quinta-feira, 17 de março de 2016

Agostinho e o Catolicismo Romano - Parte 7 (Eucaristia, Batismo, Confissão e Penitência, Purgatório, Sucessão Apostólica e Salvação)


Transubstanciação e sacrifício propiciatório da Missa

Já temos nesse blog um artigo sobre Agostinho e a Eucaristia. Por isso, serei breve nesse ponto e redireciono o leitor ao artigo aqui. Longe de defender uma presença física de Cristo, ele sustentou a posição que mais tarde as igrejas reformadas adotariam – Cristo estaria presente espiritualmente, sendo a eucaristia um meio de graça, mas sem qualquer transformação física dos elementos. Adiciono aqui a opinião de Gary Wills, um estudioso católico romano, especialista em história da Igreja e que também escreveu uma obra sobre Agostinho:

Na verdade, a Eucaristia no seu sentido mais tardio, de repartir o pão e o vinho como o corpo e o sangue de Cristo, nunca é usado no Novo Testamento, nem mesmo na carta aos Hebreus, a única que chama Jesus de sacerdote. Mesmo quando o termo "Eucaristia" surgiu, como acontece nas cartas de Inácio de Antioquia, ainda era, como em Paulo, simplesmente uma celebração de unidade do povo num "único altar". Que esse significado para o "corpo de Cristo" persistiria tão tarde quanto os séculos IV e V, [é visto] na negação de Agostinho da presença real de Jesus nos elementos da ceia.

Veja, isso é recebido, isso é comido, isso é consumido. É o corpo de Cristo consumido, é a Igreja de Cristo consumida, são os membros de Cristo consumidos? Nem pensar! (Sermão 227)

Se você quer saber o que é o corpo de Cristo, ouça o que o apóstolo [Paulo] diz aos crentes: "Você são o corpo de Cristo, e seus membros" [1Co 12.27]. Se, então, vocês são o corpo de Cristo e seus membros, esse é o seu símbolo que se encontra no altar do Senhor - o que você recebe é um símbolo de vocês mesmos. Quando você diz "Amém", você deve ser o corpo de Cristo para fazer com que esse "Amém" tenha efeito. E por que você é o pão? Ouça novamente o apóstolo falando desse próprio símbolo: "Nós somos um só pão, um só corpo, mesmo sendo muitos" [1Co 10.17]. (Sermão 272)

Os crentes reconhecem o corpo de Cristo quando eles tomam cuidado por serem [os crentes] o corpo de Cristo. Eles devem ser o corpo de Cristo se eles querem viver a partir do espírito de Cristo. Nenhuma vida vem para o corpo de Cristo, mas do espírito de Cristo. (In Joannem Tractatus 26.13) (Why Priests?: A Failed Tradition. Ed. Penguin, 2013, p. 16)

Wills dedica todo o capítulo 5 da obra a Agostinho e a transubstanciação. Ele escreve:

Eu mencionei antes que Agostinho não acreditava no que é chamado de "presença real" de Jesus na Eucaristia e citei vários lugares onde ele disse isso. Aqui está sua afirmação mais explícita de que o que é alterado na Missa não é o pão, mas os crentes que o recebem:

Esse pão deixa claro como você deve amar sua união com o outro. Poderia o pão ser feito de apenas um grão, ou seriam muitos grãos de trigo necessários? No entanto, antes de serem juntados como um pão, cada grão era isolado. Eles foram misturados em água, depois de serem triturados juntos. A menos que o trigo seja batido, e depois umedecido com água, dificilmente poderia assumir a nova identidade que chamamos de pão. Da mesma forma, você tinha que ser moído e batido pela provação de jejum e o mistério do exorcismo na preparação para o batismo da água. Dessa forma vocês foram regados, a fim de assumir a nova identidade do pão, depois que a água do batismo umedeceu você na massa. Mas a poção da massa não se transforma em pães até que seja cozido em fogo. E o que o fogo representa para você? É a [pós-batismal] unção com óleo. Óleo que alimenta o fogo, que é o mistério do Espírito Santo. . . O Espírito Santo vem a você, fogo depois da água, e você está cozido no pão que é o corpo de Cristo. É assim que a sua unidade é simbolizada. (Sermão 227)

Essa visão agostiniana da Eucaristia é o verdadeiro significado que não morreu com ele, embora a igreja fez  longos esforços para descartá-lo. Em 1944, o jesuíta francês Henri de Lubac publicou um livro, Corpus Mysticum, que traçou uma linha de teólogos no primeiro milênio cristão que se baseou em Agostinho para fornecer uma teoria da Eucaristia oposta à transubstanciação. (Ibid., p. 55-56)

Wills continua (p. 57) explicando que o Vaticano se opôs ao livro de Lubac e o puniu, juntamente com outros "líderes dos pensadores liberais" como: Jean Daniélou, Yves Congar, Marie-Dominique Chenu, Karl Rahner, Teilhard de Chardin, e John Courtney Murray. No entanto, depois do Vaticano II, esses homens foram restaurados a tal ponto que em 1981, João Paulo II fez de Lubac um cardeal. Da mesma forma, Jean Daniélou e Yves Congar se tornaram cardeais após a reintegração. Em nosso artigo, trouxemos uma citação do Schaffer afirmando que muitos teólogos medievais citaram Agostinho como uma testemunha contra a transubstanciação. Ninguém menos do que o próprio discípulo do bispo de Hipona seria um deles.

Necessidade do batismo para salvação

Agostinho de fato defendia essa ideia como demonstrou o católico. Em conexão a isso, também defendia o batismo o infantil (o que não o coloca necessariamente em desacordo com muitas das igrejas reformadas). Porém, a doutrina de Agostinho a esse respeito era diferente da atual doutrina católica romana. Peter Stravinskas, um padre conservador e apologista católico, escreveu para uma revista católica:

Apesar da tremenda influência de Agostinho, várias de suas opiniões nunca ganharam aceitação na Igreja. Entre elas, podemos destacar as seguintes teorias: que Deus condenaria crianças não batizadas ao inferno, simplesmente por causa da herança do pecado original; que Deus justamente condena adultos que nunca tiveram a oportunidade de serem apresentados ao Evangelho, mais uma vez, devido unicamente ao pecado original contraído por eles; que algumas pessoas sofreriam condenação eterna por nenhuma outra razão do que a falta de interesse de Deus em salvá-las. Ao refletirmos sobre essas posições agostinianas, devemos lembrar do fato de que só porque alguém é um santo ou mesmo um doutor da Igreja não torna todo seu corpo de ensinar aceitável, somente o Magistério da Igreja pode decidir o que é ou não é conforme sua compreensão da verdade de Cristo. (Envoy, Setembro/Outubro de 1998)

Agostinho ensinou que o batismo é necessário para a salvação, mesmo de crianças (Sobre a alma e sua origem, 2:17). Em contraste, o catolicismo encoraja as pessoas a "confiá-las [as crianças não batizadas] à misericórdia de Deus, como ela faz em seus ritos funerários para eles" e "esperar que haja um caminho de salvação para as crianças que morreram sem batismo" (Catecismo da Igreja Católica, 1261). O apologista católico foi um pouco genérico na questão. A Igreja romana atualmente ensina que pessoas podem ser salvas sem o batismo, desde que elas desejassem explicitamente ou implicitamente o batismo – o chamado “batismo de desejo”, algo que Agostinho rejeitaria.

Cumpre mencionar que Agostinho está entre os advogados da regeneração batismal. Porém, essa doutrina foi contrariada por vários pais da igreja, em sua maioria mais antigos do que Agostinho. Tratamos da evidência pré-nicena aqui.

Confissão Auricular

O apologista católico traz o seguinte testemunho de Agostinho a respeito da confissão e penitência:

Quando você for batizado, mantenha uma vida boa nos mandamentos de Deus para que você possa preservar o seu batismo até o fim. Que eu não digo que você vai viver aqui sem pecado, mas eles são pecados veniais que esta vida nunca está sem. O Batismo foi instituído para todos os pecados. Para pecados leves, sem os quais não podemos viver, a oração foi instituída... Mas não cometa esses pecados por conta de que você teria que ser separado do corpo de Cristo. Pereça o pensamento! para aqueles que você vê fazendo penitência cometeram crimes, seja adultério ou algumas outras enormidades. é por isso que eles estão fazendo penitência. Se seus pecados eram leves, a oração diária bastaria para apagá-los... Na Igreja, portanto, existem três maneiras em que os pecados são perdoados: nos batismos, na oração, e na maior humildade de penitência. (Sermão aos Catecúmenos sobre o Credo 7:15; 8:16)

Tratamos do desenvolvimento histórico da confissão e penitência aqui. O problema ignorado pelo católico é que Agostinho não ensinou a doutrina da confissão auricular defendida pela igreja romana. Pelo contrário, a contrariou explicitamente. Para ele, a confissão e a penitência era um processo de natureza pública e não privada (por isso não poderia ser considerada confissão auricular), e seria aplicável apenas aos pecados considerados grave e acessível apenas uma vez na vida. A igreja romana aplica a confissão e penitência mesmo para os pecados leves ou veniais e permite que pessoas sejam perdoadas através desse sacramento várias vezes ao longo da vida, mesmo em casos de pecados graves. Vejamos a citação acima em contexto:

Quando foste batizado, mantenha uma vida correta nos mandamentos de Deus para que você possa preservar o seu batismo até o fim. Eu não digo que você irá viver aqui sem pecado, mas eles são pecados veniais, que nesta vida nunca se está sem. O Batismo foi instituído para todos os pecados. Para pecados leves, sem os quais não podemos viver, a oração foi instituída. Que direito tem a oração? "Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores." Uma única vez todos fomos lavados no batismo, mas todos os dias temos de nos limpar por meio da oração. Somente não cometa estas coisas para as quais é necessário ser separado do corpo de Cristo: que estejam longe de você! Àqueles a quem tendes visto fazendo penitência, foi porque cometeram atos abomináveis, como adultério ou alguns crimes graves: por isso, eles fazem penitência. Porque, se os seus pecados fossem leves, apagar estas manchas pela oração diária seria suficiente. Os pecados são perdoados de três formas na Igreja: pelo batismo, pela oração e pela maior submissão da penitência. (Sobre o Credo 15, 16).

Mas aqueles que pensam que todos os outros pecados são facilmente expiados por esmolas, já não tem dúvida de que estes três são mortais, e tal como, se exige que sejam punidos por excomunhões, até que eles tenham sido curados pela grande submissão da penitência. São estes pecados: a falta de castidade, a idolatria e o assassinato. (Sobre Fé e Obras 34)

O vício, entretanto, por vezes, faz tais usurpações entre os homens que, mesmo depois de terem feito penitência e serem readmitidos ao sacramento do altar, eles cometem os mesmos ou mais graves pecados, mas Deus faz nascer seu sol mesmo sobre tais homens e dá seus dons de vida e saúde como ricamente como Ele fazia antes de suas falhas. E, embora a mesma oportunidade de penitência não lhes é novamente concedida na Igreja, Deus não se esquece de exercer sua paciência para com eles. (The Fathers of the Church (Washington D.C.: Catholic University, 1953), Saint Augustine, Letters, Volume III, Letter 153, p. 284-285)

Vejam quão longe Agostinho está do catolicismo romano. Os pecados considerados graves eram “a falta de castidade, a idolatria e o assassinato”. Faltar por preguiça à missa aos domingos não estava entre eles – o que é considerado pela igreja romana pecado mortal. O recurso da penitência estava disponível apenas uma vez, enquanto um católico romano pode recorrer tantas vezes quanto quiser ao longo da vida. Além disso, ele defende que mesmo não podendo recorrer à penitência, o perdão de Deus ainda é possível. Já a igreja romana ensina a condenação ao inferno para aqueles que cometeram pecado mortal e não fez uso do sacramento.

O erudito patrístico J.N.D. Kelly, a quem o católico muito citou de forma distorcida, observa que “Agostinho também estava entre aqueles que acreditavam que poderia haver apenas uma penitência na vida para alguns pecados” (Kelly, Op. Cit, p. 438). Kelly nos dá uma visão de como era o processo:

Com o alvorecer do terceiro século, as linhas gerais de uma disciplina penitencial reconhecida estavam começando a tomar forma. Apesar dos argumentos engenhosos de certos estudiosos, ainda não há sinais de um sacramento da penitência privada (ou seja, a confissão a um padre, seguido pela absolvição e a imposição de uma penitência), tais como a cristandade católica conhece hoje. O sistema que parece ter existido na Igreja, neste momento, e durante séculos posteriores, era inteiramente público, envolvendo confissão, um período de penitência e exclusão da comunhão, a absolvição formal e a restauração - todo esse processo era chamado de exomologesis ... De fato, para os pecados menores, que mesmo os bons cristãos cometem diariamente e dificilmente podem evitar, nenhuma censura eclesiástica parece ter sido considerada necessária; esperava-se que os indivíduos lidassem com eles pela oração, atos de bondade e perdão mútuo. Penitência pública era para pecados graves; era, tanto quanto sabemos universal, sendo um caso extremamente solene, capaz de ser submetido somente uma vez na vida. (Ibid., pp. 216-217).

Purgatório

Agostinho é largamente considerado o pai do Purgatório. Os católicos romanos o citam muitas vezes referindo-se a algo semelhante à moderna doutrina católica. Mas o que não explicam é que Agostinho reconheceu que estava especulando. Em outras palavras, não estava transmitindo alguma tradição proferida de geração em geração em sucessão ininterrupta desde os apóstolos. Ao contrário, ele estava especulando sobre o que pode acontecer na vida após a morte. O famoso medievalista Jacques Le Goff explica:

[Joseph Ntedika] pôs o dedo num ponto chave, mostrando não apenas que a posição de Agostinho evoluiu ao longo dos anos, o que era de se esperar, mas que passou por uma mudança acentuada num ponto específico no tempo, que Ntedika situa no ano 413 (...) Na Carta a Dardinus (417), ele [Agostinho] esboçou uma geografia do além, onde não há lugar para o Purgatório. (The Birth of Purgatory [Chicago, Illinois: The University of Chicago Press, 1986], pp 62, 70).

O historiador protestante George Salmon explica o significado desses fatos:

Da mesma forma, quando Agostinho ouve a ideia sugerida de que, como os pecados dos homens bons lhes causam sofrimento neste mundo, então também podem causar até certo ponto no próximo, diz que não vai arriscar dizer que nada do tipo não possa ocorrer, porque talvez possa. Bem, se a ideia de purgatório não tinha conseguido ir além de um "talvez" no início do século V, podemos dizer com segurança que não foi pela tradição que a Igreja mais tarde chegou à certeza sobre o assunto; pois, se a Igreja tivesse alguma tradição no tempo de Agostinho, esse grande Padre não podia ter deixado de conhecê-la. (The Infallibility of the Church [London, England: John Murray, 1914], pp. 133-134).

Aqui está um exemplo de Agostinho expressando a sua incerteza:

E não é impossível que algo do mesmo tipo possa ocorrer mesmo depois desta vida. É uma matéria que pode ser investigada, e apurada ou deixada na dúvida, se alguns crentes devem passar por uma espécie de fogo purificador, e na proporção em que amaram com mais ou menos devoção os bens que perecem, ser mais ou menos rapidamente livres dele. (O Enchiridion, 69).

Longe de ser uma boa testemunha da doutrina romana, Agostinho demonstra que o purgatório era uma inovação fruto de especulação, não havia em seu tempo nenhuma sólida tradição que suportasse essa doutrina, muito menos uma tradição de origem apostólica. Mais tarde, já no final do século sexto, o Papa Gregório Magno dará grande impulso à doutrina do purgatório. Aquilo que Agostinho especulou, Gregório tomou como certo.

Sucessão Apostólica

Trataremos esse ponto de forma resumida, pois já abordamos em artigos anteriores. O conceito de sucessão de Agostinho é radicalmente distinto do católico romano. Ele não acreditava em papado – o elemento básico do ensino romanista a respeito. As premissas do papado como o primado jurídico de Pedro, a transmissão da autoridade do apóstolo de forma exclusiva e integral ao bispo de Roma, a infalibilidade papal e a chefia de toda a igreja pelo bispo romano não eram cridos pelo africano. Além do mais, ele não acreditava que o critério final para definir a verdadeira igreja era a sucessão apostólica, mas a conformação da igreja à autoridade suprema das Escrituras, como demonstramos na parte 3 de nossa série.

O apologista católico traz a lista de Agostinho dos bispos de Roma. Essa não era uma lista de papas, mas apenas uma lista de bispos como já argumentado. Outro problema é que a lista de Agostinho é diferente da lista de papas. Ele coloca a seguinte sequência: Pedro – Lino – Clemente – Anacleto. Na lista romana, Anacleto vem antes de Clemente e não depois. Agostinho também coloca Aniceto depois de Pio, enquanto a lista oficial coloca antes:

O sucessor de Pedro foi Lino, e seus sucessores em continuidade ininterrupta foram estes: Clemente, Anacleto, Evaristo, Alexandre, Sisto, Telesforo, Igino, Aniceto, Pio, Sotero, Eleutério, Victor.... (Carta 53:2)

Foi abordado na parte 1 a mudança da eclesiologia de Agostinho. Ele passou a compreender a igreja como a reunião dos eleitos que poderiam ser pessoas fora da igreja institucional num dado momento. O bispo africano também adotou o conceito de igreja invisível:

A segunda regra é sobre a dupla divisão do corpo do Senhor, mas esse na verdade não é um termo adequado, por que nenhuma parte do corpo de Cristo deixará de estar com Ele na eternidade. Devemos dizer que a regra é sobre o verdadeiro e o corpo misto do Senhor, ou o verdadeiro e o falso, ou algum outro nome, porque para não se falando da eternidade, pode ser dito que os hipócritas não estão Nele, embora eles pareçam estar na Sua Igreja. (A doutrina cristã 3:32)

Eleição Incondicional e Perseverança dos Santos

Agostinho defendeu a eleição incondicional:

Procuremos entender a vocação própria dos eleitos, os quais não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer. O próprio Senhor revela a existência desta classe de vocação ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15: 16). (...) Esta é a imutável verdade da predestinação da graça. Pois, o que quis dizer o Apóstolo: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo? (Ef 1:4). Com efeito, se de fato está escrito que Deus soube de antemão os que haveriam de crer, e não que os haveria de fazer que cressem, o Filho fala contra esta presciência ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi. Isto daria a entender que Deus sabia de antemão que eles o escolheriam para merecerem ser escolhidos por ele. Consequentemente, foram escolhidos antes da criação do mundo mediante a predestinação na qual Deus sabia de antemão todas as suas futuras obras, mas são retirados do mundo com a vocação com que Deus cumpriu o que predestinou. Pois, o que predestinou, também os chamou com a vocação segundo seu desígnio. Chamou aos que predestinou e não a outros; predestinou os que chamou, justificou e glorificou (Rm 8:30) e não a outros com a consecução daquele fim que não tem fim. Portanto, Deus escolheu os crentes, mas para que o sejam e não porque já o eram. (GRAÇA II, 1999, p.194, 195).

Sobre a perseverança dos santos:

É Ele, portanto, que os faz perseverar no bem, que os torna bons. Mas os que caem e perecem nunca foram do número dos predestinados. (A graça e o livre arbítrio, cap. 36)

Essa é apenas uma pequena amostra de muitas outras que mostram como a soteriologia agostiniana foi negada por Roma. Apesar de a igreja romana ter seguido Agostinho ao condenar o pelagianismo, nunca aderiu completamente às doutrinas agostinianas da salvação. Norman Geisler, um oponente da doutrina da eleição incondicional, escreve:

Nos seus escritos antipelagianos anteriores, por sua vez, Agostinho nunca adotara a posição radical sobre o livre-arbítrio e a expiação limitada que ele acabou manifestando em seus escritos posteriores, particularmente depois de 417. O endurecimento das artérias teológicas de Agostinho é manifesto em diversas áreas. Em sua visão anterior, igual à que foi sustentada por todos os pais ao longo de toda a história da Igreja até Lutero, ele abraçou a expiação ilimitada; posteriormente, afirmou a expiação limitada. No período anterior, ele sustentava que Deus nunca coage um ato livre; isso foi descartado em favor da graça irresistível sobre o que não quer, nos últimos anos de sua vida. Isso, naturalmente, resultou no endurecimento de sua visão da predestinação, em que Deus foi ativo tanto no destino do eleito quanto no do não-eleito, e na negação de que há condições para se receber o dom da salvação incondicional de Deus. De fato, para o Agostinho mais velho, em contraste com o Agostinho mais jovem, a raça humana está tão depravada que não tem livre-escolha em relação às coisas espirituais. (GEISLER, 2005, p. 190)

Roger Olson, um conhecido oponente dessas doutrinas, também escreve:

Toda a soteriologia de Agostinho decorre de duas crenças principais: a absoluta e total depravação dos seres humanos depois da queda e o poder e a soberania absoluta e total de Deus. (OLSON, 2001, p. 275)

Paul Tillich escreve sobre o testemunho de Agostinho:

Os predestinados não podem recair. Recebem o dom da perseverança que lhes impede de perder a graça uma vez recebida. Nada disso depende de mérito. (TILLICH, 2007, p. 141).

Salvação fora da Igreja

O apologista católico traz uma citação em que Agostinho afirma a necessidade da participação na Eucaristia para salvação:

[De acordo com] Tradição Apostólica... as Igrejas de Cristo mantém inerentemente que sem o batismo e a participação na mesa do Senhor é impossível para qualquer homem alcançar tanto o reino de Deus quanto a salvação e a vida eterna. Este é o testemunho da Escritura também. (Sobre o mérito e perdão dos pecados e o batismo de crianças 1:24:34)

O interessante desse item é que ao querer refutar o protestantismo, o apologista acaba demonstrando que Agostinho contrariava o romanismo. A igreja romana ensina atualmente que até mesmo homens não cristãos podem ser salvos. Em oposição à tradição histórica romanista, em que estar submetido ao papa não é mais uma necessidade para que qualquer homem seja salvo. Então mostrar que o bispo africano defendia a participação na Eucaristia como necessária para a salvação mostra apenas o que defendemos – Agostinho não era um católico romano. O catecismo afirma:

Significa que toda a salvação vem de Cristo-Cabeça por meio da Igreja, que é o seu corpo. Portanto não poderiam ser salvos os que, conhecendo a Igreja como fundada por Cristo e necessária à salvação, nela não entrassem e nela não perseverassem. Ao mesmo tempo, graças a Cristo e à sua Igreja, podem conseguir a salvação eterna todos os que, sem culpa própria, ignoram o Evangelho de Cristo e a sua Igreja, mas procuram sinceramente Deus e, sob o influxo da graça, se esforçam por cumprir a sua vontade, conhecida através do que a consciência lhes dita. (846-848)

Já o Concílio de Florença disse:

A Igreja crê firmemente, professa e prega que todos aqueles que estão fora da Igreja Católica, não só pagãos, mas também judeus ou hereges e cismáticos, não podem compartilhar a vida eterna e irão para o fogo eterno que foi preparado para o diabo e seus anjos, a menos que eles estejam ligados à Igreja Católica antes do final de suas vidas, pois a unidade do corpo eclesiástico é de tal importância que somente aqueles que recebem os sacramentos da Igreja contribuem para a salvação, fazendo jejuns, obras de piedade e práticas cristãs que produzem recompensas eternas, e ninguém pode ser salvo, não importa o quanto tenha doado em esmolas e até mesmo se derramou o seu sangue em nome de Cristo, a menos que tenha perseverado no seio e na unidade da Igreja Católica. (Concílio de Florença, 1431-1445)

Esse é só um dos inúmeros exemplos de como o magistério romano se contradiz ao longo da história. O Concílio de Florença, supostamente infalível, foi claro – ninguém pode ser salvo se não estiver ligado a hierarquia romana e participando dos sacramentos. O pensamento agostiniano é claro:

Nenhum homem pode encontrar a salvação exceto na Igreja Católica. Fora da Igreja Católica se pode ter tudo, exceto a salvação. Uma pessoa pode ter honra, pode ter os sacramentos, pode cantar aleluia, pode responder amém, pode ter fé no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e pregá-lo também, mas nunca pode encontrar a salvação exceto na Igreja Católica. (Sermo ad Caesariensis Ecclesia plebem)

Nessa altura de nossos estudos, resta claro que a igreja católica a que se refere Agostinho não era católica romana. Os reformadores estão mais próximos desse ponto. Eles ensinavam que não havia salvação fora da igreja e rejeitariam a possibilidade de não cristãos serem salvos, pois apenas os regenerados e crentes em Cristo podem fazer parte da igreja. 

Os católicos costumam alegar que os não cristãos podem ser salvos através da igreja, mesmo não aderindo a ela. Obviamente, essa ideia não era compartilhada pelos pais da igreja ou mesmo pelos papas mais antigos. Além do mais é uma contradição. Alguém que nunca manifestou a fé em Cristo não pode fazer parte de sua igreja.

Conclusão da Série

Concluo aqui está série de sete artigos sobre Agostinho e o catolicismo romano. Espero que esse estudo seja útil aos leitores e tenha demonstrado de forma suficiente o quão longe o bispo de Hipona estava da atual igreja romana. O maior teólogo da igreja latina não era um católico romano, isso nos dá uma boa evidência de como as peculiares doutrinas do romanismo não encontram fundamento histórico. 

26 comentários:

  1. Quanta mentira num post só. Querem transformar Agostinho num protestante a todo custo. Vou comentar apenas sobre o purgatório aqui. Dizer que Agostinho não ensina sobre o purgatório é demonstração total de ignorância sobre suas obras. Recomendo ler a obra dele chamada "Do Cuidado Devidos AOS MORTOS"

    Vc não provou absolutamente nada, mostrou uma citação de um historiador ateu e outro protestante.
    A oração pelos mortos é algo da tradição apostólica um dos primeiros padres a escrever sobre essa doutrina foi Tertuliano. Embora a oração pelos mortos já era praticada pelos Judeus como podemos ver no livro do Macabeus e também do historiador Josefo. Quanto a Agostinho ele ensina muitas vezes sobre tal doutrina.

    Interessante que Agostinho chega a citar o livro dos Macabeus, que para ele fazia parte do Antigo Testamento:
    Lemos, NO LIVRO DOS MACABEUS 2, que foi oferecido UM SACRIFÍCIO PELOS MORTOS. Ainda que não encontremos EM QUALQUER OUTRA PARTE DO ANTIGO TESTAMENTO UMA OUTRA REFERÊNCIA A ESSE RESPEITO, não podemos subestimar A AUTORIDADE DA IGREJA CATÓLICA, QUE MANIFESTA ESSE COSTUME, POIS, NAS PRECES QUE O SACERDOTE DIRIGE AO SENHOR DEUS JUNTO AO ALTAR, EXISTE ESPAÇO ESPECIALMENTE RESERVADO PARA A ENCOMENDAÇÃO DOS FALECIDOS.” (Santo Agostinho, Do Cuidado Devidos AOS MORTOS, 3).

    “Também não se pode negar que as almas DOS MORTOS encontram alívio com a piedade de seus amigos e parentes que ainda estão vivos, quando O SACRIFÍCIO MEDIADOR É OFERECIDO POR ELES, ou quando a esmola é dada na igreja.” (Manual de Fé, esperança e amor 110).

    Mas, pelas orações da Santa Igreja, e pelo sacrifício salvífico, e pelas esmolas que são dadas para seus espíritos, não há dúvida de que os mortos são ajudados, para que o Senhor possa lidar mais misericordiosamente com eles do que seus pecados mereceriam. POIS TODA A IGREJA OBSERVA ESTA PRÁTICA QUE FOI TRANSMITIDO PELOS PAIS que REZA por aqueles que MORRERAM NA COMUNHÃO do Corpo e Sangue de Cristo, quando são comemorados em seu próprio lugar no próprio sacrifício; e o Sacrifício é oferecido também na memória deles, em seu nome. Se, as obras de misericórdia são celebradas para o bem daqueles que estão sendo lembrados, quem hesitaria em recomendar-lhes, em cujo nome orações a Deus não são oferecidos em vão? Não tem nada para se duvidar de que ESSAS ORAÇÕES SÃO DE LUCRO PARA OS MORTOS; mas para, dentre eles, os que viveram antes de sua morte, de uma forma que torna possível para essas coisas para serem úteis para eles depois da morte. (Santo Agostinho - Sermões 172, 2).

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  2. Outra coisa que esqueci de falar, essa referência que vc mostrou de Jacques Le Goff eu tenho minhas dúvidas, pois esse historiador em seu livro sobre o Nascimento do Purgatório, chega a chamar Agostinho de "O Verdadeiro Pai do Purgatório", e mostra dezenas de citações de Santo Agostinho tanto sobre a oração aos mortos, a eficácia da oração e a questão da purificação pelo fogo.

    Mais uma vez repito, vc não provou nada, e não sabe nada sobre Santo Agostinho.

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    1. “Quanta mentira num post só. Querem transformar Agostinho num protestante a todo custo. Vou comentar apenas sobre o purgatório aqui. Dizer que Agostinho não ensina sobre o purgatório é demonstração total de ignorância sobre suas obras. Recomendo ler a obra dele chamada "Do Cuidado Devidos AOS MORTOS"

      Para quem acusa os outros de mentir, o senhor foi pouco cuidadoso ao ler o texto. Caso entenda “transformar Agostinho num protestante” como defender que ele cria em todas as doutrinas protestantes, definitivamente não fizemos isso nessa série de artigos. Receio que não tem lido toda a série. Na parte 1, afirmamos:

      “Antes de tudo, é preciso esclarecer que o autor protestante assim como outros não consideram o bispo de Hipona um protestante, no sentido de que ele cria em todas as doutrinas basilares da reforma. Da mesma forma, é errôneo acreditar que ele era um católico romano, pois como veremos, desacreditava de doutrinas fundamentais do romanismo. Podemos discutir para que lado ele tendia, mas é anacrônico encaixa-lo como pertencente integralmente a qualquer dessas religiões. Ele era um cristão da Igreja norte africana do século V, sendo sob esse contexto que iremos analisá-lo.”

      Nós não distorcemos os pais da igreja para encaixá-los em categorias pré-concebidas. Deixamos serem quem eram. Outro equívoco do senhor foi afirmar que dissemos que Agostinho não ensinou o purgatório. Onde negamos isso? Você pode nos mostrar? O que afirmamos é que Agostinho reconhecia que estava especulando a respeito. Ele não afirmou estar repassando uma doutrina sempre crida pela igreja desde a época dos apóstolos.

      “Vc não provou absolutamente nada, mostrou uma citação de um historiador ateu e outro protestante.”
      Você tem alguma fonte confiável que afirme que ele é ateu? Le Goff é um medievalista reconhecido em todo o mundo. Sua obra sobre o purgatório é considerada a principal sobre o desenvolvimento histórico dessa ideia. Querer desqualifica-lo pelo seu suposto ateísmo é apenas um ad hominem.


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    2. (cont...)

      “A oração pelos mortos é algo da tradição apostólica um dos primeiros padres a escrever sobre essa doutrina foi Tertuliano. Embora a oração pelos mortos já era praticada pelos Judeus como podemos ver no livro do Macabeus e também do historiador Josefo. Quanto a Agostinho ele ensina muitas vezes sobre tal doutrina.”

      Você recorre a um argumento falacioso muito suado quando se quer provar o purgatório nos pais da igreja. Recomendo nossa série sobre “Os Pais da Igreja e o purgatório” (http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-inacio.html). O fato de um pai da igreja acreditar em oração pelos mortos não implica em purgatório. Eles acreditavam em diferentes tipos de estado intermediário que não eram o purgatório. Muitos pais acreditavam que os justos descansavam no seio de abraão, enquanto aguardavam a ressurreição geral. Eles criam que as orações dos vivos poderiam aumentar a paz e o gozo que os justos já desfrutavam. Alguns acreditavam que mesmo as almas condenadas poderiam ser salvas pela oração dos vivos. Le Goff escreve:

      O abundante material epigráfico e litúrgico sobre as preces pelos defuntos de que se dispõe dos primeiros séculos do cristianismo tem sido explorado com frequência para demonstrar a antiguidade da crença cristã no purgatório. Porém, estas interpretações me parecem abusivas. As graças que se suplicam a Deus que sejam outorgadas aos mortos evocam essencialmente uma imagem paradisíaca, em todo o caso, um estado definido pela paz (pax) e luz (lux). Temos que aguardar até o final do século V e começo do século VI para encontrar uma inscrição que fale da redenção da alma de um defunto. Trata-se de uma mulher Gallo - Romana de Briord cujo epitáfio ostenta a fórmula “pro redemptione animae suae. Por outro lado, não se menciona nada nestas inscrições e orações um lugar de redenção ou de espera distinto do tradicional, a partir do Evangelho, o Seio de Abraão (...) Numerosas inscrições funerárias ostentam as palavras refrigerium ou refrigerare, literalmente refresco, refrescar, somente associadas com paz (pax): in pace et refrigerium, esto in refrigério (que está no regrifério); in refrigério anima tua (que tua alma esteja no refrigério), Deus refrigeret spiritum tuum (que Deus refresque teu espírito). (Jacques Le Goff, El nacimiento del purgatório, Ed. Taurus 1989, p. 62)

      Até hoje, a igreja oriental defende a oração pelos mortos sem ensinar o purgatório, o que mostra que essa implicação é falsa. Tertulaino, a quem você citou, desconhecia qualquer lugar como o purgatório. Ele acreditava que os salvos estavam no seio de Abraão:

      Há um determinado lugar chamado Seio de Abraão, que foi criado para a recepção das almas dos filhos de Abraão, até mesmo dentre os gentios (desde que ele é "o pai de muitas nações", que devem ser classificadas entre sua família) e da mesma fé daqueles que tem crido em Deus, sem o jugo da lei e o sinal da circuncisão. Esta região, portanto, eu chamo Seio de Abraão. Embora não esteja no céu, é ainda mais alta do que o inferno, sendo designada para proporcionar um intervalo de descanso para as almas dos justos, até a consumação de todas as coisas, que deve ser completada com ressurreição de todos os homens com a plena recompensa de seus méritos. (Contra Marcião 4:34)

      Le Goff comenta:

      Em relação à pré-história do Purgatório, a inovação de Tertuliano, se é que foi uma inovação, foi o justo ter que passar um período de tempo no refrigerium interim antes de ir habitar no eterno refrigerium. Mas não há nada realmente novo acerca do lugar de refrigério, que ainda é o seio de Abraão. Entre o refrigerium interim de Tertuliano e o purgatório existe uma diferença não só de gênero - para Tertuliano é uma questão de uma espera tranquila até o juízo final, enquanto com o Purgatório é uma questão de um sofrimento que purifica porque é punitivo e expiatório - mas também de duração: as almas permanecem no refrigerium até a ressurreição, mas no Purgatório apenas o tempo que for preciso para expiar os seus pecados. (Le Goff, op. cit., pp. 21)

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    3. (cont...)

      Você citou o livro de Macabeus. Ocorre que a referência em questão não pode ser ao purgatório. O pecado em questão era a idolatria. Esse é um pecado mortal, e segundo a doutrina católica romana, pessoas que morrem em pecado mortal vão para o inferno e não para o purgatório. Desconheço essa referência de Josefo à prática de orar pelos mortos, você poderia trazer a fonte? De qualquer forma, a crença em algo como o purgatório era totalmente ausente do pensamento judaico.

      “Interessante que Agostinho chega a citar o livro dos Macabeus, que para ele fazia parte do Antigo Testamento:
      Lemos, NO LIVRO DOS MACABEUS 2, que foi oferecido UM SACRIFÍCIO PELOS MORTOS. Ainda que não encontremos EM QUALQUER OUTRA PARTE DO ANTIGO TESTAMENTO UMA OUTRA REFERÊNCIA A ESSE RESPEITO, não podemos subestimar A AUTORIDADE DA IGREJA CATÓLICA, QUE MANIFESTA ESSE COSTUME, POIS, NAS PRECES QUE O SACERDOTE DIRIGE AO SENHOR DEUS JUNTO AO ALTAR, EXISTE ESPAÇO ESPECIALMENTE RESERVADO PARA A ENCOMENDAÇÃO DOS FALECIDOS.” (Santo Agostinho, Do Cuidado Devidos AOS MORTOS, 3)”

      De fato, no séc. IV, a igreja tinha o costume de oferecer a eucaristia em memória de um falecido juntamente com a oração a ele. Essa prática não implica em purgatório como já demonstrado. Os mortos poderiam ser beneficiados pelo oferecimento da eucaristia e das orações, isso não implica necessariamente em purgatório.

      “Também não se pode negar que as almas DOS MORTOS encontram alívio com a piedade de seus amigos e parentes que ainda estão vivos, quando O SACRIFÍCIO MEDIADOR É OFERECIDO POR ELES, ou quando a esmola é dada na igreja.” (Manual de Fé, esperança e amor 110).

      Mas, pelas orações da Santa Igreja, e pelo sacrifício salvífico, e pelas esmolas que são dadas para seus espíritos, não há dúvida de que os mortos são ajudados, para que o Senhor possa lidar mais misericordiosamente com eles do que seus pecados mereceriam. POIS TODA A IGREJA OBSERVA ESTA PRÁTICA QUE FOI TRANSMITIDO PELOS PAIS que REZA por aqueles que MORRERAM NA COMUNHÃO do Corpo e Sangue de Cristo, quando são comemorados em seu próprio lugar no próprio sacrifício; e o Sacrifício é oferecido também na memória deles, em seu nome. Se, as obras de misericórdia são celebradas para o bem daqueles que estão sendo lembrados, quem hesitaria em recomendar-lhes, em cujo nome orações a Deus não são oferecidos em vão? Não tem nada para se duvidar de que ESSAS ORAÇÕES SÃO DE LUCRO PARA OS MORTOS; mas para, dentre eles, os que viveram antes de sua morte, de uma forma que torna possível para essas coisas para serem úteis para eles depois da morte. (Santo Agostinho - Sermões 172, 2)”

      O que Agostinho afirma ser uma prática observada pela igreja e transmitida pelos Pais é a oração pelos mortos e não a crença em si no purgatório. Como demonstramos em nossa série de artigos sobre o tema, o primeiro pai da igreja a defender o purgatório foi Agostinho. Nenhum pai anterior defendeu essa doutrina. Agostinho parece ter conectado a ideia de orar pelo falecido à existência de uma purificação pós-morte, mas os outros pais da igreja não fizeram o mesmo. Que Agostinho especulava a respeito fica claro a partir de suas próprias palavras:

      E não é impossível que algo do mesmo tipo possa ocorrer mesmo depois desta vida. É uma matéria que pode ser investigada, e apurada ou deixada na dúvida, se alguns crentes devem passar por uma espécie de fogo purificador, e na proporção em que amaram com mais ou menos devoção os bens que perecem, ser mais ou menos rapidamente livres dele. (O Enchiridion, 69).

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    4. (cont...)

      O melhor que a doutrina do purgatório consegue fazer é um mero talvez mais de 300 anos após a era apostólica. É muito pouco para quem afirma guardar a fé desde o início transmitida pela igreja.

      “Outra coisa que esqueci de falar, essa referência que vc mostrou de Jacques Le Goff eu tenho minhas dúvidas, pois esse historiador em seu livro sobre o Nascimento do Purgatório, chega a chamar Agostinho de "O Verdadeiro Pai do Purgatório", e mostra dezenas de citações de Santo Agostinho tanto sobre a oração aos mortos, a eficácia da oração e a questão da purificação pelo fogo.

      Mais uma vez repito, vc não provou nada, e não sabe nada sobre Santo Agostinho.“

      Encorajo-lhe a adquirir o livro do Le Goff e conferir com os próprios olhos. A citação está lá. Ele não negou que Agostinho ensinou algo sobre o purgatório, mas disse que essa foi uma posição que ele tomou ao longo da vida, ou seja, num ponto ele não acreditava nisso e em algum momento passou a acreditar. Le Goff o chama de o “verdadeiro pai do purgatório” porque ele foi o primeiro pai da igreja a trazer essa ideia, mesmo que estivesse especulando a respeito. O autor que Le Goff cita – Joseph Ntedika – escreveu aquela que é considerada a obra mais completa sobre Agostinho e o purgatório. Pode ser conferida aqui: (https://www.amazon.fr/Ntedika-L%C3%89volution-doctrine-purgatoire-Augustin/dp/B0014R5ODG/275-5354280-4502204?ie=UTF8&*Version*=1&*entries*=0). Le Goff concorda com Ntedika que a virada de posição de Agostinho ocorre em 413, antes disso, nenhuma referência ao purgatório é encontrada em suas obras. Em suma, além de ser uma inovação augustiniana, o purgatório é uma inovação na própria vida cristã do bispo de Cartago.

      Obrigado pelos comentários. Fique na PAZ!

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    5. “ Ele não afirmou estar repassando uma doutrina sempre crida pela igreja desde a época dos apóstolos.”
      Então vc quer dizer que Agostinho simplesmente inventou o purgatório, já que ele não recebeu isso como tradição apostólica?

      Vejamos o que Agostinho diz:
      POIS TODA A IGREJA OBSERVA ESTA PRÁTICA QUE FOI TRANSMITIDO PELOS PAIS que REZA por aqueles que morreram na comunhão do Corpo e Sangue de Cristo... (Santo Agostinho - Sermões 172, 2).

      Sobre Jacques Le Goff, na verdade não importa se era ateu ou não, o fato é que vc citou, ou melhor vc recortou e emendou uma frase dele pra parecer que na opinião dele, Agostinho era contra a oração dos mortos, quando na verdade Le Goff ensinava o contrário, chegando ao ponto de chamar Agostinho de O PAI DO PURGATÓRIO de tanto que ele ensinava sobre tal doutrina.

      Eu não sei se vc realmente já estudou a fundo sobre a doutrina do purgatório para entende-la. É óbvio que no início esse lugar de suplício onde as almas que não se encontravam totalmente puras após a morte, ainda não era chamado de purgatório. O Seio de Abraão citado por Tertuliano, é o que a Igreja chama hoje de Limbo, era um lugar provisório para onde iam os justos do Antigo Testamento antes de Jesus vir a terra. Este local também é chamado “sheol” ou “Hades”.

      Assim como a Igreja ensina hoje, Tertuliano dizia que só entramos DIRETAMENTE no céu pelo martírio, de outra forma, devemos nos purificar das penas temporárias neste local batizado pela Igreja de purgatório, mas que antigamente era conhecido como Hades ou Inferno:

      "Por isso, é muito conveniente que a alma, sem esperar a carne, SOFRA UM CASTIGO pelo que tenha cometido sem a cumplicidade da carne. E, igualmente, é justo que, em recompensa pelos bons e piedosos pensamentos que tenha tido sem a cooperação da carne, receba consolos sem a carne. Mais ainda, as próprias obras realizadas com a carne, ela é a primeira a conceber, dispor, ordenar e pô-las em alerta. E ainda naqueles casos em que ela não consente em pô-las em alerta, no entanto, é a primeira a examinar o que logo fará no corpo. Enfim, a consciência não será nunca posterior ao fato. Consequentemente, também a partir deste ponto de vista, é conveniente que a substância que foi a primeira a merecer a recompensa seja também a primeira a recebê-la. Em suma, já que por esta lição que nos ensina o Evangelho entendemos o inferno, já que 'por esta dívida, devemos pagar até o último centavo', compreendemos que É NECESSÁRIO PURIFICAR-SE das faltas mais ligeiras NESSES MESMO LUGARES, NO INTERVALO ANTERIOR À RESSURREIÇÃO; ninguém poderá duvidar que a ALMA RECEBE LOGO ALGUM CASTIGO NO INFERNO sem prejuízo da plenitude da ressurreição, quando receberá a recompensa juntamente com a carne" (Tertuliano, Da Alma 58).

      "Ao deixar o seu corpo, NINGUÉM VAI IMEDIATAMENTE VIVER NA PRESENÇA DO SENHOR, exceto pela prerrogativa do MARTÍRIO, pois então adquire uma morada no paraíso e não nas regiões inferiores" (Tertuliano, da ressurreição da carne 43)

      Certamente, ela roga pela alma de seu marido; pede que durante este intervalo ele possa encontrar descanso e participar da primeira ressurreição.... Oferece, a cada ano, o sacrifício no aniversário de sua dormição" (Da Monogamia 10)

      "O sacramento da Eucaristia, encomendado pelo Senhor no tempo da ceia e para todos, o recebemos nas assembleias, antes do amanhecer, e não das mãos de outros que não sejam os que as presidem. Fazemos oblações pelos falecidos, a cada ano, nos dias de aniversário" (Da Coroa 3).

      Ainda tem o caso de Santa Perpétua que é contado por Tertuliano (Paixão de Perpétua e Felicidade 2,3-4). Perpétua estava na prisão, teve uma dupla visão em que viu seu irmão falecido, sair de um lugar onde estava sofrendo. Perpétua passou então a rezar pelo descanso eterno de sua alma e, logo após ser ouvida pelo Senhor, teve uma segunda visão em que viu seu irmão já totalmente puro, seguro e em paz porque sua pena havia sido satisfeita.

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    6. Sobre a citação do livro de Macabeus, essa passagem realmente se trata de pecado mortal, onde a pessoa que morre sem arrepender-se dele, será condenada ao inferno sem chance de remi-lo no purgatório. Porém, sobre isso a igreja ensina que devemos confiar na misericórdia infinita de Cristo que tem seus meios de salvação. Mesmo morrendo em pecado mortal, cremos que certas pessoas podem ser salvas por motivos de ignorância da fé ou de desequilíbrio psíquico, como pânico ou traumas, porém Só Deus sabe o estado de cada pessoa no momento da morte, e por isso devemos rezar por sua alma, acreditando que possa ter sido salva por algum motivo e esteja sendo purificada no purgatório. Quando vejo alguém cometer suicídio por exemplo, sempre rezo para que a misericórdia do Senhor possa alcançar e salvar aquela pessoa, pois não sabemos exatamente das gravidades que a levaram a fazer isso. Enfim.

      Meu amigo, a oração pelos mortos são somente pelas almas do purgatório, esse nome não era usado no início, porque a igreja só foi batiza-lo como purgatório nos concílios que ocorreram nos séculos 6 e 7. Se a oração pelos mortos que era crida por Agostinho não era o purgatório, então vc poderia dizer quais seriam? Pode até ter existido pessoas que rezaram pela salvação de quem está no inferno, mas dentro da doutrina cristã, oração pelos mortos sempre se refere somente às almas do purgatório.

      Veja o que Agostinho ainda fala sobre o assunto:
      “No intervalo entre a morte do homem e a ressurreição suprema, as almas são retidas em depósitos secretos onde conhecem ou o repouso ou A PENA DE QUE SÃO DIGNAS, segundo a sorte que talharam para si enquanto viviam na carne.

      Não se pode porém negar que as almas dos defuntos sejam aliviadas pelas preces dos seus próximos ainda vivos, quando por elas é oferecido o sacrifício do Mediador ou na Igreja são distribuídas esmolas. Mas estas obras servem apenas para aqueles que, enquanto viviam, mereceram que elas pudessem servir-lhes mais tarde.

      Com efeito, existem homens cuja vida não é suficientemente boa para não terem necessidade desses sufrágios póstumos, nem suficientemente má para que eles não possam ajudá-los. Ao contrário, há os que viveram suficientemente bem para os dispensar e outros suficientemente mal para não poderem tirar deles proveito depois da morte. Pelo que é sempre aqui em baixo que se adquirem os méritos que podem assegurar a cada um, depois desta vida, alívio ou infortúnio. Aquilo que foi desprezado neste mundo, que ninguém espere obter de Deus após a morte.

      Assim, as práticas observadas pela Igreja tendo em vista recomendar a Deus as almas dos defuntos NÃO SÃO CONTRÁRIAS À DOUTRINA DO APÓSTOLO, que dizia: Todos nós compareceremos perante o tribunal do Cristo (Romanos, XIV, 10), para lá recebermos, «cada um segundo o que fez durante a vida, seja para o bem, seja para o mal» (11Coríntios, V, 10). Pois é durante a sua vida terrena que cada um se torna merecedor do beneficio eventual das preces em questão. Nem todos tiram dele vantagem; e porque será que o proveito que dele advém não é o mesmo para todos, se não por causa da vida diferente que tiveram cá em baixo?

      Os sacrifícios do altar ou da esmola que são oferecidos em intenção de todos os defuntos batizados, para aqueles que foram inteiramente bons, são ações de graças; para aqueles que não foram inteiramente maus, são meios de propiciação; para aqueles cuja maldade foi total, por não terem aliviado os mortos, servem para consolar, mesmo assim, os vivos. O que eles asseguram àqueles que deles aproveitam é ou a amnistia completa ou, pelo menos, uma forma mais suportável de condenação aos Infernos.” (Enchiridium 109-110)

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    7. E te pergunto, se não há possibilidade de remissão dos pecados após a morte, então o que Jesus quis dizer com essas palavras:
      Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no século vindouro (MT 12,32).
      Abs!

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    8. “Então vc quer dizer que Agostinho simplesmente inventou o purgatório, já que ele não recebeu isso como tradição apostólica?”

      Exatamente. Ele não afirmou que o purgatório era um ensino histórico da igreja. Isso não deveria soar estranho. Estudiosos patrísticos reconhecem que diversos pais da igreja formularam doutrinas inovadoras para os seus que foram ou não aceitas pela igreja mais tarde. Veja o que Peter Stravinskas, um padre conservador e apologista católico, disse numa revista católica:

      Apesar da tremenda influência de Agostinho, várias de suas opiniões nunca ganharam aceitação na Igreja. Entre elas, podemos destacar as seguintes teorias: que Deus condenaria crianças não batizadas ao inferno, simplesmente por causa da herança do pecado original; que Deus justamente condena adultos que nunca tiveram a oportunidade de serem apresentados ao Evangelho, mais uma vez, devido unicamente ao pecado original contraído por eles; que algumas pessoas sofreriam condenação eterna por nenhuma outra razão do que a falta de interesse de Deus em salvá-las. Ao refletirmos sobre essas posições agostinianas, devemos lembrar do fato de que só porque alguém é um santo ou mesmo um doutor da Igreja não torna todo seu corpo de ensinar aceitável, somente o Magistério da Igreja pode decidir o que é ou não é conforme sua compreensão da verdade de Cristo. (Envoy, Setembro/Outubro de 1998)

      A ideia de que Deus condenaria crianças não batizadas ao inferno é uma inovação de Agostinho, pois não fazia parte do ensino da igreja a respeito. A defesa da eleição incondicional aludida acima também não fazia parte do ensino da igreja. Se Agostinho trouxe teses novas em questões tão fundamentais como a salvação, porque ele não poderia fazer o mesmo em relação ao purgatório?

      “Vejamos o que Agostinho diz:
      POIS TODA A IGREJA OBSERVA ESTA PRÁTICA QUE FOI TRANSMITIDO PELOS PAIS que REZA por aqueles que morreram na comunhão do Corpo e Sangue de Cristo... (Santo Agostinho - Sermões 172, 2).”

      Você repete o mesmo argumento sem lidar com a resposta que dei. O que ele afirma ser observado por toda a igreja de seus dias é a prática de orar pelos mortos e não o purgatório. Uma coisa não implica necessariamente na outra. Le Goff escreveu:

      O enorme processo epigráfico e litúrgico sobre as orações pelos mortos foi muitas vezes explorado para provar a antiguidade da crença cristã no Purgatório. Estas interpretações parecem-me abusivas. As graças que se suplica a Deus sejam concedidas aos mortos invocam essencialmente a bem-aventurança paradisíaca, em todo o caso um estado definido pela paz (pax) e pela luz (lux). É preciso esperar pelo fim do século V (ou princípio do VI) para encontrar uma inscrição que fale da redenção da alma de um defunto. Trata-se de uma inscrição galo-romana de Briord, cujo epitáfio contém a fórmula pro “redemptionem animae suae". Por outro lado, nestas inscrições e nestas preces, não se trata de um lugar de redenção ou de espera que não o tradicional segundo o Evangelho, o “seio de Abraão”. Mas é essencial para a constituição do terreno onde se desenvolverá mais tarde a crença no Purgatório que os vivos se preocupem com a sorte dos mortos, que para além da sepultura mantenham com eles laços que não sejam os da invocação da proteção dos defuntos, mas da utilidade das preces feitas em sua intenção. (p. 64-65)

      E especificamente sobre Agostinho escreve:

      O que também não é dito, mas é verosímiI é que, como não existe Purgatório (nem existe em qualquer texto de Agostinho uma única frase que estabeleça ligação entre os sufrágios e o fogo purgatório), este empurrão no sentido da salvação dos mortos pecadores mas merecedores terá lugar logo a seguir à morte ou, em todo o caso, sem que tenha decorrido tempo suficiente para ser necessário definir um prazo e ainda menos um lugar onde passar essa espera. (p. 88)

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    9. (cont..)

      E também:

      É significativo o fato de Agostinho, nas Confissões, esboçar pela primeira vez uma reflexão que o levará ao caminho do Purgatório, quando experimentou determinados sentimentos após a morte de sua mãe Mónica. Esta confiança dos cristãos na eficácia dos sufrágios só tardiamente se uniu à crença na existência de uma purificação depois da morte. Joseph Ntedika mostrou claramente que, em Agostinho por exemplo, as duas crenças se formaram em separado, sem praticamente se encontrarem. (p. 25-26)

      Se você deseja provar a antiguidade da doutrina do purgatório, terá que mostrar algo além de oração pelos mortos.

      “Sobre Jacques Le Goff, na verdade não importa se era ateu ou não, o fato é que vc citou, ou melhor vc recortou e emendou uma frase dele pra parecer que na opinião dele, Agostinho era contra a oração dos mortos, quando na verdade Le Goff ensinava o contrário, chegando ao ponto de chamar Agostinho de O PAI DO PURGATÓRIO de tanto que ele ensinava sobre tal doutrina.”

      (1) Você já foi desafiado a provar que eu aleguei que Agostinho era contra a oração pelos mortos. Os artigos estão lá, basta mostrar o trecho onde isso foi dito. Os artigos sequer tratam sobre isso, eles falam de purgatório (que você parece confundir como sinônimos). A citação que eu trouxe sequer fala de oração pelos mortos, portanto, sua alegação é falsa. Se é uma pessoa honesta, deveria se retratar disso;

      (2) Toda citação é um recorte de algo maior ou você esperava que alguém citasse todo o livro? Emendar trechos não consecutivos de um obra é aceito até em trabalhos acadêmicos, que dirá num artigo de um blog. A citação contem o símbolo (...) justamente pra mostrar essa pausa e a referência contém as duas páginas de onde foram tiradas. Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento a respeito saberia consultar as referidas citações que estão na obra do Le Goff;

      (3) Eu sequer disse que Agostinho não ensinou o purgatório, mas que ele tinha uma opinião hesitante sobre o tema e que nenhum pai da igreja ensinou a concepção romanista de purgatório antes dele. Voltei a tratar desse tema no artigo abaixo em maior detalhe:

      http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/05/agostinho-o-purgatorio-e-anatomia-de.html

      “Eu não sei se vc realmente já estudou a fundo sobre a doutrina do purgatório para entende-la. É óbvio que no início esse lugar de suplício onde as almas que não se encontravam totalmente puras após a morte, ainda não era chamado de purgatório. O Seio de Abraão citado por Tertuliano, é o que a Igreja chama hoje de Limbo, era um lugar provisório para onde iam os justos do Antigo Testamento antes de Jesus vir a terra. Este local também é chamado “sheol” ou “Hades”.”

      (1) O lugar para onde as almas iam não era chamado de purgatório por que ele não existia. Nem o termo nem a ideia:

      (2) O seio de Abraão aludido por Tertuliano não era o sheol judaico ou Hades. Ele não acreditava que era um lugar onde estavam os justos do antigo testamento antes. Ele acreditava que os justos da era cristã (com exceção dos mártires) iam para esse lugar. Na verdade, ele o chama de lugar de refrigério. Le Goff explica:

      O Purgatório é também um intervalo propriamente espacial que se insinua e se amplia entre o Paraíso e o Inferno. Mas a atração dos dois pólos atuou longamente também sobre ele. Para existir, o Purgatório deverá substituir os pré-paraísos do refrigerium, lugar de refrigério imaginado nos primeiros tempos do cristianismo, e do seio de Abraão, representado pela história de Lázaro e do mau rico no Novo Testamento (Lucas, XVI, 19-26). Deverá sobretudo destacar-se do Inferno do qual será por muito tempo um departamento pouco diferenciado, o martírio máximo. (p. 20)

      Refrigerium e Seio de Abraão eram lugares intermediários para onde os justos da era Cristã iam. Veja como eles eram o lugar defendido pelos cristãos mais antigos. Le Goff deixa claro que eles eram substancialmente diferentes do purgatório:

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    10. (cont..)

      A inovação de Tertuliano, se é que alguma existe, no que respeita à pré-história do Purgatório, é o fato de os justos passarem por um refrigério intermédio antes de conhecerem o refrigério eterno. Mas esse lugar de refrigério não é verdadeiramente novo, é o seio de Abraão. Entre o refrigerium interim de Tertuliano e o Purgatório existe uma diferença não só de natureza – aqui uma espera repousante, ali uma provação purificadora porque punitiva e expiatória - mas também de duração: o refrigerium acolhe as almas até à ressurreição, o Purgatório apenas até ao fim da expiação. (p. 66)

      Veja os comentários do próprio Tertuliano sobre o Seio de Abraão:

      Há um determinado lugar chamado Seio de Abraão, que foi criado para a recepção das almas dos filhos de Abraão, até mesmo dentre os gentios (desde que ele é "o pai de muitas nações", que devem ser classificadas entre sua família) e da mesma fé daqueles que tem crido em Deus, sem o jugo da lei e o sinal da circuncisão. Esta região, portanto, eu chamo Seio de Abraão. Embora não esteja no céu, é ainda mais alta do que o inferno, sendo designada para proporcionar um intervalo de descanso para as almas dos justos, até a consumação de todas as coisas, que deve ser completada com ressurreição de todos os homens com a plena recompensa de seus méritos. (Contra Marcião 4:34)

      Ele está falando apenas dos justos do antigo testamento? Definitivamente não. É para todos os justos “até a consumação de todas as coisas” e que “deve ser completada com a ressurreição de todos os homens”.

      “Assim como a Igreja ensina hoje, Tertuliano dizia que só entramos DIRETAMENTE no céu pelo martírio, de outra forma, devemos nos purificar das penas temporárias neste local batizado pela Igreja de purgatório, mas que antigamente era conhecido como Hades ou Inferno:”

      (1) Não é isso que a igreja romana ensina. Segundo o catecismo, você não precisa sofrer martírio para entrar no céu. Basta que ao morrer você não esteja em pecado venial ou não tenha penitências devidas por pecados mortais para pagar;

      (2) Tertuliano de fato acreditava que só os mártires iam diretamente para o céu. Os demais justos iriam aguardar a ressurreição num lugar chamado Refrigerium Interim (ou Seio de Abraão). Não há via purgatório na concepção dele;

      (3) O Hades (que era entendido como a morada dos mortos) nunca foi concebido como um lugar em que os que morrem na graça de Deus expiam pecados. Até agora você tem feito muitas afirmações sobre o purgatório, mas não apresentou qualquer evidência.

      "Por isso, é muito conveniente que a alma, sem esperar a carne, SOFRA UM CASTIGO pelo que tenha cometido sem a cumplicidade da carne. E, igualmente, é justo que, em recompensa pelos bons e piedosos pensamentos que tenha tido sem a cooperação da carne, receba consolos sem a carne. Mais ainda, as próprias obras realizadas com a carne, ela é a primeira a conceber, dispor, ordenar e pô-las em alerta. E ainda naqueles casos em que ela não consente em pô-las em alerta, no entanto, é a primeira a examinar o que logo fará no corpo. Enfim, a consciência não será nunca posterior ao fato. Consequentemente, também a partir deste ponto de vista, é conveniente que a substância que foi a primeira a merecer a recompensa seja também a primeira a recebê-la. Em suma, já que por esta lição que nos ensina o Evangelho entendemos o inferno, já que 'por esta dívida, devemos pagar até o último centavo', compreendemos que É NECESSÁRIO PURIFICAR-SE das faltas mais ligeiras NESSES MESMO LUGARES, NO INTERVALO ANTERIOR À RESSURREIÇÃO; ninguém poderá duvidar que a ALMA RECEBE LOGO ALGUM CASTIGO NO INFERNO sem prejuízo da plenitude da ressurreição, quando receberá a recompensa juntamente com a carne" (Tertuliano, Da Alma 58).

      Tertuliano estaria falando do purgatório na citação acima? A resposta é não. Tertuliano se refere aos ímpios que estão sofrendo punições no inferno antes do juízo final. Os justos por sua vez estariam no Seio de Abraão sem passarem por punição. Basta verificar outras passagens dessa mesma obra:

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    11. (cont..)

      Portanto, qualquer quantidade de PUNIÇÃO OU REFRIGÉRIO que a alma prova no Hades, em sua PRISÃO OU HOSPEDAGEM, NO FOGO OU NO SEIO DE ABRAÃO, dá prova, assim, de sua própria corporeidade. Pois uma coisa incorpórea não sofre nada, não tem o que a torna capaz de sofrimento; então, se ela tem essa capacidade, ele deve ser uma substância corporal. Pois na medida em que cada coisa corpórea é capaz de sofrimento, aquela [a alma] é também capaz de sofrer corporalmente. (Tratado sobre a Alma 7)

      Veja o paralelismo: “punição ou refrigério (...) prisão ou hospedagem (...) no fogo ou seio de Abraão”. Não há dois lugares de punição, mas apenas um (o inferno), no qual os ímpios estão. Os justos estão no refrigério, na hospedagem, no Seio de Abraão. A visão de Tertuliano é baseada na parábola do rico e Lázaro. Em outra parte da mesma obra:

      Para este efeito é que ele distorceu toda aquela alegoria do Senhor, que é extremamente clara e simples em seu significado, e deve ser primariamente entendida no seu sentido simples e natural. Assim, o nosso adversário (aí mencionado) é o homem pagão, que está caminhando conosco ao longo da mesma estrada da vida que nos é comum. Seria necessário que saíssemos do mundo, se não nos for permitido ter nenhuma conversa com o pagão. Ele [Jesus] nos convida, portanto, a mostrar uma disposição amável a um homem assim. Amai vossos inimigos, diz ele, orai pelos que vos maldizem, para que este homem, em qualquer transação de negócios, caso fique irritado com qualquer conduta injusta sua, e possa entregá-lo ao seu próprio Juiz (Mateus 5: 25), e você poderá ser jogado na prisão, e ser detido na sua cela estreita até ter liquidado todas as suas dívidas com ele. ENTÃO, NOVAMENTE, VOCÊ DEVE ESTAR DISPOSTO A APLICAR O TERMO ADVERSÁRIO AO DIABO, você é aconselhado pela determinação (do Senhor), enquanto você está no caminho com ele, fazer com ele um acordo que pode ser considerado compatível com os requisitos de sua verdadeira fé. Agora, o acordo que você fez com respeito a ele é renunciar a ele, sua pompa e os seus anjos. Tal é o seu acordo nesta matéria. Agora, o entendimento amigável que você terá que realizar deve surgir a partir de sua observância do acordo: você nunca deve pensar em obter de volta qualquer das coisas que você abriu mão, e devolveu a ele, para que ele não possa te chamar de homem fraudulento, e transgressor de seu contrato, antes Deus, o juiz (na presente luz nós lemos dele, em outra passagem, como o acusador dos irmãos, Apocalipse 12:10 ou santos, quando se faz referência à prática efetiva do processo legal); E PARA QUE ESTE JUIZ [DEUS] LHE ENTREGUE AO ANJO QUE IRÁ EXECUTAR A SENTENÇA, E ELE LHE MANDARÁ PARA A PRISÃO DO INFERNO, DO QUAL NÃO PODERÁ SAIR ATÉ QUE A MENOR DAS SUAS DÍVIDAS SEJA PAGA NO PERÍODO ANTERIOR À RESSURREIÇÃO. (Tratado sobre a Alma 35)

      Aqui, Tertuliano interpreta Mateus 5:25-26. Os romanistas tomam essa passagem como uma alusão ao purgatório, e Tertuliano a utiliza em vários momentos no seu tratado sobre a alma. Nesta última citação deixa claro que não via purgatório nessa passagem. O juiz seria Deus, o credor o Diabo e a prisão o Inferno. Ou seja, aquele que deveria pagar até o último centavo estaria no inferno, não no purgatório e ficaria lá até a ressurreição, não até expiar suas dívidas como preconiza a doutrina romana. Após a ressurreição, haveria o juízo final, em que os justos sairiam do seio de Abraão e iriam se juntar aos mártires, e os ímpios que já experimentaram punição no inferno seriam lançados no lago de fogo. Inferno e Seio de Abração seriam dois lugares localizados no hades (a morada dos mortos). Portanto, Tertuliano, longe de referendar o purgatório, é na verdade uma importante testemunha contra essa doutrina.

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    12. (cont...)

      "Ao deixar o seu corpo, NINGUÉM VAI IMEDIATAMENTE VIVER NA PRESENÇA DO SENHOR, exceto pela prerrogativa do MARTÍRIO, pois então adquire uma morada no paraíso e não nas regiões inferiores" (Tertuliano, da ressurreição da carne 43)

      De fato. Os que não foram martirizados iam para o Seio de Abraão. Para Tertuliano, o Hades (morada dos mortos) tinha dois compartimentos: o Seio de Abraão onde os justos esperavam a ressurreição e o inferno onde os ímpios eram castigados (você confunde o inferno com o purgatório).

      Certamente, ela roga pela alma de seu marido; pede que durante este intervalo ele possa encontrar descanso e participar da primeira ressurreição.... Oferece, a cada ano, o sacrifício no aniversário de sua dormição" (Da Monogamia 10)

      "O sacramento da Eucaristia, encomendado pelo Senhor no tempo da ceia e para todos, o recebemos nas assembleias, antes do amanhecer, e não das mãos de outros que não sejam os que as presidem. Fazemos oblações pelos falecidos, a cada ano, nos dias de aniversário" (Da Coroa 3).

      As duas citações acima apenas tratam de oração pelos mortos sem ter qualquer noção de purgatório em vista. Como já vimos esse argumento é falacioso.

      “Ainda tem o caso de Santa Perpétua que é contado por Tertuliano (Paixão de Perpétua e Felicidade 2,3-4). Perpétua estava na prisão, teve uma dupla visão em que viu seu irmão falecido, sair de um lugar onde estava sofrendo. Perpétua passou então a rezar pelo descanso eterno de sua alma e, logo após ser ouvida pelo Senhor, teve uma segunda visão em que viu seu irmão já totalmente puro, seguro e em paz porque sua pena havia sido satisfeita.”

      Não há como afirmar que se trata de purgatório, pois em nenhum momento foi dito que Dinócrates era um Cristão. O primeiro pai da igreja a interpretar esse caso como uma alusão ao purgatório será Agostinho. Le Goff explica:

      Não se deve exagerar nem minimizar a importância da Paixão de Perpetua e de Felicidade para a pré-história do Purgatório. NÃO SE TRATA AQUI PROPRIAMENTE DE PURGATÓRIO, e nenhuma das imagens dos mortos destas duas visões estarão presentes no Purgatório medieval. (p. 69)

      Provavelmente Dinócrates estava no inferno na visão de Perpétua. A crença na salvação pós-morte era razoavelmente popular no século III.

      Todos os argumentos do católico foram tratados nos meus artigos sobre os pais da igreja e o purgatório:

      http://respostascristas.blogspot.com.br/2016/02/os-pais-da-igreja-e-o-purgatorio-parte-2.html

      Tenho esperança de que você leia Tiago e comece a interagir com os meus argumentos. Se você simplesmente repetir as mesmas coisas sem interagir com as respostas que dou, será um debate infrutífero.

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    13. (cont..)

      “Sobre a citação do livro de Macabeus, essa passagem realmente se trata de pecado mortal, onde a pessoa que morre sem arrepender-se dele, será condenada ao inferno sem chance de remi-lo no purgatório. Porém, sobre isso a igreja ensina que devemos confiar na misericórdia infinita de Cristo que tem seus meios de salvação. Mesmo morrendo em pecado mortal, cremos que certas pessoas podem ser salvas por motivos de ignorância da fé ou de desequilíbrio psíquico, como pânico ou traumas, porém Só Deus sabe o estado de cada pessoa no momento da morte, e por isso devemos rezar por sua alma, acreditando que possa ter sido salva por algum motivo e esteja sendo purificada no purgatório. Quando vejo alguém cometer suicídio por exemplo, sempre rezo para que a misericórdia do Senhor possa alcançar e salvar aquela pessoa, pois não sabemos exatamente das gravidades que a levaram a fazer isso. Enfim.”

      (1) Então você concorda que a passagem de Macabeus não pode ser usada para provar o purgatório. Ocorre que os apologistas católicos aos montes fazem uso dessa passagem. De fato, o desenvolvimento da doutrina do purgatório teve grande impulso graças a interpretação incorreta dessa passagem;

      (2) Essa visão benevolente de que algumas pessoas que morreram em pecado mortal poderia ser salva por ser ignorante na fé é uma inovação recente da igreja romana. O ensino histórico da igreja romana é que os não católicos-romanos não podem ser salvos. Como teólogos modernistas começaram a predominar especialmente após o Concílio Vaticano II, o magistério presente acaba contradizendo o magistério antigo – uma prova da falibilidade magisterial da igreja romana. Veja o que disse o Concílio de Florença:

      A Igreja crê firmemente, professa e prega que todos aqueles que estão fora da Igreja Católica, não só pagãos, mas também judeus ou hereges e cismáticos, não podem compartilhar a vida eterna e irão para o fogo eterno que foi preparado para o diabo e seus anjos, a menos que eles estejam ligados à Igreja Católica antes do final de suas vidas, pois a unidade do corpo eclesiástico é de tal importância que somente aqueles que recebem os sacramentos da Igreja contribuem para a salvação, fazendo jejuns, obras de piedade e práticas cristãs que produzem recompensas eternas, e ninguém pode ser salvo, não importa o quanto tenha doado em esmolas e até mesmo se derramou o seu sangue em nome de Cristo, a menos que tenha perseverado no seio e na unidade da Igreja Católica. (Concílio de Florença, 1431-1445)

      Agostinho, obviamente se referindo à igreja católica de seus dias e não à igreja romana, disse:

      Nenhum homem pode encontrar a salvação exceto na Igreja Católica. Fora da Igreja Católica se pode ter tudo, exceto a salvação. Uma pessoa pode ter honra, pode ter os sacramentos, pode cantar aleluia, pode responder amém, pode ter fé no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e pregá-lo também, mas nunca pode encontrar a salvação exceto na Igreja Católica. (Sermo ad Caesariensis Ecclesia plebem)

      Trata-se claramente de mais um das muitas inovações de Roma. Os reformadores também acreditavam que não havia salvação fora da igreja. Obviamente, eles defendiam um conceito de igreja diferente de Roma.

      (3) Acho que sem perceber você acabou apontando uma razão para considerar Macabeus não inspirado. Se ele defendeu a oração por pessoas que estavam no inferno (afinal eles cometeram pecado mortal), ele ensinou algo errado. Como o Espírito Santo não pode inspirar um livro com erros doutrinários, Macabeus não pode ser considerado Escritura inspirada.

      Meu amigo, a oração pelos mortos são somente pelas almas do purgatório, esse nome não era usado no início, porque a igreja só foi batiza-lo como purgatório nos concílios que ocorreram nos séculos 6 e 7. Se a oração pelos mortos que era crida por Agostinho não era o purgatório, então vc poderia dizer quais seriam? Pode até ter existido pessoas que rezaram pela salvação de quem está no inferno, mas dentro da doutrina cristã, oração pelos mortos sempre se refere somente às almas do purgatório.

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    14. (cont...)

      (1) “Oração pelos mortos sempre se refere às almas nos purgatório”. Você já afirmou isso várias vezes, mas não documentou sua posição. Tertuliano acreditava em oração pelos mortos sem crer em purgatório. Orígenes, Gregório de Nissa e Clemente de Alexandria defendiam oração pelos mortos sem acreditar em purgatório (mais detalhes no meu último artigo). Jerônimo, Ambrosiastro e Ambrósio acreditavam em orações pelos mortos acreditavam em oração pelos mortos sem crer em purgatório (dê uma olhada em meus artigos sobre Sola Fide). A crença na oração pelos mortos surgiu antes do purgatório, portanto seu argumento é historicamente falho. Le Goff deixou isso bem claro nas citações que eu já passei nessa reposta.

      (2) No caso de Agostinho, é provável que em algum momento ele tenha conectado orar pelo morto com a sua especulativa doutrina do purgatório, mas ele não acreditava que uma coisa dependia necessariamente da do outra. Como Le Goff mostrou (veja a citação acima), a oração pelos mortos e o purgatório foram crenças que caminharam em separado a maior parte do tempo em Agostinho;

      (3) Nenhum concílio da igreja tratou do purgatório nos séculos 6 e 7. Esse tema só foi objeto de concílio no século 12 (O que só evidencia o caráter inovador do purgatório, pois demoraram 12 séculos para defini-lo como um dogma).

      Já a respeito das citações de Agostinho a respeito do purgatório. De fato Agostinho ensinou algo muito próximo do purgatório (algo que eu disse claramente nos meus artigos anteriores). Porém, ele não estava repassando uma doutrina sempre crida pela igreja e admitia que tinha dúvidas a respeito, portanto, não poderia ser um artigo de fé da igreja. Ele expressa essa dúvida especialmente na obra “Enchiridium”:

      QUE ALGO SEMELHANTE ACONTEÇA IGUALMENTE DEPOIS DESTA VIDA, NÃO É IMPOSSÍVEL. SERÁ DE FATO ASSIM? É LÍCITO INVESTIGÁ-LO, SEJA OU NÃO PARA DESCOBRI-LO. Alguns fiéis (neste caso) poderiam, mais cedo ou mais tarde, ser salvos por um fogo purgatório, conforme tenham amado mais ou menos os bens transitórios. Porém, nunca o serão aqueles de que se diz que “não possuirão o reino de Deus” (I Corintios, VI, li) se, por uma penitência adequada, não obtiverem a remissão dos seus pecados (crimina), Adequada, disse eu, que não sejam avaros em esmolas, visto que a Santa Escritura atribui a estas um valor tal, que o Senhor anuncia (Mateus, XXV, 34-35) dever contentar-se unicamente com esta colheita para colocar (os homens) à sua direita ou unicamente com a ausência dela para os pôr à esquerda, e dirá a uns: “Vinde, os abençoados por meu Pai, recebei o reinos e aos outros: «Ide para o fogo eterno.” (Enchiridium 69-70)

      E também na obra Cidade de Deus:

      Após a morte deste corpo, até que chegue o dia que se seguirá à ressurreição dos corpos e que será o dia supremo da condenação e da remuneração, SE se afirma que, neste intervalo de tempo, as almas dos defuntos suportam esta espécie de fogo, não o sentem aqueles que nos seus corpos não tiveram durante a vida costumes e amores tais que o seu feno, a sua madeira e a sua palha sejam consumidos; mas os outros sentem-no, aqueles que trouxeram consigo construções de materiais semelhantes; encontram o fogo de uma atribulação passageira que queimará completamente essas construções que vêm do século, seja apenas aqui, seja aqui e lá em baixo, ou mesmo lá em baixo e não aqui e que não são, aliás, passíveis de condenação aos Infernos; POIS BEM, NÃO REPILO ESTA OPINIÃO, POIS TALVEZ SEJA VERDADEIRA. (Cidade de Deus - XXI, 26)

      Mais detalhes sobre isso no meu último artigo. Como já disse, o máximo que a apologética católica consegue é um mero TALVEZ 300 anos depois do período apostólico. É muito pouco para quem diz ter sempre guardado a fé cristã.

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    15. (cont...)

      “E te pergunto, se não há possibilidade de remissão dos pecados após a morte, então o que Jesus quis dizer com essas palavras:
      Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no século vindouro (MT 12,32).
      Abs!”

      Você situou bem a questão. Se a interpretação católica sobre esse versículo estiver correta, o máximo que se provaria é a possibilidade de perdão de pecados no pós-morte, mas ainda seria insuficiente para provar a doutrina do purgatório. Todavia, o texto em nenhum momento afirma que haveria perdão de pecados no pós-morte. O texto apenas afirma que um pecado em específico (falar contra o Espírito Santo) não será perdoado nunca, nem nesta vida nem no porvir. Isso de nenhuma forma implica que outros pecados serão perdoados no porvir. A ênfase de Jesus é sobre a impossibilidade do perdão e não o inverso.

      A questão é porque Jesus fez questão de enfatizar que não haveria perdão no pós-morte. Eu proponho duas explicações mais prováveis:

      (1) Jesus quis enfatizar a seriedade desse pecado negando uma hipótese (perdão pós-morte) que não era real;

      (2) Os ouvintes de Jesus poderiam acreditar em perdão pós-morte. Ele então enfatizou que isso não seria possível.

      Além do mais, se existissem pecados a serem perdoados após a morte, seria totalmente inútil Paulo ter dito:

      Como cooperadores de Deus, insistimos com vocês para não receberem em vão a graça de Deus. Pois ele diz: No tempo aceitável te escutei e no dia da salvação te socorri; eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação! (2ª Coríntios 6:1,2)

      Se o “tempo aceitável” para alguém ser salvo e o “dia da salvação” pudesse ser obtido em algum lugar após a morte, tais versos não fariam qualquer sentido, precisamente porque expressam que é aqui (na terra, e não depois da morte) o tempo aceitável por Deus para que os homens sejam salvos. Ou seja: Deus não aceitará nem concederá salvação a ninguém depois de morto. A mesma linguagem é aplicada pelo autor de Hebreus:

      Pelo contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama ‘hoje’, de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado. (Hebreus 3:13)

      O tempo para sermos convencidos dos nossos erros, encorajados na prática da justiça e de não sermos endurecidos pelo engano do pecado é hoje, é nesta vida, e não em uma vida póstuma, como ensinam os espíritas (reencarnação) e os católicos (purgatório). Então não há salvação nem pagamento pelos pecados depois da morte para ninguém. Queira ou não, goste ou não. Mas e Mateus 12:32? Estaria contradizendo o claro ensinamento bíblico sobre a impossibilidade de pecados serem perdoados após a morte? É claro que não. O texto, em sua forma grega, é simplesmente um trocadilho para dizer que alguém não será perdoado nunca.

      O original grego traz neste texto a palavra grega aion, cujo sentido primário, de acordo com a Concordância de Strong, é de “para sempre, uma idade ininterrupta, tempo perpétuo, eternidade”. Mas é completamente sem sentido dizer que alguém não será perdoado nem no presente aion e nem no futuro aion. Seria como dizer: “você não será perdoado nem na eternidade presente, nem na eternidade futura”. Por isso, o sentido lógico do texto, diante do emprego do aion, é o de que Cristo estava apenas realçando o fato de que a pessoa não será perdoada nunca, isto é, para sempre (aion). É a mesma coisa de quando a Bíblia emprega várias vezes o termo “de eternidade em eternidade”, onde se repete duas vezes o aion, não porque exista mais do que uma eternidade, mas apenas para realçar o fato de que é eterno. Em português, seria como eu dizer: “eu não vou te perdoar para sempre, nem agora e nem nunca”.

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    16. (cont...)

      Outra possibilidade para o texto é de que o aion aqui esteja em seu sentido secundário. E qual é o sentido secundário de aion? A Concordância de Strong diz que são “os mundos, universo”. Em outras palavras, o texto não estaria falando do aion em termos de eternidade, mas em termos de mundos. Estaria dizendo: “não será perdoado, nem neste mundo, nem no mundo que há de vir”. De fato, é desta forma que este verso é traduzido por algumas versões católicas, como a CNBB e a Bíblia de Jerusalém em português e em espanhol.

      Mas ai não estaria o purgatório? Não tão cedo. Isso porque temos fortes razões para crer que esse “mundo por vir” não tem absolutamente nada a ver com o purgatório, primeiramente porque na única vez que a Bíblia fala de um mundo (ou Reino) vindo literalmente é em Apocalipse 21:2, que claramente fala da Jerusalém celestial, e não do purgatório:

      “Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu marido. Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus” (Apocalipse 21:2-3)

      Portanto, esse “mundo que há de vir” trata-se de um Reino que hoje se encontra em “outro mundo” (no Céu) e que virá se estabelecer sobre a nova terra por ocasião do fim do milênio e do início do estado eterno. É óbvio que não se trata do purgatório, mas do Paraíso celestial.

      Em segundo, esse mundo que há de vir não pode ser uma referência ao purgatório simplesmente porque o purgatório não é algo que “há de vir”, pois ele já é. Para os católicos, o purgatório é algo que já está em atividade, portanto não é algo que virá, num futuro distante. Se a interpretação correta do aion em Mateus 12:32 for de “mundo”, ele estaria falando deste mundo presente (terra atual) e da nova terra prometida (Nova Jerusalém que descerá do Céu), e não deste mundo e do purgatório.

      O ensino do purgatório é frontamente anti-bíblico. Ele contraria o ensino claro da suficiência do sacrifício de Cristo para expiar todos os pecados. Paulo e João claramente disseram:

      Portanto, agora não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus. (Rm. 8:1)

      Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado. (1 João 1:7)

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  3. Olá Respostas Cristãs

    Bom dia

    Considerando que a Igreja Católica como a Igreja fundada por Jesus a mesma mesmo não sendo Católica Romana tem ( ou deveria ter) uma unidade doutrinária. Não tem lógica um crente crer na imortalidade da alma e outro crer na mortalidade da alma uma das duas visões está errada é portanto é anti-biblica e como a Bíblia ensina a imortalidade da alma logo a crença mortalista está errada. Jesus não ensinaria em um momento e em um lugar a imortalidade da alma e em um outro lugar e em um outro momento a mortalidade da alma, considerando que o Santo Deus Espírito Santo capacita os crentes para a correta interpretação pois tem que haver uma ação Divina junto com a ação humana para a correta interpretação. Um outro ponto interessante também é a questão da condenação eterna uns creem no inferno eterno outros creem no aniquilamento proporcionalista. Os aniquilacionistas proporcionalistas não consideram um inferno eterno uma punição condizente com o caráter de Deus e isso tem uma implicação importante pois consideram o Deus de um inferno eterno um deus não bíblico. Bom é isso.

    Um grande abraço

    Luiz

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    1. Olá Luiz,

      Seja bem vindo ao blog.

      Eu não concordo que não possa haver nenhuma divergência doutrinária na igreja de Cristo. Isso se dá pelos próprios limites da revelação. Como a revelação é suficiente, mas não é exaustiva, se segue que alguns questões sempre ficarão em aberto ou não serão suficientemente respondidas.

      É notório que havia diversidade entre as igrejas mesmo no período apostólico. A igreja dos séculos seguintes também seria marcada pela diversidade de crenças em questões que hoje são consideradas fundamentais. Eu considero que existem doutrinas fundamentais e inegociáveis, as quais um cristão deve necessariamente subscrever. No entanto, existem sim doutrinas secundárias em que alguma diversidade é permitida.

      A questão da imortalidade da alma e da eternidade do inferno se insere nesse segundo grupo. Eu não acredito que uma pessoa tenha necessariamente deixado de ser cristã por não concordar comigo nesses pontos.

      Abraço!

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  4. Estou gostando dos debates. Principalmente por que o autor do blog é sempre respeitoso com os que se opõem. Que Deus nos guie em toda a Verdade.

    Pax.

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  5. Fim do debate?
    Vc deveria ao menos ser honesto e excluir essa "refutação" totalmente distorcida sobre o purgatório, já que Agostinho não era contra tal ensinamento. Ou vai continuar insistindo que ele era contra, diante das provas que apresentei?

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    1. Caso o sr. não traga nenhum argumento novo e deixe de apenas de repetir as mesmas coisas que já foram respondidas três vezes, sim, o debate está encerrado. Infelizmente não tenho tempo suficiente para debater com alguém que sequer foi capaz de compreender a tese defendida.

      A nossa tese se baseia em duas afirmações:

      (1) Agostinho não estava repassando uma tradição sempre crida pela igreja quando ensinou o purgatório:

      (2) Agostinho reconheceu que o purgatório era fruto de especulação e que havia dúvidas a respeito dessa doutrina.

      Se você não consegue perceber a diferença dessas duas afirmações para:

      (1) Agostinho era contra o purgatório.

      Lamento lhe dizer, mas você não está qualificado para esse debate. Um pressuposto mínimo para um debate é que você compreenda e ataque a real posição do seu oponente e não um espantalho. Além do mais, nos últimos comentários você foi desrespeitoso nos chamando de desonestos. Aqui zelamos pela polidez e educação, o que por si só já seria suficiente para não liberar seus comentários.

      Se você quiser continuar comentando sinta-se a vontade. Mas terá que atender a dois requisitos:

      (1) Ser respeitoso (o que você nem sempre é)
      (2) Atacar a real posição defendida e responder aos argumentos, pois eu não tenho tempo para ficar repetindo as mesmas coisas para alguém que visivelmente apenas repete as mesmas coisas sem lidar com as respostas que oferecemos.

      Fique na PAZ!

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    2. Onde se lê e "deixe de apenas", leia-se "apenas".

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  6. Gary Wills é um "católico" dissidente, assim como Hans Kung. Seja honesto em suas referências. Negar que Agostinho cria na presença Real na Eucaristia ( e isto vale para a crença predominante em toda a história da Igreja até os reformadores )é ir contra o consenso acadêmico que você parece tanto dar valor.
    http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/642-historia-da-doutrina-eucaristica-na-igreja-primitiva-por-9-autores-protestantes

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    Respostas
    1. Porque eu seria desonestos em citá-los? Até onde me consta, eles nunca foram excomungados, então continuam sendo católicos. Além disso, o que seria um católico "dissidente"? Se todo historiador ou teólogo católico que acredita em algo diferente da narrativa oficial da Igreja de Roma for um dissidente, provavelmente não sobrará nenhum historiador católico não dissidente na sua lista.

      Eu não neguei que Agostinho acreditasse na presença real. O que ele e muitos outros Pais da igreja não sustentavam é a ideia exótica da transubstanciação. Presença real é um termo cunhado pelo Anglicano do séc. XVI para se diferenciarem da posição meramente simbólica em favor da presença espiritual de Jesus na Eucaristia. O site citado fez um uso totalmente deturpado dos historiadores protestantes ao equiparar presença real e transubstanciação.

      Não há consenso acadêmico algum em favor da transubstanciação na história da Igreja. Os historiadores geralmente narram que havia uma variedade de posições entre os Pais. Inclusive alguns do historiadores citados nesse artigo (Ex. Philip Schaff) corrobora a posição de que Agostinho adotou a ideia da presença espiritual de Jesus na Eucaristia.

      Agora se quer falar de consenso acadêmico, avalie doutrinas como o papado e episcopado monárquico. Se você for seguir o consenso nesses ponto, terá que deixar de ser católico.

      Sugiro que recorra fontes melhores se quiser ter um visão melhor da História da Igreja (mesmo de um ponto de vista católico romano), pois o site linkado por você é de baixíssima qualidade .

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