livro 5, cap. 9)

A afirmação de Orígenes obviamente não tem raízes históricas confiáveis. Vimos que pele menos um pai da igreja anterior a ele ensinou explicitamente o contrário. Tertuliano não se oporia ao batismo infantil se o considerasse uma prática herdada dos apóstolos. O apoio de Orígenes ao pedobatismo se baseia na pecaminosidade dos bebês. Ele derivou este ensino da pré-existência das almas. Segundo o alexandrino, as almas foram criadas e teriam pecado antes da criação do mundo. Todas essas almas (exceto de Jesus) foram exiladas em corpos humanos. Obviamente, essa visão de queda e redenção não é apostólica. Por isso rejeitamos a doutrina de Orígenes, pois se baseia numa doutrina contrária ao que os apóstolos ensinaram.

Cipriano de Cartago (200-258)

Enquanto Orígenes foi o primeiro a defender o batismo de infantes na igreja oriental, Cipriano foi o primeiro na igreja oriental.

“É no batismo que nós (...) recebemos a remissão dos pecados" (Carta 58 a Fido). Em resposta ao bispo Fido, que sugeriu que o batismo deveria ser no oitavo dia, Cipriano e o Sínodo de Cartago (cerca de 252) disseram que o 2º ou 3º dia eram melhores e que a espera "negaria a misericórdia e a graça de Deus" e "devemos fazer tudo o que possamos para evitar a destruição de qualquer alma".

É inegável que Cipriano ensinou o pedobatismo e que se tratava de uma prática já estabelecida na igreja norte africana em meados do séc. III. Cipriano cria na indispensabilidade do batismo para a salvação. Dessa forma, crianças não batizadas estaria correndo risco de irem para o inferno. Esta é uma visão contrária ao que os pais do segundo século ensinaram, nos quais a salvação infantil independente do batismo foi a visão majoritária.

Basílio Magno (330-379)

Sites católicos como o já mencionado Veritatis trazem uma citação de Basílio acerca da necessidade do batismo. Todavia, nada é falado sobre o batismo de crianças. De fato, nem poderia, pois Basílio via a fé como condição necessária:

A fé e o batismo são dois modos de salvação iguais e inseparáveis: a fé é aperfeiçoada através do batismo, o batismo é estabelecido através da fé, e ambos são completados pelos mesmos nomes. Pois, como acreditamos no Pai, no Filho e no Espírito Santo, também somos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; primeiro vem a confissão, apresentando-nos a salvação, e o batismo segue, estabelecendo o selo sobre o nosso consentimento. (O Espírito Santo, Cap. 12:28)

Na mesma obra, ele continua a ensinar a fé que precede o batismo:

Como, então, conseguimos a descida para o inferno? Ao imitar, através do batismo, o enterro de Cristo. Pois os corpos dos batizados estão, por assim dizer, enterrados na água. O batismo simboliza expulsar as obras da carne. (O Espírito Santo, Cap. 15:35)

No que diz respeito ao batismo (...) é impossível que alguém seja imerso três vezes, sem emergir três vezes. (O Espírito Santo, Cap. 15:35)

São descrições incompatíveis com o batismo de infantes.

Gregório Nazianzeno (329-389)

Gregório expressa uma opinião peculiar. É possível dizer que ele ficou no meio termo entre o credo e pedobatismo:

Tudo isto é dito para aqueles que pedem o batismo por si mesmos; mas o que podemos dizer das crianças, ainda de pouca idade, que são incapazes de perceber o perigo em que se encontram e a graça do sacramento? Certamente, no caso de perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que deixá-las morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados a dizer o mesmo acerca da prática da circuncisão, que era realizada no oitavo dia prefigurando o batismo, também realizada nos meninos desprovidos de razão. Da mesma forma, realizava-se a unção dos umbrais da porta que, embora se tratasse de coisas inanimadas, protegia os primogênitos. E quanto às demais crianças? Eis aqui a minha opinião: esperai que alcancem a idade de três anos, de modo que sejam capazes de compreender e expressar superficialmente os mistérios; apesar da imperfeição da sua inteligência, recebem o sinal, e o seu corpo e a sua alma se encontram santificados pelo grande sacramento da iniciação. Elas renderão conta dos seus atos no momento preciso em que, com plena posse da razão, chegarem ao pleno conhecimento do Mistério, já que não serão responsáveis das faltas que, pela ignorância da idade, tiverem cometido. Ademais, de todos os modos, lhes resulta vantajoso possuir a muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem sobre nós e ultrapassam as nossas forças (…) Porém, alguém dirá: ‘Cristo, que é Deus, se fez batizar aos trinta anos e tu nos empurras desde logo o batismo’. Afirmar assim a sua divindade é o que responde a essa objeção. Ele – a própria pureza – não precisava de purificação, mas se fez purificar por vós, assim como por vós se fez carne, uma vez que Deus não tem corpo. Além disso, Ele não corria nenhum perigo por retardar o seu batismo, pois podia livremente regular o seu sofrimento assim como regulou o seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria pequeno o perigo no caso de deixardes este mundo sem terdes recebido, no vosso nascimento, nada além que uma vida perecível, sem estardes revestidos da incorruptibilidade. (Sermão 40,26-27)

Gregório expressa a liberdade existente ainda no séc. IV sobre o batismo de crianças. Se a criança corria risco de morte, deveria ser batizada. Em caso contrário, dever-se-ia esperar até os três anos. Mas porque essa idade? Ele acreditava que nessa idade já seria possível expressar de forma superficial o consentimento ao evangelho. Percebam como a regra era que a criança deveria expressar algum consentimento, ainda que com razão imperfeita. Trata-se de uma posição incompatível com o pedobatismo, mas não necessariamente incompatível com o credobatismo. A maioria dos credobatistas discordaria de Gregório quando a idade do batizando, mas concordaria com o requisito do consentimento. Além disso, o bispo cristão atesta que em seus dias havia indivíduos provavelmente cristãos contrários ao batismo de infantes. Estes argumentavam que Cristo foi batizado apenas aos 30 anos, portanto, não faria sentido batizar crianças. Gregório rebate tal argumento. De todo modo, seu testemunho é importante para atestar a liberdade que havia a respeito dessa questão. Se a Igreja desde cedo creu que a prática era apostólica e obrigatória, a existência de opiniões como a de Gregório é inexplicável. Everett Ferguson escreve:

Gregório claramente não rejeita, mas incentiva o batismo de bebes. No entanto, não o reconhece como a prática regular, como também conhece questionamentos a respeito - fatores que não estimulam a ideia de que era uma prática rotineira de longa data. (Baptism in the Early Church, Grand Rapids, 2009, p. 595)

Pais da Igreja que nasceram em famílias cristãs

A evidência de que havia ampla liberdade sobre o batismo de crianças está no fato de que boa parte dos pais da igreja do séc. IV, que nasceram em famílias cristãs, somente foram batizados na idade adulta. S. L Greenslade escreveu:

Ambrósio nasceu no ano de 339 (...) era filho de cristãos e foi criado como cristão, mas, à maneira de seu tempo, teve seu batismo adiado. (Early Latin Theology, S. L. Greenslade, The Westminster Press, Louisville, 1956, p. 175)

O historiador Stefan Rebenich escreveu:

Jerônimo nasceu em 347 (...) [perto] da Dalmácia (...) Os pais de Jerônimo eram cristãos, que cuidaram para que ele tivesse sido como bebê "alimentado com o leite católico". Ele não foi batizado quando era criança (...) mas como jovem (...) Naquele tempo, o batismo foi adiado até a maturidade (...) Os amigos de Agostinho e Jerônimo, Rufino e Heliodoro, são casos paralelos. (Jerome, Stefan Rebenich, Routledge, London 2002, p. 2)
O erudito patrístico J. N. D. Kelly escreveu sobre João Crisóstomo:

Sua família (...) era cristã (...) Apesar disso, ele não foi batizado na infância. Seguindo a prática amplamente aceita naqueles dias (...) foi apenas como um jovem aproximando-se dos vinte que ele se ofereceu para o batismo. (Golden Mouth: The Story of John Chrysostom, Ascetic, Preacher, Bishop, J.N.D.Kelly, Cornell University Press, 1995, p. 5)

Agostinho também testemunha que ele próprio não foi batizado quando criança:

Eu pergunto-lhe, meu Deus, pois, se é sua vontade, eu desejo saber - para que propósito meu batizado foi adiado neste momento? Foi para o meu bem que as rédeas que me privaram do pecado fossem diminuídas? Ou não é verdadeiro que elas estavam relaxadas? (Confessions. Trans. R.S. Pine-Coffin. London: Penguin Books, 1961. Book 1.11, p. 31-32)

Na infância, Agostinho foi acometido por uma doença. Sua mãe Mônica – uma cristã piedosa – considerou a possibilidade de batizá-lo uma vez que o filho corria risco de vida. O bispo de Hipona foi curado e. como era o costume de seus dias, teve seu batismo adiado para a idade adulta. Todos esses exemplos demonstram que adiar o batismo não apenas era aceitável, como foi a posição padrão. Esse é um dado problemático para aqueles que defendem o batismo infantil como uma prática apostólica. O fato de tantos pais cristãos piedosos adiarem o batismo de seus filhos até a idade adulta demonstra que a igreja não havia dogmatizado sobre o tema. Comparemos com o que diz o catecismo:

A Igreja e os pais negariam a uma criança a graça inestimável de se tornar filho de Deus se não conferissem a ele o batismo pouco depois do nascimento (...) Mais urgente é o apelo da Igreja para não impedir que as crianças pequenas venham a Cristo através do presente do santo batismo (...) Com respeito a crianças que morreram sem o batismo, a liturgia da Igreja nos convida a confiar na piedade de Deus e a rezar pela salvação. (Catecismo da Igreja Católica, 1250, 1261, 1283)

Percebam que a prática do batismo infantil não é uma opção, mas uma obrigação dos pais. Negar o batismo às crianças poria em risco a salvação. Isso contrasta com a liberdade que houve na igreja antiga. O ponto de inflexão da história foi Agostinho. Apesar de ele mesmo não ter sido batizado na infância, tornou-se o voraz defensor dessa prática. Foi ele quem ofereceu a justificativa teológica para dogmatização do batismo infantil. Ele viu no pedobatismo um poderoso argumento em sua controvérsia contra os pelagianos. Para o bispo de Hipona, negar o batismo equivalia a negar o pecado original. 

O que a erudição moderna diz a respeito das raízes históricas do batismo infantil?

A erudição moderna realiza a opinião de que o batismo não foi uma prática dos apóstolos. Esta opinião tem sido seguida por muitos teólogos pedobatistas. O batismo de infantes teria sua origem nos filhos de cristãos que corriam risco de vida.  O estudioso luterano pedobatista H.A.W. Meyer diz:

O batismo dos filhos dos cristãos, do qual nenhum vestígio é encontrado no N.T, não deve ser considerado uma ordenança apostólica, pois, de fato, encontrou longa e precoce resistência; mas é uma instituição da igreja, que surgiu gradualmente nos tempos pós-apostólicos em conexão ao desenvolvimento da vida eclesiástica e do ensino doutrinário. Certamente não foi observado antes de Tertuliano, e por ele ainda foi decididamente combatido. Embora defendido por Cipriano, só se tornou uma prática generaliza após o tempo de Agostinho (...). (Commentary on Acts [16:15], New York: Funk & Wagnalls, 1883, p. 312)

O erudito patrístico pedobatista David Wright é um exemplo dessa tendência da erudição moderna:

Nós rastreamos, em grande parte nesta palestra, atendendo aos textos do desenvolvimento batismal ocidental, uma mudança verdadeiramente maciça na história da igreja de Cristo. De uma instituição que recrutava por resposta intencional ao evangelho pelo imperativo do discipulado e batismo, tornou-se uma sociedade inscrita desde o nascimento. Foi indiscutivelmente uma das maiores mudanças na história do cristianismo. Ela levou, como vimos, à formação da cristandade, compreendendo um império cristão, nações ou povos cristãos. O cristianismo tornou-se uma questão de hereditariedade e não de decisão. As famosas palavras de Tertuliano "feunt, non nascuntur, Christiani" - "pessoas são feitas, não nascidas cristãs", foram viradas de cabeça para baixo. (What Has Infant Baptism Done To Baptism? (England: Paternoster Press, 2005), p. 74)

Wright ainda diz sobre os credos ecumênicos:

O único credo ecumênico a mencionar o batismo é o niceno (nenhum menciona a eucaristia) na frase "um batismo para a remissão dos pecados". Tenho argumentado em outro lugar que isso não pode ter compreendido originalmente bebês, porque nos círculos em que este credo surgiu, para ser aprovado no Concílio de Constantinopla em 381 (se aceitarmos o testemunho dos Padres no Concílio de Calcedônia setenta anos depois, como a maioria dos eruditos faz), acreditava-se que os recém-nascidos não tinham pecados. (Ibid., p. 93)

E continua:

Peter Leithart afirmou recentemente que "a igreja foi salva da teologia e prática batista por Agostinho de Hipona". Se “batista” aqui implique a rejeição ao batismo infantil, essa afirmação corajosa é um exagero, mas dentro de limites perdoáveis (...) Para Leithart "o fato notável sobre o batismo na igreja primitiva é que o batismo infantil se tornou (...) a prática dominante da Igreja". Esta não é a maneira como a história geralmente é contada! Na verdade, é bastante enganador ver a era dos pais simplesmente como uma era de batismo infantil. Na verdade, dentre os indivíduos mais conhecidos daqueles séculos que eram cristãos e foram batizados em datas conhecidas, a grande maioria foi batizada pela profissão de fé (...) Como Leithart resume de forma útil: "as primeiras liturgias batismais (...) foram construídas sobre pressupostos batistas, mesmo quando as crianças era incluídas" (...) Leithart não consegue tirar a conclusão óbvia dessa evidência - o batismo infantil nunca pode ter sido a norma neste período inicial (...) O prazo do reinado do batismo de bebês se prolonga desde o início do período medieval, a partir do século VI, isto é, depois de Agostinho de Hipona, que morreu em 430. Foi ele quem forneceu a teologia que levou o batismo infantil a se tornar uma prática geral pela primeira vez na história da igreja. (Ibid., pp. 4-6, 8, n. 7 na p. 8, 12, 17)

O estudioso Anthony Lane expressa uma opinião peculiar:

A situação nos primeiros séculos foi de que as duas formas de batismo existiram lado a lado, tanto por causa do grande afluxo de conversos quanto porque de modo algum todos os cristãos trouxeram seus bebês ao batismo. A "dupla prática" de permitir aos cristãos a escolha de que os seus filhos fossem batizados ou não, e, em caso afirmativo, em que idade, pode parecer hoje confuso e sem princípio. O fato claro é que tal variedade de prática existiu no terceiro e quarto séculos e ninguém criou nenhum princípio opositor contra ela. Na verdade, pode-se argumentar com este fato que é muito provável que tal aceitação de variedades remonta aos tempos apostólicos. (Ibid., p. 7-8)

Everett Ferguson – autor do estudo mais detalhado sobre o tema – escreve:

Há concordância geral de que não há evidências firmes para o batismo infantil antes da última parte do segundo século (...) A explicação mais plausível para a origem do batismo infantil é encontrada no batismo de emergência de crianças doentes que se esperava que morressem em breve, de modo a garantir a entrada no reino dos céus. (Baptism in the Early Church, Grand Rapids, 2009, p. 856)

A respeito do período em que o batismo infantil se tornou dominante:

[Batismo infantil] foi geralmente aceito, mas questionamentos continuaram a ser levantados sobre a sua propriedade no século V. Tornou-se a prática habitual nos séculos V e VI. (p. 857)

Mesmo os eruditos pedobatistas tendem a afirmar que o batismo infantil não é uma prática que remonta aos apóstolos. Nós situamos a primeira evidência patrística favorável em meados do séc. III (Orígenes e Cipriano) e argumentamos contra aqueles que citam Irineu como a primeira evidência. Em todo o caso, o consenso sugere que o batismo infantil começou a ser praticado em virtude de crianças no leito de morte. Até o séc. V, não havia qualquer posição dogmática a respeito. Por isso, era usual que mesmo os filhos de pais cristãos tivessem o batismo adiado. Os defensores do batismo infantil costumam apontar para a história como o argumento decisivo em favor de sua posição. No entanto, concluímos que a história oferece mais problemas do que apoio a posição pedobatista.

12 comentários:

  1. Tertuliano deixa claro que o batismo infantil era praticado pela igreja, quando diz que “o atraso é preferível” ou quando ele questiona “o porque apressar o batismo”. Se ele fala dessa maneira, é porque logicamente já era algo praticado. Afinal se alguém está escrevendo contra uma prática, é porque ela já é praticada. Inclusive ele chega a citar a existência dos PADRINHOS nessa mesma obra (Sobre o Batismo, 18). E ainda Cipriano, que fala sobre o batismo infantil, viveu praticamente na mesma época e região de Tertuliano.

    O fato é que Tertuliano não era de modo algum contra o batismo infantil, ele entende que pode sim ser Ministrado às crianças. Ele diz que é apenas “preferível atrasar” e não que era "um erro". Mas porque seria preferível atrasar o batismo? Para compreender Tertuliano, primeiro é preciso entender a mentalidade da época. O problema é que bem no início da igreja o sacramento da penitência (confissão) era bem rígido e mal compreendido por muitos. Acreditava-se que após ser batizado, a pessoa só teria direito a confessar os PECADOS GRAVES ao sacerdote apenas 1 vez na vida, além de ter que cumprir grandes e duras penitências, que em alguns casos durava a vida toda. Dai vem a preocupação de Tertuliano em esperar a pessoa crescer e ter uma fé sólida primeiro, pois assim os riscos de cometer pecados graves seria menor, e então poderia ser batizada. Já que uma criança sendo batizada poderia depois seguir um caminho pecaminoso, caindo em pecados graves muitas vezes, tendo uma “única chance” de confissão.

    Vejamos o que ele diz sobre isso em outra obra:
    ...em outras palavras, que depois disso (do batismo) não tenham que conhecer a penitencia e nem pedi-la. É incômodo mencionar aqui a segunda, melhor dizendo neste caso, a ÚLTIMA PENITÊNCIA. Temo que, ao falar de um remédio da penitência que se tem EM RESERVA, parece sugerir que existe, todavia, um tempo em que se pode pecar. Deus me livre alguém interprete mal meu pensamento, fazendo-os dizer que com esta porta aberta a penitência existe, portanto, agora uma porta aberta ao pecado.... Temos escapado uma vez (no batismo). Não vamos entrar mais em perigo, MESMO QUE NOS PAREÇA QUE AINDA ESCAPAREMOS OUTRA VEZ....” (Tertuliano, On Repentance, 7).

    Esse trecho é muito esclarecedor sobre esse pensamento de Tertuliano que citei acima. Ele chega a pedir ao leitor que não entenda que após o batismo temos uma PORTA ABERTA ao pecado, já que poderemos recorrer ao sacramento da penitência mais uma vez, como se tivéssemos ainda uma “remissão de reversa” após o batismo. Como falei, era a mentalidade rígida da época que acreditava que o homem batizado poderia confessar os pecados apenas 1 vez, por isso era melhor esperar a criança crescer na fé e ter uma vida cristã reta para não desperdiçar a única chance de remissão que teria depois do batismo. É por esse motivo que Tertuliano acreditava que era um risco tanto para a criança quanto ao padrinho, que poderia não evitar que aquela criança se desviasse do caminho de Cristo, e seria responsabilizado por isso.
    Mas como a doutrina da igreja desenvolveu-se com o tempo, esse entendimento errado sobre o batismo e a confissão foi sendo melhor esclarecidos. Tanto é que muitos doutores da igreja que não tinham sido batizados na infância, como Santo Agostinho, São Jerônimo, São Basílio, Santo Ambrósio, São João Crisóstomo, entre outros, reagiram vigorosamente contra tal negligência, pedindo com insistência para não retardarem o batismo infantil, necessário para a salvação, que produz graça e cura. Uma das objeções da heresia pelagiana foi justamente negar o batismo infantil, onde podemos ver que foi algo combatido duramente pela igreja por se tratar de um erro.

    Se vc entende que o batismo foi instituído para “limpar” a alma do pecado original, então não há o menor sentido em esperar a criança crescer e ter consciência. Eu não sei qual a necessidade do batismo para o homem, na visão protestante, gostaria de saber para entender o motivo do adiamento.

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    1. Não há nada explícito na obra de Tertuliano que afirme que o batismo já era praticado. Você está afirmando que ele condena algo que já era praticado. No entanto, ele não escreveu nada sobre isso. Ele não afirma que era uma prática da Igreja. Além disso, a existência de padrinhos não prova seu ponto pois até mesmo um adulto poderia ter padrinhos.

      Mas para o bem do debate, vamos conceder que ele está condenando algo que já era praticado entre os cristãos. Quão generalizada era essa prática? Fazia parte do costume de toda a igreja ou apenas de uma parcela? Era obrigatório ou facultativo? Os pedobatistas tendem a ler mais do que está escrito. Quando analisamos a evidência pré-tertuliana, para onde ela aponta? O que vimos foi que não há evidência alguma a favor do batismo infantil antes desse período. Pelo contrário, a evidência disponível, embora não tão explícita quanto gostaríamos, aponta para o contrário.

      Em relação a penitência, você está parcialmente certo. A confissão e a penitência eram processos públicos, rígidos e acessíveis apenas uma vez para pecados graves. Porém, isso não foi apenas no tempo de Tertuliano, mas duraria por vários séculos. Ainda no século IX, os teólogos estariam a discutir a possibilidade de mais de um perdão após o batismo.

      Agora, isso é extremamente problemático para a apologética católica. Tertuliano e outros pais da Igreja deturparam a tradição apostólica? Como uma igreja que supostamente tem um magistério infalível ao seu favor pode estar errado durantes séculos? Você não percebe como isso mina a narrativa católica romana sobre a história da igreja. Você chamou essa substancial mudança de "desenvolvimento", mas isso é apenas um eufemismo para dizer que a igreja esteve errada durante séculos e só foi corrigida em seu ensino séculos depois.

      Dizer que alguém pode recorrer a penitência apenas uma vez na vida e depois dizer que ele pode recorrer ao mesmo sacramento diversas vezes na vida não é um desenvolvimento. Pelo contrário, é uma substancial mudança de ensino. Ambas ideias são contradição patente. Quantos pessoas ao longo da historia não tiveram o perdão de Deus negado por um doutrina flagrantemente errada. O problema de Tertuliano nesse ponto não foi que ele entendeu errado a doutrina da penitência, foi que ele aderiu a uma tradição (neste caso a própria penitência) sem lastro no ensinamento dos apóstolos.

      Além disso é obvio que Tertuliano era contrário ao batismo infantil. Você traz o motivo pelo qual ele era contrário, o que não invalida o fato da sua oposição. Além disso, por trás do motivo que você trouxe, há a ideia de que o cristão deve estar consciente da sua fé antes de descer as águas do batismo, o que contradiz o batismo de de recém-nascidos.

      O ponto do meu artigo foi demonstrar que a história não oferece evidências de que o batismo infantil foi um doutrina apostólica. O que vemos é um período em que não há qualquer evidência favorável (séc. II), seguido por um período em que havia ampla liberdade sobre a questão (séc. III-IV, e depois (séc. V) a normatização da prática. Porque deveríamos acreditar que isso foi um desenvolvimento legítimo? Você admitiu que os pais da igreja estavam errados sobre a questão da penitência. Porque os pais da igreja mais adiantados não poderiam estar errados sobre o batismo de recém-nascidos também? Mesmo no séc. IV vemos Cirilo contradizendo a doutrina do batismo mais tarde aceita. E discordo de você quanto a Basílio. O que ele escreveu sobre o batismo sugere o contrário.

      Eu não entendo que o batismo limpa alguém do pecado original. Não acredito em regeneração batismal. Acredito que o batismo é sinal externo da regeneração que já ocorrera no converso. As águas do batismo não possuem qualquer propriedade mágica. A maior parte das Igrejas Protestantes rejeitam a regeneração batismal. A exceção fica por conta da Igreja Luterana e Anglicana.

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  2. O que vc acha desse artigo?

    http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/idade-media/inquisicao/853-a-inquisicao-protestante-pelo-historiador-protestante-philip-schaff

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    1. Schaff não afirma que houve uma inquisição protestante. Nem poderia haver, afinal não havia um tribunal religioso protestante agindo sob a égide de uma lei protestante condenando a heresia. O que de fato aconteceu é que os países protestantes não experimentaram logo após a reforma ampla liberdade de religião, como temos no mundo moderno.

      No entanto é amplamente reconhecido mesmo por historiadores católicos (Ex. Paul Jonhson) que os países protestantes eram mais livres do que os católicos. Os reformadores não se livraram da equivocada visão de mundo romanista da noite para o dia. Isso levou tempo. Mas, é inegável que o protestantismo plantou a semente da liberdade religiosa. Não por acaso, foi nos países protestantes que ela floresceu primeiro. Você vai encontrar essa visão sendo sustentada pelo historiador Geofrey Blanei.

      Já do lado católico romano, até o início do século passado, a posição oficial da igreja romana era condenar a liberdade religiosa e de consciência. Basta comparar a postura da apologética católica que faz todos os malabarismo para defender a instituição herética que foi a inquisição e apologética protestante que não tem nenhum problema em condenar os episódios de perseguição religiosa que ocorreram em países como de influência reformada.

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  3. Bruno nesse video de 5 minutos o Felipe aquino usa pais da igreja como tertuliano para provar orações aos mortos e purgatorio.. vc poderia comentar sobre essas passagens que ele cita desses pais:

    https://www.facebook.com/escoladafe/videos/1547953688626883/

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    1. Quem não percebe o purgatório nos escritos de Tertuliano é porque não conhece essa doutrina. Tertuliano fala claramente a respeito. O próprio Lutero acreditava nesta doutrina e inclusive falou sobre ela em suas 95 teses. O purgatório é obra da misericórdia divina, e os protestantes não compreendem por pura implicância com o Catolicismo, não fazem um esforço sincero pra entender algo tão óbvio e necessário ao homem. Afinal quem entrará direto no céu a não ser pelo martírio? Ninguém entra direto no céu sem antes pagar as penas dos pecados, seja aqui nesta vida com nossos sofrimentos ou no purgatório. Basta estudar sobre as consequências do pecado na alma, que são a "pena" e a "culpa", e sobre pecados leves e graves, que será impossível NÃO entender o purgatório.

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    2. "Quem não percebe o purgatório nos escritos de Tertuliano é porque não conhece essa doutrina. Tertuliano fala claramente a respeito."

      Seu contato com os escritos de Tertuliano provavelmente depende de artigos apologéticos católicos. Tertuliano falou bastante sobre a vida pós-morte, em que ele deixa claro que as almas dos salvos vão para o Seio de Abraão. Neste lugar não há pagamento de penas, tampouco sofrimento pelo fogo. É um lugar onde as almas já desfrutam da felicidade e alegria que terão no paraíso. Segue o comentário de Le Goff:

      Em relação à pré-história do Purgatório, a inovação de Tertuliano, se é que foi uma inovação, foi o justo ter que passar um período de tempo no refrigerium interim antes de ir habitar no eterno refrigerium. Mas não há nada realmente novo acerca do lugar de refrigério, que ainda é o seio de Abraão. Entre o refrigerium interim de Tertuliano e o purgatório existe uma diferença não só de gênero - para Tertuliano é uma questão de uma espera tranquila até o juízo final, enquanto com o Purgatório é uma questão de um sofrimento que purifica porque é punitivo e expiatório - mas também de duração: as almas permanecem no refrigerium até a ressurreição, mas no Purgatório apenas o tempo que for preciso para expiar os seus pecados. (Le Goff, op. cit., pp. 21)

      Eu analiso todas as citações de Tertuliano aqui:

      http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-parte-2.html

      "O próprio Lutero acreditava nesta doutrina e inclusive falou sobre ela em suas 95 teses."

      Seria estranho se ele não acreditasse, pois era um católico romano nesse período. Todavia, como seria de esperar, ele abandonou essa inovação herética tempos depois.

      "O purgatório é obra da misericórdia divina, e os protestantes não compreendem por pura implicância com o Catolicismo, não fazem um esforço sincero pra entender algo tão óbvio e necessário ao homem."

      De todos os ramos do cristianismo, o romanismo é o único que ensina tal doutrina. Todos os outros ramos também não creem por implicância? Ademais, como fazer com que os crentes passem por um castigo doloroso que pode durar séculos é expressão de misericórdia? Se formos pegar as imagens do purgatório que a Igreja Romana cultivou ao longo da história, parece haver pouca diferença do inferno. Não há misericórdia alguma ai.

      "Afinal quem entrará direto no céu a não ser pelo martírio?"

      E quem disse que o martírio é necessário? Pelos seus critérios, o apóstolo João não entrou no céu então?

      "Ninguém entra direto no céu sem antes pagar as penas dos pecados, seja aqui nesta vida com nossos sofrimentos ou no purgatório."

      Aqui está o ensinamento herético por trás do purgatório. Porque você acha que Cristo morreu na cruz? É pelo sacrifício dele e não o nosso que somos salvos. O purgatório implica que o sacrifício de Cristo foi insuficiente. Agora, você pode nos trazer o ensinamento de algum apóstolo que confirma o que você diz.

      "Basta estudar sobre as consequências do pecado na alma, que são a "pena" e a "culpa", e sobre pecados leves e graves, que será impossível NÃO entender o purgatório."

      A "apologética" católica é interessante. Basta estudar a teologia católica sobre o pecado e então você verá o purgatório. É sempre o mesmo argumento. X é verdade porque minha igreja diz que é verdade. A teologia católica está errada e contradiz a Escritura, por isso, rejeitamos tal doutrina. Você poderia nos trazer qualquer versículo bíblico que diga que o indivíduo que cometeu pecados levais terá que pagar por eles na vida pós-morte?

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  4. O professor Aquino demonstra conhecimento bem parco sobre história da Igreja. O fato de ele usar Tertuliano, quando os seus escritos sobre o pós-morte são claros sobre o assunto, demonstra isso. Eu escrevi uma série sobre o assunto que teve como mote o excelente livro "O Nascimento do Purgatório" de Jacques Le Goff:

    http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-inacio.html
    http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-parte-2.html
    http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-parte-3.html

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  5. Bruno é certo dizermos que Maria é Mãe de Deus e Mãe da Igreja?

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    1. É possível sim usar o título Mãe de Deus num sentido ortodoxo com o objetivo de enfatizar que Maria carregar em seu ventre uma pessoa da trindade. Esse era o objetivo do Concílio de Éfeso. No entanto, eu considero o uso do termo não recomendável por criar mais ideias erradas do que certas na cabeça do cristão médio. O termo mãe de Cristo é mais adequado por resguarda a ortodoxia trinitária e cria menos impressões erradas.

      Agora, mãe da igreja me parece um termo inadequado. Maria foi membro destacado da igreja nascente, mas a igreja deve sua origem somente a Cristo.

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  6. Olá. Eu passei a frequentar o blog recentemente.
    Vi que ele diz ser reformado, mas as Igrejas de cunho reformado, desde Calvino até hoje, batizam crianças. Isso me leva a crer que você deva ser um batista reformado. Acha que é equivocado o pedobatismo reformado assim como o romanista é? Diferente da ligação direta com o pecado original, os reformados crêem que o pedobatismo é a inclusão do filho do crente no povo de Deus.
    E se for um equívoco, ele é nocivo a ponto de ser herético ou um erro que não interfere na fé?
    São somente perguntas mesmo, fiquei curiosa quanto ao seu posicionamento sobre.

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    1. Bem-vinda ao blog, espero que lhe seja útil.

      Eu sou batista reformado e acredito que o pedobatismo foi um dos equívocos dos reformadores, o que vejo com naturalidade, uma vez que se tratava de homens que há pouco tempo saíram dos braços de Roma.

      O batismo infantil em si não é uma heresia, mas a teologia que o sustenta pode ser. Nesse sentido, acredito que a prática igrejas reformadas não ofende ao evangelho, já a da igreja romana sim.

      Por detrás de sua teologia sobre o batismo, está um sistema sacramental, do qual o próprio batismo é parte, que mina a mensagem evangélica da salvação somente pela graça.

      Dessa forma, apesar de minha discordância, não acredito que a Igreja presbiteriana por exemplo esteja a ensinar uma heresia.

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