Eu já publiquei uma série de
artigos sobre os Pais da Igreja e a Eucaristia que podem ser vistos aqui.
Sabemos que 11 a cada 10 apologistas católicas irão afirmar que a visão católica
romana da Eucaristia foi “sempre crida pela Igreja” e que os pais da igreja
unanimemente sustentaram tal visão. Contudo, quando estudamos fontes
acadêmicas, mesmo de autores católicos, percebemos que tais ideias passam longe
da realidade. Havia entre os pais da igreja uma variedade de visões sobre a
Eucaristia, e muitas delas se chocariam com o atual ensino da Igreja de Roma.
Eu já tratei do testemunho de Eusébio, mas resolvi revisitá-lo por conta de um
livro que estou lendo sobre a atitude da Igreja antiga perante a iconografia de
Cristo. O autor em questão é Christoph Schönborn – o arcebispo de Viena.
Ele nos traz um bom resumo da visão eucarística de Eusébio que, como eu já
havia defendido, era memorialista e não dava margem para a transubstanciação:
A antropologia de Eusébio
inevitavelmente leva a uma atitude iconoclasta. Isto é confirmado também na
área onde a interconexão entre as coisas do sentido e as coisas do espírito são
especialmente relevantes: na teologia sacramental. Se Eusébio foi de fato o
principal testemunho patrístico dos opositores das imagens, e se por outro lado
os iconoclastas declaravam que a Eucaristia é o único ícone adequado de Cristo,
então deve ser de algum interesse dar uma olhada, pelo menos brevemente, no
ensino eucarístico de Eusébio. De fato, Eusébio
também chama a espécie eucarística de imagem (eikén). Além disso ele é um
dos poucos Padres da Igreja a fazer isso. Ele
vê a Eucaristia acima de tudo como um memorial; os símbolos eucarísticos
fazem presente o memorial do único sacrifício de Cristo:
Foi-nos
transmitido realizar no altar o memorial
deste sacrifício, empregando os símbolos
de seu corpo e seu sangue salvífico, de acordo com as leis da Nova Aliança.
O
próprio Cristo confiou aos seus discípulos os
símbolos da economia divina da salvação, e os ordenou transformá-los na
imagem do seu próprio corpo. Pois, ele não mais tem prazer em sacrifícios de
sangue nem nos holocaustos prescritos por Moisés. Ao invés disso, ele ordenou o uso do pão como símbolo de
seu próprio corpo.
Mesmo num sentido geral, o pão
e o vinho eucarístico são chamados de “os símbolos da inefável palavra da Nova
Aliança”. Dessa forma, Eusébio interpreta as palavras de Jesus sobre o pão da
vida (João 6) no sentido de participação espiritual da Palavra de Deus e não de
consumo da “carne” do corpo que o Logos vestiu, nem de beber o “visível, físico”
sangue. Esta espiritual e memorial interpretação da Eucaristia difere
marcadamente do sacramental realismo da maioria dos pais da Igreja desta época.
Enquanto eles usualmente enfatizam a realidade do sacramento físico, Eusébio
compreende o sacramento antes de tudo como um dos elementos formadores da
inteiramente mental e espiritual vida dos cristãos e de sua liturgia, a qual
suplantou os físicos e corpóreos sacrifícios do Antigo Testamento.
A influência de Eusébio sobre
a doutrina eucarística dos iconoclastas do oitavo século foi demonstrada. A
conexão entre sua rejeição dos ícones de Cristo, sua atitude geral em relação
às imagens e sua predominante concepção espiritualista dos sacramentos ilustra
num estilo típico que a luta da Igreja sobre os ícones foi acima de tudo uma
luta teológica. Eusébio foi capaz de nos mostrar isto: a atitude em relação aos
ícones de Cristo é determinada pelo conceito do próprio Cristo como uma imagem.
O trecho acima pode ser visto aqui.
Isto só vem a confirmar a tese explorada neste blog. A melhor forma de refutar
a apologética católica é trazer a luz as fontes acadêmicas, sobretudo católicas.
Todas as afirmações exageradas e revisionismo simplório dos apologistas cai
diante dos historiadores da Igreja de Roma. Experimente pegar qualquer artigo
católico sobre um tema doutrinário polêmico e compare com o conteúdo mesmo de
uma fonte bem parcial como a Enciclopédia Católica. É verificável que há uma
distância enorme entre as duas fontes. Não é acidental que este blog faça mais
uso de fontes acadêmicas católicas do que protestantes.
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