O
conhecimento de nossa religião e da verdade das coisas é independentemente
manifesto, em vez de necessitar de
professores humanos, pois quase todos os dias se afirma por fatos e se
manifesta mais brilhante do que o sol pela doutrina de Cristo. Ainda assim,
como você deseja ouvir sobre isso, Macário, venha, vamos na nossa capacidade
estabelecer adiante alguns pontos da fé em Cristo: embora possamos descobri-lo dos oráculos divinos, mas ainda
generosamente desejando ouvir dos outros também. Pois, embora as Escrituras sagradas e inspiradas sejam suficientes para
declarar a verdade, há também outras
obras de nossos professores abençoados compiladas para este propósito. Se
ele se encontrar com algum homem do qual possa ganhar conhecimento da
interpretação das Escrituras e aprender o que deseja saber, ainda que não
tenhamos em nossas mãos as composições de nossos professores, devemos nos
comunicar escrevendo para você o que aprendemos com eles - a fé de Cristo
Salvador. (Contra os Pagãos I)
Essa citação é uma das mais
fortes declarações em favor da suficiência material e formal das Escrituras.
Atanásio está se comunicando com Macário. Este desejava saber mais sobre as
doutrinas cristãs. Primeiro, ele afirma que o conhecimento da religião e da
verdade se manifesta de forma independente, sem a necessidade de professores
humanos. Isso obviamente contradiz a ideia de que a Escritura não fala por si
mesma, mas necessita de um magistério autorizado para falar por ela. Ele então
coloca lado a lado as Escrituras inspiradas (suficientes para declarar a
verdade) e outras obras dos mestres cristãos. A mensagem é simples – as
Escrituras são suficientes para declarar o conhecimento cristão, mas há também
professores que são úteis e desejáveis. É óbvio que esses professores (o
próprio Atanásio era um deles) eram mestre falíveis. Quando discutimos sola
scriptura e os pais da Igreja, os apologistas católicos falham num aspecto
simples. Seria fácil demonstrar que um pai da igreja não sustentava a sola
scriptura. Basta demonstrar que Atanásio apelava a um magistério infalível. Ele
repetidamente apelou às Escrituras como inspiradas e infalíveis, mas nunca
apelou ao suposto magistério infalível.
O princípio protestante nunca
negou a função magisterial da Igreja e a utilidade de mestres, teólogos,
escribas e tantos outros. O que afirmamos é que a Escritura é a única
autoridade inquestionável. A autoridade da igreja é falível, e em caso de
conflito com o ensino da Escritura, ficamos com a última. Atanásio fundamenta
todos os seus ensinos a partir das Escrituras nos 47 capítulos dessa obra. Em
outra famosa obra – “A Encarnação do Verbo”,
ele diz:
Pois
os judeus em sua incredulidade podem ser
refutados pelas Escrituras, que até
eles próprios leem. Por esse texto e aquele, e em uma palavra, toda a Escritura inspirada clama em voz alta
sobre essas coisas, como até mesmo suas palavras expressas mostram
abundantemente. Os profetas
proclamaram de antemão sobre a maravilha da virgem e o nascimento a partir
dela, dizendo: "Eis que a Virgem conceberá um Filho, e eles o chamarão
pelo nome de Emmanuel, sendo interpretado como Deus conosco
[Isaías 7:14 - também citado em Mateus 1:23]. (Encarnação da palavra, cap. 33)
Vejam como Atanásio argumenta
que as Escrituras hebraicas (A.T) já eram suficientes para refutar a
incredulidade dos judeus. A partir das próprias Escrituras que eles liam, já
seria possível crer que Jesus era Deus. Esse tipo de argumento só faz sentido
se você pressupõe a suficiência formal da Escritura. Há outras citações no
mesmo sentido:
Pois,
se eles não acham essas provas suficientes, deixe que sejam persuadidos por outros motivos tirados dos oráculos que
eles próprios possuem. (cap. 38)
Ou
se isso mesmo não é suficiente para eles, deixe-os pelo menos serem silenciados
por outra prova, vendo quão clara é a
sua força demonstrativa. Porque as Escrituras dizem (...) (cap.
38)
(...)
então deve ser claro, mesmo para aqueles que são extremamente obstinados, que o
Cristo veio, e que Ele iluminou absolutamente todos com Sua luz, e lhes deu o
ensinamento verdadeiro e divino sobre o Pai. Então, pode-se refutar os judeus por estes e por outros argumentos das
Escrituras Divinas. (cap. 40)
Em toda a obra, Atanásio cita
abundantemente a Escritura. A tradição e a Igreja nunca são citadas como
autoridades independentes. Todas as alusões a elas estão conectadas a algum
ensinamento claramente exposto na Escritura. Na mesma obra, ele diz:
Quem
é aquele de quem as Escrituras Divinas dizem isso? Ou quem é tão grande que até
mesmo os profetas predizem sobre eles coisas tão grandes? Nada disso é encontrada nas Escrituras, mas apenas o Salvador comum
de todos, a Palavra de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo. (cap.
37)
Desde
então que nada é dito nas Escrituras, é
evidente que essas coisas nunca ocorreram antes. (cap.
38)
Observe que o pressuposto é
que se a Escritura era silente, nada poderia ser dito. Agora, compare isso com
os apologistas católicos que dizem que a Escritura é um registro incompleto,
que há vários outros registros que devemos obedecer independentemente da
Escritura. Atanásio encerra a obra dando uma declaração claríssima da
suficiência formal da Escritura:
Deixe
que isso homem amoroso de Cristo seja nossa oferta para você - apenas um esboço
rudimentar e delineado como uma pequena bússola da fé de Cristo e de seu Divino
aparecimento entre nós. Mas você, aproveitando essa ocasião, se você acender o texto das Escrituras, e
aplicar verdadeiramente sua mente a eles, aprenderá com eles de forma mais
completa e clara o detalhe exato do que dissemos. Pois foram falados e escritos por Deus, por meio dos homens que falavam
de Deus. (cap.
56)
Atanásio acabara de escrever
um tratado, mas o encerra afirmando que aquele homem poderia a partir do
estúdio diligente das Escrituras obter uma compreensão ainda mais completa.
Esse é o tipo de afirmação que um católico romano jamais poderia fazer. Observe
que ele ainda demonstra a primazia da Escritura ao estabelecer porque ela seria
um professor superior a qualquer outro – seu autor era Deus. Quando os
apologistas católicos afirmam que a Escritura é insuficiente (formalmente ou
materialmente), eles estão indiretamente dizendo que Deus não fez um bom
trabalho. Além disso porque ensinar alguém a procurar diligentemente nas
Escrituras por si mesmo, se já existe a interpretação infalível do magistério?
Porque correr o risco de interpretar errado se já existia a interpretação
infalível fornecida pela tradição? Eu já escrevi em meu blog uma série com mais
de 100 citações demonstrando a crença dos pais da Igreja na suficiência da
Escritura (aqui)
Citações
usadas pelos apologistas católicos
Diante do testemunho claro de
Atanásio, os apologistas nos acusam de tirar tais citações do contexto, mas
nunca trazem o contexto “correto”. Eles passam então a apresentar outras
citações de outras obras do alexandrino. Ou seja, no máximo eles estariam
provando que Atanásio foi inconsistente. Vamos dar uma olhada nessas citações:
E
o primeiro a colocar essa aparência foi a serpente, o inventor da iniquidade
desde o início - o diabo - que, disfarçado, conversou com Eva e a enganou. Mas
depois dele e juntamente dele todos são inventores de heresias ilegítimas, que de fato se referem às Escrituras, mas
não sustentam as opiniões como os santos transmitiram, e as recebem como
tradições dos homens, errando porque não
os conhecem corretamente nem seu poder. (Carta festiva 2, seção
6)
O argumento é que os hereges
apelam à Escritura para disseminarem seus erros. Eles erram por não sustentarem
“as opiniões como os santos transmitiram”. Essas opiniões estariam na tradição
oral. Da mesma forma, os protestantes interpretam a Escritura errado por
desprezarem essa tradição oral. No entanto, o que Atanásio está se referindo
nada mais é do que a própria Escritura interpretada corretamente. Vejamos o
contexto na seção 5:
Aqueles
que estão assim dispostos e se amoldam ao Evangelho serão participantes de
Cristo e imitadores das conversas apostólicas, pelo qual serão considerados
dignos desse louvor dele [Paulo], com o qual ele louvou os Coríntios, quando
Ele disse: "Eu louvo que em tudo vocês estão atentos a mim". Depois,
porque havia homens que usavam suas palavras, mas optaram por ouvi-las como se adequavam às suas concupiscências, e
ousaram pervertê-las, como os seguidores de Himineu e Alexandre. E diante
deles os saduceus, que, como ele disse "tendo naufragado da fé",
zombaram do mistério da ressurreição, ele imediatamente passou a dizer: "E
como eu entreguei a você tradições, segure-as rapidamente". Isso
significa, de fato, que não devemos
pensar de modo contrário ao que o mestre entregou. (Seção
5)
Percebam que os hereges ouviam
as palavras dos apóstolos, mas ao invés de se submeterem a elas, preferiam
adequá-las a sua própria vontade. Eles não interpretavam errado por causa da
insuficiência da Escritura, mas por causa de seu próprio pecado. Dessa forma,
“as opiniões que os santos transmitiram” é aquilo que os apóstolos nos deixaram
nas Escrituras, as quais os hereges não obedeciam e distorciam. Isso fica ainda
mais claro:
Pois
não há comunhão entre as palavras dos santos e as fantasias da invenção humana.
Os santos são os ministros da verdade, pregando o reino dos céus, mas aqueles
que são levados na direção oposta não têm nada melhor do que comer e beber até
que o fim chegue, pois eles dizem: "Deixe-nos comer e beber porque amanhã
morremos” [1 Coríntios 15]. Por isso, o
abençoado Lucas reprova as invenções dos homens e transmite a narração dos
santos dizendo no início do evangelho: "Tendo, pois, muitos
empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram,
segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio, e
foram ministros da palavra. Pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a
ti, ó excelente Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente
de tudo desde o princípio". O que
cada um dos santos recebeu foi transmitido sem alteração, pela confirmação
da doutrina dos mistérios.
Vejam os exemplos. Os hereges
que distorciam a verdade eram os homens que negavam a ressurreição, a quem
Paulo repreende em 1 coríntios 15. Atanásio também apela ao Evangelho de Lucas
que nos fornece um bom motivo para colocar a Escritura como um padrão superior
à tradição oral. A continuação é ainda mais relevante:
Nós
recebemos essa palavra divina dos discípulos, e estes devem ser de direito nossos professores, e somente a eles é
necessário dar atenção, pois deles apenas é "a palavra fiel e digna de
toda aceitação". Eles não eram discípulos porque ouviram dos outros, mas era testemunhas oculares e ministros da
Palavra. O que eles ouviram dele [Jesus], eles transmitiram.
(Seção 5)
Nesse aspecto, a Igreja Romana
se desviou radicalmente da Igreja Antiga. Atanásio, assim como os demais pais
da igreja, compreendiam que o magistério apostólico era único. Somente os
apóstolos ou seus companheiros autorizados poderiam ensinar infalivelmente.
Todos os que vieram depois poderiam errar. Atanásio destaca que eles foram
testemunhas oculares. Um bispo romano que vive séculos depois não atende esse
pré-requisito. Por isso, rendemos à Escritura o status de autoridade suprema.
Ela nada mais é do que o magistério dos apóstolos e ninguém mais pode ensinar
com a mesma autoridade que eles. Assim, todo o magistério posterior deve ser
submetido ao crivo desses homens que foram inspirados pelo Espírito Santo.
Somente a palavra dos apóstolos é “fiel e digna de toda aceitação”. Somente
eles são inquestionáveis. Todos os demais não são (inclusive o magistério de
Roma). Vejamos outras:
A
confissão que chegou de Niceia, dizemos mais, é suficiente e suficiente por si mesmo para a subversão de toda heresia
irreligiosa e para a segurança e apoio da doutrina da Igreja. (Ad
Afros, 1)
Essa citação em si não depõe
em nada contra a Sola Scriptura. A confissão nicena tinha autoridade derivada
na medida em que resplandecia o ensino da Escritura. Como já vimos, Atanásio
jamais aceitaria uma confissão que não pudesse ser fundamentada na Escritura. A
carta em questão foi enviada por 90 bispos do Egito e da Líbia (Atanásio estava
entre eles) para os bispos da Igreja norte-africana. A íntegra da carta pode
ser vista aqui.
Vejamos o contexto:
As
cartas escritas por nosso amado companheiro e ministro Damaso, bispo da grande
Roma e o grande número de bispos que se juntaram com ele são suficientes. E
igualmente assim são os dos outros sínodos que foram realizados, tanto na Gália
como na Itália, sobre a fé sólida
que Cristo nos deu, os apóstolos pregaram, e os Padres que se encontraram
em Nicéia de todo o nosso mundo entregaram para nós.
Um pouco de contexto histórico
é importante aqui. O concílio de Niceia decidiu pela divindade de Cristo em
oposição a heresia ariana. Ocorre que isso não foi suficiente para debelar o
arianismo. Diversos concílios foram realizados depois negando ou
reinterpretando as palavras de Niceia. O próprio Atanásio testemunha que houve
um tempo que a maior parte dos bispos eram arianos (daí surgiu a expressão
“Atanásio contra o mundo”). Esses bispos estavam se opondo especificamente ao
concílio de Rimini (aqui) que
se opunha ao credo niceno. Até o concílio de Constantinopla, quase uma centena
de concílios ocorreu com diretrizes contraditórias quanto ao credo niceno. Isso
por si só já é suficiente para afirmar que a própria igreja não considerava o
concílio de Niceia infalível. Além disso, observem que as decisões dos sínodos
da Gália e da Itália foram postas em pé de igualdade com a carta do bispo de
Roma (que também era subscrita por outros bispos ocidentais). Em última
instância, tais sínodos assim como Niceia estavam alicerçados na “fé sólida que
Cristo nos deu e os apóstolos pregaram”. Dessa forma, o credo niceno era
suficiente na medida em que estava alicerçado na Escritura.
Para provar que Niceia é
superior a Rimini, o grupo de bispos argumenta que o ensino niceno está de
acordo com as Escrituras (seção 4). Além disso, os bispos defendem o termo
"co-essencial" como expressando o sentido da Escritura, mesmo que não
seja o termo expresso encontrado na Escritura. Embora a carta invoque a natureza
supostamente ecumênica do concílio como uma razão persuasiva para adotar sua
posição, em nenhum lugar o grupo de bispos diz ou sugere que a decisão do concílio
tenha autoridade igual à da Escritura. Além disso, a carta diz na
seção 5 que os pais do concílio "desejavam estabelecer por escrito a reconhecida
linguagem das Escrituras" e que a única razão pela qual eles usavam uma
palavra não da Escritura era que o partido ariano continuava torcendo o
significado dessas frases. Assim, a seção 6 explica: "E, finalmente, eles
escreveram de forma mais clara e concisa que o Filho era coessencial com o Pai,
pois todas as passagens acima [da Escritura] significam isso". Em outras
palavras, os pais nicenos não passavam tradição não escrita nem definiam o
dogma por sua própria autoridade, mas simplesmente expressavam os ensinamentos
das Escrituras.
A
tradição, o ensino e a fé da Igreja católica desde o princípio foram pregados
pelos apóstolos e preservados pelos pais. Sobre isso, a Igreja foi fundada; e
se alguém se afastar disto, ele também não deve mais ser chamado de cristão. (Ad
Serapion, 1:28)
O ensino da Igreja poderia ser
encontrado nos pais da igreja e seria rastreável até o princípio (os
apóstolos). Bom, se o católico deseja refutar a Sola Scriptura com essa
citação, ele precisaria demonstrar que o ensino em questão não era encontrado
na Escritura (insuficiência material) ou então que os pais que transmitiram o
ensino eram infalíveis (Atanásio não cria nisso). Vejamos no contexto (aqui)
sobre o que Atanásio falava:
Mas,
além dessas palavras, vejamos a própria
tradição, ensinamento e fé da Igreja Católica desde o início, que o Senhor deu,
os apóstolos pregaram e os padres continuaram. Sobre isso, a Igreja é
fundada, e aquele que se afastar dessa fé não seria um cristão, e não deveria
ser chamado assim. Há, portanto, uma
Tríade, santa e completa, confessada ser Deus no Pai, no Filho e no Espírito
Santo (...) É uma tríade não apenas em nome e forma de discurso, mas na verdade
e na realidade. Pois, como o Pai é o que é, assim também a Palavra é uma que é
e Deus sobre todos. E o Espírito Santo não é sem existência real, mas existe e
tem o ser verdadeiro. Menos do que estas (Pessoas), a Igreja Católica não
aceita, para que não afunde ao nível dos judeus modernos, imitadores de Caifás
e ao nível de Sabelio. Nem os acrescenta nada a eles com especulações, para que
não seja levada para o politeísmo dos pagãos. E para que eles saibam que está é a fé da Igreja, que eles saibam como
o Senhor, ao enviar os Apóstolos, ordenou que eles lançassem este fundamento
para a Igreja, dizendo: "Ide e façam discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo ". Os apóstolos
foram, e assim ensinaram; e esta é a
pregação que se estende para toda a Igreja que está no céu.
A tradição em questão que foi
pregada pelos Apóstolos e mantida pela Igreja desde o início é a trindade.
Reparem que Atanásio cita Mateus 28:19 para fundamentar tal ensino. Dessa
forma, Atanásio se refere a um ensino que seria encontrado nas Escrituras (algo
que os protestantes concordam e aderem). Adicionalmente, esse ensino foi
historicamente confessado pela Igreja desde o princípio (o que nós protestantes
também concordamos). Essa citação somente seria prejudicial ao princípio
reformado se Atanásio considerasse a trindade uma tradição oral sem base
escritural que deveria ser confessada com base apenas na autoridade da Igreja.
Obviamente, não era o caso. Se as
tradições católicas romanas pudessem ser (1) fundamentadas na Escritura e (2)
tivessem sido desde o princípio ensinada pelos pais, os protestantes não teriam
problemas em aderir a elas. No entanto, a tradição católica romana não atende
nenhum nem outro requisito, muito menos atende aos dois cumulativamente. Em
todas as citações que os católicos oferecem contendo a palavra tradição é a
doutrina da trindade que está em perspectiva.
Citações
da Carta a Marcelino
Essa carta (aqui) nos
oferece muitas citações a respeito da suficiência da Escritura:
Filho,
todos os livros da Escritura, tanto o Antigo Testamento como o Novo, são
inspirados por Deus e úteis para a instrução [2 Timóteo 3:16], como está
escrito. Mas, para aqueles que realmente o estudam, o Saltério produz um
tesouro especial.
Reparem como Atanásio aplica 1
Timóteo 3:16 a toda a Escritura e não somente ao Antigo Testamento. Não é um
argumento estranho, tendo em vista que Paulo tem em mente a natureza da
Escritura e não uma lista de livros.
De
fato, em todas as circunstâncias da vida [Saltério], acharemos que essas canções divinas se adequam e atendem às
necessidades de nossas próprias almas em cada sentido.
Ele se refere somente aos
Salmos, mas o mesmo raciocínio poderia ser extrapolado para o resto da
Escritura. Atanásio também reflete o princípio de que a Escritura interpreta a
Escritura:
O
meu velho amigo pontuou isso, que as
coisas que encontramos nos Salmos sobre o Salvador também são declaradas nos
outros livros da Escritura. Ele enfatizou o fato de que uma interpretação é comum a todos eles,
e que eles têm apenas uma voz no Espírito Santo.
Ainda sobre a suficiência:
Pois
penso que, nas palavras deste livro, toda a vida humana é coberta, com todos os
seus estados e pensamentos, e que nada
mais pode ser encontrado no homem.
Porque
Deus ordenou a Moisés que escrevesse a grande canção [Deuteronômio 31:19], e
que ensinasse ao povo, e aquele a quem designara líder ordenou também que
escrevesse o Deuteronômio para que sempre estivesse em suas mãos e meditasse
incessantemente as suas palavras [Deut 17:18-19]. Estas [palavras] são suficientes em si mesmas para chamar a mente dos
homens para a virtude e para trazer ajuda para quem as considera com
sinceridade.
Reparem em “suficientes em si
mesmas”. Esse adjetivo não pode ser aplicado a uma autoridade que depende de
outra para ser expressa.
E
você também, Marcelino, ponderando os
Salmos e lendo-os inteligentemente, com o Espírito como seu guia, será capaz de
compreender o significado de cada um, assim como desejar.
Marcelino poderia compreender
cada salmo lendo diligentemente e tendo o Espírito Santo como guia. Isso
implica na suficiência formal da Escritura.
Toda a Escritura divina é
professora da virtude e fé verdadeira,
mas o Saltério dá-nos uma imagem da vida espiritual.
Nunca
tal homem irá ser abalado pela verdade, mas ele irá refutar aqueles que tentam
enganar e levá-lo a erro. Não é um
professor humano que nos promete isso, mas a própria Escritura Divina.
A Escritura é em si mesma uma
professora. Atanásio não concordaria com a afirmação de que a Escritura não é
um árbitro.
Outras
citações em favor da Sola Scriptura
Desde
que essa tentativa é loucura inútil e não mais do que loucura! Não deixe mais
ninguém fazer essas perguntas. Deixe que
ele apenas aprenda o que está nas Escrituras, pois os esclarecimentos que
contêm sobre esse assunto são suficientes e adequados. (Ad
Serapion 1.19)
Mas toda essa inspirada
Escritura também ensina mais claramente e com mais autoridade [do
que a luz da natureza na forma de testemunho das próprias estrelas], de forma
que nós, por nossa vez, escrevemos a ti como fizemos, e você, caso se
volte a elas, será capaz de verificar o que nós dizemos. Pois, um argumento,
quando confirmado pela autoridade superior é irresistivelmente provado. (Contra os pagãos, Parte III, §45, pontos 2-3)
Essas são fontes de salvação,
para que os que têm sede possam ser satisfeitos com as palavras de vida que
elas contêm. Nestas somente é proclamada a doutrina da piedade. Que
nenhum homem acrescente a elas, nem deixem de zelar por elas. Pois a respeito
destas o Senhor envergonhou os saduceus, e disse: "Errais, não conhecendo
as Escrituras". E Ele reprovou os judeus, dizendo: "Examinai as
Escrituras, pois são elas que testificam de mim". (Epístola 39, Seção 6)
E isso é habitual com as
Escrituras, se expressar em frases naturais e simples. (Quatro Discursos Contra os Arianos, Discurso 3)
Uma
ideia muito presente nos pais da igreja é de que a Escritura continha linguagem
simples para que o homem comum pudesse entende-la. Essa era a resposta padrão
para os críticos pagãos que diziam que a Escritura era pouco sofisticada. Sobre
o embate com os arianos, ele diz:
"Mas", diz o ariano,
"não está escrito?" Sim, está escrito! E é necessário que seja dito.
Mas o que é suficientemente escrito é
mal compreendido pelos hereges. Se
eles tivessem entendido e compreendido os termos em que o cristianismo se
expressa, não teriam chamado o Senhor da glória [1 Coríntios 2: 8; cf.
James 2: 1] de uma criatura nem tropeçado sobre o que é suficientemente
escrito. (Epístola a Serapião)
O erro dos arianos não derivava de uma deficiência da Escritura, mas de
sua má compreensão do texto bíblico. Em suma, Atanásio desconhecia a existência
de qualquer magistério infalível que fosse a única voz autorizada da Escritura.
As sagradas letras eram suficientes formalmente e materialmente. O ensino dos
concílios e dos pais era apenas derivados do ensino das Escrituras. Ele
repetidamente insistiu na inspiração e inerrância da Escritura, mas em nenhuma
de suas obras atribui as mesmas características ao magistério ou tradição.