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quarta-feira, 4 de julho de 2018

Eusébio de Cesareia e a Eucaristia



Eu já publiquei uma série de artigos sobre os Pais da Igreja e a Eucaristia que podem ser vistos aqui. Sabemos que 11 a cada 10 apologistas católicas irão afirmar que a visão católica romana da Eucaristia foi “sempre crida pela Igreja” e que os pais da igreja unanimemente sustentaram tal visão. Contudo, quando estudamos fontes acadêmicas, mesmo de autores católicos, percebemos que tais ideias passam longe da realidade. Havia entre os pais da igreja uma variedade de visões sobre a Eucaristia, e muitas delas se chocariam com o atual ensino da Igreja de Roma. Eu já tratei do testemunho de Eusébio, mas resolvi revisitá-lo por conta de um livro que estou lendo sobre a atitude da Igreja antiga perante a iconografia de Cristo. O autor em questão é   Christoph Schönborn – o arcebispo de Viena. Ele nos traz um bom resumo da visão eucarística de Eusébio que, como eu já havia defendido, era memorialista e não dava margem para a transubstanciação:

A antropologia de Eusébio inevitavelmente leva a uma atitude iconoclasta. Isto é confirmado também na área onde a interconexão entre as coisas do sentido e as coisas do espírito são especialmente relevantes: na teologia sacramental. Se Eusébio foi de fato o principal testemunho patrístico dos opositores das imagens, e se por outro lado os iconoclastas declaravam que a Eucaristia é o único ícone adequado de Cristo, então deve ser de algum interesse dar uma olhada, pelo menos brevemente, no ensino eucarístico de Eusébio. De fato, Eusébio também chama a espécie eucarística de imagem (eikén). Além disso ele é um dos poucos Padres da Igreja a fazer isso. Ele vê a Eucaristia acima de tudo como um memorial; os símbolos eucarísticos fazem presente o memorial do único sacrifício de Cristo:

Foi-nos transmitido realizar no altar o memorial deste sacrifício, empregando os símbolos de seu corpo e seu sangue salvífico, de acordo com as leis da Nova Aliança.

O próprio Cristo confiou aos seus discípulos os símbolos da economia divina da salvação, e os ordenou transformá-los na imagem do seu próprio corpo. Pois, ele não mais tem prazer em sacrifícios de sangue nem nos holocaustos prescritos por Moisés. Ao invés disso, ele ordenou o uso do pão como símbolo de seu próprio corpo.

Mesmo num sentido geral, o pão e o vinho eucarístico são chamados de “os símbolos da inefável palavra da Nova Aliança”. Dessa forma, Eusébio interpreta as palavras de Jesus sobre o pão da vida (João 6) no sentido de participação espiritual da Palavra de Deus e não de consumo da “carne” do corpo que o Logos vestiu, nem de beber o “visível, físico” sangue. Esta espiritual e memorial interpretação da Eucaristia difere marcadamente do sacramental realismo da maioria dos pais da Igreja desta época. Enquanto eles usualmente enfatizam a realidade do sacramento físico, Eusébio compreende o sacramento antes de tudo como um dos elementos formadores da inteiramente mental e espiritual vida dos cristãos e de sua liturgia, a qual suplantou os físicos e corpóreos sacrifícios do Antigo Testamento.

A influência de Eusébio sobre a doutrina eucarística dos iconoclastas do oitavo século foi demonstrada. A conexão entre sua rejeição dos ícones de Cristo, sua atitude geral em relação às imagens e sua predominante concepção espiritualista dos sacramentos ilustra num estilo típico que a luta da Igreja sobre os ícones foi acima de tudo uma luta teológica. Eusébio foi capaz de nos mostrar isto: a atitude em relação aos ícones de Cristo é determinada pelo conceito do próprio Cristo como uma imagem.

O trecho acima pode ser visto aqui. Isto só vem a confirmar a tese explorada neste blog. A melhor forma de refutar a apologética católica é trazer a luz as fontes acadêmicas, sobretudo católicas. Todas as afirmações exageradas e revisionismo simplório dos apologistas cai diante dos historiadores da Igreja de Roma. Experimente pegar qualquer artigo católico sobre um tema doutrinário polêmico e compare com o conteúdo mesmo de uma fonte bem parcial como a Enciclopédia Católica. É verificável que há uma distância enorme entre as duas fontes. Não é acidental que este blog faça mais uso de fontes acadêmicas católicas do que protestantes.  

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