Observações
do tradutor
O texto abaixo é uma
tradução do artigo “A suposta infalibilidade dos Concílios” de Luis Bermejo.
Ele foi um prestigiado teólogo jesuíta espanhol que ensinou teologia no Pontifício
Ateneu de Puna, na Índia. A versão em espanhol pode ser vista aqui.
Eu não concordo com todas as opiniões expostas, mas Bermejo oferece um
interessante panorama bíblico e histórico sobre a infalibilidade conciliar,
culminando com sua conclusão de que tal ideia não é parte do depósito da fé. Em
todo o caso, é interessante notar quão distante estão as opiniões dos
acadêmicos católicos daquelas compartilhadas pela apologética católica padrão.
I.
O
testemunho do Novo Testamento
A teologia católica
tradicional considera que a infalibilidade dos concílios vem incluído, pelo
menos implicitamente, nas promessas de orientação e proteção que Jesus fez aos
seus discípulos tal como são encontradas em João 14:15-17; 14:25-26; 15:26-27;
16:12-14 (os textos do Paráclito) e em Mateus 28:19-20.
Os
textos do paráclito
1. Os textos do Paráclito
Em vez de nos deixarmos levar
por um processo de raciocínio que, a partir desses textos acabará nos dando a
conclusão teológica da infalibilidade, é preferível ouvir objetivamente aos
exegetas que os explicaram independentemente de qualquer desenvolvimento
doutrinário posterior. O estudo dos comentários de João publicados pelos
exegetas contemporâneos mais conhecidos nos dão os seguintes resultados:
a)
O Paráclito – o Espírito da verdade
A palavra Parakletos aparece
três vezes no NT, referindo-se ao Espírito Santo (Jo 14:16-26; 16:7) e uma vez
referindo-se a Cristo (1Jo 2:1). Seu significado original é de defensor ou
advogado, alguém que defende seu cliente perante um tribunal de justiça. Alguém
chamado para ajudar intelectualmente uma pessoa, especialmente dando conselho,
exercendo assim o ofício de inspirador. No entanto, esse sentido etimológico
não esgota a riqueza da palavra, já que o verbo grego correspondente
(parakaléo) também abarca a ideia de consolo e alívio. Esta é a ideia que
parece mais ajustada ao contexto das passagens do Paráclito.
O Paráclito é "o Espírito
da verdade", na medida em que se opõe ao espírito do erro (1 Jo) e da
mentira (Jo 8). Essa expressão, sempre usada por João para definir o Espírito, tem
um significado ontológico (possui a verdade e é a verdade) e, ao mesmo tempo,
um significado funcional (ensina e transmite a verdade). Da mesma forma que
Jesus é "o pão da vida" porque é a vida e dá vida, também o seu
Espírito é o Espírito da verdade porque é a verdade e porque a comunica aos
outros.
Em João, o conceito de verdade
inclui os sentidos hebraico e grego da palavra. Na mentalidade semítica, a
verdade afeta principalmente a atividade existencial do homem, a verdade é o
princípio da ação (firme, fiel, digna de confiança). Na mentalidade grega, a
verdade refere-se principalmente ao conhecimento intelectual. Assim, o Espírito
é, ao mesmo tempo, o princípio da firmeza e estabilidade e o da revelação
divina. A mensagem de Jesus será totalmente capturada e profundamente
assimilada graças ao Espírito da verdade.
b)
Jesus promete a plenitude da verdade
O fato de que o Espírito
"lhes guiará a toda a verdade" ou, em outra tradução "vos guiará
em toda a verdade" (João 16:13), é quase certo que significa que o Espírito
é a fonte de uma nova revelação diferente da de Jesus. A promessa do Espírito
da verdade não implica que a revelação que os discípulos receberam de Jesus é
incompleta. Como consequência da função iluminadora do Espírito, a mensagem
original de Jesus será capturada e assimilada mais profundamente. Eles viverão
em diferentes situações históricas e os discípulos sempre a entenderão
novamente, mas nunca deixará de ser a mensagem original de Jesus.
Essa orientação do Espírito
não se limita à apreensão intelectual da verdade, mas implica também um modo
concreto de viver de acordo com o ensinamento de Jesus. Restringir seu
significado à dimensão intelectual seria reduzir a "verdade" joanina
ao seu substrato grego, esquecendo a veia semítica que aponta mais para a ação
e a vida. O Espírito guia os discípulos quando expõem o conteúdo da mensagem e
também quando vivem de acordo com ele. Tanto o teólogo como o santo são
verdadeiras testemunhas do Espírito. Estes exercem sua influência tanto na área
da verdade intelectual e na do comportamento ético, combatendo tanto a
falsidade do erro como a escuridão do pecado.
A passagem de João 16:13b
("Ele lhe dirá o que está por vir") não está claro, mas as diferentes
interpretações que são dadas não tiram nada da plenitude da revelação que
Cristo tem já ensinado. Parece que os exegetas se dividem em partes iguais
entre aqueles que possuem uma interpretação verdadeiramente profética da
passagem e aqueles que se opõem a mesma. A última parte do versículo pode
implicar um autêntico dom de profecia, um poder dado por Deus para prever
eventos futuros; ou pode simplesmente se referir, em harmonia com a primeira
metade, à luz do Espírito que será lançada, não tanto em fatos de um futuro
distante, mas daqueles que seguirão imediatamente a promessa do Espírito,
especificamente a morte e ressurreição de Jesus e seu significado salvífico. Porém,
mesmo que se refira a uma visão profética autêntica, isso não implica revelação
de novas verdades. João 15:15 parece excluir novas revelações: "Tudo o que
ouvi de meu Pai, eu lhes dei a conhecer".
c)
Toda a Igreja é beneficiária da promessa do Espírito
Obviamente, os discípulos,
interlocutores imediatos de Jesus, serão guiados pelo Espírito para a plenitude
da verdade. Mas esta promessa vai muito além do círculo dos Doze, da mesma
forma que a promessa da habitação do Espírito não pode ser restrita às
testemunhas oculares, mas se estende a todos os futuros discípulos. No
Evangelho de João, os discípulos são frequentemente o modelo de todos os
cristãos e "o que ele diz deles, ele entende como para a Igreja".
Assim, mesmo de acordo com o ponto de vista de João, exegeticamente os
beneficiários finais da promessa não são apenas os Doze ou seus sucessores no
ofício apostólico, mas toda a Igreja. Não faz sentido a interpretação que
estende a presença do Espírito a toda a Igreja, mas restringe a promessa do seu
guia.
d)
Guia infalível?
A questão da infalibilidade
não pode ser evitada. Implicam as passagens do Paráclito que a Igreja, como
beneficiária da promessa, será preservada do erro? Apenas três dos 36 autores
consultados - os três católicos - acham que sim. Dois outros negam
explicitamente, mas a grande maioria deixa a questão envolta num silêncio
impressionante Eles nem sequer mencionam a noção de infalibilidade quando estudam
estas passagens, pois do ponto de vista exegético não pode ver como a promessa
explícita da orientação do Espírito da verdade contém a afirmação implícita da
infalibilidade A orientação do Espírito (que, como foi indicado, se estende
tanto a verdade intelectual quanto ao comportamento moral) não impede que a
Igreja caia em pecado Por que, então, a Igreja seria preservada do erro em
virtude da mesma promessa? Não exageramos muito o testemunho quando vemos nas
palavras de João a promessa de um guia infalível?
2. O final de Mateus
Mateus 28:16-20 é a segunda passagem que geralmente é feita
em favor da infalibilidade. Seguindo o mesmo procedimento de deixar os exegetas
falarem mais que os teólogos dogmáticos, eu examinei os principais comentários
sobre Mateus que foram publicados em nossos tempos. Suas opiniões sobre o ponto
que estamos lidando podem ser resumidos da seguinte forma:
a)
O Conteúdo
da Promessa
As palavras de Jesus "Eu estarei com
vocês" ecoam expressões semelhantes do AT, com o qual Yahweh garante sua
proteção infalível aos que ele escolheu para uma missão difícil. O mesmo ocorre
com Paulo no NT (Atos 18:10). Da mesma forma que o povo de Israel no deserto
sempre foi sustentado e protegido pelo poder de seu Deus, presente no meio da
comunidade, agora também os onze recebem o mandato para pregar o kerygma entre
os povos, para que eles possam se juntar à comunidade dos crentes através do
batismo e, juntamente com o mandato, receber a garantia de proteção divina no
cumprimento do mesmo.
Deve-se notar que a promessa da presença
protetora de Deus não ocorre em um contexto de revelação, como um guia sobre o
caminho para a plenitude da verdade, mas como o meio para cumprir o mandato
missionário de pregar e batizar. O texto não contém qualquer referência ao
pleno entendimento da mensagem de Jesus por parte dos discípulos. No entanto, é
antes um convite à confiança e ação. O que se promete é a presença divina tendo
em vista a pregação do Evangelho, não uma assistência iluminadora com vista a
uma penetração mais profunda da verdade revelada.
b)
Os
beneficiários da promessa divina
Se, em João, os discípulos representam
toda a comunidade cristã, não se pode dizer o mesmo com igual certeza sobre os
Onze, aqueles que recebem imediatamente a promessa da presença de Jesus em
Mateus, pois, no primeiro evangelho, a palavra "discípulo" parece ter
um sentido mais restrito do que em João. Para Mateus, os discípulos são em
primeiro lugar, os Doze e, em todo caso, na passagem que consideramos, ele fala
explicitamente dos "onze discípulos". No entanto, nem todos os
exegetas estão de acordo. Alguns acreditam que os onze são especificamente os
representantes da comunidade O mandato para pregar e batizar (e, portanto, a
promessa da presença protetora como meio de realizá-la) é dirigida, em primeiro
lugar, aos Onze. Porém, neles, também para a futura comunidade de crentes. A
prática constante da Igreja que sempre permitiu que os leigos administrassem o
batismo parece-lhes uma prova clara de que o mandato missionário não se limita
ao Onze. E se o mandato não foi limitado, também não seria a presença divina
que o acompanha. É toda a Igreja que recebe o benefício da presença continuada
de Jesus.
c)
Ensino infalível?
Jesus promete sua presença no meio da
comunidade que tem que pregar sua mensagem até o fim dos tempos. Mas, dentro do
contexto do ensinamento do kerygma, o que Jesus promete é a sua presença e o
seu apoio, nada mais. Nenhum dos comentaristas de Mateus que temos consultado
diz uma palavra sobre infalibilidade em relação a isto. Alguns deles veem nas
palavras de Jesus a promessa da indefectibilidade da Igreja assegurada por
proteção divina, mas abstém-se de ir além desta afirmação.
II. Desenvolvimento
patrístico ou silêncio patrístico?
Se quisermos evitar o perigo constante de
projetar-se sobre o período primitivo teorias eclesiológicas modernas, ou que
se desenvolveram depois, teremos que examinar o conceito de autoridade dos
concílios dos primeiros séculos nos escritos da época. A maioria das opiniões
que circularam no século IV sobre a autoridade da Igreja focam em torno do
primeiro concílio ecumênico.
Atanásio
e a Autoridade de Niceia
A principal razão que Atanásio
dá para aceitar incondicionalmente os decretos conciliares é, sem dúvida, o
caráter apostólico do concílio: o fato de que Niceia, longe de inovar, nos
entrega o kerygma apostólico. Esta
fidelidade à mensagem apostólica é a razão para a irreformabilidade de seus
decretos [1]. Atanásio também se refere a relação que vincula a Sagrada
Escritura ao concílio. Você tem que aceitar a fé de Niceia porque é "a
palavra de Deus", não no sentido forte da Bíblia, mas porque foi inspirado
nela e está imbuído dela. Em uma palavra, porque "os bispos de Niceia
respiram as escrituras" [2].
Além do caráter apostólico e
do fundamento escriturístico que acabamos de apontar, Atanásio adiciona, quando
ele escreve ao Imperador, o fato da aceitação universal dos decretos em toda a
Igreja [3]. A recepção dada à fé de Niceia desempenhou um papel considerável no
estabelecimento da autoridade do concílio. Mas parece que Atanásio
completamente ignora qualquer autoridade do conselho que se origina a priori.
Na opinião de H. J. Sieben, o conceito de uma certa infalibilidade
"automática" dos concílios, uma vez cumpridos determinados requisitos
(de legitimidade ou, até mesmo, de ecumenicidade), é estranho para Atanásio: Niceia
ensina a fé apostólica de fato, não de jure [4].
O
imperador e os Pais de Niceia
Foi o imperador e não Atanásio
que reivindicou para Niceia uma autoridade pouco menos do que divina, com base
na ideia de que o Espírito Santo iluminou a inteligência dos pais conciliares,
transformando-os em instrumentos dóceis da vontade divina. Esta afirmação
imperial é sumamente debilitada pelos motivos políticos que o impulsionaram a
faze-la (a unidade do império), e pelo fato de que ele usou expressões
semelhantes para se referir ao concílio de Arles (não-ecumênico). Em Atanásio,
pelo contrário, "observamos um surpreendente silêncio: Atanásio nunca
recorre ao Espírito Santo" [5].
O próprio Concílio de Niceia,
em seus decretos e decisões, dá alguma razão, embora vaga, para justificar sua
aceitação: os decretos devem ser aceitos porque são tradicionais, porque
simplesmente reproduzem uma norma que já existe ou porque são de acordo com as
Escrituras. Portanto, o concílio dá a impressão de aplicar a uma situação histórica
concreta a prática estabelecida anteriormente na Igreja. Nunca apela a uma ação
do Espírito Santo que preserva o concílio do erro [6]. Os documentos que
restaram deste período não nos oferecem uma teoria coerente sobre a autoridade
conciliar [7]. Várias razões são usadas para sustentar sua autoridade: a
providência divina, a orientação do Espírito, o sentido apostólico e
escriturístico do concílio, a unanimidade, a representação, a recepção e a tradição. Contudo, apesar de
todas estas razões, durante os cinquenta anos seguintes, sua autoridade seria
discutida e até rejeitada por importantes grupos de bispos, muitas vezes
reunidos em concílio [8].
O
agitado período que se seguiu a Niceia
Os teólogos do período entre
Niceia e Éfeso aceitam a profissão de fé nicena por motivos diferentes de sua
natureza ecumênica. Tampouco consideram Niceia como um tipo de prolongamento do
"concílio apostólico" de Jerusalém (Atos 15), que aparece designado
como um concílio apenas a partir do século V. A dificuldade de avaliar a autoridade
que estes escritores do século IV atribuíram a Niceia cresce, ademais, com a
flutuante terminologia da época [9].
As razões positivas em que se
baseia a autoridade de Niceia são de natureza diferente. Para alguns, Niceia é
uma assembleia de confessores e mártires, e baseiam nesta característica sua
autoridade e prestígio, ao invés de no ofício episcopal de seus participantes.
Outra base muito mais comum para aceitá-lo é a convicção de que Niceia
manifesta a vontade divina: Deus guiou efetivamente as deliberações conciliares
e estas, portanto, são dotadas de uma espécie de inspiração. Expressa e
energicamente referem-se ao fato de que os pais do concílio estavam sob a
influência direta do Espírito Santo. Outro grupo de escritores aduz uma razão
semelhante, quando fala da presença invisível de Jesus no concílio. Eles também
confiam no significado místico do número de pais (318) reunidos em Niceia (cf.
Gn 14:14). A intenção unânime desses autores é "expor sua convicção comum:
Deus está por trás deste texto conciliar. Deus garante a verdade desta
afirmação. Aqui encontramos a verdade absoluta" [10].
Alguns
pais orientais e o papa Dâmaso
Gregório de Nissa, Basílio e
Epifânio consideram, como Atanásio, que a ideia de tradição (paradosis), perceptível no concílio, é a
categoria fundamental que empresta a seus decretos o caráter absoluto da
verdade. Quanto ao critério para averiguar a tradição autêntica, diz-se que se
encontra no fato de um acordo comum entre os bispos reunidos, embora a defesa e
a rejeição deste critério fundamental vem contaminado por considerações de
natureza partidária [11].
O papa Dâmaso, em sua carta
aos bispos orientais, introduz um novo motivo para a aceitação de Niceia: o
fato da representação legal da Santa Sé no mesmo concílio. Além disso, a razão
fundamental para rejeitar o concílio de Rimini, embora estivesse mais cheio que
o de Niceia, é o fato de Roma não aprová-lo. Já aparece a tendência que
influenciaria tão profundamente o pensamento de Roma sobre esta questão nos
séculos subsequentes, mas devemos advertir que o papa Dâmaso, ao aceitar a fé
de Niceia, não menciona a impossibilidade de errar do concílio [12].
Pensamentos
de Agostinho sobre os concílios
Agostinho estabelece como
critério fundamental a distinção entre concílios e escrituras. Esta é que tem
que julgá-los e não o contrário, porque nenhum concílio tem a validade
definitiva da Escritura. Todos os escritos que não pertencem ao cânon bíblico
podem ser questionados, incluindo declarações conciliares, embora em graus
distintos, a depender se eles são o produto de um sínodo local ou de um
concílio plenário. No que se refere a concílios não plenários, Agostinho admite
com toda certeza a possibilidade de erro.
Para Agostinho, a razão
última, o critério decisivo da autoridade dos concílios, é o fato de que são
manifestações visíveis da "católica". Manifestações condicionais, no
sentido de que a Igreja pode sempre manifestar-se mais plenamente na medida em
que capta a verdade mais profundamente. Enquanto os sínodos individuais conotam
um certo processo na busca da verdade, os concílios gerais indicam, de alguma
forma, o fim do processo.
A sentença anterior, no
entanto, deve ser tomada com grande flexibilidade, pois, em uma passagem que se
tornou famosa, afirma sem equívocos que mesmo os concílios plenários são
sujeitos a correção: "Quem não sabe que (...) até mesmo os concílios
realizados em certas províncias ou regiões devem inquestionavelmente ceder à
autoridade dos conselhos plenários de todo o mundo cristão; e que até os
conselhos plenários anteriores são frequentemente corrigidos (emmendari) por
aqueles que os seguem se, como resultado da experiência prática, o que foi
fechado é aberto, ou algo que estava escondido se torna conhecido? [13]
É difícil determinar o
significado exato dessa passagem. Não há dúvida de que por "concílios plénarios",
Agostinho entende os concílios universais, reunidos de toda a
"Catholica" (antigo universo cristão), mas é chocante sua afirmação
de que estes concílios "frequentemente" se corrigiam mutuamente. Não
parece que Agostinho tenha conhecido o I Concílio de Constantinopla (segundo
ecumênico). Portanto, é provável que os "sínodos plenários" de
Agostinho não deveriam ser identificados com os "concílios
ecumênicos", como são entendidos hoje. De todo modo, a noção "concílio
ecumênico" estava longe de ser clara nos primeiros séculos, e apenas
Belarmino comporia uma lista de concílios ecumênicos, nunca reconhecida como
oficial pela Igreja.
O que o bispo de Hipona
realmente pensou sobre a infalibilidade dos concílios ainda é uma questão
discutida hoje. Reconhece, sem dúvida, a força vinculante das decisões
conciliares, mas isso em si não implica necessariamente no reconhecimento da
infalibilidade conciliar. Parece que Agostinho não tratou esta questão ex profeso em nenhum lugar, daí a
dificuldade de descobrir a sua opinião a respeito. Nesse ponto, seu silêncio
deve ser respeitado [14] [15].
Ao
fim do século VI
Os quatro primeiros concílios
já haviam adquirido uma autoridade excepcional, que se intensificou com o
testemunho do Papa Gregório Magno (604), que não hesitou compara-los com os
quatro evangelhos [16]. Sua aceitação universal em todo o comprimento e largura
do Cristianismo é porque eles formularam a "fé", então eles
constituem o critério e norma fundamental da ortodoxia. Mas comparações
arbitrárias e sentidos místicos atribuídos ao número quatro devem ser tomados
com muito cuidado. A linha divisória entre a inspiração do Espírito e sua
assistência seriam perigosamente borradas, mesmo quando os Evangelhos e os
quatro primeiros concílios compartilham a ausência factual de erro quando
expõem a verdade salvadora [17].
Na consciência da Igreja, os
primeiros quatro concílios sempre ocuparam um lugar único. Assim, dentro dos
mesmos concílios ecumênicos, existe uma certa hierarquia ou diferença de classificação,
assim como há uma hierarquia de verdades no conteúdo do kerygma cristão. E ainda existe uma relação entre as duas
gradações, os quatro primeiros concílios lidam precisamente com as verdades da
categoria superior, isto é, os dogmas cristológicos e trinitários.
Antes de passar para outra
etapa, e depois de reconhecer tudo o que foi dito, ainda há pergunta não
respondida: ao elogiar a importância desses primeiros concílios, a igreja era
consciente ou foram os próprios concílios conscientes de que eles exerceram o
carisma de infalibilidade? A infalibilidade conciliar é a única maneira de
explicar os testemunhos patrísticos? Parece-me que os dados históricos
disponíveis podem ser entendidos como o início de um desenvolvimento legítimo
inspirado pelo Espírito que iria do claro reconhecimento da inerrância desses
concílios (uma vez que eles propõem a fé a ser aderida), até a percepção
gradual de que não só eles de fato não erraram, mas até mesmo de não poderiam
ter errado. A "inerrância" poderia ter levado à
"infalibilidade", mas eu não acho que esta conclusão está
suficientemente garantida com os testemunhos que citamos. Ao final do século
VI, a Igreja não parece consciente de possuir a prerrogativa da infalibilidade
quando está reunida em concílio [18].
O
período medieval
Especialmente, do VI ao VIII
século, se proliferaram extraordinariamente os sínodos nacionais e provinciais.
Isto se explica pelo desenvolvimento normal das jovens igrejas locais, que
assim adquirem uma consciência explícita de sua própria identidade num determinado
meio nacional ou cultural. A dimensão mística penetra profundamente na igreja
medieval: se vê estreita relação com a Jerusalém celestial, vivificado pela
presença de Cristo e como templo do Espírito Santo.
Nesta atmosfera, os decretos
de papas e bispos são considerados sancionados pela aprovação do Deus
Todo-Poderoso. As decisões conciliares são sagradas. Os bispos são "tronos
de Deus" e a eles foram confiados o poder de abrir e fechar as portas
celestiais. Os concílios derivam sua autoridade diretamente da presença
invisível do Senhor que cumpre sua promessa de estar no meio dos discípulos
reunidos em seu nome. Os cânones conciliares expressam simplesmente a vontade
de Deus. As atas dos papas e concílios derivam sua força do fato de que eles
ressoam conscientemente as velhas tradições, de que eles não são nada além do
que prolongamento dos acordos conciliares do passado. Fidelidade à tradição é
sua força e seu vigor.
Os textos de Mt. 18:20 e 28:20
são constantemente citados e aplicados às reuniões de bispos e a toda a Igreja,
considerada de acordo com 1 Tm 3:15 como a coluna e fundamento da verdade. Nos
temas eclesiológicos deste tempo, encontramos ressonâncias surpreendentemente
modernas: a teologia das igrejas locais, a Igreja universal pensada
profundamente como comunhão, o valor intrínseco dos concílios, as primeiras
características da colegialidade episcopal. Mas, no meio desses ricos
conceitos, nem uma palavra aparece sobre nosso assunto de infalibilidade conciliar.
A alta idade média simplesmente prolonga o silêncio da era patrística.
O
período dos escolásticos
No tempo dos grandes
escolásticos, havia a convicção universal compartilhada por todos de que a
Igreja em geral, a comunidade dos crentes, não poderia errar na fé; ou que,
pelo menos, em virtude das promessas divinas, era indefectível. Então, no que
se refere aos decretos dogmáticos dos concílios do primeiro milênio,
especialmente os quatro primeiros, são considerados "imutáveis porque
estão enraizados na verdade das Escrituras" [19].
Alberto Magno aplica o texto
clássico de Lc. 22:32 ("Eu tenho orado por você para que sua fé não
desfaleça ...") à sede de Pedro, a fim de mostrar a indefectibilidade da
sede romana. O beneficiário da promessa divina é, em última análise, toda a
Igreja. Tomás de Aquino aceita a clássica tese medieval: a Igreja universal não
pode errar na fé. Dentro da estrutura eclesial, o Papa tem a autoridade suprema
em assuntos doutrinários e só ele tem o direito de convocar concílios, que declaram
e explicitam, contrastando com as novas heresias, o que os concílios anteriores
haviam dito apenas implicitamente. Boaventura também reconhece a inerrância de
toda a Igreja, sem especificar suas condições. Nesse período, a teologia sobre
os concílios dificilmente atraiu a atenção dos doutores.
Por outro lado, entre os
exegetas medievais que comentam Mt. 28:20 e os textos de João sobre o
Paráclito, nenhum fala da garantia de que a Igreja será preservada do erro.
Somente São Bruno vê em Jo 16:12 a promessa de que o Espírito ensinará os
discípulos a verdade plena "sem mistura de qualquer erro" [20].
Da
infalibilidade papal a infalibilidade conciliar – reações
No final do século XIII, o
enigmático franciscano Pedro Olivi propôs a doutrina completamente nova da infalibilidade
papal. Ele defende argumentando que a primazia de jurisdição que foi concedida
a Pedro incluía sua própria infalibilidade pessoal e que a indefectibilidade da
Igreja implica necessariamente a infalibilidade de sua cabeça. Olivi afirmou a
infalibilidade papal como um meio para assegurar que o conceito franciscano de
pobreza, endossada pela bula do Papa Nicolas III, não seria alterado por seus
sucessores. No entanto, João XXII, que claramente percebeu que essa
infalibilidade, longe de aumentar a soberania do papa, restringiria severamente
sua liberdade (pois cada papa estaria ligado às decisões inalteráveis de seus
antecessores), rejeitou-a sem cerimônia como "doutrina pestilenta" e
"audácia perniciosa" [21].
É provavelmente mais do que
uma coincidência histórica que, aproximadamente neste momento (1324),
observamos o que parece ser a primeira afirmação sem qualquer ambiguidade da
infalibilidade dos concílios na boca de Marsílio de Pádua. O único fundamento
da fé da Igreja, diz Marsílio, é a Escritura. As questões que se referem à fé
não devem ser decididas pelo papa, que é "o dragão, a velha serpente, que
é o diabo e Satanás ", mas o concílio geral, que deve ser convocado pelo
estado. O papa sempre pode errar e até cair em heresia, em cujo caso deve ser
deposto pelo concílio, uma vez que a primazia papal da jurisdição é instituição
puramente humana. Os concílios gozam da assistência do Espírito Santo e também
se acredita até mesmo (pie tenendum est) que eles são infalíveis quando
interpretam passagens duvidosas das Escrituras. Marsílio de Pádua foi condenado
por Juan XXII, em 1327, e por Clemente VI, em 1343 [22].
Por volta de 1334, Ockham se
compromete a refutar as ideias de Marsílio sobre a infalibilidade conciliar.
Ockham entende a opinião medieval de que a Igreja não pode errar, não no
sentido de que nunca errará, mas no sentido de que o erro nunca afetará toda a
Igreja. Somente a Igreja inteira está preservada do erro e, uma vez que o
concílio geral não pode representar adequadamente toda a Igreja, os concílios
podem errar na fé, assim como qualquer outra instituição no governo da Igreja.
Não há dúvida de que os concílios gozam da assistência do Espírito Santo, mas
não há fundamento na Bíblia para mostrar que essa assistência geral atinge o
nível da infalibilidade. A autoridade efetiva de um concílio vem menos da
unanimidade alcançada na assembleia conciliar do que da recepção concedida ao
concílio pela Igreja inteira [23].
Tendências
conciliaristas e a divisão de opiniões sobre a infalibilidade conciliar
Com a eclosão do cisma do
Ocidente, em 1378, ele teve que encontrar um remédio fundamental para a triste
situação em que a Igreja estava: foi então que a ideia conciliar apareceu com
todo o seu apelo. Estudos recentes têm demonstrado que, no século XII, já
prevaleciam ideias conciliares totalmente ortodoxas e autenticamente
tradicionais; mas o conceito conciliarista, que coloca o concílio acima do
papa, era algo novo, provavelmente derivado das ideias heréticas de Marsílio de
Pádua. No meio da confusão eclesiástica do final daquele século, insistia-se
repetidamente no concílio como a única esperança de um cristianismo
desesperadamente dividido. Deve-se levar em conta, no entanto, que a linha
divisória entre aqueles que defendiam e aqueles que se opunham à infalibilidade
conciliar cruzavam as fileiras dos papistas e dos conciliaristas. A defesa
firme da estrutura conciliar da Igreja, e mesmo a supremacia do concílio sobre
o papa não implicava necessariamente na defesa da infalibilidade conciliar [24].
Ilustres eclesiásticos da época,
como Gerson e Cardeal d'Ailly, após o fracasso das tentativas de negociação
entre os papas para acabar com o cisma, chegaram a pensar que a via conciliar
era a única saída desse atoleiro. Gerson afirma que "É necessário que a
Igreja tenha uma autoridade infalível para a defesa da fé e solução dos
litígios; mas nenhuma outra autoridade infalível é necessária para além de um
concílio legitimamente convocado." [25] D'Ailly, por outro lado, propõe
sua doutrina de que somente a igreja universal é infalível, enquanto o concílio
pode sempre errar, mesmo em questões de fé. Em outro lugar, ele aceita a crença
piedosa na inerrância ou infalibilidade condicional dos concílios, conforme
seus decretos sejam baseados nas Escrituras ou não [26].
No período que se segue, a opinião
de Nicolau de Cusa sobre os órgãos de autoridade da Igreja parece evoluir na
direção oposta à dos dois autores a que acabamos de nos referir. Durante o
Concílio de Basileia, o cusano afirma que as decisões de um concílio
verdadeiramente ecumênico são infalíveis e que o concílio é superior ao papa.
No entanto, a partir de 1437, ele saiu de Basileia e foi para o campo papista
[27]. Nesta segunda etapa, em que permaneceu definitivamente, ele afirma que os
apóstolos receberam de Pedro o poder das chaves e que os concílios não estão
isentos de erro. João de Torquemada (1468), por outro lado, apesar de sua
adesão maximalista às prerrogativas papais, reconhece a infalibilidade dos
concílios. Estes, no entanto, são totalmente dependentes do papa [28].
Pode-se concluir que, no final
da Idade Média, a Igreja não reconhece a infalibilidade conciliar como
pertencente ao depósito da fé. Se trata de uma questão livremente discutida que
não toca a essência da fé católica. Por outro lado, durante todo este período,
o magistério central da Igreja segue sem tomar nenhuma decisão [29].
Fim
da evolução
O esforço conjunto dos papas
para acabar de uma vez por todas com a oposição conciliarista não obteve
sucesso total. As bulas dos papas (1450, 1483, 1509) foram recebidas com forte
oposição em várias universidades europeias. Pouco antes do IV concílio de Latrão
(1512), a ideia de infalibilidade conciliar começa a ganhar terreno [30]. Os
cardeais Caetano e Jacobazzi a defendem por diferentes razões em relação ao
papa ou toda a Igreja. Mas, ainda na disputa de Leipzig com Lutero (1519),
Contarini afirma a grande autoridade dos concílios omitindo qualquer referência
à questão da infalibilidade conciliar. Pigio, por sua vez, refletindo a opinião
da cúria romana, diz que os concílios não têm garantia de infalibilidade,
porque Cristo a prometeu somente a Pedro [31] [32].
Somente em 1569, sete anos
após a conclusão de Trento, Melquior Cano qualificou como herética a opinião
que admite a possibilidade de erro na fé em um concílio geral confirmado pelo
papa [33]. Então, Belarmino, baseado em vários textos bíblicos e em alguns
testemunhos dispersos dos concílios e da patrística, sustentam que a
infalibilidade dos concílios faz parte da fé católica. Chegamos ao final da
evolução [34]. Todo o período pós-Tridentino até os nossos dias irá reproduzir
os argumentos de Belarmino.
O Vaticano I, nas discussões
que antecederam a promulgação da constituição sobre a infalibilidade papal,
assumiu que a infalibilidade dos concílios era doutrina da fé, mas nunca
examinou a fundo este tópico. O concílio nunca duvidou de sua própria infalibilidade
e os padres decidiram exercê-la proclamando que o papa tem "aquela
infalibilidade com a qual o Divino Redentor quis dotar a sua Igreja".
Parece que o concílio afirma, ao mesmo tempo, sua própria infalibilidade, já
que é muito provável que os bispos entendiam a palavra "Igreja" como
se referindo ao corpo episcopal [35].
Na época do Vaticano II, a
palavra "Igreja" já havia recuperado seu significado original, que se
estendia a toda a comunidade dos crentes, de modo que os dois Concílios do
Vaticano coincidem materialmente no uso da mesma palavra "Igreja" no
contexto da infalibilidade, mas eles atribuem diferentes significados a ela. Se
esta interpretação está correta, chegamos à conclusão de que - embora o
Vaticano I já havia ensinado indiretamente a doutrina da infalibilidade conciliar,
em uma frase subordinada e não como um dogma de fé, só no Vaticano II
encontramos o primeiro ensino explícito e direto de um concílio sobre
infalibilidade conciliar (embora não quisesse usar esse mesmo carisma que
proclamava) [36].
Os
concílios são infalíveis?
A afirmação direta e explícita
da infalibilidade conciliar na Escritura, como pré-condição para sua aceitação
como dogma revelado, é algo que não exigirá nem mesmo o teólogo mais
tradicional. Sabemos que há um desenvolvimento guiado pelo Espírito Santo das
doutrinas que no NT são encontradas apenas de uma maneira indistinta e turva. A
infalibilidade conciliar poderia ser um desses casos.
Agora, no curso de nossa
rápida perspectiva histórica, vimos que esta doutrina, de acordo com a opinião
praticamente unânime dos exegetas modernos e medievais, não é encontrada no NT.
Vimos que os primitivos testemunhos patrísticos e conciliares não implicam
necessariamente na infalibilidade conciliar. Apesar de citados [em apoio a
infalibilidade conciliar], projetam-se neles uma interpretação teológica
posterior, pois esta doutrina apareceu muito tarde (século XIV), provavelmente
como retorno da polêmica franciscana sobre a pobreza, que produziu o repentino
aparecimento do conceito de infalibilidade papal. O primeiro a propor a
infalibilidade dos concílios foi um homem condenado como herege por dois papas.
A doutrina foi discutida livremente ao longo do século XV e abertamente
rejeitada alguns anos antes de Trento e se tornou opinião comum somente após
Trento, numa Igreja dividida três vezes (451, 1054, 1520) e na atmosfera
controversa da Contra-reforma, quando foi proposta pela primeira vez como um
artigo de fé. A doutrina foi assumida sem debate explícito no curso dos
Concílios Vaticano I e II. Uma doutrina com uma história tão tortuosa pode ser
considerada um caso legítimo de desenvolvimento doutrinário? Duvido muito.
A
recepção eclesial e o conteúdo dos concílios
Sem dúvida, os concílios podem
emitir decretos dogmáticos obrigatórios, mas seria arriscado apoiar a força
vinculativa destes decretos sobre tão precária fundação como a infalibilidade
conciliar. A autoridade efetiva de um concílio não depende tanto da vontade dos
bispos para usar um carisma que é suposto ter sido concedido a eles, mas da
recepção que a Igreja dá aos seus decretos: o peso de um concílio se apoia num
fundamento eclesial e pneumatológico mais do que jurídico. A igreja inteira não
confere autoridade legal ao concílio, mas, em certo sentido, é juiz dele. Se a
comunidade de crentes vê nos decretos do concílio um reflexo de sua própria fé
apostólica, o concílio será aceito. O valor intrínseco de um concílio depende
do conteúdo apostólico da doutrina que proclama e é este conteúdo que vai
garantir sua recepção. "O elemento mais decisivo de um concílio não é o
número de participantes ou o controle legal de seus procedimentos, mas o
conteúdo de suas decisões" [37].
A validade ecumênica de um
conselho supõe o reconhecimento da Igreja (...) Mas que igreja? A tradição
católica e Paulo VI, respectivamente, reconheceram o autêntico caráter eclesial
das comunhões ortodoxas e anglicanas. Portanto, podemos nos perguntar se uma
recepção dada a um concílio somente pela Igreja Católica é suficiente para seu
reconhecimento como ecumênico. Os anglicanos, em geral, e uma grande parte dos
ortodoxos (não vamos falar sobre os protestantes) rejeitam não só os dogmas
pontifícios do Vaticano I (primazia e infalibilidade), mas também a doutrina da
infalibilidade conciliar que estamos lidando. Daí que a recepção dessa doutrina
na Igreja de Cristo não é universal nem no espaço (agora) nem no tempo (antes
de Trento). Nós admitimos que uma recepção absolutamente universal é uma ficção
histórica, pois mesmo alguns dos primeiros concílios ecumênicos foram
rejeitados por uma parte da Igreja que se separou. Mas podemos realmente falar de
recepção eclesial, quando um determinado concílio e suas doutrinas só são
aceitos por uma das Igrejas cristãs? [38]
Consequências
da não recepção dos concílios
Às vezes, a recepção cessa,
não só porque uma doutrina é relegada ao limbo do esquecimento (por exemplo, o
direito dos papas de destituir reis), mas também porque um concílio mais tardio
propõe outra doutrina que é irreconciliável com a primeira: seria um fardo
excessivo para a credulidade humana considerar o ensino do Vaticano II sobre a
liberdade religiosa como um "desenvolvimento" dos ensinamentos
opostos de Latão IV, sendo ainda pelo menos duvidoso que as eclesiologias
divergentes de Constança e do Vaticano I possam harmonizar-se em um sistema
coerente [39]. Por outro lado, é bem sabido que a lista dos 21 concílios
ecumênicos que agora circulam remonta apenas a Belarmino, e que esta lista
difere substancialmente da dos autores medievais e que, em resumo, nunca foi
oficialmente aprovada. O próprio papa Paulo VI colocou de volta a questão em
debate: em 1974, por ocasião do sétimo centenário do segundo Concílio de Lyon,
absteve-se de descrevê-lo como "ecumênico" e chamou-o apenas "o
sexto dos grandes sínodos realizados no Ocidente".
É altamente improvável que os
ortodoxos aceitem como ecumênico um concílio em que não participaram; e isso
não é devido a meras razões superficiais de prestígio, mas a sua profunda
convicção de ser a verdadeira Igreja de Cristo. Se a não recepção dos concílios
medievais pelo Oriente, numa altura em que a Igreja tinha sido dividida duas
vezes, é razão suficiente para não considerá-los verdadeiramente ecumênico, o
que diremos dos dois concílios do Vaticano que foram celebrados em um momento
em que a Igreja tinha experimentado três divisões? Se a ecumenicidade depende
única e totalmente da recepção, parece que nenhum dos concílios posteriores a
1054 podem ser considerados propriamente ecumênicos. Por outro lado, haja vista
que a opinião católica tradicional sempre atribuiu o carisma da infalibilidade
exclusivamente aos concílios ecumênicos, podemos deduzir que nenhum dos
concílios do segundo milênio reúne - com base nestas premissas - as condições
para serem considerados infalíveis. A falta de recepção universal faz com que
se perca a infalibilidade [40].
Conclusão
À luz do rápido esboço
histórico visto, parece difícil considerar que a infalibilidade dos concílios
pertence ao depósito da fé. As deduções teológicas, para serem aceitáveis,
devem estar sujeitas à história e depender dela. Parece que não há evidência
exegética ou histórica suficiente para provar que as promessas de Jesus contêm
a doutrina da infalibilidade conciliar, nem mesmo na forma de semente. Por
outro lado, a Igreja tem a firme certeza - e esta certeza está enraizada nas
promessas de Cristo - de que o Espírito da verdade nunca irá abandoná-la.
[1] Sieben, H. J. 1970. “Zur
Entwicklung der Konzilsidee, 1: Werden und Eigenart der Konzilsidee des Athanasius
von Alexandrien”. Theol. u. Phil., 45 Cf (353–389 (p. 372).
[2] Epist. ad Jovianum: PG 26,
817C. Cf Sieben, art. cit., p. 378.
[3] Opitz, H. G. 1935.
Athanasius Werke Cf (Berlin-Leipzig, ff), II/1, 234, 26 and Sieben, art. cit.,
p. 373.
[4] Ad Afros, 4 (PG 26, 1036);
cf Sieben, art. cit., p. 382.
[5] Cf Sieben, art. cit., p.
378. Atanásio frequentemente chama Nicéia de sínodo “ecumênico”; não, no
entanto, por causa de sua recepção universal subseqüente, mas sim por causa de
seu caráter verdadeiramente representativo. Cf Apol. contra Arian., 59 (PG 25,
357B); De decretis Nicaenae Synodi, 27 (PG 25, 465D);De Synodis, 25 (PG 26,
717A), etc….
[6] Sieben, art. cit., p. 372.
[7] Mansi, J. D. Sacrorum
conciliorum…collectio Cf (Florence 1757ff), 2, 478 and Sieben, art. cit., p.
387.
[8] Sieben, art. cit., p. 388.
[9] Greenslade, S. L. 1968.
Councils and the ecumenical movement Cf “The authorities appealed to by the
first four ecumenical Councils”, in World Council of Churches, (Geneva pp.
52–67 (p. 55).
[10] Sieben, H. J. 1971. “Zur
Entwicklung der Konzilsidee, II; Die fides Nicaena als Autorität nach dem
Zeugnis vorephesinischen Schrifttums”. Theol. u. Phil., 46 Cf (40–70 (p. 54).
[11] Basílio. Epist, 114 V. g.
(PG 32, 529); Cirilo de Alexandria: “É o Espírito Santo que fala através dos
Padres (Nicéia)” (Acta Conciliorum Oecumenicorum, ed. E. Schwartz,
Berlim-Leipzig, 1927ss, I / 1, 1, 2); cf Sieben, art. cit., II, p. 60. Cirilo
se refere em outro lugar à fé de Nicéia como um "fundamento imóvel e
inabalável" (Epist. 55: PG 77, 294); “Profissão de fé irrepreensível”
(Epist. 39: PG 77, 176); uma fé que é “sem defeito” (adiabletos: Epist. 40: PG
77, 184). Cf B. D. Dupuy, “Le magistère de l'Eglise, serviço de la parole”, em
O. Rousseau, ai, L'infallibilité de l'Eglise (Chèvetogne 1962), pp. 53-97. Das
expressões usadas pelos Padres Dupuy conclui, apressadamente, que “eles cobrem
a ideia posterior de infalibilidade” (ibid., P. 83). Uma conclusão mais
cautelosa e objetiva seria reconhecer que os Padres consideram a fé de Nicéia
como pura e livre de erros, mas como a ausência factual de erro pode derivar de
outras fontes além da infalibilidade, seria arriscado deduzir as últimas da
primeira. A inerrância de facto não implica necessariamente infalibilidade de
natureza.
[12] Cf Sieben, art. cit., II,
pp. 61–62. Ambrósio, por exemplo, observa que 318 é precisamente o número de
homens com quem Abraão derrotou o inimigo (cf. Gn 14, 14) e, a partir disso,
ele deduz a presença mística de Jesus no Concílio, cf De fide, 1, 18 (CSEL 78,
51)
[13] De baptismo contra
donatistas, 3 2, 4 (CSEL 51, 178).
[14] 1968. Da mesma forma, a
palavra emmendari no texto acima é
suscetível de várias interpretações: pode implicar a correção de um erro
conciliar por um Conselho subsequente (embora isso seja considerado por KH
Lütcke como uma “superinterpretação”: “Auctoritas” bei Augustin, (Est. P. 139)
ou poderia simplesmente significar um retoque de uma declaração conciliar
anterior (e é nesse sentido que Dupuy compreende o texto: L'infallibilité de
l'Eglise, p. 84, n.). Veja o texto do Vaticano II a respeito do triplo ofício
de bispo, sacerdote e diácono (Lum. Gent. 28) que equivale a uma emmendatio da passagem correspondente em
Trento, cf. H. Kiing, A Igreja (Londres, 1967), pp. 420; mas isso não implica
um erro por parte de Trento. Que os concílios frequentemente corrigiram uns aos
outros, ninguém pode negar; cf os casos históricos coletados por Kung,
Infallible? p. 168.
[15] Epist. Tão famoso e
revelador quanto o texto de Agostinho citado acima é o seguinte de Gregório de
Nazianzeno: “Se devo falar a verdade, tenho a intenção de evitar todo grupo de
bispos, porque nunca vi um bom fim em nenhum sínodo, nem remédio para males,
mas sim uma adição a eles. Há sempre contendas e esforços pelo domínio (...) ”(130:
PG 37, 225). Em outro lugar ele compara os bispos mais jovens no Concílio de
Contantinopla com vespas (Carmen, XI, 1.1686); é uma desgraça, diz ele, estar
entre esses “mercadores da fé” (Carmen XII, 1.153). Cf E. J. Bicknell, Os
Trinta e Nove Artigos (London 1963), p. 271.
[16] Registrum Cf, I, 24 (PL
77, 478). Os quatro concílios são a pedra angular da ortodoxia (Registr. IV,
33); eles foram recebidos pela Igreja universal (Registr. XI, 52). A comparação
com os quatro Evangelhos teve um amplo eco em todo o Ocidente nos séculos
subsequentes, cf. Y. Congar, “Primauté des premiers conciles oecuméniques”, em
Le Concile et les Conciles, pp. 75-109.
[17] St. Ambrose. De paradiso
Cf II, 22 (CSEL, 32/1, pp. 273f); St. Augustine, De civit. Dei, XIII, 21 (CSEL,
40/1, p. 646).
[18] L'infallibilité vol. 21,
Dupuy reconhece que “as formulações dos Padres são um tanto excessivas” (… p.
83). Que a consideração extraordinariamente alta em que os primeiros Concílios
foram realizados não implica necessariamente que o reconhecimento de sua
infalibilidade seja demonstrado pela seguinte passagem de Calvino: “Abraçaremos
de bom grado e reverenciaremos como santos (sacrosancta) os primeiros
Concílios, tais como os de Nicéia, Constantinopla, Éfeso I, Calcedônia e afins
... na medida em que se relacionam com os ensinamentos da fé ”- e ainda assim
ele não aceita sua infalibilidade; e conclui com uma sentença que lembra
Agostinho: “ainda assim a Escritura se destacaria no lugar mais alto, com tudo
sujeito ao seu padrão” (Institutions, IV, IX, 8: ed. JT Neil, Biblioteca de
Clássicos Cristãos, vol., London 1961, p. 1171).
[19] 1955. Sent. Cf Albert, o
Grande, Ill, d.25, a.4; Bonaventura, Summa, IV, d.20, p.2, q.2, obj. e De
perfeito, evang., II, 2, n. IV (ed. Quaracchi, 4 vols., 1951ss: IV, 532 e V,
153); São Tomás, enviado. III, d.25, q.l, a.2 ad 4; Quodlib. IX, 8 e 16; II-II,
2, 6 ad 3. Para a mesma opinião entre os decretistas do século 12, cf. B.
Tierney, Fundamentos da teoria conciliar (Cambridge pp. 36-46.
[20] Summa ad Disp., 21 Cf por
exemplo Huguccio, c.3 (Tierney, op.cit., P. 41) Glossa Palatina, 1210-1215 e
Gloss Ecce Vicit Leo, 1212-1210 (Tierney, op.cit. 43f). São Bernardo atribui a
indefectibilidade à sede romana, não a seu ocupante: Contra quaedam capit.
erro. Petri Abel., Praef. (PL 182, 1053).
[21] Tierny, B. 1972. Origins
of papal infallibility. 1150–1350 46 (Leiden).
[22] 1958. Defensor pacis Cf
Marsilius of Padua, dictio II, cap. 6, 16 (ed. H. Kush, Darmstadt I, 357–386;
II, 615–648.
[23] 1891. Defensor pacis
dictio II, cap. 19 and 20 (Kush, II, 704, 724). Cf. L. Pastor, The History of
the Popes, I (London pp. 77–79.
[24] Franzen, A. 1965.
Concilium Cf “The Council of Constance: present state of the problem”, Sept.
pp. 17–37, esp. p. 24; P. De Vooght, “Le conciliarisme aux conciles de
Constance et de Bale”, in Le Concile et les Conciles, pp. 144–181; H. G. Beck,
al., Handbook of Church History, IV (London 1970), pp. 423–426; ample
bibliography in Congar, L'Eglise de St. Augustin à l'époque moderne (Paris
1970), p. 309; cf R. Bäumer, Nachwirkungen des konziliaren Gedankens in der
Theologie und Kanonistik des 16. Jahrhunderts (Münster 1971).
[25] Gersonis Opera (ed. Du
Pin, Antuérpia 1706), II, 307. Similarmente em seu famoso discurso em Constância
três dias antes da fuga de João XXIII: Mansi 28, 539 B. Para uma coleção de
testemunhos medievais tardios em favor da infalibilidade conciliar , cf. D.
Iturrioz, “El magisterio conciliar infalible”, Estud. Eclesiast. 40 (1965) 5 -
26.
[26] 1964. Tractatus de
Ecclesiae…auctoritate c.IV (Gersonis Opera, II, 958). Cf F. Oakley, “Pierre
d'Ailly and papal infallibility”, Medieval Studies 26 (353–358.
[27] Heinz-Mohr, G. 1958.
Unitas Christiana. O autor analisa a evolução no pensamento de Cusa a partir de
1439 (ibid., Pp. 74-98); para um levantamento da literatura recente sobre Cusa,
ver L. Bataillon-C. von Schönborn, “Connaissance de N. de Cuse”, Rev. Sc. Phil
O ol. 56 (1972) 63-77.
[28] 1960. Summa ecclesiastica
Cf., III, 58 (Salmanticae 1560), pp. 515ff; cf V. Proaño Gil, “Doutrina de J.
de Torquemada sobre o concílio”, Burgense 1 (73-96; K. Binder, Wesen und
Eigenschaften de Kirche bei Kard. J. de Torquemada (Innsbruck 1955).
[29] L'infallibilité p. 146.
[30] Jedin, H. 1957. Uma
história do Concílio de Trento Cf I (Londres pp. 66-67. Não são apenas as
Universidades que resistiram, pois a teoria conciliarista encontrou seu caminho
até na corte de Júlio II na pessoa de G. Gozzadini, que ainda em 1511 prega a
doutrina da superioridade do Concílio sobre o Papa e descreve os artigos
relevantes de Constança como tantos artigos de fé: Cf Jedin, op.cit., P. 39;
Cjongar, L ' Eglise de St. Augustin, pp. 345-349; G. Biel também pertence à
mesma tendência, cf. H. Oberman, A colheita da teologia medieval (Cambridge
1963), pp. 416-419; a corrente conciliarista está presente até mesmo em Trento,
cf. J. Lecler, Le Pape ou le concile (Lyon 1973), pp. 167-171.
[31] 1936. De comparatione
auctoritatis papae et concilii Cf, cap. 12 (ed. V. Pollet, Romae pp. 283–293;
A. Walz, “Von Cajetans Gedanken über Kirche und Papst”, in R. Bäumer- H. Dolch,
eds., Volk Gottes (Freiburg 1967), pp. 336–360; O. De la Brosse, Le Pape et le
Concile (Paris 1965).
[32] Jedin. 1948. Cf op.cit.,
P. 384; A. Fliche-V. Martin, Histoire de l'Église, XVII (Paris pp. 14-16.
Algumas das expressões ambíguas de Lutero em Leipzig foram entendidas como
prova de seu apoio à infalibilidade conciliar naquele tempo, cf. R. Bäumer, “Luthers
Ansichten über die Irrtumsfähigkeit des Konzils und ihre
theologiegeschichtliche Grundlagen ”, em Wahrheit und Verkündigung (ed. L.
Scheffczyk, al., Munique 1967), pp. 987–1003 (p. 995); cf. também H. Oberman na
Introdução à nova edição do B. Tierney, Ockham, a teoria conciliar e os
canonistas (Filadélfia, 1971), p. IX. As visões de Lutero sobre os Concílios
são resumidas muito brevemente por H. Küng, Estruturas da Igreja (N. York,
1964), pp. 342f. Na ausência de uma edição crítica da disputa de Leipzig, não é
fácil determinar a posição exata de Lutero naquele momento.Em 1539, ele
estabeleceu mais plenamente sua opinião sobre a autoridade dos Concílios em
“Sobre os Concílios e a Igreja”, as obras de Lutero., ed. H. Lehmann, volume 41
(Filadélfia 1966), pp. 3-178.
[33] 1925. De locis
theologicis V, 4; XII, 7 (ed. Lovanii 1569), pp. 299f; 725. Cf A. Lang, De loci
theologici des M. Cano et die Metbode de dogmatischen Beweises (München pp.
128-135. Não está claro, entretanto, o que Cano entende por “herético”, pois
este termo, assim como outras expressões relacionadas como “fé”, “dogma”, etc…
não tinham naquele tempo o significado exato que têm hoje. ”Cf H. Jedin,“
Historische Handbemerkungen zum Themes: Tridentinum und Wiedervereinigung ”, in
Begegnung der Christen (ed. M. Roesle-O. Cullmann, Stuttgart, 1959), pp.
450-461, P. Fransen, "Reflexões sobre o anonimato no Concílio de
Trento", Ephem. Theol. Lov. 29 (1953) 657-672; B. Sesboüé, "Autorité
du Magistère e vie de foi ecclésiale", Nouv. Rev. Théol. 93 (1971), p.
[34] 1870. De conduis, I-XII
(Opera Omnia Cf, ed. Vivès, Paris vol. II, pp. 237-264). A base escriturística
extremamente fraca sobre a qual Bellarmino constrói sua opinião é evidente para
qualquer leitor moderno; quanto aos testemunhos das primeiras tradições citadas
por ele, eles atestam apenas que os primeiros Concílios tiveram a assistência
do Espírito Santo, que suas decisões eram obrigatórias e que eles eram mantidos
na mais alta estima pela Igreja. Autores medievais conheciam esses testemunhos,
mas em geral recusavam-se a tirar deles a conclusão da infalibilidade
conciliar.
[35] 1969. L'infallibilité
pontificale Cf v. G. as intervenções dos bispos Pettinari (Mansi 51, 818B),
Apuzzo (Mansi 51, 823B), Losanna (Mansi 51, 817D), Gasser (Mansi 53, 249B). O
mesmo foi assumido pelos teólogos conciliares como Franzelin (Mansi 53, 255D) e
Kleutgen (Mansi 53, 322B). Para Mgr. Zinelli a infalibilidade do colégio
episcopal era um dogma de fé (Mansi 53, 268C). Em apoio a essa afirmação,
referências frequentes são feitas a Mt 28:18-20 e textos do Paráclito de João
(Mansi 51, 543AB; 51, 818AB). Cf G. Thils, (Gembloux e seu estudo anterior,
"L'infallibilité de l'Eglise dans la constitution" Pastor aeternus
'du Ier Concile du Vatican ", in L'infallibilité de l'Eglise, pp. 149-182.
[36] Lumen Gentium, 25 Cf
(Abbott, Os documentos, p. 40). O sentido em que o Vaticano II toma o termo
"Igreja" é claro a partir do segundo capítulo da Lumen Gentium,
deliberadamente colocado antes do tratamento da hierarquia. É significativo que
esta declaração magisterial solitária sobre a infalibilidade do corpo episcopal
seja apoiada por referências que não vão além de Bellarmino, e, ainda mais
significativo, que a única referência dada para a infalibilidade conciliar é
seu comentário sobre Lucas. Lum. Gent. 25 Mgr. Philips diz que “a aquiescência
da Igreja nunca os abalará (as definições conciliares)” (L'Eglise et son
mystère, I, Paris 1966, p. 332). Os fatos históricos, no entanto, parecem
exigir uma conclusão mais sutil.
[37] Congar. 1972. art. cit.,
in Concilium, Sept. p. 54.
[38] 1968. Como representantes
da opinião anglicana, que, de acordo com o 21º dos Trinta e nove Artigos, pode
aceitar a doutrina como uma teologia, mas não como um dogma de fé,
principalmente por causa dos inegáveis erros de alguns concílios, cf. H.
Balmforth, “L'infallibilité de l'Eglise selon la doctrine de l'Eglise
anglicane”, em L'infallibilité de l'Eglise, pp. 203-210; E. Bicknell, op.cit.,
Pp 267-276; A. Farrer, “Infalibilidade e revelação histórica”, em
Infalibilidade na Igreja. Um diálogo anglicano-católico (Londres, pp. 9-23
(ataque vigoroso à infalibilidade em geral) J. Macquarrie, unidade cristã e
diversidade cristã (Londres, 1975), p. 100, M. Santer, “Escrituras e os
Concílios”. , Sobornost, série 7, n.2 (1975) 99-111 (p. 103f) Os ortodoxos não
têm opinião unânime: S. Zankov, B. Zenkovsky, N. Arseniev e N. Milash
questionam a infalibilidade dos Conselhos. - além da grave reserva expressa por
A. Schmemann e J. Meyendorf, e também do lado negativo, N. Afanasieff,
“L'fallfallité de l'Eglise du point de vue d'une théologien orthodoxe”, em
L'infallibilité De l'Eglise, pp. 181-201 A doutrina é aceita por JN Karmiris,
"Abriss des dogmatischen Lehre der orthodoxen katholischen Kirche",
em Die Orthodoxe Kirche em griechischer Sicht (ed. Bratsiotis, Stuttgart 1959),
I, pp. 18f e H. Alivisatos, “Les conciles oecuméniques Ve, Vie, VIIe e VIIIe”,
em Le Concile et les Conciles, pp. 111–123; G. Flor ovsky está em silêncio
sobre a questão, Bíblia, Igreja, Tradição: uma visão Ortodoxa Oriental (Belmont
1972), pp. 93-103. Cf H. Küng, Infallible ?, pp. 164-171 e M.J. Guillou, Missão
e unidade, II (Paris 1960), pp. 194f.
[39] 1964. Haec Sancta A
interpretação de Constância ainda é objeto de debate. Para alguns, prevê apenas
uma situação de emergência, uma Igreja sem o Papa, e, portanto, não contradiz o
Vaticano I. Esta posição é ocupada por A. Franzén, art. cit., pp. 57-59; H.
Riedlinger, “Hermeneutische Überlegungen zu den Konstanzer Dekreten”, em Das
Konzil von Konstanz, ed. A. Franzen-W. Müller, Freiburg pp. 214-238; H. Jedin e
Bischöfliches Konzil oder Kirchenparlament (Basileia 1963); Y. Congar, L'Eglise
de St. Augustin, pp. 320-327. Para outros, no entanto, Haec Sancta não é apenas
um decreto legítimo e vinculativo, mas uma verdadeira definição conciliar para
ser colocada em pé de igualdade com o Pastor aeternus do Vaticano I, caso em
que as duas eclesiologias se contradizem. Os defensores dessa visão são H.
Küng, Structures, pp. 240–258; F. Oakley, Conselho sobre o Papa? (N. York
1969), pp. 118-130; De Vooght, Les pouvoirs du concile et l'autorité du pape au
concile de Constance (Paris, 1965). Um excelente resumo da controvérsia em P.
Burns, "Comunhão, Concílios e Colegialidade", na primazia papal e na
Igreja universal: luteranos e católicos em diálogo V. Minneapolis 1974), pp.
151-172.
[40] Bouyer, L. referindo-se
às decisões dos Concílios medievais, afirma que “mesmo quando podem ser
considerados infalíveis e, portanto, irreformáveis…” (op.cit., P. 678). Mesmo
com base na opinião tradicional, é difícil ver como um Conselho não ecumênico pode
ser infalível. Não é esta uma tentativa desesperada de manter a infalibilidade
conciliar mesmo quando falta a base da ecumenicidade? Num artigo posterior,
Bouyer questionou, com razão, a ecumenicidade dos concílios do segundo milênio,
cf. “Reflexões sobre o possível estabelecimento da comunhão entre as Eclesias
ortodoxas e católicas”. Perspectives actuelles ”, Istina 20 (1975) 112–115.
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