A
oração aos santos pedindo intercessão é uma das doutrinas que distinguem
evangélicos e católicos romanos. A Igreja Romana ensina que os santos no céu
podem ouvir as orações a eles dirigidas e intercedem junto a Deus em favor
daqueles que oram. O catecismo diz:
§2683 As testemunhas que nos precederam no Reino, especialmente as
que a Igreja reconhece como "santos", participam da tradição viva da
oração pelo exemplo modelar de sua vida, pela transmissão de seus escritos e
por sua oração hoje. Contemplam a Deus, louvam-no e não deixam de velar por
aqueles que deixaram na terra. Entrando "na alegria" do Mestre, eles
foram "postos sobre o muito". Sua intercessão é o mais alto
serviço que prestam ao plano de Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que
intercedam por nós e pelo mundo inteiro. (Fonte)
O presente artigo objetiva mostrar que tal prática não é ausente
na escritura, mas também nos escritos dos pais ante-nicenos. Esses são autores
cristãos que viveram do período pós-apostólico (final do século I) até o
Concílio de Nicéia (325 d.c). A Bíblia fala sobre oração em diversas ocasiões,
circunstâncias e épocas, trata-se de um registro de mais de mil anos da
trajetória do povo de Deus, no entanto, não há sequer uma referência ao pedido
de intercessão dos mortos.
Diante da falta de fundamentação bíblica, os apologistas católicos
apelam a uma suposta tradição oral originada nos apóstolos como prova de que a
Igreja, desde os tempos apostólicos, ensinou o pedido de intercessão aos
falecidos como uma crença ortodoxa. Neste caso, os apologistas católicos têm o
ônus de provar:
·Que o pedido de intercessão aos falecidos foi ensinado pelos apóstolos;
·Que a Igreja, desde o tempo dos apóstolos, ensinou essa doutrina.
Pais Apostólicos (90 - 140)
Alguns usam a seguinte citação de Inácio de Antioquia como
evidência da intercessão dos santos na Igreja Primitiva:
Meu espírito se sacrifica por vós, não somente agora, mas também
quando eu chegar a Deus. Eu ainda estou exposto ao perigo, mas o Pai é fiel, em
Jesus Cristo, para atender minha oração e a vossa. Que sejais encontrados nele
sem reprovação. (Epístola aos Tralianos 13:3)
A questão é o que Inácio queria dizer com " não somente
agora, mas também quando eu chegar a Deus"? Será que ele acreditava que
continuaria orando pela Igreja na terra quando estivesse na presença de Deus?
Não há como saber ao certo, nada no contexto permite essa conclusão específica.
Porém, é muito provável que Inácio não acreditasse que a oração poderia ser
oferecida a qualquer outro que não Deus. Em todas as suas 7 cartas fala
bastante sobre oração e pede para todas as Igrejas orem por ele e por outros.
No entanto, em nenhum momento faz referência a orar a qualquer coisa criada,
mas apenas a Deus. Se a oração aos santos fosse ensinada na Igreja primitiva,
seria de se esperar que, em meio a tantos pedidos de oração, Inácio mencionasse
orar a algum apóstolo ou mártir cristão.
Clemente de Roma e Policarpo de Esmirna seguem a mesma tônica.
Clemente de Roma, em sua epístola a Igreja de Corinto, escreve um modelo de
oração, mas nada menciona sobre orar a outro que não Deus. Policarpo também
menciona a oração como sendo dirigida a Deus.
Justino Mártir (100 – 165)
Vede o fim que tiveram os imperadores que vos precederam: todos
morreram de morte comum. Se a morte terminasse na inconsciência, seria uma boa
sorte para todos os malvados. Admitindo, porém, que a consciência permanece em
todos os nascidos, não sejais negligentes em convencer-vos e crer que essas
coisas são verdade. De fato, a necromancia, o exame das entranhas de crianças
inocentes, as evocações das almas humanas e os que são chamados entre os
magos de espíritos dos sonhos e espíritos assistentes, os fenômenos que
acontecem sob a ação dos que sabem essas coisas devem persuadir-vos de que,
mesmo depois da morte, as almas conservam a consciência. (I Apologia 18)
Justino cita a prática pagã de evocar almas humanas como evidência
da consciência da alma após a morte. Ele parece pressupor que esta prática não
era comum aos cristãos. Já que essa prática é semelhante a orar aos falecidos,
é improvável que Justino cresse na oração aos mortos. Ele também fala sobre a
oração em diversos outros contextos em suas obras, mas nunca menciona sobre
orar a pessoas falecidas ou mesmo que os que já partiram oram pelos que aqui
ainda estão.
Pastor de Hermas (150)
Eu
lhe pedi insistentemente que me explicasse o sentido simbólico do campo, do
senhor, da vinha, do escravo que estaqueara a vinha, do filho e dos amigos
conselheiros, pois compreendera que tudo isso era uma parábola. Ele me
respondeu: “És muito ousado em tuas perguntas! De modo algum deves perguntar,
pois, se alguma coisa se deve explicar a ti, será explicada.” Eu lhe disse:
“Senhor, tudo o que me mostrares sem explicar, será inútil que eu veja, pois
não compreenderei o que significa. Da mesma forma, se me contas parábolas sem explicá-las,
terei ouvido em vão alguma coisa de ti.” De novo, ele me respondeu, dizendo: “Todo
servo de Deus que tem o Senhor em seu coração, pode lhe pedir a compreensão e
obtê-la. Ele poderá, então, explicar qualquer parábola e, graças ao Senhor,
tudo o que for dito em parábolas será compreensível para ele. Os
indolentes e preguiçosos para a oração, porém, vacilam em pedir ao Senhor. O
Senhor é misericordioso e atende todos os que lhe pedem sem hesitação. Tu,
porém, que foste fortificado pelo anjo glorioso e dele recebeste essa oração, e
não és preguiçoso, por que não pedes a compreensão? Tu a receberás.” Eu
repliquei: “Senhor, tendo a ti comigo, tenho necessidade de te pedir e
perguntar. Com efeito, tu me mostras tudo e falas comigo. Se eu visse ou
ouvisse essas coisas sem ti, pediria ao Senhor que as explicasse a mim. (Pastor
de Hermas 57)
Por incrível que pareça, alguns usam essa
citação como evidência de oração aos anjos. Hermas está conversando com um
anjo, que lhe disse uma parábola. Sem entendê-la, Hermas pede a explicação da
parábola ao anjo. Ninguém duvida que seres humanos podem conversar com anjos
caso eles apareçam. A Escritura menciona diálogos deste tipo como o ocorrido
entre Maria e o Anjo que anunciara o advento de Cristo. Portanto, não há oração a anjos neste
contexto, pelo contrário, o anjo diz que Hermas deveria orar a Deus pedindo
compreensão e Ele o responderia. Para não deixar dúvidas, Hermas diz que apenas
perguntava ao anjo por que ele estava ali presente, dialogando com ele, caso contrário,
ele oraria a Deus. Ou seja, esta passagem só vem a reforçar a crença vigente
neste período – oração é algo que se dirige apenas a Deus.
Atenágoras de Atenas (133 – 190)
Por causa da multidão, que não pode distinguir entre a matéria e
Deus, ou ver o quão grande é o intervalo que se encontra entre eles, oram a
ídolos feitos de matéria, estamos, portanto, aquele não está distinguindo e
separando o incriado e o criado, o que aquilo é que não é, aquilo que é
apreendido pela compreensão e aquilo que é percebido pelos sentidos, e que dão
o nome apropriado para cada um deles - devemos cultuar imagens? ... Porque, se
eles não diferem em nenhum aspecto dos
animais (uma vez que é evidente que a Divindade deve diferir das coisas da
terra e aqueles que são derivados de matéria), que não são deuses. Como,
então, eu pergunto, podemos abordá-los como suplicantes, quando sua origem
se assemelha ao do gado, e eles próprios têm a forma de animais, e são feios de
se ver? (Um apelo pelos cristãos 15, 20)
Atenágoras foi um apologista cristão do Século II. Ele condena a
prática de orar aos ídolos como irracional, pois essas pessoas não diferenciam
o criado do incriado e prestam culto a criatura em lugar do criador. Toda a
argumentação de Atenágoras parte diferenciação entre criatura e criador, e
implica que a oração não deve ser feita a coisas criadas, como os pagãos
faziam. Seria inconcebível utilizar esse tipo de argumentação caso os cristãos
também orassem a criaturas como anjos ou aqueles que já morreram.
Irineu de Lyon (130 – 202)
Nem ela [a Igreja] realiza qualquer coisa por meio de invocações
angelicais, ou por encantamentos, ou por
qualquer outra arte curiosa perversa, mas, dirige suas orações ao Senhor,
que fez todas as coisas, em um puro, sincero e íntegro espírito, e invocando o
nome de nosso Senhor Jesus Cristo, ela está acostumada a fazer obras milagrosas
para o benefício do gênero humano, e não para levá-los ao erro (...) o
altar, então, é no céu (para esse lugar são as nossas orações e ofertas
dirigidas). (Contra as Heresias 2:32:5 e 4:18:6)
Irineu deixa claro que a prática da Igreja Romana de invocar os
anjos não era comum à Igreja Primitiva. Em oposição a isso, ele afirma que a
Igreja dirige suas orações a Deus por intermédio de Jesus Cristo. A natureza da
argumentação deixa implícito que a Igreja orava apenas a Deus.
Tertuliano (160 – 220)
Tertuliano viveu no final do final século II ao início do século
III. É uma fonte importante não apenas por sua antiguidade, mas também por ter
falado sobre a oração diversas vezes, inclusive escrevendo um tratado sobre o
tema. Apesar disso, não ensina a oração aos mortos ou intercessão dos santos.
Se essa era uma prática estabelecida na Igreja dos seus dias, era de se esperar
a presença de clara evidência num autor que se dedicou a escrever tanto sobre a
oração.
Ele explica que a oração é um sacrifício a Deus, o que excluiria
orar a outros além dele:
Nós somos os verdadeiros adoradores e os verdadeiros sacerdotes,
que, orando no espírito, sacrifício, em espírito, oração - a vítima
adequada e aceitável a Deus, que seguramente Ele tem exigido, o qual Ele
tem olhado disposto para si mesmo! Esta vítima, dedicada de todo o coração,
alimentada pela fé, tendeu pela verdade, inteira na inocência, puras de castidade,
coroada com amor, devemos acompanhar com o esplendor de boas obras, entre
salmos e hinos, dentro do altar de Deus, para obtermos todas as coisas de Deus. (Sobre a
oração 28)
Tertuliano também escreveu:
Paraíso, o lugar da bem-aventurança celestial designado para
receber os espíritos dos santos, cortados do conhecimento deste mundo. (Apologia
47)
A implicação é de que os crentes falecidos não seriam capazes de
receber nossas orações.
Orígenes (185 - 253)
Orígenes
foi um dos maiores teólogos da Igreja Primitiva, sendo uma importante fonte
para questão discutida. Ele escreveu todo um tratado sobre a oração, no
entanto, não diz para invocar santos ou anjos.
Em
seu tratado contra Celso, fica implícito que seu oponente critica os cristãos
por não cultuarem outras criaturas que não sejam o Deus cristão. Em sua
resposta, Orígenes acaba escrevendo sobre a oração, podemos então pressupor que
essa também fazia parte da crítica de Celso. A resposta do teólogo cristão é que
devemos orar somente a Deus.
No
mesmo tratado, ele comenta que os anjos transportam nossas orações a Deus e
trazem bênçãos de Deus a nós:
Nós,
na verdade reconhecemos que os anjos são espíritos ministradores, e dizemos que
eles são enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação; e
que eles sobem, transportando as súplicas dos homens, para o mais puro dos
lugares celestiais no universo, ou até mesmo para supercelestiais regiões mais
puras ainda; e que eles descem a partir destas, transmitindo a cada um (...)
algo ordenado por Deus para ser conferidas por eles sobre aqueles que são os
destinatários de suas bênçãos. (Contra Celso 5:4)
Porém também diz que não devemos invocar
os anjos:
Invocar
os anjos sem ter obtido um conhecimento de sua natureza superior que não é
possuída por homens, seria contrário à razão. Mas, conforme nossa hipótese, que
este conhecimento deles, que é algo maravilhoso e misterioso, pode ser obtido.
Então esse conhecimento, dando-nos saber sua natureza, e os cargos para os
quais são solidariamente designados, não irá nos permitir orar com confiança
para qualquer outro que não seja o Deus Supremo, que é suficiente para todas as
coisas, e que através de nosso Salvador o Filho de Deus, que é a Palavra, a
sabedoria e a Verdade, e tudo o mais que os escritos dos profetas de Deus e os
apóstolos intitulam Jesus. (Contra Celso 5:5)
Abaixo
ele fala da alegação de Celso que os cristãos deveriam procurar o favor de
outros além do Deus altíssimo. Orígenes responde que devemos buscar o favor de
Deus, não sendo necessário buscar ajuda de outros, pois com o favor de Deus, os
anjos e espíritos amigos de Deus se tornam favoráveis a nós:
Há,
portanto, Aquele cujo favor nós devemos procurar, e para quem devemos orar para
que Ele tenha misericórdia de nós - o Altíssimo Deus, cujo favor é adquirido
por piedade e prática de todas as virtudes. E
se ele (Celso) nos diz que deveríamos buscar o favor de outros além do Deus
Altíssimo, que ele próprio considere que, como o movimento da sombra segue o
corpo que a lança, por isso da mesma maneira, conclui-se que, quando temos a
favor de Deus, também temos a boa vontade de todos os anjos e espíritos que são
amigos de Deus. (Contra Celso 8:64)
Todo
o contexto desta citação seria muito propício para afirmar a invocação dos
anjos ou santos, porém, apesar de reconhecer que estes seres se tornam
favoráveis aos que oram, ele diz que devemos orar a Deus e não a eles. Orígenes
também diz que devemos direcionar nossas orações somente a Deus:
Porque
todo aquele que de sua alma serve ao Ser Divino de nenhuma outra maneira, que
não leve sempre em conta o Criador de tudo, para direcionar suas orações a
Ele somente, e fazer todas as coisas como se aos olhos de Deus, que nos vê
completamente, até mesmo os nossos pensamentos. (Contra Celso 7:51)
Em seu tratado sobre a oração, Orígenes
é enfático:
Mas se aceitarmos a oração
em seu sentido pleno, não podemos nunca orar a qualquer ser criado, nem
mesmo ao próprio Cristo, mas apenas ao Deus e Pai de todos a quem o nosso
Salvador tanto orou, como já temos demonstrado, e ensina-nos a orar. (Sobre a Oração 10)
Ele afirma que não devemos orar sequer a
Jesus, imagine então orar a anjos ou falecidos. A oração deve ser direcionada
somente à Deus Pai tendo Deus Filho como sumo sacerdote:
Esta
oração ao Filho e não ao Pai é fora de propósito e só é sugerido em desafio à
verdade manifesta, todos devem admitir (...) Resta, portanto, orar a Deus
somente, o Pai de Todos, no entanto, não sem o sumo sacerdote que foi nomeado
pelo Pai com prestação de juramento, de acordo com as palavras que Ele
jurou e não se arrependerá: "Você será sacerdote para sempre, segundo a
ordem de Melquisedeque " (...) Então não estamos a oferecer qualquer
oração ao Pai à parte Dele (Jesus). (Sobre
a Oração 10)
Também diz que apenas Deus pode ouvir
nossas orações e respondê-las:
E
quem ascender também das coisas belas do mundo para o Criador de tudo, e
confiar-se a Ele, o único que é capaz de cumprir todas as coisas existentes,
e de olhar os pensamentos de todos, e de ouvir as orações de todos que enviam
as suas orações a Ele, e fazendo todas as coisas como na presença daquele
que contempla tudo, e ter o cuidado, como na presença do Ouvinte de todas as
coisas, para não dizer nada que não pode com propriedade ser relatado a Deus. (Contra Celso 4:26)
Diante da farta evidência de que
Orígenes entendia a oração com algo que deveria ser dirigido apenas a Deus,
apologistas católicos apontam algumas citações como prova para a doutrina católica
de invocação dos santos:
Mas
estes oram junto com aqueles que genuinamente oram, não só o sumo sacerdote,
mas também os anjos que "alegram-se no céu por um pecador que se arrepende
mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de
arrependimento", e também as almas dos santos já descançam. (Sobre a
Oração 6)
Muitos
sites católicos apresentam esta citação com "o pontíficie (o papa)"
ao invés de "sumo sacerdote (Cristo)". Trata-se de uma adulteração na
obra de Orígenes, pois ele usa a palavra sumo sacerdote (Cristo) e não há
referência alguma a um suposto papa. De
forma anacrônica e descontextualizada, os romanistas atribuem conceitos tardios
aos pais de épocas mais primitivas. Nesta citação, Orígenes apenas afirma que
os anjos e os que já estão no céu oram pelos que estão aqui na terra. Porém, em
nenhum momento, ele diz que devemos orar a eles pedindo sua ajuda, ou que eles
ouvem nossas orações – algo que como já exposto, só Deus poderia fazer. São
categorias diferentes, e como vimos, a Igreja Romana ensina que devemos pedir
aos santos, prática que Orígenes condenaria.
A
crença de que os santos no céu oram pela Igreja na terra é especulativa. As
Escrituras não dão base a isso. Importa observar que Orígenes era um teólogo
bem especulativo, dedicou muito tempo a criar teorias sobre a vida pós-morte e
em nenhum momento diz estar reproduzindo uma tradição apostólica ou algo do
tipo. Portanto, tomado no seu todo, o ensino de Orígenes é substancialmente
contrário ao da Igreja Romana.
Agora
pedir intercessão e agradecimento, não está fora de propósito oferecer aos
homens os dois últimos, intercessão e agradecimento, não só para homens santos,
mas também para os outros. Mas solicitar a santos somente, deveríamos se alguém
como Paulo ou Pedro aparecer, para nos beneficiar (...). (Sobre a Oração 10)
Aqui
Orígenes está se referindo às relações na Terra, se alguém como Paulo ou Pedro
"aparecer". Ele não limita seus comentários aos santos, mas está se
dirigindo a todos os homens. Não seria razoável tirar a conclusão de que
Orígenes está defendendo tentativas de entrar em contato com pessoas falecidas,
como Paulo e Pedro após a sua morte, pois fala de uma hipótese improvável – a aparição
terrena desses apóstolos. Não há aqui um contexto em que os apóstolos no céu
são destinatários das orações da Igreja, mas uma situação peculiar em que
voltassem a terra e se comunicassem com os crentes.
O
estudioso patrístico Ortodoxo John McGuckin escreveu:
Orígenes
é claro neste trabalho [Sobre a Oração] que
a oração deve ser dirigida a Deus Pai somente. (The Handbook Westminster Para Orígenes [Louisville,
Kentucky: Westminster John Knox Press, 2004]., P 38)
Outro
estudioso que contribuiu para a mesma obra, Julia Konstantinovsky, escreveu:
Ele
também está muito preocupado com a pergunta: "A quem se deve orar? 'Nos
Euches Peri [Sobre a Oração] Orígenes afirma categoricamente que "nunca devemos orar a qualquer coisa
gerada, nem mesmo a Cristo" (Peuch 15.1) e que é um 'pecado de
ignorância’ orar a Cristo (hamartian idiotiken) (Peuch . 16.1) Em suas obras
posteriores, no entanto, Orígenes parece ter mudado essa visão e, certamente,
permite que a oração deve ser dirigida diretamente a Cristo (CCels 8,26;. Homex 13,3). (Ibid., pp. 176)
Julia
Konstantinovsky também diz:
Orígenes
"muitas vezes" preconiza explicitamente a oração a Cristo. Ele não defendia oração aos mortos. Seu
subsídio declarado de oração a Cristo não
pode ser usado para justificar um subsídio não declarado de oração para os
mortos. Mesmo depois de Orígenes ter mudado sua visão de oração a Cristo, ele continuou a condenar oração a anjos e
outros seres criados. (Ibid.,
pp. 176)
Clemente
de Alexandria (150 – 210)
Clemente
define a oração como a comunicação com Deus. Ele descreve a oração como um ato
de adoração e sacrifício a Deus, o que implica na exclusão dos mortos ou anjos
como destinatários da oração:
Mas
se, por natureza, não necessita de nada, Ele [Deus] tem prazer em ser adorado, não
é sem razão que adoramos a Deus em oração, e assim o melhor e mais santo
sacrifício com justiça nós oferecemos, apresentando-a [a oração] como uma
oferta [...] o sacrifício da Igreja é a palavra de desejo como incenso de
almas santas, o sacrifício e toda a mente sendo ao mesmo tempo revelada a Deus
[...] A oração é, então, falar com mais ousadia, conversar com Deus. Embora
sussurrando, consequentemente, e não abrindo os lábios, falamos em silêncio,
ainda assim gritamos interiormente. Porque Deus ouve continuamente a nossa
conversa interior. (The Stromata, 7:6-7)
Na
citação abaixo, assim como Orígenes, Clemente parece acreditar que os que já
estão no céu oram pela Igreja na terra. Os Pais da Igreja poderiam acreditar
nisso, sem, no entanto, acreditarem que devemos orar a eles. Por isso, para o
romanista provar sua doutrina na patrística, não é suficiente mostrar que algum
pai cria que os que já estão no céu oram na presença de Deus, é preciso
principalmente provar que eles criam que a Igreja deve orar aos que já
partiram.
Deste
modo está ele [o verdadeiro cristão] sempre puro para oração. Ele também reza
na sociedade dos anjos, como sendo já da classe dos anjos, e ele nunca está
fora da sagrada proteção deles; e pensou que rezava sozinho, [mas] ele tem o
coro dos santos permanecendo com ele [em oração]. (Miscellanies 7:12)
Hipólito
de Roma (170 - 236)
O
teólogo católico romano Ludwig Ott escreveu:
A
invocação dos santos é atestada primeiramente por Santo Hipólito de Roma, que
se volta para os três companheiros de Daniel com a oração: 'Pense em mim,
peço-vos, para que eu possa conseguir com você o mesmo destino do martírio. '
(Em Dan. II, 30). (Fundamentals
of Catholic Dogma [Rockford, Illinois: Tan Livros e Publishers, Inc., 1974],
319)
Nota-se
que a fonte mais antiga segundo Ott é do século III. Até mesmo ele reconhece
que não há fontes do século II atestando essa doutrina, mesmo a oração tendo
sido um tema recorrente. Mas será que Hipólito acreditava na oração aos santos?
Veremos.
É
importante diferenciar se Hipólito estava orando aos companheiros de Daniel ou
utilizando-se de um dispositivo retórico. Alguém diria que o Salmo 114:6 ensina
a oração às montanhas? Ott está correto ao dizer que Hipólito escreve como se
estivesse falando com os companheiros de Daniel. Mas consideremos quem mais
Hipólito trata de forma semelhante (todas as referências que se seguem são da
tradução de Tom Schmidt dos comentários de Hipólito sobre o livro de Daniel):
Para
eles que acreditam ter levado toda autoridade e glória a Deus, porque ele é
capaz de nos livrar, mas se não temos, preferimos morrer do que de bom grado
fazer o que é prescrito por você, Nabucodonosor! (2.24.8 na p. 66)
Diga-me,
Nabucodonosor, por que causa você ordenou amarrarem estes
rapazes e os lançarem no fogo? (2.27.2
na p. 68)
Percebam
que Hipólito aborda Nabucodonosor como se estive vivo, participando de um
processo presente. Como ele não está orando a Nabucodosor compreende-se que está
se utilizando de um dispositivo retórico. Por que então deveríamos pensar que
quando utilizou a mesma abordagem com os amigos de Daniel, estaria orando?
Em
outros lugares, Hipólito, de forma concordante, refere-se aos crentes que falam
a "toda a criação" (2.29.3-9 nas pp. 71-72.). Devemos concluir,
então, que ele acreditava em oração as árvores, planetas, etc?
Outro
problema com o uso que Ott faz de Hipólito é que ele ignora o contexto imediato
da passagem que cita. Aqui está a passagem como Ott cita, seguido pela passagem
completa na tradução de Schmidt:
Pense
em mim, peço-vos, para que eu possa conseguir com você o mesmo destino do
martírio. Digam-me, você três garotos, lembrem-me, peço-lhes,
que eu também possa obter o mesmo tipo de martírio que vocês, quem era a quarta
pessoa com quem vocês estavam andando no meio da fornalha e que cantava hinos a
Deus com vocês? Descrevam-nos a sua forma e beleza para que também nós, vendo-o
na carne, possamos reconhecê-lo. Quem era ele que desta maneira ordenada
descrevia toda a criação através de sua boca, por que vocês omitem nada do que
é e tem sido? (2.30.1-2 na p. 73)
Observe
que Ott deixa de fora porções de comentários de Hipólito, no qual ele pede aos
companheiros de Daniel para responder a perguntas e fornecer-lhe (Hipólito)
alguma informação. Quando os católicos rezam aos mortos, eles esperam que os
mortos lhes respondam perguntas como essas que Hipólito está fazendo?
Obviamente não.
Em
outro trabalho, Hipólito define a oração como "súplica oferecida a
Deus" (sobre os Salmos 1:8). É bastante improvável que ele acreditasse em
oração aos mortos.
Cipriano
de Cartago (? - 258)
Cipriano
escreveu um tratado sobre a oração de Jesus (O Pai Nosso) registrada nos
evangelhos. Mesmo que ele se concentre nesta oração, ele aborda a oração em
geral, ensinando vários princípios a serem seguidos. A oração é descrita como
algo feito aos Olhos de Deus, dirigida a Deus e não a pessoas:
Vamos
considerar que estamos em pé diante de Deus.
Devemos agradar aos olhos divinos, tanto com o uso do corpo e como o grau da
voz. Porque, como é característico de um homem sem pudor ser barulhento com
seus gritos, por isso, por outro lado, cabe ao homem modesto orar com petições
moderadas. (Sobre a Oração do
Senhor 4)
Mais
a frente, Cipriano explica que a Oração de Jesus é um modelo para todas as
nossas orações. A implicação é que se Jesus orou a Deus somente, assim devem
ser as orações dos cristãos:
Que
maravilha é, amados irmãos, se essa é a oração que Deus ensinou, vendo que Ele
condensando em seu ensinamento todas as nossas orações numa frase salvadora?
Isso já tinha sido antes predito por Isaías, o profeta, quando, inspirado pelo
Espírito Santo, falou da majestade e bondade de Deus, consumando e encurtando a
sua palavra, ele diz: "em justiça, porque uma palavra encurtada o Senhor
fará em toda a terra”. (Sobre Oração
do Senhor 28)
Cipriano
também diz que no momento da oração, não devemos pensar em mais nada, somente
em Deus:
Além
disso, quando estamos orando, amados irmãos, devemos ser vigilantes e
sérios com todo o nosso coração, com a intenção de nossas orações. Que todos os
pensamentos carnais e mundanos passem longe, nem deixe a alma naquele
momento pensar em nada, mas no objeto único de sua oração. Por esta razão,
também o sacerdote, a título de prefácio antes de sua oração, prepara as mentes
dos irmãos, dizendo: "Levantai os vossos corações," que assim sobre a
resposta do povo, 'Nós o levantamos até o Senhor ', ele pode ser
lembrado que ele mesmo não deveria pensar em nada, mas no Senhor. Vemos
o coração ser fechado contra o adversário, e estar aberto a Deus. (Sobre a Oração do Senhor, 31)
Ao
longo do tratado, Cipriano instrui o leitor como orar a Deus. Ele diz
repetidamente que está abordando todas as nossas orações nesse tratado, mas não
diz nada sobre orar a Maria, José ou qualquer outro que não seja Deus. Em vez
disso, descreve a oração como um ato de adoração e reverência, algo dirigido a
Deus somente. Um anjo pode levar nossas orações a Deus, como vemos no livro do
Apocalipse, por exemplo, mas a oração deve ser dirigida somente a Deus. Essa é
a visão protestante da oração, é o ponto de vista bíblico e é o ponto de vista
dos pais da Igreja dos primeiros séculos.
Como
não poderia ser diferente, os apologistas católicos usam a citação abaixo como
prova de sua doutrina:
Lembremo-nos uns aos outros em concórdia e unanimidade. Que em
ambos os lados [da morte] sempre oremos uns pelos outros. Vamos aliviar o fardo
e as aflições por amor recíproco, que se um de nós, com a rapidez da
condescendência divina, for primeiro, o nosso amor possa continuar na presença
do Senhor, e as nossas orações por nossos irmãos e irmãs não cessam com a
presença da misericórdia do Pai. (Epístola
56:5)
Nesta ocasião Cipriano está vivo, portanto, não está falando,
muito menos orando a falecidos. Ele ensina que mesmo depois de partirem, quando
estiverem junto de Deus, os crentes devem continuar orando por seus irmãos.
Porém, não endossa a oração a outros que não seja Deus.
Lactâncio (240 – 320)
É evidente que aqueles que fazem orações aos mortos, ou veneram a terra, ou oferecem suas almas aos espíritos
imundos, não agem como se tornando homens, eles vão sofrer punição por sua
impiedade e culpa, que, rebelando-se contra Deus, o Pai da raça humana, se
comprometeram com ritos inexpiáveis, e violaram toda a lei sagrada. (As Institutas Divinas 2:18)
A citação é clara, Lactâncio está condenando a prática pagã de
orar aos que já morreram e pressupõe que essa não é uma prática cristã. Alguns
poderiam objetar: "mas ele estava condenando esta prática apenas no
contexto do paganismo". Respondemos que Lactâncio não faz essa restrição, uma
vez que não menciona que essa prática era tolerada quando feita aos cristãos
falecidos. E, principalmente, uma prática que viola a Lei de Deus, como
mencionado por Lactâncio, não se torna tolerável quando praticada num contexto
cristão. A homossexualidade, por exemplo, é condenada na Escritura. Se ela
viesse a ser praticada por cristãos, não deixaria de ser condenável, pelo
contrário, tornar-se-ia mais condenável.
Metódio
de Olimpo (250 – 311)
Há
uma obra chamada "Oração sobre Simeão e Ana" usada pelos romanistas
que supostamente seria a prova da oração aos santos num Pai Ante-Niceno.
Trata-se de uma obra que exalta Maria e contém a citação abaixo:
Por isso, oramos a ti, o mais excelente entre as mulheres, que se
gloria na confiança dos suas honras maternais, que tu incessantemente nos
mantem na lembrança. Ó Santa Mãe de Deus, lembre-se de nós, eu digo, que faça a
nossa gloria em você, e que em agosto, hinos celebraremos a memória, que sempre
vai viver, e nunca desaparecer. (A oração sobre
Simeão e Ana 14).
O problema é que essa obra é espúria, não foi escrita por Metódio.
Quem a escreveu se passou por ele muito tempo depois de seu falecimento.
Embora, aparentemente, a primeira impressão desse trabalho na lista "Pais
Ante-Nicenos" [de Philip Schaffer] não incluía o material entre parênteses.
A seguinte nota de rodapé foi incluída, pelo menos desde a década de 1890, como
uma nota de rodapé ao título da obra:
A oração igualmente trata dos Santos Theotokos. [Publicado por
Pantinus, 1598, e obviamente espúrios.
Dupin afirma que "não é mencionada pelos antigos, nem mesmo por
Photius." O estilo se assemelha ao de Metódio em muitos lugares].
Abaixo seguem as opiniões de alguns eruditos a respeito dessa
obra:
A
homilia sob o nome de Metódio do Olimpo data provavelmente a partir do
quinto ou sexto século. Ela contém longos discursos de Simeão e Maria, e
coloca ênfase no louvor à Virgem. (A Preservative Against
Popery, in Several Select Discourses Upon the Principal Heads of Controversy
Between Protestants and Papists: Being Written and Published by the Most
Eminent Divines of the Church of England, Chiefly in the Reign of King James
II. Collected by the Right Rev. Edmund Gibson (Volume XIII), (1848), p.56)
Temos dois testemunhos oferecidos apenas a nós para a prática de
300 anos: uma passagem de Orígenes já rejeitada como espúria; e outra para fora
do intervalo de tempo de Metódio, se não certamente espúrias, mas justamente
suspeitas por seus próprios críticos, não sendo nem citado por nenhum dos
antigos, nem mencionada por Photius; e de um estilo mais exuberante do que
outros escritos de Metódio; e que fala tão claramente do mistério da Trindade,
da Encarnação e da divindade do Verbo, a quem ele chama, numa frase não bem
conhecida em seu tempo - consubstancial ao Pai; expressão que foi conhecida
apenas 100 anos após sua morte; da Virgindade de Maria depois de sua concepção;
e do pecado original; que o seu falecido crítico, Monsieur du Pin, tinha
certamente razão para colocá-lo entre suas obras espúrias, no entanto, é
agora citada com tanta segurança por você. (Dr. Wiseman's Popish Literary Blunders
Exposed, By Charles Hastings Collette, p. 25)
E agora nos voltamos para suas "Observações sobre a Carta do
Sr. Palmer." Aqui você cita vários escritos espúrios para provar que a
Virgem Maria era objeto de invocação para os primeiros cristãos. Você cita
Metódio em seu favor, o muito erudito bispo de Olimpo, ou Patara, na Lícia, e
depois de Tiro, na Palestina, que sofreu o martírio AD 303. Você cita (30 p.) De
uma homilia em que não há a menor dúvida quanto ao fato de ser espúria. Pois,
em primeiro lugar, o editor beneditino, em uma nota aos trabalhos de Jerônimo,
diz, uma vez por todas, que o "Simpósio" é a única obra inteira de
Metódio existente; e Baronius diz expressamente: "Eu não hesito em dizer
que nenhum escritor grego ou latino deixou um sermão proferido na festa da
Purificação (chamado às vezes" Hypapantes, "às vezes" Simeão e
Ana ') antes do décimo quinto ano de Justiniano ( AD 542), e que o Papa
Gelásio estruturou o caminho para a instituição desse banquete, pondo fim às
festividades do Lupercalia, que também foram observados em fevereiro."[fn1]
E o monge beneditino, Lumper, em sua "História Teológica Crítica,
"& c., sem dúvida, mostra que a homilia que você cita é de uma data
muito mais tardia do que você dá a ela, atribuindo a Metódio. (A dictionary of Christian biography,
literature, sects and doctrines, By William Smith, Henry Wace (1882), volume 3,
p. 911 (author of entry is Rev. George Salmon, D.D., D.C.L., LL. D., F.R.S.,
Chancellor of St Patrick's Cathedral and Regius Professor of Divinity Trinity
College Dublin))
Fica claro que está obra é considerada por muitos como espúria ou
no mínimo bastante suspeita. Portanto, não pode ser considerada uma evidência
confiável a favor da oração à Maria no período pré-niceno.
Conclusões
Depois
de uma análise minuciosa de escritos que cobrem mais de 2 séculos da Igreja
Cristã, podemos seguramente tirar as seguintes conclusões:
- A doutrina romanista de orar aos santos e aos anjos não fazia parte do ensino cristão desse período;
- Muitos pais da Igreja evidenciaram que essa prática era pagã e não compartilhada pela Igreja;
- Muitos Pais também falaram em termos que contrariavam a ideia de que as almas no céu podem ouvir nossas petições ou possam ter conhecimento do que se passa na terra;
- Alguns Pais da Igreja do terceiro século como Cipriano e Orígenes criam que os que estão na presença de Deus oram pela Igreja na terra, mas, ainda assim, defendiam que a oração deveria ser destinada somente a Deus;
- Além da ausência de evidência bíblica, também há ausência de evidência histórica para a prática romanista.
Diante
do exposto, resta provado que a evidência história é sólida e consistentemente
contrária a prática de orar pedindo intercessão dos santos ou anjos.
Interessante. No caso, como começou e se desenvolveu a doutrina da intercessão ? Em que o concílio de Nicéia contribuiu para isso ?
ResponderExcluir[ ]s
Um primeiro passo já havia sido dado - a crença de que os santos no céu intercedem pela igreja na terra. Isso obviamente não implicaria que os santos ouvem as orações, mas foi o primeiro passo.
ExcluirA prática de orar aos santos não fazia parte do ensino oficial da Igreja, mas com certeza fazia parte da piedade popular. Tal prática começou a ganhar popularidade no séc. IV e por consequência o apoio de alguns pais da Igreja. Neste século, o interesse pelos "santos" (mártires cristãos) aumentou rapidamente (some-se a isso o grande número de pagãos convertidos ao cristianismo). Uma prática cada vez mais popular + influências pagãs + interesse crescente sobre a vida dos mártires + relatos lendários sobre curas e aparições = doutrina da intercessão dos santos que viria a ser aceita pela Igreja nos séculos posteriores.
O Concílio de Niceia não teve nenhum influência sobre esta questão. Não fazia parte das questões debatidas pelo Concílio.
OK, valeu !
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