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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Os Pais Pré-Nicenos e a Regeneração Batismal - Parte 2



Clemente de Alexandria (150-215)

Sendo batizado, somos iluminados; iluminados tornamo-nos filhos; sendo feitos filhos, somos aperfeiçoados; tendo sido aperfeiçoados, somos feitos imortais. ‘Eu’, diz ele, ‘disse que sois deuses, e todos filhos do Altíssimo.’ Este trabalho é variadamente chamado graça, iluminação, e perfeição, e lavagem: lavagem, por que limpa os nossos pecados; graça, pela qual as penalidades decorrentes de transgressões são perdoadas; e iluminação, por que essa luz sagrada da salvação é contemplada, ou seja, através da qual vemos Deus claramente. Agora chamamos isso de perfeito que não necessita de nada. (O Pedagogo Livro I, 6)

O batismo que Clemente se refere é a imersão na palavra que é o próprio Cristo. Ele se utiliza de várias figuras como lavagem, graça, iluminação e perfeição se referindo às funções que a Palavra exerce. A obra “o pedagogo” se dedica a exortar os homens a deixarem os maus caminhos e se converterem à palavra que é Cristo, a quem chama de O Pedagogo. Isso vemos pelas citações abaixo:

Fomos iluminados; ou seja, conhecemos a Deus. E não é imperfeito que tem vindo a conhecer a perfeição suprema (...) Uma vez que no conhecimento está a iluminação (...) O conhecimento, portanto, é a luz que dissipa a ignorância e outorga a capacidade de ver claramente. Você também pode dizer que a rejeição das piores coisas destaca as melhores, pois a ignorância mantida mal amarrada desata felizmente conhecimento. Essas ataduras são rapidamente quebradas pela fé do homem e pela graça de Deus. Nossos pecados são lavados pelo único remédio que cura: o batismo da Palavra. Fomos lavados de todos os nossos pecados e de repente já não somos maus. É a graça singular da iluminação, por isso o nosso comportamento não é o mesmo que antes do banho batismal. E como o conhecimento ilumina a inteligência, surge ao mesmo tempo a iluminação e, de repente, sem ter nada aprendido, somos chamados discípulos. A instrução nos foi conferida anteriormente, mas não pode materializar-se nesse momento. A catequese conduz à fé; e a fé, no momento do Batismo, é ilustrada pelo Espírito Santo. (Ibid., cap. 6)

O batismo do Logos é o único remédio que cura. Vemos que o batismo aludido incluía o conhecimento de Deus que iluminava. Portanto, Clemente não ensinava a doutrina romana. Ele via o batismo nas águas como parte do processo de conversão, mas a regeneração do homem era desencadeada pelo conhecimento de Deus e não se limitava ao momento da aplicação da água. A iluminação era conhecer a Deus, portanto, o homem era iluminado ao ter contato com a palavra de Deus. O mesmo se vê abaixo:

É a palavra que resgata o homem do costume deste mundo em que ele foi criado, e o treina na salvação da fé em Deus. (Ibid., cap. 1)

Em seu próprio Espírito Ele diz que vai cobrir o corpo da Palavra; como certamente pelo seu próprio Espírito ele vai nutrir aqueles que têm fome da Palavra. ... Porque, se temos sido regenerados em Cristo, Aquele que nos regenerou nos alimenta com o seu próprio leite, a Palavra; por isso é bom que o gerador forneça imediatamente alimento ao que tem sido gerado. (Ibid., cap. 6)

A palavra não apenas nos regenera, mas também nos alimenta. Outra citação trazida pelos católicos é a seguinte:

O Logos (Cristo) tem com o batismo a mesma afinidade que o leite com água. O leite é o único líquido que tem essa propriedade: é misturado com a água para purificar, como batismo também é recebido para a remissão dos pecados. (Ibid., cap. 6)

Vejamos a continuação dessa citação que geralmente é ocultada:

O leite também é misturado com o mel, à procura de um efeito purificador, ao mesmo tempo que é agradável. O Logos, quando misturado com o amor do homem, sana as paixões e também purifica os pecados. Que "sua voz fluía mais doce que o mel" acredito que foi dito pelo Logos, que é o mel. Em vários lugares a profecia o eleva "acima do mel e do suco dos favos". O leite também é misturado ao vinho doce, e essa mistura é saudável; é como se a sua natureza, quando misturada, se tornasse incorruptível: sob o efeito do vinho, leite torna-se soro, se quebrando, e as sobras são descartadas. Assim, a união espiritual entre a fé e o homem sujeito às paixões, converte em soro os desejos da carne, dando ao homem uma maior firmeza para a eternidade, tornando-o imortal graças à providência divina.

Assim como outros pais da Igreja, Clemente poderia se referir ao batismo sendo recebido para remissão de pecados sem implicar em regeneração batismal. Como já dito, faz parte da relação entre símbolo e coisa simbolizada atribuir ao primeiro as características que são do último. No contexto dessa citação, Clemente faz uso de várias metáforas para ensinar verdades espirituais. Inclusive, diz que a mistura de leite com o mel prefigurava a mistura do Logos com o amor do homem, que também purifica os pecados. Deveríamos concluir que o leite ou o mel em si tem algum efeito purificador? Obviamente não. A partir dessa metáfora, podemos perceber que o batismo não pode ser indispensável para a purificação dos pecados, pois o pai da Igreja aponta outro meio que gera o mesmo resultado: a união de Cristo ao homem. Mais adiante, ele aplica outra metáfora para ensinar que o homem é regenerado pela fé em Cristo. Quando o homem carnal tem fé, seus desejos e paixões são “quebrados”. Perceba que ele aplica essa mesma metáfora para ensinar a regeneração sem ter o batismo em vista.

Deve ser conhecido, então, que aqueles que caem em pecado depois do batismo estão sujeitos à disciplina, pois as obras feitas antes [do batismo] são perdoadas, e aquelas feitas depois são purgadas. (Stromata, IV. 24)

Isso quer dizer que os pecados anteriores foram perdoados no batismo? Vejamos a partir de outras passagens o que ele entendia a respeito:

Por isso é dito que nós deveríamos ser lavados por sacrifícios e orações, [ficando] limpos e resplandecentes; e esse adorno externo e purificação são praticados por um sinal. Agora, pureza é ter pensamentos santos. Além disso, há a imagem do batismo, que também foi entregue aos poetas de Moisés (...) Era um costume dos judeus lavarem-se frequentemente após estar na cama. Foi, em seguida, bem dito: “Seja puro, não pela lavagem da água, mas da mente”. Por santidade, como eu concebo, é a perfeita pureza de espírito, atos, pensamentos e palavras também, e em último grau o ideal da impecabilidade. E purificação suficiente para um homem, eu considero, é o completo e convicto arrependimento. (Ibid., 22)

Fica claro que a purificação ocorria pelo “completo e convicto arrependimento”. Clemente via o batismo como o sinal externo da uma realidade interna e espiritual pelo qual o homem foi perdoado por Deus. Isso é confirmado por outras passagens:

Por isso também vos dei leite para beber, diz ele; significando que “eu tenho instilado em vocês o conhecimento que a partir da instrução, alimenta-os para a vida eterna” (...) Ao dizer, portanto, eu lhe dei leite para beber, não está indicando o conhecimento da verdade, a alegria perfeita na Palavra que é o leite? (O Pedagogo, Livro I, Cap. 6)

Mas acima de tudo é necessário lavar a alma com a Palavra purificadora (...) O Logos disse como iria operar tal purificação dizendo: "No espírito de julgamento e no espírito de purificação". O banho do corpo é feito apenas com água, como ocorre com mais frequência nos campos onde não existem instalações para banho. (Ibid., Livro III, Cap. 9)

Receba a água da palavra; lavai-vos da sujeira; purificai-vos dos costumes, por aspersão com as gotas da verdade. (Exortação aos pagãos, Cap. 10)

Ela que têm fornicado vivendo em pecado, e está morta para os mandamentos; mas se ela se arrepender, sendo como se tivesse nascido de novo pela mudança em sua vida, tem a regeneração da vida; a velha prostituta estando morta, e ela que tem se regenerado pelo arrependimento tendo novamente a vida. (Stromata, Livro II, cap. 23)

A partir de uma visão geral dos escritos de Clemente, percebemos que via a regeneração acontecendo antes da descida às águas. Ele conecta a regeneração à Palavra, fé e o arrependimento.

Tertuliano (160-220)

Bem-aventurado é o nosso sacramento da água, no qual, pela limpeza dos pecados de nossa cegueira primitiva, somos livres e aceitos para a vida eterna. (Batismo, cap. 1)

Essa e outras citações da mesma obra são amplamente utilizadas pelos católicos como prova da regeneração batismal. Sigamos para ter uma visão geral do pensamento de Tertuliano:

Nós temos do mesmo modo uma segunda fonte, [essa] de sangue, a respeito do qual o Senhor disse: "eu tenho que ser batizado com o batismo", quando Ele já havia sido batizado. Pois Ele veio por meio de água e sangue, assim como João escreveu [1 João 5:6]; para que ele pudesse ser batizado pela água e glorificado pelo sangue; para nos fazer, de maneira semelhante, chamados pela água, [mas] escolhidos pelo sangue. Ele enviou esses dois batismos pela ferida em seu lado perfurado, a fim de que os que creem no seu sangue possam ser banhados com a água; eles que tinham sido banhados na água da mesma forma podem beber o sangue. Este é o batismo que tanto está no lugar dos banhos da fonte quando esse não foi recebido, e o restaura quando perdido. (Ibid., cap. 16)

No seu tratado sobre o batismo, Tertuliano combate uma heresia que pregava a não necessidade do batismo. Por esse motivo, ele utiliza linguagem hiperbólica. Mas, da citação acima percebemos que ele acreditava que a água batismal apenas representava o batismo do coração obtido através do sangue de Cristo, chamado de batismo de sangue.

Pois essa árvore num mistério foi no passado com ela que Moisés adoçou a água amarga; onde as pessoas, que estavam perecendo de sede no deserto, beberam e reviveram; assim como nós que tirados das calamidades do paganismo em que permanecíamos perecendo de sede (isto é, privados da palavra divina), bebemos pela fé que há nele a água batismal da árvore da paixão de Cristo, tendo revivido na fé da qual Israel tem se distanciado. (Resposta aos Judeus, 13)

Tertuliano diz que a paixão de Cristo é uma água batismal bebida pela fé que fez os antes pagãos reviverem. Perceba que ele tem em vista a fé no sacrifício de Cristo e não a aplicação da água.

E assim, de acordo com as circunstâncias e disposição, e até mesmo a idade de cada indivíduo, o atraso do batismo é preferível; principalmente no caso de crianças pequenas (...) Por que neste período inocente da vida apressar a remissão de pecados? Mais cuidado será exercido em assuntos mundanos, de modo que aquele que não é de confiança com a substância terrena é confiável com a divina! Deixe-os saber como pedir pela salvação, que você pode fazer parecer (pelo menos) ter sido dada a eles que perguntam (...) Se alguém entender o peso do batismo, eles vão temer a sua recepção mais do que o seu atraso: Fé prudente é o seguro da salvação. (Batismo, 18)

No capítulo 12, Tertuliano defende a necessidade do batismo para a salvação. Isso, por si só, não prova a regeneração batismal. Ele poderia acreditar que o batismo é uma obra que todo cristão já regenerado deve fazer, caso contrário, estaria cometendo pecado grave e perdendo a salvação. Dessa forma, a regeneração batismal implica na necessidade do batismo para salvação, mas, o último não implica necessariamente no primeiro. Porém, o argumento na citação acima torna o pensamento de Tertuliano contraditório. Se o batismo era necessário para a salvação, que vantagem haveria em atrasá-lo? Adiar o batismo significaria aumentar as chances de morrer sem estar salvo. Talvez Tertuliano tenha sido inconsistente ou talvez não acreditasse que o batismo fosse sempre necessário.

Essa lavagem batismal é um revestimento da fé, na qual a fé é iniciada e é recomendada pela fé do arrependimento. Não somos lavados para que possamos parar de pecar, mas porque paramos, já que no coração fomos lavados. (Sobre o Arrependimento, 6)

Aquele que iria se batizar já havia sido batizado no coração. Ou seja, a regeneração já havia acontecido. O batismo nas águas seria a confirmação e publicação dessa realidade anterior e interna. As declarações hiperbólicas desse pai da Igreja sobre o batismo precisam ser lidas a luz de todos os seus escritos, o que mostrará que ele via a regeneração acontecendo antes do batismo.

Hipólito de Roma (170-236)

O Pai da imortalidade enviou o Filho imortal e a Palavra para o mundo, que veio para o homem, a fim de lavá-lo com água e Espírito; e Ele, gerando-nos novamente para a incorruptibilidade da alma e do corpo, soprou em nós o fôlego (espírito) da vida, e nos dotado com uma panóplia incorruptível. Se, portanto, o homem tornou-se imortal, ele também será Deus. E se ele é feito Deus pela água e pelo Espírito Santo, após a regeneração da camada, ele é também co-herdeiro com Cristo após a ressurreição dos mortos. Pelo que eu prego a este efeito: Vinde, vós todas as tribos das nações, para a imortalidade do batismo. (Discurso sobre a Santa Teofania 8)

Essa obra – Discurso sobre a Santa Teofania – é um ensaio sobre o batismo de Jesus e o significado das palavras de Deus nesse momento “Tu és meu filho amado” e a descida do Espírito Santo sobre Cristo na forma de pomba. Se as palavras forem tomadas literalmente, implicariam em regeneração batismal. O problema é que o próprio Hipólito disse que suas palavras deveriam ser tomadas figuradamente:

Você acabou de ouvir como Jesus veio a João, e foi batizado por ele no Jordão. Oh coisas estranhas incomparáveis! Como deveria ser imenso o rio que alegra a cidade de Deus, tendo sido mergulhado em um pouco de água! A nascente ilimitada que nutre a vida a todos os homens, e não tem fim, foi coberto por pobres e temporárias águas! Aquele que está presente em todos os lugares e ausente de nenhum - que é incompreensível aos anjos e invisível ao homem, foi ao batismo de acordo com sua própria vontade. Quando vocês ouvem essas coisas amados, não as tomem como se falado literalmente, mas as aceite como apresentadas numa figura. Por isso, o Senhor não estava despercebido do elemento da água, na qual Ele em secreto, em sua bondade preocupou-se com o homem. (Ibid., cap. 2)

Jesus foi batizado literalmente no rio Jordão. Como veremos a seguir, Hipólito cria que o batismo de Jesus era uma figura da sua morte na cruz:

Este é o meu Filho amado” (...) que está ferido e ainda confere liberdade sobre o mundo. Que é perfurado em seu lado, e ainda repara o lado de Adão. (Ibid., cap. 7)

O batismo de Jesus no rio Jordão cumpriria Gênesis 49:11, sendo uma figura da lavagem que ocorreria na cruz. O manto que Jesus trajava ao ser batizado prefiguraria as nações que seriam lavadas pelo sangue e água que escorreram de Cristo na cruz:

Ele lavará a sua roupa no vinho" [Gênesis 49:11a], ou seja, de acordo com a voz de seu Pai que desceu pelo Espírito Santo no Jordão. "E suas roupas no sangue da uva" [Gênesis 49: 11b]. No sangue de qual uva então? mas apenas em sua própria carne, que foi pendurada na árvore como um cacho de uvas. A partir daquele lado também fluiu duas correntes, de sangue e água, em que as nações são lavadas e purificadas, no qual [as nações] Ele supôs ter como um manto sobre Ele. (Tratado sobre Cristo e Anticristo, 11)

O Evangelho menciona que Jesus foi perfurado, tendo saído sangue e água de seu lado (Jo 19:32-34). Hipólito via nesse fato o cumprimento da profecia de Gênesis 49:11: “ele lavará a sua roupa no vinho, e a sua capa em sangue de uvas”. Esse momento da paixão de Cristo é conectado ao momento do batismo em que o manto de Cristo prefigurava as nações do mundo que seriam purificadas pelo seu sacrifício vicário. Portanto, quando ele se refere ao homem sendo purificado e lavado, está se referindo ao sacrifício de Cristo e não ao batismo. A ideia é que o batismo de Jesus que prefigurava o seu sacrifício e não o nosso próprio batismo é que lavaria o homem com sangue e água:

Vocês veem amados, quantas e quão grandes bênçãos teríamos perdido, se o Senhor tivesse se rendido à exortação de João e recusasse o batismo? Os céus foram fechados antes desse; a região superior era inacessível. Teríamos nesse caso descido para as partes inferiores, e não ascenderíamos as superiores. Mas só por isso o Senhor foi batizado? Ele também renovou o velho homem e pegou novamente o cetro da adoção. Os céus se abriram para ele. A reconciliação ocorreu do visível com o invisível. As ordens celestes estavam cheias de alegria; as doenças da terra foram curadas; coisas secretas foram feitas conhecidas; aqueles em inimizade foram restaurados à amizade. (Capítulo 6)

Toda a argumentação de Hipólito que relaciona regeneração e purificação ao batismo não se refere ao batismo pessoal, mas ao batismo de Cristo. Será então que Hipólito cria que o batismo de Cristo nos regenerava? Não é o caso. O ponto é que o batismo de Cristo apontava para a sua obra na cruz. Essa sim traria todos os benefícios aludidos na citação acima. Através dela o homem é reconciliado com Deus e a nossa regeneração garantida. Voltemos à primeira citação de Hipólito que os católicos costumam usar:

O Pai da imortalidade enviou o Filho imortal e a Palavra para o mundo, que veio para o homem, a fim de lavá-lo com água e Espírito; e Ele, gerando-nos novamente para a incorruptibilidade da alma e do corpo, soprou em nós o fôlego (espírito) da vida, e nos dotado com uma panóplia incorruptível. Se, portanto, o homem tornou-se imortal, ele também será Deus. E se ele é feito Deus pela água e pelo Espírito Santo, após a regeneração da camada, ele é também co-herdeiro com Cristo após a ressurreição dos mortos. Pelo que eu prego a este efeito: Vinde, vós todas as tribos das nações, para a imortalidade do batismo. (Discurso sobre a Santa Teofania 8)

É importante ver o que havia antes desse trecho para vermos o contexto:

Mas dê-me agora a sua melhor atenção, peço-vos, pois desejo voltar à fonte da vida, e ver a fonte que jorra com a cura. O Pai da imortalidade enviou o Filho imortal e Palavra ao mundo, que veio ao homem, a fim de lavá-lo com a água e o Espírito.

Tanto nesse cap. 8 como no cap. 2 já mostrado acima, ele fala de Jesus usando figuras relacionadas à água: “fonte da vida”, “imenso rio que alegra a cidade de Deus”, “a nascente ilimitada que nutre a vida a todos os homens”. Já em relação às aguas do rio Jordão no qual Cristo foi batizado, ele disse no cap. 2: “foi coberto por pobres e temporárias águas”. Vejam a dicotomia, enquanto Jesus era a fonte da vida que sustenta os homens, as águas do batismo são pobres e temporárias. Seria uma forma estranha de se referir às águas que supostamente regeneram. Isso nos permite concluir que quando Hipólito diz que o homem é “lavado pela água”, está se referindo a Cristo e não às aguas batismais.

Hipólito via a paixão de Cristo e não as águas do batismo como a pia da regeneração. Em seus comentários sobre o apócrifo Daniel 13, ele via Suzana como uma figura da Igreja. Em algum momento Suzana se lava numa pia e Hipólito vê essa pia como uma figura do sacrifício pascoal de Cristo:

Enquanto observavam um momento oportuno. O tempo ajustado, mas como da festa da Páscoa, na qual a pia é preparada no jardim para aqueles que se abrasam, e Suzana se lava, sendo apresentada como uma virgem pura a Deus? Com apenas duas servas. Quando a Igreja deseja tomar a pia de acordo com o uso, ela tem necessidade de duas servas para acompanhá-la, pois é pela fé em Cristo e amor a Deus que a Igreja confessa e o recebe. (Fragmentos, Sobre Suzana, 15)

Ele diz que a pia de banho é preparada na festa da páscoa, fazendo alusão à obra de Cristo. Suzana que seria a Igreja toma esse banho, sendo após isso apresentada a Deus como uma virgem pura. Suzana precisa de duas servas para tomar esse banho: a fé em Cristo e o amor a Deus. Dessa forma, a Igreja é lavada por Cristo ao crer em sua obra salvadora e amar o seu Senhor. Hipólito, longe de acreditar na regeneração batismal, cria na regeneração pela palavra de Deus:

Essa é a nossa fé a todos os homens, - ... E nessas prescrições que Deus deu à Palavra. Mas a Palavra declarada por Ele promulgou os mandamentos divinos, transformando o homem da desobediência, não o trazendo à servidão por força da necessidade, mas convocando-o à liberdade através de uma escolha que envolve espontaneidade. (Refutação de todas as heresias, livro X, cap. 29).

Essa é a verdadeira doutrina a respeito da natureza divina, ó homens ... Não dediquem a sua atenção às falácias dos discursos artificiais, nem as promessas vãs dos hereges plagiadores, mas à simplicidade venerável da verdade despretensiosa. Por meio desse conhecimento você deve escapar da ameaça do fogo do julgamento que se aproxima, e o cenário do Tártaro sombrio, onde nunca brilha um raio da voz irradiada da Palavra! ... Agora [tormentos] como esses você deve evitar ao ser instruído num conhecimento do verdadeiro Deus. Você deve possuir um corpo imortal, colocado para além da possibilidade de corrupção, assim como a alma. ... Porque você tem sido deificado e gerado para a imortalidade. (Ibid., cap. 30).

Nessa obra – refutação de todas as heresias – ele pretende refutar todas as heresias de seu tempo, sendo algumas delas relacionadas ao batismo. É de interesse notar que em nenhum momento cita a regeneração batismal como uma heresia relacionada ao batismo.

Orígenes (?-254)

Nós comentamos na seguinte passagem que o batismo de João era inferior ao batismo de Jesus, que foi dado por meio de seus discípulos. Essas pessoas em Atos (Atos 19:2) que foram batizadas com o batismo de João, e que não tinha ouvido falar se havia algum Espírito Santo, são batizadas novamente pelo apóstolo. Regeneração não ocorreu com João, mas com Jesus através de seus discípulos, [regeneração] que é chamada de banho da regeneração ocorrida com a renovação do Espírito, pois o Espírito agora vem em adição, uma vez que vem de Deus e está acima da água e não vem para todos depois da água. (Comentário sobre João, Livro VI, cap. 17)

O Espírito estava acima da água e não vinha para todos depois d’agua. Ele está comentando sobre aqueles que tinham recebido o batismo de João, mas não haviam recebido o batismo de Jesus e o Espírito Santo. Cumpre observar que nessa passagem, o Espírito Santo não usa a água como instrumento, pois ele só vem sobre as pessoas depois da água. Orígenes é uma testemunha explícita contra a regeneração batismal. Embora alguns católicos utilizem a passagem acima para dizer o contrário, percebemos que a regeneração se dava pela renovação do Espírito Santo e não pela aplicação da água. Ele cria que o batismo simbolizava a renovação anterior já ocorrida. Isso ficará mais explícito em outras passagens:

E aqui devemos notar que as obras maravilhosas feitas pelo Salvador nas curas realizadas são símbolos daqueles que em algum momento são libertos pela palavra de Deus de qualquer doença ou enfermidade. Embora fossem feitas para o corpo e trouxeram alívio corporal, também chamam os beneficiados para um exercício de fé, de modo que a lavagem com água, que é um símbolo da alma limpando-se de toda mancha de maldade, não é menos aos que se rendem ao poder divino da invocação da adorável Trindade, o início e fonte dos dons divinos; pois há diversidade de dons. (Comentário do Evangelho de João, Livro 6, cap. 17)

“Que é um símbolo da alma limpando-se de toda mancha da maldade”. Uma negação explícita da doutrina romana. Origines compreendeu que a regeneração é uma obra interna no coração do pecador. O batismo é o símbolo dessa realidade antecedente. O mesmo pensamento é desenvolvido em seu comentário sobre o Evangelho de Mateus, em que as doenças que Jesus curou eram um símbolo da "paralisia na alma" dos cegos de alma e surdos de alma (Comentário ao evangelho de Mateus, Livro XIII, capítulo 4), e que os fariseus deveriam se esforçar para "lavar as mãos de [suas] almas" em vez de criticar os discípulos de Jesus por não lavar as mãos de carne (Comentário ao evangelho de Mateus, Livro XI, Capítulo 8). Em suma, Orígenes enxerga o batismo, as curas e as libertações como apontando para realidades espirituais.

Mas a respeito do significado do batismo, temos falado com o melhor de nossa habilidade que pudéssemos ter, ou melhor, que o Senhor concedeu livremente, quando estávamos explicando o Evangelho segundo João, quando ele trouxe a passagem onde ele diz de Jesus: "ele mesmo vos batizará no Espírito Santo", e novamente, onde o próprio Salvador diz: "a menos que alguém nasça de novo da água e do Espírito, não poderá entrar no reino de Deus". Nessa passagem, nós tentamos revelar a força dessa expressão mais profundamente, em que é dito "a menos que alguém nasça de novo". O que nós latinos falamos usando "novo", os gregos dizem ἄνωθεν que significa tanto "novo" como "de cima". Nessa passagem, todo aquele que é batizado por Jesus é batizado no Espírito Santo, sendo adequado ser entendido não como "de novo", mas como "de cima", pois dizemos "de novo" quando as mesmas coisas que já aconteceram são repetidas. No entanto, aqui o mesmo nascimento não é repetido ou feito uma segunda vez, mas esse [nascimento] terreno é colocado de lado e um novo nascimento de cima é recebido. Por essa razão, gostaríamos de ler de forma mais precisa o texto do Evangelho como: "A menos que alguém nasça novamente de cima, não poderá entrar no reino de Deus". Esse se refere a ser batizado no Espírito Santo. Por essa razão, o batismo é confirmado para ser "de cima", não sendo inapropriada a água, que está sobre os céus e louva o nome do Senhor, ligada ao Espírito Santo. Embora todos nós possamos ser batizados nessas águas visíveis e numa unção visível, de acordo com a forma transmitida às igrejas, no entanto, a pessoa que morreu para o pecado e verdadeiramente está batizada na morte de Cristo, sendo enterrada com ele na morte pelo batismo, é o único que está verdadeiramente batizado no Espírito Santo e com a água de cima. (Comentário sobre Romanos, 6:3-4, seção 8.3)

Primeiro você deve morrer para o pecado, para que possa ser sepultado com Cristo [no batismo]. (Ibid., seção 8.4).

A regeneração seria aplicada pelo Espírito Santo antes do batismo. Este envolve “águas visíveis e numa unção invisível”, mas o batismo no Espírito viria com a “água de cima”. Há um paralelismo entre a renovação espiritual com a água de cima e o rito com a água visível que aponta a regeneração já ocorrida. Assim como Tertuliano, esse cristão de Alexandria acredita que o catecúmeno já deveria ter morrido para o pecado e só então seria batizado, ou seja, a regeneração não era consequência do batismo, mas causa. Não era procedente, mas antecedente.

Agora ele é chamado de a luz dos homens, a verdadeira luz e a luz da palavra, porque Ele ilumina e irradia as partes mais altas dos homens, ou, em uma palavra, de todos os seres razoáveis. E da mesma forma é a partir e por causa da energia que ele produz que o velho amortecido é posto de lado e o que é a vida por excelência é trazida a tona. Assim, os que realmente o receberam levantam dos mortos, o que Ele chama de ressurreição. E isso ele não apenas faz no momento em que o homem diz: "Fomos sepultados com Cristo pelo batismo e ressurgimos novamente com Ele" [Romanos 6: 4], mas muito mais quando o homem, depois de deixar tudo que pertence à morte, anda em novidade da vida que pertence a Ele, o Filho [2 Coríntios 4:10]. (Comentário ao Evangelho de João, Livro I, cap. 25)

Orígenes ensina que Jesus vivifica o homem e isso não acontece no momento da aplicação da água, mas quando o homem deixa sua velha vida e passa a viver as boas novas de Cristo. Portanto, independente do momento do batismo, é quando o homem passa a viver essa nova vida que a regeneração acontece.

Cipriano (?-258)

O Espírito Santo fala nas Sagradas Escrituras e diz: "Pela esmola e pela fé pecados são remidos". Não seguramente os pecados que tinham sido anteriormente cometidos, pois esses são purificados pelo sangue e santificação de Cristo. Além disso, ele diz novamente: "Como a água apaga o fogo, a esmola apaga o pecado" [Eclesiástico 03:30]. Aqui também é mostrado e provado que como na pia da água de salvação, o fogo do inferno é extinto, também pela esmola e as obras de justiça, a chama dos pecados é vencida. E porque no batismo de remissão dos pecados é admitido uma vez por todas, o trabalho constante e incessante, seguindo a aparência do batismo, mais uma vez concede a misericórdia de Deus. (Tratado 8)

Cipriano de fato defendeu a regeneração batismal, embora parece ter sido inconsistente em outros momentos, como na citação abaixo:

Você perguntou também filho querido o que eu achava daqueles que chegaram à graça de Deus na doença e fraqueza, se eles devem ser considerados cristãos legítimos, para que eles não sejam lavados, mas aspergidos com a água da salvação. Nesse ponto, a minha timidez e modéstia não pré-julgam ninguém, de modo a prevenir alguém da percepção que ele acha correta, e de fazer o que ele sente ser correto. Quanto ao que meu pobre entendimento concebe, eu acho que os benefícios divinos não podem em nenhum sentido ser mutilado e enfraquecido; nem pode qualquer coisa menor ocorrer nesse caso, onde com fé plena e completa, tanto o doador e o receptor, são aceitos no que é formado a partir dos dons divinos. No sacramento da salvação, o contágio dos pecados não é sensatamente lavado da mesma maneira que a sujeira da pele e do corpo é lavada no banho carnal e comum, no qual é preciso de sabão e outras aplicações também e um banheiro e uma bacia na qual este corpo vil deve ser lavado e purificado. Desse modo é o peito do crente lavado; Do outro modo, é a mente do homem purificada pelo mérito da fé. (Epístola 62:8)

Ao responder sobre a possibilidade de batizar por aspersão àqueles que se converteram estando fracos e doentes, Cipriano diz que a mente do homem é purificada pela fé, que logicamente antecede o batismo. Deve se observar que os apelos dos católicos a Cipriano, no que concerne ao batismo, são seletivos e inconsistentes. O bispo de Cartago nos ofereceu uma das mais claras evidências contra o papado na Igreja antiga, ao contrariar o ensino do bispo romano Estevão que admitia o batismo herético. Cipriano se opôs fortemente a essa doutrina, contrariando qualquer pretensão de autoridade universal do bispo de Roma. Além disso, ele ensinou que o Espírito Santo não era recebido no batismo, mas após, através da imposição de mãos:

Mas, além disso, não se nasce pela imposição de mãos, quando ele recebe o Espírito Santo, mas no batismo, para que assim, sendo já tendo nascido [no batismo], ele possa receber o Espírito Santo [pela imposição de mãos]. (Epístola 73:5)

Cipriano interpretava “nascer da água e do espírito” como se referindo a dois sacramentos separados:

É uma questão pequena impor as mãos sobre eles para que possam receber o Espírito Santo, a menos que também recebam o batismo da Igreja. Assim, finalmente, eles podem ser totalmente santificados, e ser filhos de Deus, se nascerem de cada sacramento. (Epístola 73:5)

E, portanto, cabe àqueles que devem ser batizados que vêm da heresia para a Igreja, que então eles sejam preparados no legítimo, verdadeiro e único batismo da santa Igreja, pela regeneração divina, para o reino de Deus, que nasçam de ambos os sacramentos, porque está escrito: a menos que o homem não nasça da água e do Espírito, não poderá entrar no reino de Deus. (Epístola 72:21)

Esse não era um ensino particular de Cipriano, o sétimo concílio de Cartago, convocado para rebater o batismo herético, testemunha:

Nemesianus de Thubunae disse: Que o batismo que hereges e cismáticos dão não é o verdadeiro, está em todos as partes declarado nas Sagradas Escrituras (...) Esse é o Espírito que desde o início foi levado sobre as águas; pois nem pode o Espírito operar sem a água, nem a água sem o Espírito. Certas pessoas interpretam malvadamente por si mesmas, quando dizem que por imposição das mãos eles recebem o Espírito Santo, e estão portanto recebidos, quando é manifesto que eles devem nascer de novo na Igreja Católica por ambos os sacramentos.

A doutrina batismal de Cipriano poderia ser semelhante à católica romana em certos pontos, mas a contrariava em outros de forma substancial. Se os católicos podem discordar desse bispo, porque os protestantes também não poderiam?

Gregório Taumaturgo (213-270)

Há um mistério, o que dá nestas águas a representação dos fluxos celestiais da regeneração dos homens. (Quatro Homilias, IV homilia)

Batiza-me, eu que estou destinado a batizar aqueles que acreditam em mim com água e com o Espírito Santo, e com fogo: com água, capaz de lavar a corrupção dos pecados; com o Espírito, capaz de fazer o mudando, espiritual; com o fogo , naturalmente equipado para consumir os espinhos das transgressões. (Quarto Homilia, III Homilia)

O site apologistas católicos traz essas citações. Gregório foi o único em que tive o cuidado de verificar a fonte e percebi que a segunda citação não se encontra na III homília que pode ser vista aqui. Outro problema é que essas homilias são de origem duvidosa. O católico romano Thomas Livius, usando as homilias em sua obra sobre "The Blessed Virgin in the Fathers of the First Six Centuries”, as cita com reserva: "Essas Homilias são de autenticidade duvidosa" (Livius, p 48n).

Argumentos históricos adicionais sobre a necessidade do batismo para a salvação

Na Igreja apostólica, a pessoa era batizada assim que se convertia. O caso do Eunuco evangelizado por Felipe evidencia essa prática (Atos 8). No segundo século, a prática mudou. Uma pessoa passava um bom tempo numa classe de catecúmenos até ser batizado, há evidência de que essas classes poderiam durar meses ou até um ano. Isso mostra que os cristãos não acreditavam na necessidade do batismo para a salvação. Afinal, quem submeteria alguém a uma espera tão longa que poderia comprometer sua própria salvação?

Outro ponto é que muitos cristãos adiavam o batismo ao máximo, só o recebendo no fim da vida. Pensava-se que após o batismo, o cristão poderia cometer pecado mortal apenas uma vez, ou seja, não havia um segundo arrependimento. Por isso, era seguro ser batizado apenas no fim da vida. Ninguém parecia pressupor que essas pessoas não eram cristãs. Se elas de fato acreditassem que o batismo era necessário para a salvação, não adiariam tanto tempo, correndo um risco maior do que a possibilidade de cometer pecado mortal mais de uma vez.

Destacamos também que alguns pais da Igreja como Orígenes, Gregório de Nissa e provavelmente Clemente de Alexandria acreditavam na salvação universal, algo que tratamos com mais detalhes em nosso artigo sobre os pais e o purgatório aqui. Portanto, para eles o batismo não seria necessário para a salvação.

É notável também que alguns pais recomendaram atrasar o batismo como Tertuliano e Gregório Nazianzo, que escreveu:

Que assim seja, alguns dirão, no caso daqueles que perguntam sobre o batismo; o que você tem a dizer sobre os que ainda são crianças, e não conscientes nem do pecado nem da graça. Devemos batizá-los também? Certamente (...) Mas em relação aos outros [infantes] dou o meu parecer de que se deve esperar até o final do terceiro ano, ou um pouco mais ou menos, quando eles podem ser capazes de ouvir e de responder algo sobre o Sacramento, para que, mesmo que eles não se possam compreendê-lo perfeitamente, mas de qualquer forma eles podem conhecer os contornos, e, em seguida, para santificá-los na alma e no corpo com o grande sacramento da nossa consagração. (Orações 40:28)

Se do batismo dependia a salvação, esses homens não fariam tais recomendações. Figuras proeminentes como o próprio Gregório, Agostinho e João Crisóstomo, mesmo sendo filhos de pais cristãos piedosos, só foram batizados quando adultos. O grande historiador e defensor do batismo infantil Philip Schaff confirma:

Constantino sentou-se entre os pais no grande Concílio de Nicéia, e deu efeito jurídico aos seus decretos, e ainda adiou o seu batismo até o leito de morte. Os casos de Gregório de Nazianzeno, Crisóstomo, e Santo Agostinho, que tinham mães de piedade exemplar, e que ainda não foram batizados antes de vida adulta, mostram suficientemente a liberdade considerável prevaleceu a este respeito, mesmo nas idades nicena e pós-nicena. (History of the Christian Church: Vol. 2, Ch. 05, § 073)

Pais cristãos piedosos adiando o batismo dos filhos sugere o contrário do ensino católico romano. Lembremos ainda, que diferente da posição defendida por muitos na idade média de que crianças não batizadas não eram salvas, pais como Irineu defenderam explicitamente a salvação infantil:

E novamente, quem são os que foram salvos e receberam a herança? Aqueles que sem dúvidas, creram em Deus e continuaram em Seu amor, como fez Calebe e Josué, filho de Num e as crianças inocentes, que não tinha noção do mal. (Contra as Heresias, 4:28:3)


Os Pais Pré-Nicenos e a Regeneração Batismal - Parte 1



A regeneração batismal é a doutrina católica segundo a qual o pecador é despertado para uma nova vida e recebe o Espírito Santo no momento do batismo. Nesse momento, o Espírito Santo seria “infundido” no convertido. Protestantes, com raras exceções, ensinam que a regeneração não depende do batismo, nem acontece nesse momento. O batismo seria uma confissão pública daquilo que já aconteceu no interior do crente. Esse ensino é de suma importância, pois tem implicações diretas na doutrina da salvação. Se a regeneração batismal é verdadeira, o batismo é necessário para a salvação.

O atual ensino da Igreja Romana é inconsistente. É dito que existe a categoria “batismo de desejo”, na qual uma pessoa que morre sem ter sido batizada, mas o desejou explicitamente ou implicitamente, será salva. O primeiro problema é como alguém poderia desejar implicitamente algo, já que o desejo pressupõe uma vontade consciente em direção a um objeto conhecido. Além disso, esse não parece ter sido o ensino do concílio de Trento que afirma: “Se alguém disser que o batismo é facultativo, isto é, não necessário para a salvação — seja excomungado”. O padre Paulo Ricardo defende o batismo de desejo aqui. Essa não é uma posição unânime na ICR. Grupos rigoristas dizem que os proponentes dessa ideia são apóstatas e que o ensino da igreja sempre foi a absoluta necessidade do batismo (fonte). Católicos alegam estarem preservados do erro por terem a assistência de um magistério infalível. Não raro, citam de forma exagerada as divergências entre as igrejas protestantes como resultado da insubmissão ao magistério. Se concedêssemos que de fato existe esse magistério infalível, sendo o da Igreja romana, ainda assim, a igreja não estaria preservada do erro. Os católicos ainda precisam interpretar as palavras do magistério. A realidade é que assim como protestantes tem interpretações divergentes da Escritura, católicos tem interpretações divergentes do ensino do magistério. Grupos católicos como os sedevacantistas, utilizando-se de seu julgamento privado, estudaram a tradição da Igreja e concluíram que os atuais papas são ilegítimos. No fim do das contas, até mesmo os católicos dependem do livre exame para chegar à verdade, sendo que hoje, eles sequer estão acordo sobre a questão mais fundamental – onde está a verdadeira autoridade.

Iremos ao longo de dois artigos analisar a evidência patrística. A ICR diz que ela foi ensinada desde o tempo dos apóstolos. O site apologistas católicos diz: “Não há ensinamento mais claro que esse dentre os padres. É consenso unânime e inegável, entre eles, a crença na purificação que o batismo traz ao cristão no momento que é imerso ou aspergido com as águas sacramentais, onde todos os pecados antigos e atuais são lavados, e o Espirito Santo é infundido no Cristão. Portanto, será mostrado definitivamente com o ensinamento católico atual foi perpetuado desde a época mais primitiva do Cristianismo(fonte). Este artigo pretende demonstrar que apesar da regeneração batismal ter sido crida por alguns pais da Igreja, especialmente a partir do séc. IV, é falso afirmar que foi um “consenso unânime e inegável”.

Didaquê (séc. I)

Trata-se de um catecismo cristão muito antigo com diversas recomendações sobre práticas da Igreja. Entre elas encontramos sobre o batismo (caps. 7 e 8). É ensinado que se deve batizar em regra por imersão em água corrente, somente em caso de impossibilidade, por aspersão. Embora não seja explícito, as instruções dão a entender que somente adultos eram batizados, pois seria necessário fazer um jejum antes do batismo. Também é dito que os não batizados não podem participar da eucaristia (9:5). Porém, não é ensinado a necessidade do batismo para a salvação ou a regeneração através desse.

Clemente de Roma (? - 100)

E assim nós, tendo sido chamados pela sua vontade em Cristo Jesus, não nos justificamos a nós mesmos, ou por meio da nossa própria sabedoria ou entendimento ou piedade ou obras que tenhamos feito em santidade de coração, mas por meio da fé, pela qual o Deus Todo-poderoso justifica todos os homens que foram desde o princípio; ao qual seja a glória para sempre. Amén. (Carta aos Coríntios XXXII)

Em sua carta à Igreja de Corinto, Clemente reverbera o ensino paulino de que o homem não é justificado por obras, mas somente pela fé. Trata-se de uma testemunha patrística bastante qualificada devido sua antiguidade e provável contato com apóstolos. Sua defesa da Sola Fide nos permite concluir que ele não acreditava no batismo como necessário para a salvação e não apoiaria a doutrina católica da regeneração batismal. Um tratamento mais extenso sobre o testemunho de Clemente pode ser visto aqui.

Inácio de Antioquia (início do segundo século)

Meu espírito é vítima da cruz, que é escândalo para os que não creem, mas salvação e vida eterna para nós. Onde está o sábio? Onde está o inquisidor? Onde está a vaidade daqueles que se dizem sábios? De fato, o nosso Deus Jesus Cristo, segundo a economia de Deus, foi levado no seio de Maria, da descendência de Davi e do Espírito Santo. Ele nasceu e foi batizado, para purificar a água na sua paixão. (Aos Efésios 18)

Tenta extrair dessa citação a doutrina da regeneração batismal é ir além do que está escrito. Em todas as suas cartas, Inácio faz uso frequente de linguagem metafórica. No cap. 17 da mesma carta, ele diz:

Por isso, o Senhor recebeu ungüento sobre a cabeça, a fim de exalar a incorruptibilidade para a sua Igreja. Portanto, não vos deixeis ungir com o mau odor do príncipe deste mundo, para que não os leve prisioneiros, longe da vida que vos espera.

O apelo católico a Inácio é inconsistente. Se devemos acreditar que ele ensinou essa doutrina porque disse que Cristo purificou a água, também deveríamos acreditar que o óleo tem o mesmo efeito. No entanto, a Igreja de Roma não ensina isso. Não podemos concluir que o fato de um pai ter usado uma linguagem sacramental queira dizer que necessariamente tinha uma concepção sacramental do batismo. Mesmo numa perspectiva simbólica, atribuímos ao símbolo características exclusivas da coisa simbolizada. Era comum os apóstolos dizerem por exemplo que fomos salvos pela cruz. Alguém sã consciência acharia mesmo que pedaços de madeira nos salvaram? Obviamente não. Ao utilizar essa linguagem, eles estavam apontando não para pra cruz em si, mas ao que ela representou – o sacrifício de Cristo pelos nossos pecados. Por isso, devemos ter o mesmo cuidado ao analisar os escritos patrísticos. Não há como estabelecer que Inácio ensinou regeneração batismal.

Barnabé de Alexandria (século II?)

Ele diz ainda por meio de outro profeta: "Quem assim age, será como a árvore plantada junto à corrente d'água, e que dá seu fruto no tempo certo. Sua folhagem não cairá; e tudo o que ele fizer terá sucesso. Não são assim os ímpios, não são assim. Eles são, antes, como a poeira que o vento espalha na face da terra. E por isso que os ímpios não se levantarão no julgamento, nem os pecadores no conselho dos justos. Pois o Senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá". Notai que ele designa ao mesmo tempo a água e a cruz. Com efeito, ele quer dizer: "Felizes aqueles que, tendo lançado sua esperança na cruz, desceram para a água. Pois ele diz que o salário vem "no tempo certo". Então, diz ele, eu retribuirei. Mas para hoje, ele diz: "Sua folhagem não cairá". Isso significa que toda palavra de fé e amor que sair da vossa boca será para muitos causa de conversão e de esperança. E outro profeta diz ainda: "E a terra de Jacó era celebrada mais do que qualquer outra terra". Isso quer dizer que ele glorifica o vaso do seu Espírito. O que diz ele a seguir? "Havia um rio que corria, vindo da direita, e árvores esplêndidas hauriam dele seu crescimento. Qualquer pessoa que delas comer, viverá eternamente". Isso significa que descemos para a água carregados de pecados e poluição, mas subimos dela para dar frutos em nosso coração, tendo no Espírito o temor e a esperança em Jesus. "Quem comer deles viverá eternamente", quer dizer: quem escutar, quando tais palavras são ditas, e crer nelas, viverá eternamente. (Epístola de Barnabé, Cap. 11)

Barnabé, não confundir com o companheiro de Paulo, está expondo Salmo 1. Esse fala que o justo é como uma árvore plantada junto d'agua. Ele enxerga essa referência como figuras da cruz e da água do batismo. Nota-se que antes do batismo, o crente já lançou sua esperança na cruz, ou seja, ele já creu. Da mesma forma que o ladrão da cruz creu em Jesus e foi salvo, o cristão que crê em Cristo também é. Paulo diz que o estado natural do homem é de morte em delitos e pecados (Efésios 2:1). Portanto, apenas um coração regenerado é capaz de lançar sua esperança na cruz, e como isso acontece antes do batismo, segue-se que a regeneração ocorreu antes dele. A evidência aponta então que os batizados são aqueles já regenerados.

Policarpo de Esmirna (70 – 155)

E vós sabeis que é pela graça que fostes salvos, não pelas obras, mas pela vontade de Deus, por meio de Jesus Cristo (...) Portanto, sem cessar, estejamos agarrados à nossa esperança e ao penhor de nossa justiça, isto é, Cristo Jesus, que carregou nossos pecados em seu próprio corpo sobre o madeiro, ele que não cometeu pecado e em cuja boca não foi encontrada nenhuma falsidade, mas que tudo suportou por nós, a fim de que vivêssemos nele. (Aos Filipenses caps. 1 e 8)

Policarpo contraria o ensino de Trento. Se somos salvos pela graça e não por obras, o batismo não pode ser necessário para salvação. O ensino da Igreja Romana de que a salvação depende de um sistema sacramental é inconsistente. Paulo diz: “Porquanto, se é pela graça, já não o é mais pelas obras; caso fosse, a graça deixaria de ser graça” (Rm. 11:6). A ICR ensina que salvação é pela graça, porém, também diz que somos justificados por obras, logo essa “graça” não é de graça. Policarpo também endossa o ensino reformado da substituição penal de Cristo ao dizer: “Ele carregou nossos pecados em seu próprio corpo”.

O Pastor de Hermas (séc. II)

Eu disse: "Senhor, ainda quero te fazer outra pergunta." Ele respondeu: "Pergunta." Continuei: "Ouvi alguns doutores dizerem que não há outra conversão além daquela do dia em que descemos à água e recebemos o perdão dos pecados anteriores." Ele me respondeu: "Ouviste bem. É assim mesmo. (...) Todavia, eu te digo: se, depois desse chamado importante e solene, alguém, seduzido pelo diabo, cometer pecado, ele dispõe de uma só penitência; contudo, se peca repetidamente, ainda que se arrependa, a penitência será inútil para tal homem, pois dificilmente viverá. (cap. 31)

Apologistas católicos costumam mostrar essa citação, geralmente, ocultando a segunda parte que diz haver apenas uma penitência. Esse documento contraria explicitamente o ensino de que o cristão pode recorrer várias vezes à penitência ao longo da vida, o que é o ensino da Igreja romana. Aparentemente, é ensinado que o perdão dos pecados foi realizado no batismo. Para determinar a probabilidade dessa explicação, precisamos ver outras passagens em que o pastor aborda o batismo:

Queres saber quem são aquelas que caem junto da água, mas não conseguem rolar para dentro dela? São aqueles que ouviram a palavra de Deus e querem ser batizados em nome do Senhor. Contudo, quando tomam consciência da pureza que a verdade exige, mudam de opinião e voltam novamente para seus desejos perversos. (cap. 15)

Hermas parece acreditar que algumas pessoas deixam seus caminhos perversos e desejam ser batizados. Porém, essas pessoas, provavelmente em alguma classe de catecúmenos, desistem diante da verdade do evangelho. A questão é como eles poderiam ter abandonado inicialmente seus caminhos perversos sem terem sido regenerados? A hipótese de que o pastor tenha atribuído ao batismo propriedades da realidade significada (regeneração do coração e justificação dos pecados) é real. Portanto, é uma interpretação possível de que ao dizer “conversão e perdão dos pecados anteriores”, esteja se referindo às realidades para as quais o batismo aponta e não a algo que acontece através da água batismal.

Ainda que a interpretação católica fosse verdadeira, o apelo é inconsistente. Na mesma passagem e conectado ao mesmo tema, é ensinado que há apenas uma penitência, o que contraria explicitamente a doutrina romana.

Epístola a Diogneto (séc. II)

Quando Deus dispôs todo em si mesmo juntamente com seu Filho, no tempo passado, ele permitiu que nós, conforme a nossa vontade, nos deixássemos arrastar por nossos impulsos desordenados, levados por prazeres e concupiscências. Ele não se comprazia com os nossos pecados, mas também os suportava. Também não aprovava aquele tempo de injustiça, mas preparava o tempo atual de justiça, para que nos convencêssemos de que naquele tempo, por causa de nossas obras, éramos indignos da vida, e agora, só pela bondade de Deus, somos dignos dela. Também para que ficasse claro que por nossas forças era impossível entrar no Reino de Deus, e que somente pelo seu poder nos tornamos capazes disso. Quando a nossa injustiça chegou ao máximo e ficou claro que a única retribuição que poderiam esperar era castigo e morte, chegou o tempo que Deus estabelecera para manifestar a sua bondade e o seu poder. Oh imensa bondade e amor de Deus! Ele não nos odiou, não nos rejeitou, nem guardou ressentimento contra nós. Pelo contrário, mostrou-se paciente e nos suportou. Com misericórdia tomou para si os nossos pecados e enviou o seu Filho para nos resgatar: o santo pelos ímpios, o inocente pelos maus, o justo pelos injustos, o incorruptível pelos corruptíveis, o imortal pelos mortais. De fato, que outra coisa poderia cobrir nossos pecados, senão a sua justiça? Por meio de quem poderíamos ter sido justificados nós, injustos e ímpios, a não ser unicamente pelo Filho de Deus? Oh doce troca, oh obra insondável, oh inesperados benefícios! A injustiça de muito é reparada por um só justo, e a justiça de um só torna justos muitos outros. Ele antes nos convenceu da impotência da nossa natureza para ter a vida; agora mostra-nos o salvador capaz de salvar até mesmo o impossível Com essas duas coisas, ele quis que confiássemos na sua bondade e considerássemos nosso sustentador, pai, mestre, conselheiro, médico, inteligência, luz, homem, glória, força, vida, sem preocupações com a roupa e o alimento. (Cap. 9)

Mathetes, personagem fictício escritor da epístola, ensina a justificação do homem com base unicamente na obra de Cristo. Ele parecer excluir a possibilidade do homem realizar qualquer obra para ser justificado. O ensino católico é de que o homem pode ser justificado por obras sacramentais, entre elas, o batismo. Podemos concluir que a epístola a Diogneto não endossaria esse ensino. Ele claramente ensina a substituição penal de Cristo na cruz.

Justino Mártir (100-165)

Explicaremos agora de que modo, depois de renovados por Jesus Cristo, nos consagramos a Deus, para que não aconteça que, omitindo este ponto, demos a impressão de proceder um pouco maliciosamente em nossa exposição. Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos em primeiro lugar para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração com que também nós fomos regenerados eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. É assim que Cristo disse: "Se não nascerdes de novo, não entrareis no Reino dos Céus" (...) A explicação que aprendemos dos apóstolos sobre isso é a seguinte: Uma vez que não tivemos consciência de nosso primeiro nascimento, pois fomos gerados por necessidade de um germe úmido, através da união mútua de nossos pais, e nos criamos em costumes maus e em conduta perversa, agora, para que não continuemos sendo filhos da necessidade e da ignorância, mas da liberdade e do conhecimento e, ao mesmo tempo, alcancemos o perdão de nossos pecados anteriores, pronuncia-se na água, sobre aquele que decidiu regenerar-se e se arrepende de seus pecados, o nome de Deus, Pai e soberano do universo; e aquele que conduz ao banho pronuncia este único nome sobre aquele que vai ser lavado. Com efeito, ninguém é capaz de dar um nome ao Deus inefável; se alguém se atrevesse a dizer que esse nome existe, sofreria a mais vergonhosa loucura. Esse banho chama-se iluminação, para dar a entender que são iluminados os que aprendem estas coisas. O iluminado se lava também em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e no nome do Espírito Santo, que, por meio dos profetas, nos anunciou previamente tudo o que se refere a Jesus (...) Este alimento se chama entre nós Eucaristia, da qual ninguém pode participar, a não ser que creia serem verdadeiros nossos ensinamentos e se lavou no banho que traz a remissão dos pecados e a regeneração e vive conforme o que Cristo nos ensinou. (I Apologia 61 e 66)

Essa passagem é citada frequentemente como prova da regeneração batismal. Justino utiliza linguagem sacramental quando se refere ao batismo como “banho de regeneração”. Ele utiliza três palavras distintas para se referir ao mesmo fato: renovação, regeneração e iluminação. Aqui está o ponto chave para compreendê-lo. Ele diz “depois de renovados por Jesus Cristo”, ensinando, que antes do batismo o cristão foi renovado. Também diz que o “iluminado se lava” e são “iluminados os que aprendem estas coisas”, se referindo a fatos anteriores ao banho batismal. Portanto, a hipótese mais provável a luz de todo o contexto é que para ele, a regeneração ocorre antes do batismo. Ao utilizar linguagem sacramental, provavelmente está atribuindo ao símbolo propriedades da coisa simbolizada. Justino entendia iluminação como conversão, fé, renascimento e habitação pelo Espírito Santo:

Diariamente alguns [de vocês judeus] estão se tornando discípulos em nome de Cristo, e deixando o caminho do erro; os quais também estão recebendo dons, a cada um na medida em que é digno, iluminados através do nome deste Cristo. Pois alguns recebem o espírito de discernimento, outros de aconselhamento, outros de força, outros de cura, outros de presciência, outros de ensino, e outro do temor a Deus. (Diálogo com Trifão 39)

Abençoado somos nós que fomos circuncidados [do coração] pela segunda vez com facas de pedra. A sua primeira circuncisão era e é realizada por meio de instrumentos de ferro para que você permaneça de coração duro; mas a nossa circuncisão, que é a segunda, tendo sido instituída após a sua, nos circuncidou da idolatria e de absolutamente todo tipo de maldade através de pedras afiadas, ou seja, pelas palavras [pregadas] pelo apóstolos. (Ibid., 141)

[Citando Isaías 49: 6] Você acha que essas palavras se referem ao estrangeiro e aos prosélitos, mas na verdade se referem a nós que fomos iluminados por Jesus (...) não vamos compreender a partir da lei antiga e os seus prosélitos, mas de Cristo e seus prosélitos, ou seja, nós os gentios, a quem Ele tem iluminado. (Ibid., 122)

Ele diz que pessoas eram iluminadas, entenda-se convertidas e regeneradas, através da mensagem de Cristo e dos apóstolos sem conectar essa iluminação ao batismo. Confirmando isso escreveu:

Pois Isaías não o enviou para um banho que lava assassinato e outros pecados, que nem toda a água do mar seria suficiente para purgar; mas, como se poderia esperar, era essa a salvação do banho dos tempos antigos que se seguiu àqueles que se arrependeram, e que já eram purificados pelo sangue de bodes e ovelhas, ou pelas cinzas de uma novilha, ou pelas ofertas de excelentes farinhas, mas pela fé através do sangue de Cristo, e através da sua morte, que morreu por essa razão. (Ibid., 13)

A justificação se dá pela fé em Cristo que morreu em nosso lugar e não através do batismo, pois nem toda a água do mundo seria suficiente para purgar pecados graves como assassinato.

..esta pia de arrependimento e conhecimento de Deus, que foi ordenada por causa da transgressão do povo de Deus, como Isaías clama, temos também crido, e testemunhado que esse mesmo batismo que ele anunciou é o único capaz de purificar aqueles que têm se arrependido. Essa é a água da vida. Mas as cisternas que você cavam para si mesmos estão quebrados e são inúteis para você. (Ibid., 14)

Apologistas católicos costumam citar esta “pia de arrependimento” como uma referência a pia batismal. Justino está citando Isaías 52-54. Isaías fala da morte de Jesus e como ele lavaria e justificaria seu povo através de seu sangue derramado. O batismo que Isaías se refere e Justino explica é a conversão a Cristo e não o batismo nas águas (Isaías 53:1). Outros pais como Irineu e Teófilo irão se referir a pia batismal no mesmo sentido, sem terem o batismo nas águas em vista.

Teófilo de Antioquia (?-186)

No quinto dia foram criados os animais que procedem das águas, pelas quais e nas quais se mostra a multiforme sabedoria de Deus. De fato, quem seria capaz de enumerar sua quantidade e a variedade de suas variadíssimas espécies? Além disso, o que foi criado das águas por Deus foi abençoado por ele, para que isso servisse de prova sobre o que os homens deveriam receber: penitência e remissão dos pecados através da água e banho de regeneração, todos os que se aproximam da verdade, renascem e recebem a bênção de Deus. Os monstros marinhos e as aves carnívoras são símbolo dos avarentos e transgressores. De fato os animais aquáticos e aves, embora sendo de uma única natureza, alguns permanecem no que é conforme a natureza, sem prejudicar aos mais fracos, guardam a lei de Deus e se alimentam das sementes da terra; outros transgridem a lei de Deus, comendo carne, e prejudicam os mais fracos. De modo semelhante, os justos, guardando a lei de Deus, não mordem nem causam dano a ninguém, vivendo santa e justamente; mas os ladrões, assassinos e ateus assemelham-se aos monstros marinhos, às feras e aves carnívoras, pois de certo modo engolem os mais fracos. (II Livro a Autólico, cap. 16)

Analisemos a analogia de Teófilo sabendo que todos os animais procedem da água (Gn. 1:20). Ele faz uma analogia entre as espécies que surgem da água e os homens que são batizados. Perceba que nem todas as espécies da água são boas, algumas prefiguram aqueles que transgridem a lei de Deus e outras prefiguram os justos. Os justos são batizados, mas quando eles de fato renascem? Através do batismo? A resposta é “todos que se aproximam da verdade, renascem e recebem a bênção de Deus”. O homem que se batiza se aproxima da verdade antes do batismo, portanto, seu renascimento também acontece antes. Além do mais, assim como seu antecessor Inácio, Teófilo faz amplo uso de linguagem metafórica. Na mesma obra, ele procura relacionar os dias da criação aos elementos da redenção cristã. Isso pode ser visto nas citações abaixo do mesmo livro:

Deus lhe deu forma e a adornou com toda espécie de ervas, sementes e plantas. Além disso, considera a diversidade que há nessas coisas, sua variada beleza e multidão, e como, através deles, se nos manifesta a ressurreição, sendo prova da- quela que um dia se realizará em todos os homens (...) Assim como o mar teria secado há muito tempo por causa de seu sal se não houvesse afluência dos rios e fontes que lhe fornecem alimento, de modo semelhante o mundo, se não tivesse recebido a lei de Deus e os profetas, que fazem correr para ele fontes de doçura, misericórdia e justiça e mantêm o ensinamento dos santos mandamentos de Deus, também já teria perecido por causa da maldade e do pecado que nele se multiplica. Do mesmo modo que no mar existem ilhas habitáveis, com água e vegetação, enseadas e portos para refúgio durante as tempestades, assim Deus deu ao mundo, em meio às tormentas e ondas de pecados, os lugares de reunião, as chamadas igrejas santas, nas quais, como nas ilhas de portos acolhedores, se encontramos ensinamentos da verdade, nas quais se refugiam os que querem salvar-se, tornados amantes da verdade e decididos a fugir da cólera e do julgamento de Deus. Há, porém, outras ilhas rochosas, sem água nem vegetação, repletas de feras, inabitáveis, para dano dos navegantes e náufragos, onde os navios atracam e perecem os que e elas descem; do mesmo modo, há também doutrinas que extraviam, isto é, as das heresias, que levam à perdição aqueles que aderem a elas. Porque não se guiam pelo Verbo da verdade, mas à maneira dos piratas que, enchendo os navios, os atracam em recifes para arruiná-las. Assim acontece com aqueles que se extraviam da verdade, que acabam perecendo por causa do erro (...) Os luzeiros contêm o exemplo e símbolo de um grande mistério, pois o sol é símbolo de Deus e a lua o é do homem (...) Igualmente os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da Trindade, de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria. No quarto símbolo está o homem, que necessita de luz. Assim temos: Deus, Verbo, Sabedoria, Homem. É também por isso que os luzeiros foram criados no quarto dia. Por outro lado, a disposição dos astros representa a economia e a ordem dos justos e piedosos, que guardam a lei e os mandamentos de Deus. Com efeito, os astros mais visíveis e brilhantes representam os profetas; por isso permanecem fixos, não mudando de um lugar para outro. Aqueles que ocupam o segundo grau de brilho são tipo do povo dos justos; por fim, os que mudam e passam de um lugar para outro, os chamados planetas, são símbolo dos homens que se afastam de Deus, abandonando sua lei e seus mandamentos. (Ibid., caps. 14 e 15)

No contexto imediato, Teófilo faz uma série de metáforas relacionando os elementos da criação à igreja, trindade, homem, falsas doutrinas e etc. Portanto, não deveríamos interpretar de forma literal o que em todo o contexto é metafórico. Ele prossegue:

Esse sopro, ó homem, faz a tua voz; tu respiras o espírito dele, e tu não o conheces. Isso acontece por causa da cegueira de tua alma e endurecimento do teu coração. Mas, se quiseres, podes curar- te. Coloca-te nas mãos do médico e ele operará os olhos de tua alma e do teu coração. Quem é esse médico? É Deus que cura e vivifica através do Verbo e da Sabedoria (...) Fé e visão Ó homem, se compreenderes isso, e viveres de maneira pura, piedosa e justa, poderás ver a Deus. Antes de tudo, porém, entrem em teu coração a fé e o temor de Deus, e então compreenderás isso. Quando depuseres a mortalidade e te revestires da incorruptibilidade, verás a Deus de maneira digna. Com efeito, Deus ressuscitará a tua carne, imortal, juntamente com tua alma. Então, tornado imortal, verás o imortal, contanto que agora tenhas fé nele. Então reconhecerás que falaste injustamente contra ele. (I Livro a Autólico cap. 7)

Ele diz que Deus cura e vivifica o homem através do verbo e da sabedoria. O batismo não é colocado como o meio pelo qual o homem é vivificado, o que reforça nossa conclusão de que antes de ser batizado, o homem já foi regenerado, sendo o próprio batismo consequência da regeneração. Sigamos:

Quanto ao fato de zombares de mim, chamando-me cristão, não sabes o que dizes. Primeiramente, o ungido é agradável e útil, e não tem nada de ridículo. Com efeito, qual navio pode ser útil e salvo se antes não for ungido? Que torre ou casa possui bela forma ou é útil se antes não for ungida? Qual homem, entrando no mundo ou indo ao combate, não se unge com azeite? Qual obra ou ornato pode ter bela aparência, se não é ungida e não se torna brilhante? Por fim, todo o ar e toda a terra sob o céu são de certo modo ungidos pela luz e pelo vento. E tu não queres ser ungido com o óleo de Deus? Nós nos chamamos cristãos porque nos ungimos com o óleo de Deus. (Ibid., 12)

Se o católico for consistente em seus apelos a Teófilo, teria que acreditar que a regeneração acontece através do óleo, mas esse não é o ensino romano. Se partirmos do ponto vista metafórico exposto assim, não há problemas, mas se interpretarmos como os católicos, apenas aqueles que foram ungidos seriam regenerados, o que não é o pensamento desse pai, quando tomado o contexto de toda sua obra. No cap. 14 do mesmo livro, ele apela à Autólico para que abrace o cristianismo:

Portanto, não sejas incrédulo, mas acredita. Eu também não acreditava que isso existisse, mas agora, depois de refletir muito, eu creio; ao mesmo tempo, li as Sagradas Escrituras dos santos profetas, os quais, inspirados pelo Espírito de Deus, predisseram o passado como aconteceu, o presente tal como acontece e o futuro tal como se cumprirá. Por isso, tendo a prova das coisas acontecidas depois de terem sido preditas não sou incrédulo, mas creio e obedeço a Deus (...) Se queres, lê tu também com interesse as Escrituras dos profetas e elas te guiarão com mais clareza para escapares dos castigos eternos e alcançares os bens eternos de Deus.

O bispo de Antioquia não coloca as águas batismais ou o óleo ungido como necessários à salvação. Autólico poderia se salvar apenas por se guiar pelas Escrituras dos profetas (aqui ele defende a suficiência das Escrituras), desde que cresse e as obedecesse.

Irineu de Lyon (130 – 202)

Que esta estirpe tenha sido enviada por Satanás para a negação do batismo da regeneração em Deus e a destruição de toda a fé o exporemos e refutaremos no lugar mais oportuno. (Contras as Heresias 1:21:1)

E ao dar a seus discípulos o poder de fazer renascer os homens em Deus, lhes dizia: "Ide ensinai todos os povos e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Com efeito, prometera por meio dos profetas derramar nos últimos tempos este Espírito sobre seus servos e servas, a fim de profetizarem. Eis a razão por que ele desceu também no Filho de Deus, feito filho do homem, acostumando-se com ele a habitar nos homens e repousar entre eles, a habitar nas criaturas de Deus, realizando nelas a vontade do Pai e renovando-as do velho homem para a nova vida em Cristo. É este Espírito que Davi pediu para o gênero humano, ao dizer: "Confirma-me pelo teu Espírito que dirige". É ainda este Espírito que Lucas nos diz ter descido, depois da ascensão do Senhor, sobre os discípulos no dia de Pentecostes, com o poder de introduzir na vida todos os povos e abrir-lhes novo testamento. Eis por que, na harmonia de todas as línguas, cantavam hinos a Deus, enquanto o Espírito reunia na unidade as raças diferentes e oferecia ao Pai as primícias de todas as nações. Foi por essa razão que o Senhor prometera enviar o Paráclito que nos faria dignos de Deus. Assim como a farinha seca não pode, sem água, tornar-se uma só massa, nem um só pão, também nós não nos poderíamos tornar um só em Cristo, sem a água que vem do céu. E assim como a terra seca não pode frutificar sem receber água, também nós, que éramos antes lenho seco, jamais daríamos frutos de vida, sem a chuva generosa enviada do alto. Com efeito, nossos corpos receberam, por meio da pia, a unidade que os torna incorruptíveis e as nossas almas, por sua vez, a receberam pelo Espírito; por isso, ambos são necessários porque ambos levam à vida de Deus. Nosso Senhor indicou-o na misericórdia que mostrou à samaritana infiel, que não se manteve unida a um só homem e fornicou em diversas núpcias, prometendo-lhe uma água viva, pela qual não teria mais sede, nem precisaria mais de água obtida com fadiga, porque teria em si uma Bebida a jorrar para a vida eterna, essa mesma Bebida que o Senhor recebeu como dom do Pai, e que, por sua vez, doou a todos os que têm parte com ele, enviando o Espírito Santo a toda a terra. (Ibid., 3:17:1-2)

Alguns pontos precisam ser feitos:

1) É dito que os apóstolos tem o poder de fazer os homens renascerem. Eles o faziam ensinando e batizando. Perceba que o ensino que ocorre antes do batismo era parte do processo;

2) Irineu estava refutando o gnóstico Valentino, que dizia que a pomba que desceu sobre Jesus não era o Espírito Santo, mas era o próprio Cristo (o espírito salvador) descendo sobre Jesus que era um mero homem. Para eles, Cristo e Jesus eram pessoas diferentes. O ponto de Irineu é defender que Cristo e Jesus eram o mesmo, o filho de Deus, e que sobre ele desceu o Espírito Santo;

3) Ele atribui ao Espírito Santo a obra regeneradora. Percebam que esse Espírito prometido que renova e vivifica desceu sobre os discípulos e sobre povos de diferentes línguas no dia de pentecostes. Nesse dia, as pessoas receberam o Espírito antes de qualquer batismo.

Todo o contexto aponta para uma leitura que não implica regeneração batismal. A questão é o que seria a “pia” que nos torna incorruptíveis? Essa pia seria o próprio Cristo. O ponto é que tanto Cristo que traz “incorruptibilidade ao corpo” como o Espírito que traz “incorruptibilidade a alma” seriam necessários. Em toda a passagem, a água que desce céu e que é oferecida a mulher samaritana é claramente o Espírito Santo. Se a pia fosse o batismo, ainda assim, seria uma leitura prejudicial à ideia romana, pois Irineu estaria dizendo que água do batismo regeneraria o corpo e o Espírito à parte da agua regeneraria a alma. Seria uma leitura estranha e contraditória, como se houvesse uma regeneração do corpo e outra da alma. Como ele estava refutando os gnósticos, a leitura mais provável é que estava se referindo a Cristo e ao Espírito, que juntos são necessários para a salvação. Da mesma forma que Cristo recebeu o Espírito, os cristãos também o receberiam. A mulher Samaritana recebeu a Cristo, porém ainda precisava da água viva que Ele daria, no caso, o Espírito Santo.

Dois princípios precisam ser citados ao se ler as referências de Irineu ao batismo: 1) Junto ao batismo havia a instrução catequética, ou seja, antes de ser batizado, o cristão aprenderia as verdades básicas da fé cristã; 2) A regeneração se daria pela resposta a essa instrução e não pela aplicação da água. Que antes do batismo os cristãos eram instruídos, pode ser visto a seguir:

Assim, quem possui a indefectível Regra da verdade aprendida no batismo reconhecerá os nomes, as expressões, as parábolas que são das Escrituras, mas não a teoria blasfema deles. Reconhecerá as pedras do mosaico, mas na figura da raposa não verá a imagem do rei. Recolocando cada uma das palavras no seu lugar, ajustadas ao corpo da verdade, desvendará e mostrará a inconsistência das suas fantasias. (Ibid., 1:9:4)

Antes do batismo, os catecúmenos recebiam a pregação apostólica. Era através dessa pregação que eles eram regenerados:

Para aqueles que foram antes muito ímpios, de modo que eles não deixaram [de fazer] nenhuma obra impiedosa, aprendendo de Cristo e crendo nele, tendo uma vez crido e sendo convertidos, e então não deixando de fazer nenhuma [obra] de excelente justiça; assim grande é a transformação que a fé em Cristo, o Filho de Deus, efetua naqueles que crêem nele. (Demonstração da pregação apostólica, 61)

Homens antes muito impiedosos são convertidos e transformam-se em homens justos. Esse processo acontece através da fé em Cristo ao aprenderem dele. Portanto, essa transformação [regeneração] se dava antes do batismo, quando os catecúmenos criam na pregação apostólica.

Que ele não iria enviar de volta os remidos à lei de Moisés, pois a lei foi cumprida em Cristo, mas eles seriam vivificados em novidade pela palavra, através da fé no Filho de Deus e o amor. Isaías declarou: "Lembrem-se não das coisas passadas, nem tragam à mente as coisas que eram no início. Eis que faço novas (as coisas), que passam agora a brotar, e sabereis (eles). E eu vou fazer no deserto um caminho, e nos córregos sem água um lugar para dar de beber ao meu povo escolhido, e ao meu povo a quem eu escolhi para declarar minhas virtudes". Agora, o deserto e o lugar sem água foram a primeira chamada aos gentios, porque a palavra não tinha passado por eles, nem lhes tinha sido dado o Espírito Santo para beber; que moldou a nova forma de piedade e justiça, e fez riachos abundantes para nascer adiante, espalhando sobre a terra o Espírito Santo; o mesmo que tinha sido prometido pelos profetas, que, no fim dos dias Ele iria derramar o Espírito sobre a face da terra. (Demonstração da pregação apostólica, 89)

Essa citação é interessante porque ele fala num contexto de água, riachos, ou seja, figuras que poderiam ser aplicadas ao batismo. Porém, é dito que os homens são vivificados através da fé no filho pela Palavra. Também é aludido que o Espírito Santo seria dado aos gentios, mas sem mencionar que isso aconteceria através da água batismal.

(...) aquele Senhor que formou a visão é o mesmo que plasmou o homem todo, cumprindo a vontade do Pai. E visto que na criação que se fez segundo Adão o homem caíra na transgressão e precisava do lavacro da regeneração, o Senhor disse ao cego de nascença, depois de lhe ter posto o lodo nos olhos: “Vai-te lavar na piscina de Siloé”, lembrando-lhe simultaneamente a modelagem e a regeneração operada pelo lavacro. Assim, depois de se ter lavado, voltou vendo, para conhecer o seu plasmador e aprender quem era o Senhor que lhe dera a vida (...) Está claro que a terra com que o Senhor remodelou os olhos do cego é a mesma com que o homem foi modelado no princípio, porque não é lógico modelar os olhos com uma matéria e o resto do corpo com outra, como não o é que um tenha modelado o corpo e outro os olhos. (Contra as Heresias 4:15:3).

Irineu faz uma conexão entre o primeiro nascimento e a regeneração utilizando o caso do cego de Siloé. Os olhos do cego foram regenerados antes de serem lavados. Eles foram regenerados pela lama e não pela água. Na parte negritada, fica claro que Cristo formou os olhos do cego do lodo e não da água. Ele também fala de pessoas sendo regeneradas espiritualmente sem mencionar o batismo:

Pois, na verdade, a primeira coisa é negar a si mesmo e seguir a Cristo; e aqueles que fazem isso são levados progressivamente a perfeição, e tendo cumprido todos os seus ensinos, torna-se-ão filhos de Deus pela regeneração espiritual e herdeiros do reino dos céus. (Fragmentos 36)

Fica demonstrado que Irineu entendia que a regeneração de fato acontecia antes do batismo. Ele poderia se referir ao batismo como regenerador porque estava ligado a exposição da doutrina apostólica, fazendo parte do mesmo processo, mas era pela resposta a essa pregação que o Espírito Santo agia no converso.