Vitorino
(? – 303)
Vitorino
foi um bispo que viveu na segunda metade do século III. Ele se refere aos
crentes falecidos, incluindo mártires, indo para a região do hades, onde
ficarão até a ressurreição. Também explica que o hades é um lugar sem punição e
de repouso. Segue seu comentário sobre Apocalipse 6:9-11:
Assim como o altar de ouro é
reconhecido como o céu, assim também o altar de bronze é entendido como a terra, debaixo da qual está o hades, um lugar sem
punições e fogo, é um lugar de repouso para os santos, em que de fato os justos
são vistos e ouvidos pelos ímpios, mas eles [os ímpios] não podem passar até
eles. Aquele que vê todas as coisas queria que soubéssemos que estes
santos, isto é, as almas dos mortos estão pedindo vingança por seu sangue, ou
seja, do seu corpo, daqueles que habitam sobre a terra; mas porque na última
vez, além disso, a recompensa dos santos será perpétua, e da condenação dos
ímpios virá, foi-lhes dito para esperar. E. para consolo por seu corpo, foram
dadas a cada um deles compridas vestes brancas. (Comentário sobre o Apocalipse
do Abençoado João 6:9)
Comodianus
(Séculos III – IV)
Comodianus
foi um poeta latino cristão, que viveu na segunda metade do século III e início
do século IV. Ele aponta apenas dois destinos – a recompensa para os crentes
que vão a um lugar de paz e o inferno para os ímpios.
Para aquele que viveu bem,
há vantagem após a morte. Tu, porém, quando um dia morreres, serás levado a um
lugar miserável. Mas os que creem em
Cristo serão levados a um bom lugar, e aqueles a quem este prazer é dado são
afagados, mas para vocês que são de uma mente dupla, contra vocês está a
punição sem o corpo. (As Instruções de Comodianus em favor da
disciplina cristã. Contra os deuses dos pagãos 24)
Lactâncio
(240 – 320)
Porém, quando julgar os
justos, Ele também os provará com fogo. Então aqueles cujos pecados excederem
em peso ou número, serão chamuscados pelo fogo e queimados; mas aqueles a quem
imbuiu a justiça e plena maturidade da virtude não perceberão esse fogo porque
eles têm algo de Deus neles mesmos, que repele e rejeita a violência da chama.
Tão grande é a força da inocência, que a chama se encolhe diante deles sem
fazer mal; os quais receberam de Deus
esse poder, que queima os ímpios, e está sob o comando dos justos. No entanto, não deixemos alguém imaginar
que as almas são imediatamente julgadas após a morte. Todos são detidos num
lugar comum de confinamento, até a chegada do tempo em que o grande juiz deve
fazer uma investigação de sua culpa. Então, aqueles cuja piedade tiver sido
aprovada, receberão a recompensa da imortalidade; mas eles dos quais os pecados
e crimes devem ter sido trazidos à luz não irão subir novamente, mas serão
escondidos na mesma escuridão com os ímpios, sendo destinados a determinada
punição. (Institutas Divinas 7:21)
Essa
citação é importante porque foi utilizada pelo Veritatis em defesa do
purgatório. Será Lactâncio uma testemunha da doutrina romanista? O site
católico apenas coloca a citação até a parte negritada. Por que não continuaram
a citação? A resposta parece óbvia, o que se segue é a prova de que Lactâncio
não cria no purgatório. Ele realmente descreve algo semelhante ao purgatório,
porém isso apenas aconteceria no futuro, após o julgamento, que não se dá logo
após a morte. Para ele - “todos são
detidos num mesmo lugar de confinamento”- o julgamento a qual nosso autor
se refere irá acontecer após a volta triunfal de Cristo no juízo final, só
então os justos pagarão pelas faltas ainda devidas. Portanto, há uma distinção
primordial entre Lactâncio e a doutrina romana. A Igreja Romana ensina que o
purgatório está em funcionamento no momento atual e que precede o juízo final,
já o Pai da Igreja menciona um tipo de punição a ocorrer no futuro, após o
juízo.
Esta
interpretação é apontada por Le Goff:
Lactâncio (morto depois de
317) pensa que todos os falecidos, incluindo os justos, terão de sofrer a prova
do fogo, mas situa esta prova no momento
do juízo final. (Op. cit., pp. 76-77)
Efrém
da Síria (306 – 373)
Os
papistas citam a passagem abaixo como prova de sua doutrina:
Quando
se cumprir o trigésimo dia [da minha morte], lembrai-vos de mim, irmãos. Os
falecidos, com efeito, recebem ajuda graças a oferenda que fazem os vivos (...)
Se como está escrito, os homens de Matatias encarregados do culto em favor do
exército expiaram, pelas oferendas, as culpas daqueles que tinham perecido e
eram ímpios por seus costumes, quanto
mais os sacerdotes de Cristo, com suas santas oferendas e orações, expiarão os
pecados dos falecidos. (Testamento 72:28)
De
fato Efrém acreditava que os falecidos seriam beneficiados pelas orações dos
vivos. Porém, o trecho a qual pertence a parte negritada é de origem duvidosa,
não é encontrado em nenhum dos manuscritos gregos de Efrém, apenas no Siríaco.
O estudioso William Palmer diz:
Esta última passagem é de
autoria muito duvidosa, pois não aparece em nenhum dos manuscritos gregos de
obras de Efrém, somente é encontrado no siríaco. (Letters
to N. Wiseman, D.D. on the Errors of Romanism, p. 163)
Basílio
de Cesaréia (330 – 379)
O
Veritatis cita o sermão de Brasílio sobre Salmos 7:2. Abaixo vou transcrever a citação
conforme encontrada na patrologia de Migne:
A pessoa que está morrendo,
sabendo que há apenas um só Salvador e Libertador grita: Em ti ponho a minha
esperança, salve-me de minha fraqueza e do meu cativeiro. Pois eu acredito que
os atletas valorosos de Deus, depois de ter mantido o bom combate em todo o
curso da sua existência contra os inimigos invisíveis e escapando de cada
armadilha, quando eles chegam ao fim da vida, são examinados pelo príncipe deste mundo. Se eles forem
encontrados, após a batalha, ainda tendo algumas feridas, manchas ou resquícios
do pecado, são detidos por ele. No
entanto, se eles, ao contrário, são imaculados, estes heróis invencíveis
permanecem livres e são admitidos por Cristo
ao lugar de descanso. O salmista está orando para a vida presente e vida
futura. Salve-me, diz ele, daqueles que me perseguem aqui e livra-me lá, no
momento do meu exame, já que o medo de que [o príncipe deste mundo] possa
aproveitar da minha alma como um leão. Isto é o que o que podemos aprender com
o próprio Senhor, que disse na véspera da sua Paixão: "O príncipe deste
mundo está vindo, e ele nada tem contra mim" Ele que não tinha nenhum
pecado disse que não havia nada contra ele. Quanto ao homem, é o suficiente
para ele ser capaz de dizer: "O príncipe deste mundo vem e ele não terá
nada contra mim, a não ser um pequeno número de pequenas coisas”. (Homilias,
sobre o Salmo 7:2)
Aqueles
que forem encontrados machados pelo pecado serão detidos pelo príncipe deste
mundo – Satanás. É Satanás que irá examiná-los e detê-los, portanto, temos um qualificador
que afasta a possibilidade de se referir ao purgatório. Provavelmente Basílio
estava se referindo a condenação eterna.
Em
outras obras, percebemos que Basílio desconhecia tal doutrina:
No entanto, se eu iria narrar
tudo o que encontro no Antigo e no Novo Testamento (...) Mas quando eu vou para
as próprias palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, no Evangelho, a pronunciação
daquele que está prestes a julgar os vivos e mortos, que tem mais peso sobre os
fiéis em relação as outras narrativas e argumentos, vejo nele a grande
necessidade, se assim posso dizer, de
obedecer a Deus em todas as coisas, e
novamente, no caso de cada mandamento, absolutamente nenhum perdão será deixado
àqueles que não se arrependem de sua desobediência, uma vez que
dificilmente se pode arriscar uma opinião diferente, ou até mesmo deixá-la
entrar na mente, em face de tais declarações abertas e claras. "Para o
céu" Ele diz: "a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de
passar." Por que o que partir sem
ter feito boas é punido igualmente ao que perpetra más obras, é mostrado e
provado suficientemente a qualquer alma não aflita com completa incredulidade
pelo referido julgamento no caso de Pedro. (De Judicio Dei 8)
Nota-se
que Basílio desconhece a distinção de punição para pecados mortais e veniais, o
que é incompatível com a doutrina do purgatório, que preconiza que os pecados
veniais lá serão perdoados, ou seja, não haverá possibilidade de perdão além
desta vida.
Descanso eterno é dado àqueles
que se esforçam legitimamente nesta vida; não
dado em pagamento como para uma dívida pelas obras, mas concedido pela graça de
um Deus generoso para os que confiam nele. (Regulæ Fusius
Tractatæ, Proœmium)
Basílio
afirma a salvação pela graça para aqueles que confiam em Deus, também
incompatível com a doutrina do purgatório que é baseado no pecador expiar seus
próprios pecados.
Rogo-vos, portanto, através
do amor de nosso Senhor Jesus Cristo, que deu a si mesmo por nossos pecados, apliquemo-nos
em cuidar de nossas almas. Vamos lamentar a vaidade de nossa vida passada.
Esforcemo-nos para as coisas como se fossem para a glória de Deus, e do seu
Cristo, e do adorável Espírito Santo. Não vamos permanecer nesta facilidade
preguiçosa, sempre perdendo através de nossa preguiça a presente oportunidade, e adiar para o dia seguinte ou futuro
distante o início de nossas obras, para que, sendo encontrado desprovidos de
boas obras por aquele que exige de nossas almas, sejamos lançado fora da
alegria das bodas, derramando lágrimas vãs e inúteis, e lamentando a nossa vida
mal aproveitada, numa altura em que o
arrependimento não pode mais acontecer. "Agora é o tempo aceitável",
diz o apóstolo, "agora é o dia da salvação". Esta é a hora do
arrependimento. (Regulæ Fusius Tractatæ, Proœmium)
Mais
uma vez, o Bispo de Cesaréia diz que não há chance de arrependimento após esta
vida, a oportunidade é dada hoje, o dia da salvação é hoje. Não há perdão
pós-morte na opinião.
Acredito, então, quando eu
vou até as divinas Escrituras, no Antigo e no Novo Testamento, que a
desobediência a Deus é claramente julgada não pela multidão de pecados nem sua
magnitude, mas na mera transgressão de qualquer mandamento, e que há um julgamento comum de Deus contra
toda a desobediência. (De
Judicio Dei 4)
Nosso
Bispo realmente não conhecia a doutrina romana de pecados veniais e mortais. Em
consonância com o que encontramos em outras de suas obras, concluímos que
Basílio de Cesaréia não cria ou pregava o purgatório.
Cirilo
de Jerusalém (315 - 386)
O
Veritatis traz uma citação de Cirilo que em nada endossa a doutrina do
purgatório, apenas prova que ele recomendava a oração pelos mortos. Porém,
importa destacar que a obra (quinta catequese mistagógica) de onde se tirou a
citação é de origem duvidosa. O editor da série Fathers of Church escreveu:
De novo, a Mystagogiae, quer
como obra teológica quer literária, parece imprópria de Cirilo. Em comparação
com as virtudes do batismo nas Catequeses Quaresmais, definidas num rico contexto
de teologia bíblica, a Mystagogiae parece um pouco insípida e falha, assim como
obscura. Estupefação e exclamações de admiração tomaram o lugar da compreensão.
Cirilo, por outro lado, empregava consideráveis recursos bíblicos e teológicos,
a que correspondia um domínio notável da linguagem, um vocabulário muito rico e
alguma imaginação. A dicção da Mystagogiae é, por comparação, indigente; eu
deliberadamente, na minha tradução, deixei algumas das suas infelicidades não
corrigidas. (Ver FC, Vol. 64, The Works of Saint Cyril of Jerusalem, (New York:
Fathers of the Church, Inc., 1949), pp. 146-147)
Epifânio
de Salamina (315 – 367)
O
Veritatis também cita Epifânio:
Quanto à recitação dos nomes
dos falecidos, o que pode haver de mais útil e que seja mais oportuno e digno
de louvor, a fim de que os presentes percebam que os falecidos continuam
vivendo e não foram reduzidos ao nada, mas
continuam existindo e vivem junto do Senhor, restando assim afiançada a
esperança daqueles que rezam por seus irmãos falecidos, considerando-os como se
tivessem emigrado para outro país? São úteis, com efeito, as preces que são
feitas em seu favor, mesmo que não possam eliminar todas as suas culpas.
(Panarion 75,8: PG 42,513)
Basta
dar uma checada no contexto desta citação. Epifânio estava respondendo a Aerius
que afirmava a inutilidade da oração pelos mortos, argumentando que isso
estimulava uma conduta moral relaxada. Se Epifânio cresse em tal coisa, ele com
certeza expressaria a utilidade de orar pelos falecidos, uma vez que eles estão
purgando seus pecados veniais ou pagando por penitências não realizadas aqui em
vida. Porém, ele não fala nada a respeito, apenas defende que nossas orações os
beneficiam, e que eles já “vivem junto do senhor”.
Na
era que virá, não há vantagem no jejum, não
há chamada ao arrependimento, nenhuma exibição de caridade, ninguém será
admitido após sua partida daqui, nem
poderemos corrigir o que estava errado antes. Lázaro não vai ao rico, nem o
rico a Lázaro; os celeiros foram selados, o combate terminou, as coroas
distribuídas. Aqueles que ainda não
encontraram não têm mais oportunidade, e aqueles que têm conquistado não
são expulsos Tudo está terminado depois
de partir daqui. (Hoer. 59).
Mais
claro impossível, para Epifânio não há perdão de pecados no porvir, não há mais
oportunidade alguma, tudo o que pode ser feito, deve ser feito aqui. “Tudo está
terminado depois de partir daqui”.
Gregório
de Nissa (331 – 394)
O
Veritatis traz uma citação de Gregório que segundo eles é “uma referência tão
clara ao Purgatório que não necessita de nenhum comentário”. Porém, qualquer um
que se dê o trabalho de pesquisar sobre este pai da Igreja perceberá que se
trata do contrário, o bispo de Nissa também não é uma testemunha a favor da
doutrina romanista. Segue a citação:
Quando ele renuncia a seu
corpo e a diferença entre a virtude e o vício é conhecida, não pode se
aproximar de Deus até que seja purificado com o fogo que limpa as manchas com
as quais a sua alma está infectada. Esse mesmo fogo em outros cancelará a
corrupção da matéria e a propensão ao mal. (Sermão sobre a Morte 2:58)
A
visão de Gregório é semelhante a Orígenes. Ele realmente acreditava numa
purificação das almas antes de desfrutarem da presença de Deus, mas essa
purificação não era apenas para os que morreram na amizade de Deus, era para
todos os homens. Assim como Orígenes, ele defendia a apokatastasis – a restauração de todas as coisas, ai incluso a
salvação de todos os homens. Portanto, até mesmo o mais terrível pecador, mesmo
aqueles que morreram em pecado mortal, passariam pelo fogo que purificaria de
toda inclinação pecaminosa, permitindo assim que desfrutassem da presença do
Senhor.
Na
purificação defendida pelo Bispo de Nissa, não havia o elemento punitivo. Ele
não a via como um processo de pagamento por pecados veniais não arrependidos ou
penitências não realizadas. A purificação serviria para extirpar da alma toda
inclinação pecaminosa, fazendo com que pudesse viver sem cometer pecados.
Gregório
cria numa purificação pós-morte? Sim. Ele acreditava na doutrina romana do
purgatório? Definitivamente não. Na obra “Sobre a Alma e a Ressurreição” vemos
claramente a visão escatológica de Gregório de Nissa.
Ele
denominava "segunda morte" o estado de purgação que a alma pecadora
teria que atravessar, a fim de que seja libertada da escravidão às paixões.
Purgação é o meio pelo qual:
Alma torna-se livre de
qualquer ligação emocional com a criação bruta, não haverá nada para impedir a sua contemplação do belo. (Sobre a
Alma e a Ressurreição 449)
Todos
da raça humana passariam por essa purgação para que fossem aperfeiçoados:
O fim é um, e apenas um; é
este: quando todos de nossa raça tiverem
sido aperfeiçoados, do primeiro até o último homem (...) para oferecer a
cada um de nós a participação nas bênçãos que estão Nele [Deus]. (Sobre a Alma
e a Ressurreição 465)
Gregório
Nazianzo (329 – 389)
Gregório
Nazianzo afirma expressamente:
Após
esta vida não há purgação.
(Oratio 5 in Plagam grandinis, et orat. 42 in pascha. de Eccl. dogm., c. 79)
João
Crisóstomo (307 - 407)
Os
apologistas católicos trazem palavras de João Crisóstomo que encorajam orar
pelos mortos:
Se os
filhos de Jó foram purificados pelo sacrifício de seu pai, 'porque deveríamos
duvidar que quando nós também oferecemos [o sacrifício] pelos que já partiram, recebem eles algum consolo'? Já que
Deus costuma atender aos pedidos 'daqueles que pedem pelos demais', não
cansemos de ajudar os falecidos, oferecendo em seu nome e orando por eles. (Homilias
sobre 1 Coríntios 41:8)
Não
há nada nesta citação que ofereça algum contexto para concluirmos purgatório. Alguns
Pais acreditavam que as almas estavam num estágio intermediário, e que orações
poderiam aumentar seu estado de consolo e paz (o refrigério do qual já
falamos), sem, no entanto, defenderem a ideia de purificação/pagamento de
pecados.
Veremos
citações abaixo mostrando o desconhecimento de João a respeito dessa doutrina.
Comentando Mateus 6:12:
Deixe-nos saber isso e vamos
lembrar daquele dia terrível e daquele fogo. Vamos colocar em nossa mente as
terríveis punições e voltar de uma vez por todas do nosso caminho de ilusão.
Virá o tempo quando o teatro do mundo será dissolvido, e então ninguém será capaz de lutar mais. Ninguém pode fazer nada após
a passagem desta vida. Ninguém poderá ser coroado após a dissolução do teatro.
Este tempo é para arrependimento, aquele para o julgamento. Este tempo é
para as competições, aquele para as coroas. Este é para trabalho pesado, aquele
para descanso. Este para fadiga, aquele para recompensa. (FC, Vol. 96, St. John Chrysostom on Repentance and
Almsgiving, Homily 9.5 (Washington, D.C.: The Catholic University of America
Press, 1998), p. 129.)
Ele
faz alguns paralelos comparando o tempo presente antes da morte e o após a
morte – “este tempo é para arrependimento, aquele para o julgamento”. Ele não
concebe a ideia de perdão de pecados no porvir como os romanistas fazem.
Antecipem o êxodo da alma
com arrependimento e correção, porque quando a morte chega de repente, absolutamente o tratamento do
arrependimento não mais será frutífero. O arrependimento é poderoso na
terra; somente no hades é impotente.
Vamos buscar o Senhor agora, enquanto
temos tempo. Vamos fazer o que é bom para sermos salvos da futura punição
eterna do inferno, e sermos feitos digno do Reino dos Céus. (FC, Vol. 96,
St. John Chrysostom on Repentance and Almsgiving, Homily 9.7 (Washington, D.C.:
The Catholic University of America Press, 1998), p. 130.)
Eu testemunho e afirmo que,
se qualquer um de nós que têm cometido ofensas, deve abandonar seus antigos
pecados, e prometer a Deus com sinceridade que não mais vai recorrer a eles,
Deus não irá exigir mais nenhuma satisfação dele. (De
Beato Philogonio (On the Blessed Philogonius), Homilia VI, §4, PG 48:754)
O
romanista não pode endossar as palavras de João Crisóstomo. Ele teria que
dizer: “se vocês cometem pecados, arrependam-se e os confessem ao sacerdote, depois
que ele te absolver, faça a penitência prescrita, caso contrário, você pode ir
para o inferno ou em caso de pecados veniais, ter que passar um tempinho no
purgatório”. Crisóstomo não era católico romano.
Agostinho
de Hipona (354 – 430)
Agostinho
é largamente considerado o pai do Purgatório. Os católicos romanos citam-no
muitas vezes referindo-se a algo semelhante à moderna doutrina católica. Mas o
que esses não explicam é que Agostinho reconheceu que estava especulando. Em
outras palavras, não estava transmitindo alguma tradição apostólica proferida
de geração em geração em sucessão ininterrupta desde os apóstolos. Ao
contrário, ele estava especulando sobre o que pode acontecer na vida após a
morte. Le Goff explica:
[Joseph Ntedika] pôs o dedo
num ponto chave, mostrando não apenas que a posição de Agostinho evoluiu ao
longo dos anos, o que era de se esperar, mas que passou por uma mudança
acentuada num ponto específico no tempo, que Ntedika situa no ano 413 (...) Na
Carta a Dardinus (417), ele [Agostinho] esboçou uma geografia do além, onde não
há lugar para o Purgatório. (The Birth of Purgatory [Chicago, Illinois: The
University of Chicago Press, 1986], pp 62, 70).
Em
outras palavras, as opiniões de Agostinho sobre o tema desenvolveram-se ao
longo do tempo, e ele foi inconsistente. O historiador protestante George
Salmon explica o significado desses fatos:
Da mesma forma, quando
Agostinho ouve a ideia sugerida de que, como os pecados dos homens bons lhes
causam sofrimento neste mundo, então também podem causar até certo ponto no
próximo, diz que não vai arriscar dizer que nada do tipo não possa ocorrer,
porque talvez possa. Bem, se a ideia de
purgatório não tinha conseguido ir além de um "talvez" no início do
século V, podemos dizer com segurança que não foi pela tradição que a
Igreja mais tarde chegou à certeza sobre o assunto; pois, se a Igreja tivesse
alguma tradição no tempo de Agostinho, esse grande Padre não podia ter deixado
de conhecê-la. (The Infallibility of the Church [London, England: John Murray, 1914],
pp. 133-134).
Aqui
está um exemplo de Agostinho expressando a sua incerteza:
E não é impossível que algo
do mesmo tipo possa ocorrer mesmo depois desta vida. É uma matéria que pode ser
investigada, e apurada ou deixada na
dúvida, se alguns crentes devem passar por uma espécie de fogo purificador,
e na proporção em que amaram com mais ou menos devoção os bens que perecem, ser
mais ou menos rapidamente livres dele. (O Enchiridion, 69).
Longe
de ser uma boa testemunha da doutrina romana, Agostinho demonstra que a ideia
do purgatório era uma inovação fruto de especulação, não havia em seu tempo
nenhuma sólida tradição que suportasse essa doutrina, muito menos uma tradição
de origem apostólica.
Mais
tarde, já no final do século sexto, o Papa Gregório Magno dará grande impulso à
doutrina do purgatório. Aquilo que Agostinho especulou, Gregório tomou como
certo, seus escritos seriam utilizados na idade média pelos defensores dessa
doutrina.
Conclusão
Após
este longo estudo, não há outra conclusão possível, a evidência histórica
contra a doutrina romanista do purgatório é esmagadora. Vimos que o destino da
pessoa após a morte foi um tema explorado pelos Pais da Igreja desde os tempos
mais antigos. Ao dissertarem sobre este tema, a opinião majoritária é que os
justos já desfrutam da presença alegre de Deus logo após a morte. Alguns criam
num lugar intermediário semelhante ao seio de Abraão narrado na parábola do
Evangelho de Lucas, esse era um lugar de paz e refrigério, não um lugar de
purgação ou pagamento de penas.
Observamos
também que quanto mais antigo o Pai da Igreja, mais a ideia do purgatório é
desconhecida. Vimos que alguns Pais como Orígenes e Gregório de Nissa, com uma
posição bem minoritária, acreditavam numa purificação pós-morte, porém não era
o purgatório, mas sim a doutrina da salvação universal dos homens. Na opinião
deles, mesmos os piores pecadores seriam salvos após serem purificados, algo
considerado heresia grave pela Igreja Romana.
A
primeira ideia semelhante ao purgatório vai aparecer somente mais de 300 anos
depois da era apostólica em Agostinho. Ainda assim, o bispo de Hipona
reconhecia estar meramente especulando, o máximo que se tem é um “talvez” séculos
depois da morte dos apóstolos.
Portanto,
está correto dizer que o purgatório é uma ideia medieval, que após alguns
debates foi aceito oficialmente como dogma somente no segundo milênio apenas na
Igreja Ocidental.
Parafraseando o site
Veritatis, podemos dizer: na verdade, torna-se difícil entender, à luz das
sentenças anteriores, como ainda existem pessoas que afirmam que o Purgatório
NÃO FOI uma invenção da Idade Média. Peço a Deus que isto se dê por ignorância
e não por malícia. Felizmente, estes textos estão ao alcance de todos e
oferecem uma evidência indiscutível quanto à fé da Igreja primitiva... a Igreja
[católica] QUE NÃO ERA ROMANA.
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