sábado, 11 de outubro de 2025

Os sete sacramentos da Igreja de Roma foram instituídos por Cristo?


Neste artigo, vamos abordar a questão dos sacramentos da Igreja de Roma. O Concílio de Trento afirmou:

“Se alguém disser que os sacramentos da Nova Lei não foram todos instituídos por nosso Senhor Jesus Cristo, ou que são mais ou menos que sete — a saber: batismo, confirmação, Eucaristia, penitência, unção dos enfermos, ordem e matrimônio —, ou ainda que algum desses sete não é verdadeiramente e propriamente um sacramento, seja anátema.” (Concílio de Trento, Sessão VII, cân. 1; Denzinger-Hünermann 1601).

Ou seja, todos os sete sacramentos citados foram instituídos por Cristo e o número fixado é sete, não podendo ser mais ou menos. Quem nega qualquer uma destas verdades esta sob anátema. Embora teólogos modernos tentem suavizar, estar sob anátema é estar condenado ao inferno na teologia do Concílio de Trento. Se alguém nega por exemplo que a penitência é um sacramento ou alega que não foi instituída por Cristo, estará condenado ao inferno. Como de costume, vamos trazer a obra de um reconhecimento acadêmico católico. O autor da vez será o especialista em sacramentologia Joseph Martos. Ele publicou um livro em que descontrói a teologia sacramental católica (veja AQUI https://www.amazon.com.br/Deconstructing-Sacramental-Theology-Reconstructing-Catholic/dp/1498221793), a qual será objeto de artigos mais detalhados no futuro.  O mesmo autor também publicou um artigo que fornece um resumo dos argumentos livros. As citações abaixo serão todas deste artigo, que pode ser visto AQUI https://www.academia.edu/36713440/A_Summary_of_My_Book).

Nós protestantes concordamos que o batismo e a Eucaristia (ou Santa Ceia) são verdadeiros sacramentos, pois foram de fato instituídos por Cristo e são sinais visíveis da nova aliança, vindo a substituir a circuncisão (rito de iniciação) e a ceia pascoal. Contudo, defendemos que os cinco sacramentos adicionais da Igreja Romana são adições feitas por homens e neste artigo vamos demonstrar que tanto a evidência bíblica quanto histórica suporta tal afirmação.

Os sete sacramentos não foram instituídos por Jesus

Martos afirma:

“Os católicos geralmente têm uma compreensão ingênua sobre as origens de seus sacramentos. Quer estejam mal informados e acreditem que os sacramentos remontam à Igreja primitiva ou ao próprio Jesus, quer estejam conscientes de que os rituais de sua Igreja evoluíram ao longo dos séculos, eles têm a sensação de que há algo basicamente correto em haver sete sacramentos”.

E também:

Não há textos do Novo Testamento que possam ser usados para sustentar a teologia sacramental escolástica”.

Sobre o Batismo

“Organizar esses textos em ordem cronológica mostra uma evolução clara da linguagem teológica, desde o uso metafórico das palavras nos primeiros textos até uma interpretação metafísica dessas palavras em textos posteriores. Por exemplo, o “selo do Espírito” de que Paulo escreveu era, muito provavelmente, a manifestação exterior de uma conversão espiritual; mas, séculos mais tarde, quando tornar-se cristão já não implicava uma mudança dramática de estilo de vida, ele foi interpretado como uma realidade metafísica impressa na alma pelo rito do batismo”.

Martos se refere as passagens paulinas que mencionam o “selo do Espírito” (Efésios 1:13-14 e Efésios 4:30, além de 2 Coríntios 1:22). De fato, em nenhuma destas há qualquer conexão com o batismo. Ele prossegue:

“O substantivo baptisma não aparece nos escritos do Novo Testamento, exceto em referência ao ministério de João Batista, até o final do primeiro século. Em contraste, o verbo baptizein é usado com bastante frequência. Isso sugere que os primeiros seguidores de Jesus viam o que estavam fazendo como uma imersão simbólica, não como a realização de um ritual que tivesse um nome próprio. A compreensão que Paulo tinha do significado dessa imersão simbólica vinha de sua própria experiência e da experiência de outros. A “garantia” ou “penhor do Espírito” é, com toda a probabilidade, uma referência à experiência de dons carismáticos, com a expectativa de que ainda haveria mais. As imagens de um corpo, de imersão ou mergulho, e de morrer e ressuscitar podem todas ser interpretadas como referências a mudanças na pertença ao grupo, nas atitudes e nos comportamentos que foram vivenciados por Paulo e outros primeiros membros do movimento de Jesus”.

Ele trata da evidência patrística em Justino Mártir:

“Justino Mártir descreve o processo de “ser renovado por meio de Cristo”, que envolve uma lavagem que não é chamada de batismo. O processo pode ser entendido como regeneração moral: abandonar os pecados do passado e aprender o modo correto de viver. A lavagem simboliza isso, mas não o causa”.

Gary Wills (Priests: a failed tradition) também confirma a opinião de Martos:

“Como não há sacerdotes no Novo Testamento, os leigos foram os primeiros batizadores — um papel que lhes foi concedido de forma relutante em tempos posteriores. Nos primeiros séculos, o batismo era dado a adultos apenas após longo catecumenato nas verdades do cristianismo, com múltiplos exames corporais, purificações e exorcismos”. (Wills, p. 280)

Sobre a Eucaristia

Martos comenta o texto de 1 Coríntios 11:

“A ceia do Senhor descrita em 1 Coríntios é melhor entendida como uma refeição comunitária para a qual muitas pessoas levavam comida. Não há indício de que as chamadas “palavras da instituição” tenham sido pronunciadas durante a refeição; ao contrário, essas palavras de Jesus são dadas como a razão para a refeição. O corpo do Senhor ao qual o texto se refere é mais provavelmente a comunidade local do que o que mais tarde foi chamado de pão consagrado”.

Era a chamada refeição ágape. “Não discernir o corpo” (1 Coríntios 11:27-29)  era não respeitar a unidade do corpo eclesial de Cristo, uma vez que os que chegavam primeiro comiam toda a comida não deixando nada para os irmãos que chegavam depois. O pecado dos crentes de Corinto não era uma correta compreensão metafísica dos elementos eucarístico (algo não discutido no texto) mas não ser caridoso com os demais irmãos da Igreja. Nosso autor também comenta as passagens dos Evangelhos, inclusive de João 6, que são usadas em favor da transubstanciação católica:

“As palavras de Jesus sobre o pão e o vinho, conforme relatadas nos evangelhos sinóticos, não podem ser usadas como textos-prova para crenças eucarísticas cristãs posteriores, porque a cópula “é” não teria sido usada em aramaico. Da mesma forma, o discurso do pão da vida no quarto evangelho pode ser interpretado simbolicamente, como os protestantes têm feito desde a Reforma. Em outras palavras, não há razão para tomar essas passagens literalmente, exceto pelo interesse de sustentar doutrinas católicas posteriores”.

Confissão e Penitência

“No ensino de Jesus, perdoar os pecados dos outros é algo que deve ser feito por todos os seus seguidores, não apenas por ministros designados”.

Mattos traz o seguinte panorama durante o período pré-niceno:

“Durante essa era, um processo de arrependimento público permitia que apóstatas arrependidos e outros pecadores retornassem à plena participação na Igreja sob a supervisão do bispo local. Era compreendido universalmente que o penitente era perdoado por Deus, não pelo bispo”.

Já temos um artigo completo sobre confissão e penitência (AQUI), mas, no século III, tratava-se de um processo público (não havia confissão auricular), possível apenas uma vez na vida e somente para pecados públicos e graves. Não havia absolvição sacerdotal e a recepção novamente na comunhão da Igreja era operada por toda a Igreja. Já no século IV, Martos afirma:

“Ao discutir o processo de penitência pública, alguns escritores desse período começam a falar como se bispos e presbíteros tivessem o poder de perdoar, embora outros continuem a falar do perdão como vindo de Deus quando um pecador é verdadeiramente arrependido”.

 

 

Extrema unção ou unção dos enfermos

“A referência à unção feita por presbíteros na Epístola de Tiago não pode ser usada para justificar um ritual eclesiástico que apenas padres têm permissão de realizar”.

Martos também aponta que os leigos praticam a unção dos enfermos no séc. III:

“A unção dos enfermos era uma prática leiga, não clerical”.

Já no séc. IV:

“O óleo usado para a unção dos enfermos começa a ser visto como um sacramentum, mas ainda não existe um rito clerical de unção”.

Ordenação

“Não há referência no Novo Testamento a uma imposição de mãos que possa, de forma plausível, ser interpretada como um ritual de ordenação”.

Martos também afirma que no período pré-niceno:

“Até o século III, não há evidência direta de ordenação no sentido de ser introduzido em uma ordem clerical. No máximo, há evidência de que aprovação e bênção eram simbolizadas por uma imposição de mãos”.

Ainda não havia o sacramento da ordem. Já no séc. IV:

“O ministério eclesiástico passa a ser organizado em ordens sagradas, principalmente o episcopado, o presbiterato e o diaconato. A iniciação nessas ordens é realizada através de um rito de ordenação que introduz uma pessoa em um ofício local, mas não confere um poder que possa ser exercido em outros lugares”.

A estrutura hierárquica

“Os supervisores, anciãos e servidores mencionados no Novo Testamento não eram os mesmos que os bispos, presbíteros e diáconos que mais tarde surgiram na estrutura organizacional da Igreja”.

Matrimônio:

“A relação de cuidado mútuo e doação entre marido e esposa é simbólica da relação Cristo–Igreja. Contudo, o mistério referido em Efésios 5 se encontra na relação entre Cristo e sua Igreja”.

E também:

“Até o século III, o matrimônio era um assunto familiar, arranjado por pais para seus filhos ou contratado por casais adultos por conta própria. Não havia cerimônia cristã de casamento”

 

 

O desenvolvimento do século V até a alta idade média

Martos traz o desenvolvimento histórico dos sacramentos que ocorreria a partir do séc. V culminando com a teologia escolástica dos sacramentos que só amadureceria na alta idade média:

“A idade para o batismo diminui até que ele passa a ser praticado principalmente em crianças. Quando a teoria do pecado original de Agostinho se torna amplamente aceita, o momento para o batismo muda de uma vez por ano para logo após o nascimento. O rito usado para o batismo infantil passa a ser utilizado até mesmo para adultos, quando tribos inteiras se convertem ao cristianismo. A compreensão cultural do batismo torna-se essencialmente mágica, ou seja, entende-se que o ritual lava o pecado original e todos os outros pecados passados, desde que seja realizado corretamente”.

Ele fala especificamente da confirmação como um rito separado do batismo:

“A bênção pós-batismal do bispo torna-se um rito separado de confirmação, mas é amplamente ignorada por pais e bispos. Reformadores francos fabricam as chamadas falsas decretais, em parte para provar que os primeiros papas incentivavam o uso do sacramento, dizendo que ele proporciona fortalecimento pelo Espírito Santo”.

Também fala sobre a confissão:

“A confissão privada evolui da prática de direção espiritual dos monges e torna-se um ritual generalizado. O entendimento é que Deus perdoa os pecados dos que se arrependem, mas os confessores também absolvem os penitentes de terem que realizar obras de penitência se ficarem doentes e morrerem antes de concluí-las”.

Os francos criam um rito específico para a unção dos enfermos:

“Os mesmos bispos francos que tentaram incentivar a confirmação também criam um rito clerical de unção dos enfermos. Com o tempo, ele se torna uma unção dos moribundos e passa a ser conhecido como extrema-unção”.

Sobre o matrimônio:

“O clero lentamente começa a se envolver nos matrimônios, primeiro atuando como testemunhas públicas, depois oferecendo uma bênção, mas não existe ainda um ritual de casamento eclesiástico. Os bispos tornam-se cada vez mais envolvidos na adjudicação de casos matrimoniais”.

Sumário do estado da Evidência em Martos

“Os católicos mais velhos foram ensinados de que os sacramentos são “sinais exteriores instituídos por Cristo para dar a graça”. O novo Catecismo usa essencialmente a mesma linguagem. Tal linguagem é enganosa. Transmite a ideia de que o próprio Jesus disse a seus seguidores para realizarem sete rituais religiosos. Os estudiosos do Novo Testamento, no entanto, dizem que apenas o batismo e a eucaristia podem ser remontados a Jesus. Os historiadores, por sua vez, nos dizem que a reconciliação eclesiástica provavelmente começou no século II, que os primeiros ritos de ordenação registrados são do século III, que a confirmação foi separada do batismo no século IV, que a unção dos enfermos foi pela primeira vez reservada a padres no século IX, e que os casamentos na igreja se tornaram comuns apenas no século XII”.

Gary Wills também traz um importante sumário histórico

“No século XII, Pedro Lombardo peneirou diversas tradições, pronunciamentos e práticas, e os compilou em suas Sentenças, que se tornaram a fonte de todos os tratamentos posteriores dos sete sacramentosComo cada sacramento precisava ser validado como vindo diretamente de Deus, e a base escriturística para essa alegação é muito frágil para a maioria deles, por muito tempo não houve certeza sobre o que deveria ser incluído na lista. Pois, por exemplo, não havia sacerdotes na igreja primitiva; logo, a ordem, que faz de um homem um sacerdote, não poderia existir então. Sustenta-se que Jesus instituiu o sacerdócio, mas a igreja teria levado tempo para entender o que Pedro e Paulo jamais entenderam. Além disso, quando se pensava que os Últimos Dias eram iminentes, não havia previsão de perdão após a grande ablução canceladora de pecados do batismo. O matrimônio, como Jesus o confirmou em Caná, era uma instituição judaica, não algo que ele tenha transformado em um serviço cristão quando ajudou o casal de Caná a festejar seus convidados. Jesus não ungiu ninguém com óleo, como se requer em quatro sacramentos. Por outro lado, ele expulsou demônios, embora o exorcismo não seja um dos sacramentos, apenas um “sacramental” (ST 3.67 a3 ad2)”. (Wills, p. 275)

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