Neste artigo, vamos abordar a questão dos sacramentos da
Igreja de Roma. O Concílio de Trento afirmou:
“Se alguém disser que os
sacramentos da Nova Lei não foram todos instituídos por nosso Senhor Jesus Cristo, ou
que são mais ou menos que sete — a saber: batismo, confirmação,
Eucaristia, penitência, unção dos enfermos, ordem e matrimônio —, ou ainda que
algum desses sete não é verdadeiramente e propriamente um sacramento, seja anátema.”
(Concílio de Trento, Sessão VII, cân. 1; Denzinger-Hünermann 1601).
Ou seja, todos os sete
sacramentos citados foram instituídos por Cristo e o número fixado é sete, não
podendo ser mais ou menos. Quem nega qualquer uma destas verdades esta sob
anátema. Embora teólogos modernos tentem suavizar, estar sob anátema é estar
condenado ao inferno na teologia do Concílio de Trento. Se alguém nega por
exemplo que a penitência é um sacramento ou alega que não foi instituída por
Cristo, estará condenado ao inferno. Como de costume, vamos trazer a obra de um
reconhecimento acadêmico católico. O autor da vez será o especialista em
sacramentologia Joseph Martos. Ele publicou um livro em que descontrói a
teologia sacramental católica (veja AQUI https://www.amazon.com.br/Deconstructing-Sacramental-Theology-Reconstructing-Catholic/dp/1498221793),
a qual será objeto de artigos mais detalhados no futuro. O mesmo autor também publicou um artigo que
fornece um resumo dos argumentos livros. As citações abaixo serão todas deste
artigo, que pode ser visto AQUI https://www.academia.edu/36713440/A_Summary_of_My_Book).
Nós protestantes concordamos
que o batismo e a Eucaristia (ou Santa Ceia) são verdadeiros sacramentos, pois
foram de fato instituídos por Cristo e são sinais visíveis da nova aliança,
vindo a substituir a circuncisão (rito de iniciação) e a ceia pascoal. Contudo,
defendemos que os cinco sacramentos adicionais da Igreja Romana são adições
feitas por homens e neste artigo vamos demonstrar que tanto a evidência bíblica
quanto histórica suporta tal afirmação.
Os
sete sacramentos não foram instituídos por Jesus
Martos afirma:
“Os católicos geralmente têm uma compreensão
ingênua sobre as origens de seus sacramentos. Quer estejam mal informados e acreditem que os
sacramentos remontam à Igreja primitiva ou ao próprio Jesus, quer estejam conscientes
de que os rituais de sua Igreja evoluíram ao longo dos séculos, eles
têm a sensação de que há algo basicamente correto em haver sete sacramentos”.
E também:
“Não há textos do Novo Testamento que possam ser usados para
sustentar a teologia sacramental escolástica”.
Sobre o
Batismo
“Organizar esses textos em ordem cronológica
mostra uma evolução clara da linguagem teológica, desde o uso metafórico das palavras nos
primeiros textos até uma interpretação metafísica dessas palavras em textos posteriores.
Por exemplo, o “selo
do Espírito” de que Paulo escreveu era, muito provavelmente, a manifestação
exterior de uma conversão espiritual; mas, séculos mais tarde,
quando tornar-se cristão já não implicava uma mudança dramática de estilo de
vida, ele foi
interpretado como uma realidade metafísica impressa na alma pelo rito do
batismo”.
Martos se refere as passagens paulinas que
mencionam o “selo do Espírito” (Efésios 1:13-14 e Efésios 4:30, além de 2
Coríntios 1:22). De fato, em nenhuma destas há qualquer conexão com o batismo.
Ele prossegue:
“O substantivo baptisma não aparece nos
escritos do Novo Testamento, exceto em referência ao ministério de João
Batista, até o final do primeiro século. Em contraste, o verbo baptizein é
usado com bastante frequência. Isso sugere que os primeiros seguidores de Jesus viam o que
estavam fazendo como uma imersão simbólica, não como a realização de um ritual
que tivesse um nome próprio. A compreensão que Paulo tinha do
significado dessa imersão simbólica vinha de sua própria experiência e da
experiência de outros. A “garantia” ou “penhor do Espírito” é, com toda a
probabilidade, uma referência à experiência de dons carismáticos,
com a expectativa de que ainda haveria mais. As imagens de um corpo, de imersão
ou mergulho, e de morrer e ressuscitar podem todas ser interpretadas como referências a mudanças na
pertença ao grupo, nas atitudes e nos comportamentos que foram vivenciados por
Paulo e outros primeiros membros do movimento de Jesus”.
Ele trata da evidência patrística em Justino
Mártir:
“Justino Mártir descreve o processo de “ser
renovado por meio de Cristo”, que envolve uma lavagem que não é chamada de
batismo. O
processo pode ser entendido como regeneração moral: abandonar os
pecados do passado e aprender o modo correto de viver. A lavagem simboliza isso, mas não o causa”.
Gary Wills (Priests: a failed tradition)
também confirma a opinião de Martos:
“Como não há sacerdotes no Novo Testamento, os leigos foram os
primeiros batizadores — um papel que lhes foi concedido de forma
relutante em tempos posteriores. Nos primeiros séculos, o batismo era dado a adultos apenas
após longo catecumenato nas verdades do cristianismo, com múltiplos
exames corporais, purificações e exorcismos”. (Wills, p. 280)
Sobre a
Eucaristia
Martos comenta o texto de 1 Coríntios 11:
“A
ceia do Senhor descrita em 1 Coríntios é melhor entendida como uma refeição
comunitária para a qual muitas pessoas levavam comida. Não há indício de que as chamadas “palavras
da instituição” tenham sido pronunciadas durante a refeição; ao contrário,
essas palavras de Jesus são dadas como a razão para a refeição. O corpo do Senhor
ao qual o texto se refere é mais provavelmente a comunidade local do que o que
mais tarde foi chamado de pão consagrado”.
Era a chamada refeição ágape. “Não discernir o
corpo” (1 Coríntios 11:27-29) era não
respeitar a unidade do corpo eclesial de Cristo, uma vez que os que chegavam
primeiro comiam toda a comida não deixando nada para os irmãos que chegavam depois.
O pecado dos crentes de Corinto não era uma correta compreensão metafísica dos
elementos eucarístico (algo não discutido no texto) mas não ser caridoso com os
demais irmãos da Igreja. Nosso autor também comenta as passagens dos
Evangelhos, inclusive de João 6, que são usadas em favor da transubstanciação
católica:
“As palavras de Jesus sobre o pão e o vinho,
conforme relatadas nos evangelhos sinóticos, não podem ser usadas como textos-prova para
crenças eucarísticas cristãs posteriores, porque a cópula “é” não teria sido usada em
aramaico. Da mesma forma, o discurso do pão da vida no quarto evangelho pode ser
interpretado simbolicamente, como os protestantes têm feito desde a Reforma.
Em outras palavras, não há razão para tomar essas passagens literalmente, exceto
pelo interesse de sustentar doutrinas católicas posteriores”.
Confissão
e Penitência
“No ensino de Jesus, perdoar os pecados dos outros é algo que deve
ser feito por todos os seus seguidores, não apenas por ministros designados”.
Mattos traz o seguinte panorama durante o
período pré-niceno:
“Durante essa era, um processo
de arrependimento público permitia que apóstatas arrependidos e outros
pecadores retornassem à plena participação na Igreja sob a supervisão do bispo
local. Era
compreendido universalmente que o penitente era perdoado por Deus, não pelo
bispo”.
Já temos um artigo completo
sobre confissão e penitência (AQUI), mas, no século III, tratava-se de um processo público (não havia confissão
auricular), possível apenas uma vez na vida
e somente para pecados públicos e graves. Não havia absolvição sacerdotal e a recepção novamente na comunhão
da Igreja era operada por toda a Igreja. Já no século IV, Martos afirma:
“Ao discutir o processo de penitência pública,
alguns escritores desse período começam a falar como se bispos e presbíteros
tivessem o poder de perdoar, embora outros continuem a falar do perdão como vindo de Deus
quando um pecador é verdadeiramente arrependido”.
Extrema
unção ou unção dos enfermos
“A referência à unção feita por presbíteros na
Epístola de Tiago não pode ser usada para justificar um ritual eclesiástico que
apenas padres têm permissão de realizar”.
Martos também aponta que os leigos praticam a
unção dos enfermos no séc. III:
“A unção dos enfermos era uma prática leiga, não
clerical”.
Já no séc. IV:
“O óleo usado para a unção dos
enfermos começa a ser visto como um sacramentum, mas ainda não existe um rito clerical de unção”.
Ordenação
“Não há referência no Novo Testamento a uma imposição de
mãos que possa, de forma plausível, ser interpretada como um ritual de
ordenação”.
Martos também afirma que no período
pré-niceno:
“Até o século III, não há evidência direta de ordenação no sentido
de ser introduzido em uma ordem clerical. No máximo, há evidência de
que aprovação e bênção eram simbolizadas por uma imposição de mãos”.
Ainda não havia o sacramento da ordem. Já no séc. IV:
“O ministério eclesiástico passa a ser
organizado em ordens sagradas, principalmente o episcopado, o presbiterato e o
diaconato. A
iniciação nessas ordens é realizada através de um rito de ordenação que
introduz uma pessoa em um ofício local, mas não confere um poder que possa ser
exercido em outros lugares”.
A estrutura
hierárquica
“Os supervisores, anciãos e servidores
mencionados no Novo Testamento não eram os mesmos que os bispos, presbíteros e diáconos que
mais tarde surgiram na estrutura organizacional da Igreja”.
Matrimônio:
“A relação de cuidado mútuo e doação entre
marido e esposa é simbólica da relação Cristo–Igreja. Contudo, o mistério referido
em Efésios 5 se encontra na relação entre Cristo e sua Igreja”.
E também:
“Até o século III, o matrimônio era um assunto familiar, arranjado
por pais para seus filhos ou contratado por casais adultos por conta própria.
Não havia cerimônia cristã de casamento”
O
desenvolvimento do século V até a alta idade média
Martos traz o desenvolvimento histórico dos
sacramentos que ocorreria a partir do séc. V culminando com a teologia
escolástica dos sacramentos que só amadureceria na alta idade média:
“A
idade para o batismo diminui até que ele passa a ser praticado principalmente
em crianças. Quando a
teoria do pecado original de Agostinho se torna amplamente aceita, o momento
para o batismo muda de uma vez por ano para logo após o nascimento. O rito
usado para o batismo infantil passa a ser utilizado até mesmo para adultos,
quando tribos inteiras se convertem ao cristianismo. A compreensão cultural do batismo torna-se
essencialmente mágica, ou seja, entende-se que o ritual lava o pecado original
e todos os outros pecados passados, desde que seja realizado corretamente”.
Ele fala especificamente da confirmação como um rito separado do
batismo:
“A bênção pós-batismal do bispo torna-se um
rito separado de confirmação, mas é amplamente ignorada por pais e bispos.
Reformadores francos fabricam as chamadas falsas decretais, em parte para
provar que os primeiros papas incentivavam o uso do sacramento, dizendo que ele
proporciona fortalecimento pelo Espírito Santo”.
Também
fala sobre a confissão:
“A
confissão privada evolui da prática de direção espiritual dos monges e torna-se
um ritual generalizado. O
entendimento é que Deus perdoa os pecados dos que se arrependem, mas os
confessores também absolvem os penitentes de terem que realizar obras de
penitência se ficarem doentes e morrerem antes de concluí-las”.
Os francos
criam um rito específico para a unção dos enfermos:
“Os mesmos bispos francos que tentaram
incentivar a confirmação também criam um rito clerical de unção dos enfermos.
Com o tempo, ele
se torna uma unção dos moribundos e passa a ser conhecido como extrema-unção”.
Sobre o
matrimônio:
“O clero lentamente começa a se envolver nos
matrimônios, primeiro atuando como testemunhas públicas, depois oferecendo uma
bênção, mas não
existe ainda um ritual de casamento eclesiástico. Os bispos tornam-se
cada vez mais envolvidos na adjudicação de casos matrimoniais”.
Sumário do
estado da Evidência em Martos
“Os
católicos mais velhos foram ensinados de que os sacramentos são “sinais
exteriores instituídos por Cristo para dar a graça”. O novo Catecismo usa essencialmente a mesma
linguagem. Tal
linguagem é enganosa. Transmite a ideia de que o próprio Jesus disse a seus
seguidores para realizarem sete rituais religiosos. Os estudiosos do
Novo Testamento, no entanto, dizem que apenas o batismo e a eucaristia podem
ser remontados a Jesus. Os historiadores, por sua vez, nos dizem que a
reconciliação eclesiástica provavelmente começou no século II, que os primeiros
ritos de ordenação registrados são do século III, que a confirmação
foi separada do batismo no século IV, que a unção dos enfermos foi pela
primeira vez reservada a padres no século IX, e que os casamentos na igreja se
tornaram comuns apenas no século XII”.
Gary Wills
também traz um importante sumário histórico
“No século XII, Pedro Lombardo peneirou
diversas tradições, pronunciamentos e práticas, e os compilou em suas
Sentenças, que
se tornaram a fonte de todos os tratamentos posteriores dos sete sacramentos.²
Como cada
sacramento precisava ser validado como vindo diretamente de Deus, e a base
escriturística para essa alegação é muito frágil para a maioria deles, por
muito tempo não houve certeza sobre o que deveria ser incluído na lista.
Pois, por exemplo, não havia sacerdotes na igreja primitiva; logo, a ordem, que
faz de um homem um sacerdote, não poderia existir então. Sustenta-se
que Jesus instituiu o sacerdócio, mas a igreja teria levado tempo para entender o que Pedro e
Paulo jamais entenderam. Além disso, quando se pensava que os
Últimos Dias eram iminentes, não havia previsão de perdão após a grande ablução
canceladora de pecados do batismo. O matrimônio, como Jesus o
confirmou em Caná, era uma instituição judaica, não algo que ele tenha
transformado em um serviço cristão quando ajudou o casal de Caná a
festejar seus convidados. Jesus não ungiu ninguém com óleo, como se requer em
quatro sacramentos. Por outro lado, ele expulsou demônios, embora o
exorcismo não seja um dos sacramentos, apenas um “sacramental” (ST 3.67 a3
ad2)”. (Wills, p. 275)
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