Neste primeiro artigo, vamos
tratar da evidência patrística pré-nicena sobre o culto às imagens e aos
ícones. Vamos demonstrar que houve um consenso patrístico contra o uso de tais
elementos como objeto de culto. Apologistas católicos e ortodoxos, totalmente desamparados
de qualquer pesquisa histórica, costumam fazer afirmações do tipo: “A
ideia de que a Igreja dos primeiros séculos foi de modo algum preconceituosa
contra imagens, ícones, relíquias estátuas é
a ficção mais descabida possível.” O artigo apologético católico afirma: “O ensino
cristão das imagens e relíquias sagradas, esta presente desde os primeiros escritos cristãos que se tem
conhecimento, todos eles confirmam
unanimamente como a teologia católica, não inova apenas repete o que é da
fé através dos séculos!”. Obviamente esse tipo de afirmação é encontrada
apenas em apologistas de internet. Conforme veremos numa seção desse artigo –
historiadores católicos romanos e ortodoxos afirmam que os
primeiros cristãos tinham sim preconceito contra o culto às imagens. Se a tese
católica acima fosse verdadeira, não seria difícil encontrar pais da igreja
pré-nicenos apoiando a doutrina romanista. No entanto, quem se der ao trabalho
de ler o artigo católico, perceberá que não se encontra qualquer evidência de
pai da Igreja pré-niceno apoiando o culto às imagens ou ícones. Neste artigo,
tratarei apenas do culto às imagens e aos ícones. Eu já tratei do culto às
relíquias e sua falta de base histórica em outro artigo (aqui). Recomendo
também os artigos do blog conhecereis a verdade (aqui)
e heresias católicas (aqui e aqui).
Epístola
de Barnabé (131?)
A Epístola não foi escrita por
Barnabé. Sua autoria é desconhecida e provavelmente a obra é do início do
século II:
Moisés
as tomou, e começou a descer, para levá-las ao povo. Então disse a Moisés o
Senhor: "Moisés, Moisés, apressa-te a descer, pois teu povo, que fizeste sair
da terra do Egito, pecou". Moisés
compreendeu que eles ainda tinham feito para si imagens de metal fundido.
Então ele atirou de suas mãos as tábuas e as tábuas da Aliança do Senhor se
quebraram". Moisés, portanto, a recebeu, mas eles não foram dignos dela. (Ep. de Barnabé 14)
Esta não é uma condenação
explícita. No entanto, a epístola demonstra a condenação aos judeus por criarem imagens. Levando-se em conta o contexto do séc. II, em que abundam
escritos cristãos condenando os pagãos por cultuarem imagens, é muito provável
que o autor da epístola também condenasse tal culto de forma geral, e não
apenas no contexto pagão.
Aristides
de Atenas (130?)
Aristides foi um apologista cristão do início do séc. II.
Ele escreveu um livro ao imperador em defesa do cristianismo:
Vejamos,
pois, quais destes [homens] participam da verdade e quais [participam] do erro.
Os caldeus, com efeito, por não
conhecerem a Deus, se extraviaram por detrás dos astros e passaram a adorar às
criaturas no lugar d’Aquele que os havia criado; e fazendo daqueles [astros]
certas representações, passaram a clamar às imagens do céu e da terra, do sol,
da lua e dos demais astros ou luminares; e, confinando-os em templos, os
adoram, dando-lhes nome de deuses, guardando-os com toda a segurança, para
que não sejam roubados por ladrões, sem
perceber que os que guardam são superiores aos guardados, e os que constroem
são superiores às suas próprias obras. Assim, se os seus deuses são
impotentes para sua própria salvação, como poderiam oferecer a salvação aos
outros? Logo, se extraviaram os caldeus,
prestando culto a imagens mortas e inúteis. (Apologia cap. 3)
Quando apresentamos citações
como esta, os apologistas afirmam que a condenação se restringiria apenas ao
contexto pagão. A questão é se Aristides, assim como os demais pais da igreja
aqui citados, estariam condenando apenas um certo tipo de culto às imagens ou
ícones ou tratar-se-ia de uma condenação geral. A natureza da argumentação de deixa claro que a condenação é um princípio geral. Percebam que
ele critica as imagens porque estas precisariam ser guardadas por vigias, o que
tornaria os guardadores superiores às imagens. Este argumento só faz sentido a
luz de uma condenação geral. As imagens num contexto cristão também precisariam
ser guardadas e protegidas. Seria inconcebível tal afirmação de Aristides se os
cristãos também cultuassem imagens. Percebam que ele também condena o ato de
confinar as imagens em templos, sem estabelecer nenhum tipo de qualificação. Se
Aristides apoiasse o confinamento de imagens nos templos cristãos, ele
provavelmente adicionaria qualificações a esta condenação aos pagãos, sob pena
de estar sendo hipócrita.
Assim,
se extraviaram gravemente os egípcios, os caldeus e os gregos, introduzindo
tais deuses, fazendo imagens deles, e divinizando os ídolos surdos e
insensíveis. E me admira como vendo seus deuses serrados, destruídos pelo fogo, cortados pelos
artífices, envelhecidos pelo tempo, dissolvidos e fundidos, não compreendam
que não existem tais deuses, pois quando nenhuma força possuem para sua própria
salvação, como poderão ter providência pelos homens? (...) Fique provado então
– ó Rei – que todos estes cultos para muitos deuses são obras que extraviam e
levam à perdição, pois não se deve
chamar deuses às coisas visíveis que não veem, mas deve-se adorar ao Deus
invisível que tudo vê e criou.
(Cap.
13)
Mais uma vez, ele critica o
uso de imagens por estas serem destrutíveis e sujeitas ao envelhecimento. Tal
argumento jamais poderia ser utilizado por um católico romano ou oriental.
Atenágoras
de Atenas (133-190)
(...)
nenhum dos ídolos pode escapar de ser
fabricado por homens. Ora, se são deuses, como não existiam desde o
princípio? Como são mais recentes que aqueles que os fabricaram? Que necessidade tinham, para nascer, dos
homens e da arte? Tudo isso, porém,
é apenas terra, pedras, matéria e arte supérflua. Há aqueles que dizem que isso são apenas estátuas, mas é aos deuses que
elas se referem, que as procissões que a elas se fazem e os sacrifícios que se
lhes oferecem terminam nos deuses e a eles se dirigem, que não existe,
enfim, outro meio de aproximar-se dos deuses sem este: “os deuses são difíceis
de aparecer claramente”. E que isso seja assim, apresentam como prova as
atividades de alguns ídolos. (Petição em Favor dos Cristãos18)
Notem que o argumento pagão é
o mesmo utilizado pelos modernos iconólatras. As imagens apenas representam
aquele a quem o culto se dirige.
Aceitemos,
porém, que todos admitissem os mesmos deuses. E daí? Se o vulgo, incapaz de
distinguir entre matéria e Deus, e de compreender a diferença que existe de uma
para outro, recorre aos ídolos feitos de matéria, deveremos também adorar as estátuas para agradá-los? Nós, que distinguimos e separamos o
incriado do criado, o ser do não-ser, o inteligível do sensível, e que damos
nome conveniente a cada uma dessas coisas? Com efeito, se a matéria e Deus
são a mesma coisa, e se trata apenas de dois nomes para a mesma realidade, não
aceitando como deuses as pedras, a madeira, o ouro e a prata, cometemos uma
impiedade; contudo, se existe imensa distância entre um e outro, como do
artista para os instrumentos de sua arte,
por que nos acusam? Como o oleiro e o barro, o barro é a matéria e o oleiro
é o artista, assim Deus é o artífice e a matéria lhe obedece em vista da arte.
Mas como o barro sem a ação do artista não pode por si mesmo converter-se em
vasos, também a matéria, capaz de qualquer forma, não teria recebido em distinção
nem figura nem ornato sem a ação do Deus artífice. Ora, nós não consideramos o
vaso mais digno de honra do que o seu fabricante, nem as taças de ouro mais
dignas de honra do que aquele que as fundiu, mas, se vemos nelas alguma habilidade artística, louvamos o artista e é este
que colhe o fruto da glória dos vasos. (Petição em Favor dosCristãos 15)
Observem o “porque nos
acusam”. Aristides e Atenágoras produziram tais obras para defender os cristãos
de acusações pagãs. Uma das acusações pagãs era justamente o fato de cristão
não usarem imagens no culto. Os defensores do cristianismo nunca corrigem os
pagãos. Pelo contrário, eles explicam porque os cristãos não cultuam imagens.
Observem como eles até poderiam ver mérito artístico na confecção da imagem,
mas toda honra seria apenas do artista.
Justino
Mártir (100-165)
Também não honramos, com
muitos sacrifícios e coroas de flores, esses que os homens, depois de dar-lhes
forma e colocá-los nos templos, chamam de deuses. Com efeito, sabemos que são coisas sem alma e mortas não têm forma de Deus. Nós
não cremos que Deus tenha semelhante forma, que alguns dizem imitar para
tributar-lhes honra. Na verdade, o nome e figura que levam são daqueles maus
demônios que um dia apareceram no mundo. Por acaso, é preciso explicar-vos, se já
o sabeis, a maneira como os artesãos dispõem a matéria, ora polindo e cortando,
ora fundindo e cinzelando? Não só consideramos isso irracional, mas também um insulto a Deus, pois, tendo
ele glória e forma inefável, dá-se o nome de Deus a coisas corruptíveis e que
necessitam de cuidado. Muitos, apenas mudando a figura e dando forma
conveniente através da arte, dão o nome de deus àquilo que serviu de
instrumento ignominioso (...) É estupidez dizer que homens intemperantes
fabricam e transformam deuses para ser adorados e que tais pessoas servem como
guardas dos templos nos quais aqueles são colocados! (I Apologia 9:1-5)
Justino também cita com aprovação
as seguintes palavras de Sibila:
Nos
desviamos dos caminhos do Imortal, e adoramos os ídolos com uma mente estúpida
e sem sentido - a obra de nossas
próprias mãos e imagens e figuras de homens mortos.
(Exortação aos Gregos 16)
Ele desaprova o culto às
imagens porque elas representam pessoas falecidas. A questão é como um homem
que também cultuava imagens poderiam utilizar tal argumento sem apresentar maiores
qualificações? As imagens de santos também representam pessoas que já morreram.
Um católico romano poderia usar tal argumento? Obviamente não. Nós temos acesso
a uma quantidade razoável das obras de Justino. Nota-se que ele, assim como os
demais autores cristãos, condenam o uso de imagens no culto pagão de forma
genérica, sem qualquer qualificação restritiva. A partir do séc. V, quando o
culto aos ícones toma forma crescente no seio da igreja, os autores cristãos
realizam uma série de qualificações e distinções para demonstrar porque as
imagens no culto cristão não incorriam nas mesmas condenações que os pagãos. O
fato de os autores pré-nicenos não realizarem tais distinções para salvaguardar um
suposto culto cristão das imagens é evidência de que o cristianismo primitivo
não praticava tal culto.
Melito
de Sardes (180)
Melito foi um importante bispo do século II. Ele escreveu:
Há
pessoas que dizem - É para a honra de Deus que fazemos a imagem: para que
possamos adorar o Deus que está oculto de nossa visão. Mas eles não estão cientes de que Deus está em todo país e em todo
lugar, e nunca está ausente, e que não há nada feito que Ele não o saiba. Ainda tu, homem desprezível (...) comprou
madeira do carpinteiro e esculpiu uma imagem insultuosa para Deus. Por isso
ofereces sacrifício e não sabes que o olho que tudo vê também te vê, e que a
palavra da verdade te repreende, e te diz: Como pode o Deus invisível ser
esculpido? (Fragmento 1)
Irineu
de Lião (130-202)
Esses
homens [os hereges gnósticos] praticam magia, usam imagens, encantamentos, invocações e todos os outros tipos de
arte estranha. (Contra as Heresias 1:24:5)
Denominam-se Gnósticos. Eles
também possuem imagens, algumas delas pintadas, e outras formadas a partir
de diferentes tipos de materiais; e
afirmam que uma imagem de Cristo foi feita por Pilatos no tempo em que Jesus
viveu entre eles. E coroam estas
imagens e as expõem com as imagens dos filósofos do mundo, a saber, com as
imagens de Pitágoras, de Platão, de Aristóteles e de outros. Eles têm também outras formas de honrar
estas imagens, precisamente como os pagãos.
(Contra as Heresias 1:25:6)
Esta citação demonstra
cabalmente que o culto às imagens, ainda que num contexto não pagão, não era
tolerado. Os gnósticos eram hereges, mas não eram pagãos. Eles tinham uma
suposta imagem de Jesus. Irineu condena o uso de tal imagem e a honra prestada
a ela, que remetia ao culto pagão. Os apologistas costumam apelar a conhecida
distinção latria e dulia. Todavia, esta é uma construção teológica dos
séculos posteriores, quando o culto aos ícones seria adotado. Os pais pré-nicenos não estabeleciam dois tipos de culto.
Tertuliano
(160-220)
Pois
como poderia ele [Pedro no Monte da Transfiguração] ter conhecido Moisés e
Elias, exceto estando no Espírito? As
pessoas não poderiam ter suas imagens, estátuas ou retratos; pois a lei proibia.
(Contra Marcião 4:22)
Tertuliano compreendia que a
lei mosaica proibia criar imagens e estátuas, mesmo dos heróis da fé. Ele
também atesta que o culto às imagens não fazia parte do judaísmo primitivo. A
única forma de Pedro ver Moisés seria através do milagre da transfiguração. Ele
não poderia vê-lo através de um retrato ou estátua, pois era proibido pela Lei.
Sabemos que os nomes dos
mortos não são nada, assim como as imagens deles. Também sabemos que quando as imagens são
formadas, sob esses nomes, realizam seu trabalho iníquo e exultam na homenagem
prestada a eles, e fingem ser divinas - nada
menos que espíritos amaldiçoados, do que demônios. (Do Espetáculo 10)
Ele argumenta que a imagem não
é nada, pois representa um morto. Obviamente tal argumento poderia ser
facilmente revertido às imagens de cristão já falecidos. Ainda afirma que são
demoníacas.
Oferendas para apaziguar aos
mortos eram
consideradas como pertencentes à classe dos sacrifícios fúnebres, e estes são
idolatria. A idolatria, na verdade, é
uma espécie de homenagem aos que partiram, tanto um como o outro é um
serviço aos mortos. Além disso, os
demônios residem nas imagens dos mortos (...) esse tipo de exibição passou
das honras aos mortos para honras aos vivos - isto é, para questores
[superintendentes financeiros] e magistrados, para ofícios sacerdotais de
diferentes tipos. No entanto, como a
idolatria ainda se apega ao nome da dignidade, tudo o que é feito em seu nome
parte de sua impureza. (Do Espetáculo 12)
Observem como esta condenação
seria aplicável também ao moderno culto aos santos. Católicos cultuam aos santos na
esperança de obterem deles sua intercessão. Tertuliano considera esta prática
demoníaca. Observem que ele não distingue o culto aos mortos da honra que era
prestada às autoridades. Ocorre que nos séculos posteriores foi justamente esse
culto prestado às autoridades que inspiraria os cristãos a também
cultuarem os mártires. Tanto um como outro são condenáveis. Isto deixa claro
que Tertuliano não adotava a moderna distinção entre latria e dulia.
Em
suma, se recusamos nossa reverência a
estátuas e imagens apáticas, a própria contrapartida de seus originais mortos,
com os quais falcões, ratos e aranhas estão tão bem familiarizados, não merece louvor ao invés de reprovação o
fato de rejeitarmos o que vimos ser um erro? (Apologia 12)
Esta citação é retirada da
apologia de Tertuliano. Ele está respondendo a crítica pagã aos cristãos por
não cultuarem imagens. Ele insiste que a imagem não deve ser cultuada porque
representa alguém que já faleceu, além do fato de a imagem estar sujeita a todo
tipo de desgaste. Os cristãos não deveriam ser criticados, mas louvados por não
cultuarem imagens.
Mesmo
hoje em dia [a idolatria] pode ser praticada fora de um templo e sem um ídolo.
Todavia, quando o diabo introduziu no
mundo artesãos de estátuas, de imagens e de todo tipo de retrato, aquele
antigo negócio rude de desastre humano
ganhou dos ídolos um nome e um desenvolvimento. A partir de então, toda arte que de alguma forma produz um
ídolo instantaneamente se tornou uma fonte de idolatria. Uma vez que mesmo sem o ídolo a idolatria é
cometida, quando o ídolo está lá não faz diferença de que tipo seja, de que
material, ou que forma; para que ninguém
pense que somente aquilo que é consagrado em forma humana deve ser chamado de
ídolo. (Da Idolatria 3)
Ele critica a profissão dos
artesãos a chamando de “negócio rude”. Tertuliano condenaria a feitura de
imagens e ícones de formas humanas mesmo que para fins apenas artísticos – algo
que eu particularmente não consideraria condenável. Obviamente ele não poderia
conceber sequer o uso religioso de ícones ou imagens. Diante dessas contundentes citações, os
defensores dos ícones costumam apresentar a seguinte citação de Tertuliano:
Da
mesma forma, quando proibiu fazer imagens de todas as coisas que estão no céu e
na terra e nas águas, Ele também declarou as razões, como sendo proibitivo de
toda a exibição material de uma idolatria latente. Ele acrescenta: “Não se
prostrará a eles nem os servirá”. No entanto, a serpente de bronze que o Senhor depois mandou que Moisés fizesse não
oferecia nenhum pretexto para a idolatria, mas destinava-se à cura daqueles
que foram atormentados com as serpentes de fogo (...) Assim também os Querubins e Serafins de ouro eram puramente um ornamento
na arca; adaptada à ornamentação por motivos totalmente distantes de toda a condição de idolatria, em virtude da
qual é proibido fazer a imagem. (Contra Marcião 2:22)
Esta citação não contradiz
nenhuma das anteriores. Tertuliano esclarece que a serpente não foi objeto de
culto. Da mesma forma, os querubins e serafins eram meramente arte decorativa.
Não havia qualquer tipo de honra religiosa envolvida. O relato da serpente de
bronze nos fornece o paradigma da questão. Quando ela passou a ser objeto de
culto, foi retirada.
Clemente
de Alexandria (150-215)
A
própria lei apresenta
a justiça e ensina a sabedoria pela abstinência de imagens.
(Stromata 2:18)
Clemente faz eco ao ensinamento da lei mosaica sobre as
imagens.
E
mais uma vez, não use um anel, nem grave nele as imagens dos deuses, ordena
Pitágoras, assim como nos tempos de
Moisés em que foi expressamente decretado que nenhuma escultura esculpida, nem
fundida, nem moldada, nem pintada deveria ser feita, para que não nos
apeguemos a coisas de sentido, mas passemos para objetos intelectuais. Afinal, a
familiaridade com a visão deprecia a reverência do que é divino; e adorar o que é imaterial pela matéria é
desonrá-lo pelo sentido. Portanto,
os mais sábios dos sacerdotes egípcios decidiram que o templo de Atena deveria
ser hypaethral [ao ar livre, sem teto], assim
como os hebreus construíram o templo sem imagens.
(Stromata 5:5)
O argumento de Clemente conduz a uma vedação
geral quanto ao uso de imagens.
Pois
não é verdade que com razão não
limitamos em qualquer lugar aquilo que não pode ser limitado; nem calamos nos templos feitos com as mãos
aquilo que contém todas as coisas? Que trabalho de construtores, pedreiros
e arte mecânica pode ser sagrado?
Superior a estes não são os que pensam que o ar e o espaço em volta, ou melhor,
o mundo inteiro e o universo são recebidos pela excelência de Deus? Era
realmente ridículo, como os próprios filósofos dizem, que o homem, o brinquedo
de Deus, faça Deus e que Deus seja o brinquedo da arte (...) Agora as imagens e os templos construídos
pela mecânica são feitos de matéria inerte para que também eles sejam inertes,
materiais e profanos; e se você aperfeiçoar a arte, eles participam da
grosseria mecânica. Obras de arte não
podem ser sagradas e divinas. (Stromata 7:5)
Está é mais uma condenação
geral. Se as obras de arte não poderiam ser sagradas, segue-se que não podem
ser objeto de culto.
Pois,
na verdade, uma imagem é apenas matéria
morta moldada pela mão do artesão. Mas não temos uma imagem sensível da
matéria sensível, mas uma imagem que é
percebida apenas pela mente: Deus, que é o único Deus.
(Exortação aos pagãos 4)
Embora ele tome como exemplo a
imagem da divindade, a crítica se aplicaria a qualquer tipo de imagem.
Mas
é com um tipo diferente de feitiço que a arte te ilude (...) isso leva você a prestar honra religiosa e
cultuar imagens e figuras. (Exortação aos pagãos 4)
Trata-se de uma condenação à
iconolatria pagã, mas Clemente jamais poderia condená-los de tal forma, sem
maiores qualificações, se ele próprio também cultuasse imagens.
Pois aquele [Deus] que proibiu
a feitura de uma imagem de escultura, nunca teria feito uma imagem à semelhança
das coisas santas. Nem
há, de modo algum, qualquer coisa composta e criatura dotada de sensibilidade,
do tipo que há no céu. (Stromata 5:6)
Esta citação atesta que as imagens não podem ser sagradas.
Orígenes
(184-253)
Assim
como descobrimos nesta atitude a abstenção do adultério, embora pareça a mesma,
uma diversidade proveniente das doutrinas e das intenções, o mesmo ocorre com a recusa de honrar a divindade nos altares, nos
templos e nas estátuas. Os citas, os nômades da Líbia, os seres, povo sem
deus, e os persas fundamentam sua atitude em outras doutrinas diferentes
daquelas pelas quais os cristãos e os
judeus não toleram este culto que se pretende oferecido à divindade. Pois nenhum desses povos pode tolerar os
altares e as estátuas porque se recusaria a exautorar e aviltar a adoração
devida à divindade, dirigindo-a a matéria assim modelada. A razão também
não é porque eles compreenderam que são demônios que essas imagens e locais
encarnam, evocados por sortilégios, ou por eles mesmos terem de outro modo
tomado posse dos lugares em que eles recebem gulosamente o tributo das vítimas
e vivem à procura de prazer ilícito e de indivíduos sem lei. Mas os cristãos e os judeus têm estes
mandamentos: “É ao Senhor teu Deus que temerás. Só a ele servirás” (Dt
6,13); “Não terás outros deuses diante de mim”; “Não farás para ti imagem
esculpida de nada que se assemelha ao que existe lá em cima, nos céus, ou
embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante
desses deuses e não os servirás” (Ex 20,3-5); “Ao Senhor teu Deus adorarás e só
a ele prestarás culto” (Mt 4,10); e muitos outros do mesmo teor. Por causa deles, não só se afastam dos
templos, dos altares, das estátuas, mas também correm para a morte quando
necessário, para evitar emporcalhar a
noção do Deus do universo com uma infração deste gênero à sua lei (...) Aprendemos
a não adorar “a criatura em lugar do Criador” (...) Aprendemos que não se deve
honrar no lugar de Deus a quem nada falta, ou de seu Filho Primogênito de toda
criatura, as
coisas que foram submetidas à escravidão da corrupção e à vaidade, e estão na
expectativa de uma esperança melhor (...) Devemos responder: é possível
conhecer a Deus e seu Filho único,
como os seres que são honrados por Deus com o título de deus e participam de
sua divindade, e que são diferentes de todos os deuses das nações que por sua verdadeira
natureza são demônios; mas na verdade
não é possível conhecer a Deus e orar para as estátuas. (Contra Celso 7:64-65)
Os apologistas objetam que
Orígenes está somente condenando as imagens da divindade. Contudo, observem que
ele se refere à Deus e também Jesus seu filho. Logo, ele obviamente não
cultuava imagens mesmo de Jesus. Os católicos tentam atribuir aos pais a distinção latria/dulia, mas isto não funcionaria para Orígenes, uma vez que tal
distinção não é encontrada em nenhuma de suas obras.
Ainda
que Celso qualifique como incultas, escravas, menos instruídas as pessoas que
não compreendem seu ponto de vista e não assimilaram a ciência dos gregos, nós declaramos como os mais incultos
aqueles que não se envergonham de se dirigir a objetos inanimados, de pedir a saúde à fraqueza, de procurar a
vida junto à morte, de mendigar socorro à impotência. Aqueles que afirmam
que tais realidades não são deuses, mas imitações dos deuses verdadeiros e seus
símbolos, são igualmente pessoas sem educação, escravas, sem instrução, pois
imaginam colocar as imitações nas mãos dos artífices; de tal forma, digamos, que mesmo os últimos dos nossos são
libertados desta tolice e ignorância, ao passo que os mais sensatos
concebem e compreendem a esperança divina. (Contra Celso 6:14)
Celso era um crítico pagão do
cristianismo. Orígenes responde a acusação de incultura dos cristãos afirmando
que os pagãos é que eram incultos por cultuarem imagens. Vejam que a crítica
“se dirigir a objetos inanimados” expressa uma condenação geral. Ele não
criticava os pagãos por se dirigirem ao objeto inanimado errado (como se
houvesse o certo), mas de forma geral. Orígenes ainda atesta que tal prática
não era cristã. Se Orígenes estivesse apenas condenando as imagens pagãs, não
faria sentido afirmar que os cristãos não praticavam tal ignorância. Afinal,
por definição, um cristão não cultuava deuses pagãos. A resposta do
alexandrino, para ter sentido, só poderia se referir ao fato de que os cristãos
não cultuavam objetos inanimados.
Minúcio
Félix (150-220)
Minucio escreveu o relato de
um debate (provavelmente fictício) entre
o cristão Otávio e o não cristão Cecílio. Uma forma de sabermos o que os
cristãos de determinado período pensavam é analisando as críticas que os pagãos
lhes faziam. Cecílio pergunta:
O cristão Otávio responde:
Da
mesma forma com relação aos deuses também, nossos ancestrais acreditavam
descuidados, credulamente, com simplicidade não treinada. Enquanto cultuavam seus reis
religiosamente, desejando olhar para eles quando mortos em formas externas,
ansiosos para preservar suas memórias em estátuas. Essas coisas que se tornaram sagradas deveriam ser tomadas apenas como consolo. (Cap.
20)
Observe que Otávio (o cristão)
não diz “não é bem assim, nós temos algumas imagens, só não prestamos o mesmo
culto que os pagãos”. Ele confirma que os cristãos não têm altares, templos ou
imagens. Ainda diz que o uso de imagens que serviram inicialmente para manter a
memória dos reis passou a ser objeto de uso religioso. O cristão Otávio afirma
então que apenas o uso memorial das imagens deveria ser mantido e não o uso
sagrado. Isto se traduz numa negação ao culto dos ícones. Otávio
também tece uma crítica às imagens pagãs que é aplicável às imagens católicas:
Qual
é o seu próprio Júpiter? Há casos em que
ele é representado em uma estátua sem barba, em outros ele está com barba. (Cap.
21)
A mesma inconsistência se
apresenta nas imagens católicas. Não se sabe qual a aparência de Maria por exemplo.
Qual o sentido em se representar numa imagem alguém sobre a qual não temos
qualquer noção a respeito de sua aparência? Além disso, as imagens são
contraditórias na medida em que Maria é representada com diferentes
aparências. Otávio condena também o ato de beijar imagens:
Cecílio,
observando uma imagem de Serapis, levou a mão à boca e, como é costume das
pessoas supersticiosas, beijou-a com os
lábios. Então Otávio disse: “Não é conveniente a um homem bom, meu irmão
Marcus [Minúcio Felix], abandonar um
homem que habita ao seu lado nessa cegueira da ignorância vulgar. (Cap.
2)
Ele faz outra crítica às
imagens aplicável ao culto católico:
Quanto
mais verdadeiramente os animais mudos julgam
seus deuses? Ratos, andorinhas, papagaios, sabem que eles não têm
sensibilidade: eles os roem, pisam
neles, sentam-se neles e, a menos que você os afaste, eles constroem seus
ninhos na própria boca do seu deus. As aranhas tecem suas teias sobre o
rosto e suspendem seus fios sobre sua própria cabeça. Você seca, limpa, raspa e
protege (...) desejando sem consideração obedecer a seus ancestrais, preferindo
acrescentar ao erro dos outros do que confiar em si mesmos. Nisso eles nada
sabem do que temem. Assim a avareza foi
consagrada em ouro e prata. Assim a forma das estátuas vazias foi estabelecida.
Assim surgiu a superstição romana. (Cap. 24)
Agora, compare isso com a
objeção católica de que os Pais da Igreja estavam apenas condenando o culto às
imagens de deuses pagãos. Minúcio poderia usar tal argumento? Como poderia
usá-lo se o mesmo se sucede às imagens de Maria e dos santos? Toda a natureza
da argumentação pressupõe que nenhum tipo de imagem é utilizada no culto
cristão. Otávio diz que os demônios são
"consagrados sob estátuas e imagens" (27). Ele também diz:
Mas
você acha que nós escondemos o que adoramos já que não temos templos e altares? E porque eu faria uma imagem de Deus se o próprio homem é feito à
imagem dele? Que templo devo edificar a
Ele se todo esse mundo formado por sua obra não pode recebê-lo? E como eu,
um homem, limitarei o poder de tão grande majestade dentro de um pequeno
edifício? Não seria melhor que Ele fosse
dedicado em nossa mente, consagrado em nosso íntimo coração? (Cap.
32)
Observe que a pergunta inicial
contém “já que não temos templos e altares”. Embora o exemplo de fundo seja
Deus, ele confirma que os cristãos não tinham templos e altares. Isto
obviamente coloca os cristãos primitivos muito distantes dos cristãos de eras posteriores
que construíram templos com vários altares abrigando imagens.
Hipólito
de Roma (170-236)
Hipólito escreve sobre
profissões que os cristãos que se preparavam para o batismo deveriam abandonar:
Deve-se
interrogar, também, a respeito dos trabalhos e ocupações exercidos por aqueles
que se apresentam para ser instruídos. Aquele que possui prostíbulo: desista ou
seja recusado. O escultor ou pintor:
seja ensinado a não produzir ídolos, isto é, cesse ou seja recusado. O ator
que representa no teatro: cesse ou seja recusado.
(Tradição Apostólica 3:2)
Um escultor ou pinto não
precisaria abandonar sua profissão caso houvesse costume entre os cristãos de
fabricar esculturas ou ícones para veneração. Hipólito associava diretamente os
ícones e as imagens aos ídolos.
E eles [os hereges] têm uma
imagem de Simão (formada) na figura de Júpiter e (uma imagem) de Helena na
forma de Minerva. Eles
prestam adoração a eles. Eles o chamam de único Senhor e a outra de Senhora. E
se qualquer um dentre eles, ao ver as imagens de Simão ou Helena, os chamar
pelo nome, será rejeitado como sendo ignorante sobre os mistérios.
(Refutação de todas as heresias)
Hipólito descreve o hábito de
hereges gnósticos. Vemos que o culto às imagens era comum aos círculos
heréticos e não aos cristãos ortodoxos.
Cipriano
de Cartago (?-258)
E
novamente: “Eles adoraram aqueles que seus dedos fizeram; e o homem mesquinho
se dobrou, e o grande homem se humilhou, e eu não os perdoarei.' Por que você
se humilha e se dobra a falsos deuses? Por
que você inclina seu corpo em cativeiro diante de imagens tolas e criações da
terra? Deus te fez justo; e enquanto outros animais estão em baixa, e estão
deprimidos em postura curvada para a terra, a sua é uma atitude elevada; e o
teu semblante é levantado para o céu e para Deus. (Ad Demetr cap. 16)
Você
não adora a Deus nem permite que Ele seja adorado; e enquanto outros que veneram não apenas os ídolos e imagens tolas
feitos pelas mãos do homem, mas até mesmo os prodígios e monstros são
agradáveis a você. É somente o adorador de Deus que está desagradando a você. (Ad
Demetr cap. 14)
Lactâncio
Que
loucura é formar os objetos os quais eles mesmos podem temer depois ou temer as
coisas que eles formaram? Mas, eles dizem, nós não tememos as imagens em si,
mas aqueles seres cuja semelhança elas representam e para cujos nomes são
dedicadas (...) O que são as próprias
imagens senão memoriais dos mortos ou ausentes? Pois a ideia de fazer
imagens foi criada pelos homens por esse motivo - para que fosse possível reter
a memória daqueles que haviam sido removidos pela morte ou separados pela
ausência. Em qual dessas classes devemos considerar os deuses? Se entre os mortos, quem é tão tolo a ponto
de cultuá-los? Se entre os ausentes, então eles não devem ser cultuados, já
que eles não veem nossas ações nem ouvem nossas orações. Mas se os deuses não
podem estar ausentes - pois, uma vez que
são divinos, veem e ouvem todas as coisas, em qualquer parte do universo que
estejam - segue-se que as imagens são supérfluas, já que os deuses estão
presentes em todos os lugares e é
suficiente invocar com oração os nomes daqueles que nos ouvem. Mas se eles
estão presentes, eles não podem deixar de estar à mão em suas próprias imagens.
É inteiramente assim, como as pessoas
imaginam, que os espíritos dos mortos perambulam pelas tumbas e relíquias de
seus corpos. (Institutas Divinas 2:2)
Lactâncio constrói sua opinião
sob o fato de que as imagens representam falecidos. Ele conclui que cultuar a
imagem de um falecido é tolice. Há ainda uma segunda crítica. Se os falecidos invocados através de suas imagens podem ouvir orações a eles
dirigidas em todo o mundo, o uso das imagens é supérflua. Ambas as críticas se
aplicam ao catolicismo moderno, uma vez que é ensinado que Maria e os santos
podem ouvir orações feitas aos milhões ao redor do mundo. Se Maria e os santos
tivessem tal poder, a opinião de Lactâncio é que se deveria orar diretamente a
eles, sem fazer o uso de imagens.
Portanto,
é indubitável que não há religião onde
quer que haja uma imagem. Pois se a religião consiste de coisas divinas, e
não há nada divino exceto nas coisas celestiais; segue-se que as imagens são sem religião, porque não pode haver nada
celestial naquilo que é feito da terra. (Institutas Divinas 2:19)
Esta condenação também se
aplica ao culto às imagens. Uma vez que as imagens são objetos terrenos, elas
não podem ser um canal especial de graça ou aproximar os crentes de
Maria ou de santos que estariam no céu.
Sínodo
de Elvira (306)
O Sínodo de Elvira foi
realizado na Espanha e reverbera o consenso patrístico de até então sobre o
culto aos ícones:
Ordenamos
que não haja pinturas na Igreja, de
modo que aquele que é objeto de nossa adoração não seja pintado nas paredes (Cânon 36)
Este sínodo é muito claro ao
proibir que hajam pinturas na igreja. O objeto da adoração cristã (mesmo Jesus)
não poderia ser pintado em paredes. Há toda uma tentativa de relativizar a
condenação deste sínodo. Os apologistas católicos afirmam que a intenção do
sínodo era apenas impedir que os itens sagrados fossem profanados pelos pagãos.
Eles tentam fundamentar esta relativização em dois outros cânons do sínodo:
Qualquer
um que escreve frases escandalosas em uma igreja deve ser condenado. (Canon
52)
Se
alguém quebrou ídolos e foi condenado à morte por fazê-lo; uma vez que isto não
está escrito no Evangelho, nem se acha que foi feito pelos apóstolos, não será
incluído nas fileiras dos mártires. (Canon 60)
Como esses dois cânons conduz
a conclusão de que o concílio proibiu as imagens na igreja apenas por razões de
segurança é um mistério. Na verdade, se formos levar em conta o background da igreja pré-nicena, a
explicação é absurda. Os cristãos desse período não utilizavam ícones no culto.
Portanto, é totalmente descabido que os bispos espanhóis estavam apenas
tentando proteger os próprios ícones. Ademais, o próprio cânon fornece a
motivação da proibição “aquele que é objeto de nossa adoração não seja pintado
nas paredes”. Ou seja, as imagens eram proibidas porque o objeto do culto
cristão não deveria ser pintado em paredes. É uma justificativa teológica.
Outro detalhe – o cânon fala especificamente de pinturas (o que chamamos em
nosso estudo de ícones) e não inclui imagens (aqui consideradas as esculturas).
Se os cristãos desse período cultuavam pinturas e esculturas e o objetivo do
cânon era proteger os itens sagrados, eles também incluiriam as esculturas.
Afinal, as esculturas, mais até do que as pinturas, estavam sujeitas à
profanação pagã. Embora seja verdade que estudiosos católicos e ortodoxos
tenham tentado relativizar o Cânon 36, a posição majoritária entre os
acadêmicos tem sido seguir a leitura natural do texto. O estudioso de Cambridge
Robert Grigg sumariza as posições acadêmicas:
O
Cânon 36 do Sínodo de Elvira (300-306 DC) é
dirigido exclusivamente a um público cristão. No entanto, como
argumentarei, proíbe a introdução de
imagens na igreja (...) Há hoje
apenas duas interpretações geralmente preferidas. De acordo com estudiosos,
notadamente Harnack e Leclercq, o Cânon
36 pretendia proibir totalmente que os cristãos cultuassem imagens (...) Um
segundo grupo de estudiosos, Koch, Elliger, e Klauser, tentou explicá-lo como inspirado pela autoridade da proibição do antigo
testamento contra as imagens. O
Antigo Testamento proíbe fazer imagens, e por implicação, o mero ato de pintar
coisas sagradas sobre paredes. Elliger e Lowrie pensaram que a presença de
dois verbos “colitur” e “adoratur” foram inspirados em “non adorabis ea neque
coles” de Êxodo 20:5 (...) O problema é que a proibição do Antigo Testamento
pode ser e às vezes foi interpretada literalmente
como categórica a respeito da produção de imagens. Como Tertuliano parece ter entendido, proibia a imagem de qualquer
coisa, esteja no céu, ou debaixo na terra (Da Idolatria 4). Apologistas
cristãos também citaram a própria passagem que categoricamente proíbe imagens. Eles interpretaram literalmente, então
não estaria proibindo especificamente imagens que são reverenciadas e adoradas
e, portanto, seriam insuficientes para explicar o medo explícito e específico
do sínodo de que os objetos de culto fossem pintados nas paredes. Essa consideração
faz com que seja atraente recorrer a uma explicação alternativa que foi
sugerido por Edwyn Bevan:
A
ênfase [do Cânon 36] está na palavra "paredes" e o explicativo
["ne quod colitur e adoratur in parietibus depingatur"] deriva seu
significado da ideia de que uma imagem
era algo depreciativo porque a substância sobre a qual ela foi pintada era
material e o que era usado para pintá-la eram também material. Parecia essencialmente errado que um objeto
de culto religioso fosse pintado em uma parede que era de madeira, tijolo ou
pedra - matéria perecível.
A
explicação de Bevan sobre o medo que motivou o Canon 36, além de explicar o sentido literal desta proibição
específica, recebe apoio de dois apologistas latinos contemporâneos [ao Sínodo]
- Arnóbio e Lactâncio. Eles mantiveram exatamente a mesma objeção ao culto
às imagens. Evidentemente, essa ideia
teve grande aceitação entre os cristãos na véspera da era constantiniana
(...) Apologistas cristãos como Arnóbio usaram ironias para rejeitar totalmente
o culto às imagens como uma forma inapropriada de culto. Arnóbio escreveu que os pagãos acusam os cristãos de serem ímpios por
causa das imagens cultuais, mas os pagãos é que eram culpados de impiedade.
Eles cultuavam imagens quando eles
deveriam voltarem-se para os céus para irem a seus deuses, assumindo que eles
de fato existissem (Contra os Pagãos 6) (...) Lactâncio usou argumentos semelhantes. As imagens eram produtos de
homens com os quais se teria vergonha de associar-se, mera terra, fadadas a
decair e desmoronar. Por que orar a coisas, pois a imagem de Deus é o homem
sensível, não um objeto morto? A real
divindade não ter a ver com coisas feitas da matéria (Institutas Divinas 2:2)
(...) É exatamente por isso que os membros do Sínodo de Elvira tinham esses
argumentos em mente para proibir a introdução de imagens na Igreja. O simples ato de circunscrever a divindade
em pinturas nas paredes era um auto evidente sacrilégio (...) O Cânon 36 obriga a adoração anicônica da
Igreja (...) Aquele que elaborou o cânon 36 deixou evidência de que os
argumentos contra as imagens eram mais do que meras racionalizações usadas
apenas contra os pagãos. Em vez disso, em pelo menos uma instância, eles foram usados para impor entre os
cristãos a prática culto anicônico. (Grigg, R. (1976). AniconicWorship and the Apologetic Tradition: A Note on Canon 36 of the Council ofElvira. Church History, 45(4), 428-433)
Robert Grigg nos traz a
disputa acadêmica a respeito do cânon 36. A hipótese de que o objetivo do cânon
era apenas proteger os ícones da profanação não faz parte de nenhuma das duas
correntes majoritárias. Ambos os grupos de estudiosos concordam inteiramente que o
cânon visava proibir o culto às imagens na Igreja. Eles divergiam a respeito da
motivação principal, mas não do conteúdo da proibição. Em apoio a isso, temos o
testemunho de dois apologistas cristãos contemporâneos ao sínodo – Arnóbio e
Lactâncio.
Arnóbio
de Sica (? - 330)
Arnóbio foi um apologista
cristão que escreveu provavelmente no final do século III ou início do século
IV um livro contra os pagãos. Nesta obra, ele ataca o hábito pagão de cultuar
imagens:
Aqui
também os defensores das imagens costumam dizer isso - que os antigos sabiam que as imagens não têm natureza divina e que não há sentido nelas - mas que eles
as formavam proveitosa e sabiamente para o bem da multidão ignorante, a qual é
maioria nas nações e nos estados, de
forma que uma espécie de aparência, como se fosse de divindades, sendo
apresentadas a eles, faria com que se livrassem de suas naturezas rudes por
medo, e ao suporem que estavam agindo na presença dos deuses, se afastariam de seus atos ímpios e mudariam
suas maneiras, aprendendo a agir como homens. (...) Por que você não levanta os olhos para o
céu e, invocando seus nomes, oferece sacrifícios ao ar livre? Por que você olha para as paredes, madeira
e pedra, e não para o lugar onde você acredita que eles estão? Qual é o
significado de templos e altares? (Contra os Pagãos 6:24)
Toda argumentação de Arnóbio
pressupõe que os cristãos não usavam imagens em seus cultos – que esta era uma
prática tola dos pagãos. Ele também considera o uso das imagens supérfluo. Se o
pagão acreditava que sua divindade estava no céu, bastaria erguer os olhos ao
céu e invocá-lo. Da mesma, se Maria está no céu, bastaria invocá-la, sem fazer
uso de qualquer imagem.
A
arte cristã primitiva
Os apologistas romanos e
orientais costumam citar os desenhos nas catacumbas e na igreja doméstica Dura
Europo (meados do séc. III) como evidência do culto aos ícones no período
primitivo. Estas imagens geralmente retratavam histórias bíblicas ou
representavam outros símbolos cristãos como o peixe. Os desenhos mais antigos
são do século III. Robin M. Jensen -
especialista em arte cristã antiga e membro do departamento de teologia da
Universidade Católica de Notre Dame - afirma:
Estudiosos geralmente
concordam que a iconografia cristã surgiu apenas no século III. A ausência de anteriores e inequívocos artefatos
cristãos levou muitos estudiosos a caracterizar os cristãos como inicialmente
contrários aos ícones em grande parte em
deferência às proibições bíblicas de imagens esculpidas e consideram o
surgimento da arte pictórica como um desvio da reprovação original da igreja.
Este ensaio afirma que os argumentos filosóficos clássicos foram ainda mais
influentes na condenação cristã das imagens divinas do que os textos bíblicos e
que, quando surgiu, a arte cristã serviu
essencialmente para fins didáticos não idólatras e não devocionais. (Fonte)
Jensen nos fornece três
importantes informações:
(1) A
iconografia cristã somente surgiu no séc. III, portanto, nada de dizer que
remete ao período dos apóstolos. Isto pode parece banal, mas há quem diga que o
evangelista Lucas pintou um quadro de Maria. Tratemos da origem dessa lenda em
outro artigo;
(2) Mesmo
essa arte cristã inicial e rudimentar surgiu ao largo da aprovação da Igreja.
Esta informação é incontestável a luz do testemunho patrístico do período. É
por essa razão que as catacumbas fornecem evidência problemática para quem
deseja estabelecer qual era a ortodoxia da Igreja. Não sabemos quem eram os
autores dessas figuras, portanto, não podemos afirmar se pertenciam a um grupo
ortodoxo ou herético. Por isso, quando desejamos estabelecer qual era a
ortodoxia da igreja, apelamos aos apologistas e bispos;
(3) Não há evidência de que estes ícones
eram objeto de veneração. O objetivo era basicamente instrutivo.
Ernst Kitzinger - reconhecido
historiador de arte antiga e medieval- escreveu:
É um
fato notável que quando a pintura e a escultura começaram a se infiltrar nas
salas de reuniões cristãs e nos cemitérios, eles o fizeram praticamente de forma desapercebida, seja por oponentes
ou apologistas do cristianismo - ainda que estes estivessem engajados em
disputas apaixonadas sobre ídolos e idolatria. Nenhuma declaração literária anterior ao ano 300 faria alguém suspeitar
da existência de quaisquer imagens cristãs além do mais lacónico e hieroglífico
dos símbolos. (Kitzinger, Ernst, "The Cult of Images inthe Age before Iconoclasm", Dumbarton Oaks Papers, Vol. 8, (1954), p. 86)
Kitzinger atesta que a arte
cristã primitiva surgiu a despeito da ortodoxia cristã do período. Isto explica
porque os pais da igreja e os oponentes pagãos pressupunham que não havia
nenhum tipo iconografia ligada aos cristãos. Era algo não oficial e não
estimulado pela igreja e a julgar pela escassez arqueológica da iconografia
cristã primitiva, deve ter sido extremamente raro. Kitzinger também
escreve no mesmo estudo:
Grande
parte da arte das catacumbas romanas revela uma tentativa estudada de evitar
qualquer suspeita ou encorajamento de práticas idólatras.
Jocelyn Toynbee concorda:
Na
arte bidimensional aplicada deste tipo, nunca
houve qualquer perigo de idolatria no sentido de adoração real de imagens de
culto e pinturas. (Toynbee, Jocelyn (J. M. C.), Review ofFrühchristliche Sarkophage in Bild und Wort by T. Klauser, The Journal of RomanStudies, Vol. 58, Parts 1 and 2 (1968), pp. 294–296)
Ou seja, a arte cristã
primitiva não pode ser tomada como evidência do culto aos ícones.
O
consenso acadêmico
Muitos católicos romanos e
ortodoxos podem argumentar que estamos realizando uma leitura protestante dos
pais pré-nicenos. Após a abundante citação de fontes primárias, nos voltaremos
às fontes secundárias e demonstraremos com o apoio de estudiosos romanos e
ortodoxos que nossa leitura não está amparada apenas no consenso patrístico,
mas também no consenso acadêmico:
O já citado Robert Grigg
escreve:
É sabido que os porta-vozes da
igreja cristã primitiva eram hostis às imagens religiosas (1). Eles
consideravam a proibição do Antigo Testamento contra imagens (Êxodo 20:4 e
Deuteronômio 5:8) como obrigatório para os cristãos (2). Apologistas cristãos como Clemente de
Alexandria e Orígenes citaram a autoridade desta proibição. Eles defenderam o culto anicônico dos
cristãos contra os ataques pagãos tomando emprestado [argumentos] de
escritores pagãos. Os argumentos que eles tomaram emprestado descreviam o culto das imagens como uma
forma de adoração ridiculamente inadequada que degradava os próprios deuses
que buscavam honrar, comparando-os com o material de formação moldado por meros
artesãos. Em contraste, a proibição do Antigo Testamento geralmente desempenhou
um papel menor em suas apologias, mesmo
quando sua autoridade era citada [I Apologia 9:1-5 de Justino Mártir, mas
também Clemente de Alexandria em Exortação aos Pagãos 4:44-47, que anteciparia
a maioria dos argumentos de Arnóbio em Contra os Pagãos 6:24]. (Grigg, R. (1976). AniconicWorship and the Apologetic Tradition: A Note on Canon 36 of the Council ofElvira. Church History, 45(4), 428-433)
Robert Grigg cita vários
estudos que atestam a hostilidade dos primeiros cristãos às imagens religiosas
na nota de rodapé 1:
(1) Os estudos indispensáveis
dessa hostilidade são
Charly Clerc, Les Theories relative au culte des smages ches les auteurs grecs
du lie siecle apres J.-C. (Paris, 1915), pp. 125-168; Hugo Koch, Die
altchristliche Bilderfrage nach den literarischen Quellez, Forschungen zur
Religion und Literature des Alten und Neuen Testaments, no. 27 (Gottingen,
1917); Walter Elliger, Die Stellung der alten Christen su den Bildern in den
ersten vier Jahrhunderten, Studien iiber christliche Denkmiler, no. 20
(Leipzig, 1930); N. H. Baynes, "Idolatry and the Early Church,"
Byzantine Studies and Other Essays (London,1955), pp. 116-143; Edwyn Bevan,
Holy Images (London, 1940), pp. 84-112; and T. Klauser, "Die Aeusserungen
der alten Kirche zur Kunst," Atti del VI congresso internazionale di
archeologia cristiana, Ravenna 2-30S settembre 1962 (Rome, 1965), pp. 223-242.
São cinco estudos, dentre os
quais há autores católicos romanos e ortodoxos. O especialista em história
antiga David M. Gwyn escreve:
Os cristãos mantiveram essas
convicções contra o uso de imagens no culto nos primeiros 300 anos. Um grande concílio da igreja, reunido em Elvira na Espanha no ano de 305,
expressou sua reprovação conta algumas igrejas que apenas mantinham pinturas
nas paredes. O Cânon 36 do Conselho de Elvira declara: “As imagens não
devem ser colocadas nas igrejas, de modo que elas não se tornem objetos de
culto e adoração.” Tenha em mente que
até esta data tardia eles estavam se opondo apenas à presença da arte na
Igreja; por exemplo, eles se oporiam ao nosso vitral, dizendo que ele tinha o
potencial de se tornar idólatra. Não
havia nenhum indício do uso imagens como “auxiliadores para adoração” ou
“pontos de oração”. (David M. Gwynn, From Iconoclasm toArianism: The Construction of Christian Tradition in the Iconoclast Controversy[Greek, Roman, and Byzantine Studies 47 (2007) 225–251], p. 227)
Gwyn atesta que os primeiros
cristãos não eram apenas contrários ao culto às esculturas e ícones, mas até
mesmo ao uso da arte na igreja, seja para fins decorativos ou instrutivos. O
renomado teólogo católico e autor do mais tradicional manual de teologia católica
Ludwig Ott escreveu:
Devido à influência da
proibição de imagens no Antigo Testamento,
a veneração cristã de imagens só se desenvolveu após a vitória da Igreja sobre
o paganismo. O Sínodo de Elvira (cerca
de 306) ainda proibia representações figurativas nas casas de Deus (Can.
36).
(Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma [Rockford, Illinois: Tan Books and
Publishers, Inc., 1974], p. 320)
O também católico romano
Joseph Kelly atesta a oposição dos primeiros cristãos contra o culto às imagens
(Fonte). A
Enciclopédia Católica afirma:
Também
explica o fato de que nas primeiras eras
do cristianismo, quando os convertidos do paganismo eram tão numerosos, e a
impressão de adoração de ídolos era tão nova, a Igreja achou aconselhável não permitir o desenvolvimento desse culto
de imagens; mas mais tarde,
quando esse perigo desapareceu, quando as tradições cristãs e o instinto
cristão ganharam força, o culto se desenvolveu mais livremente.
(Fonte)
A Enciclopédia também diz:
A
origem do movimento contra a veneração das imagens tem sido muito discutida.
Foi representado como um efeito da influência muçulmana (...) Por outro lado,
não é provável que a principal causa do zelo dos imperadores contra as imagens
fosse o exemplo de seu amargo inimigo, o chefe da religião rival. Uma origem mais provável será encontrada na
oposição a imagens que existiu por algum tempo entre os cristãos. Parece
ter havido uma antipatia por imagens sagradas, uma suspeita de que seu uso era
ou poderia se tornar idólatra entre
certos cristãos por muitos séculos antes do início da perseguição aos
iconoclastas.
Embora suavize bastante a
oposição às imagens e aos ícones nos círculos cristãos, a Enciclopédia Católica
admite a existência desta antiga oposição:
Muito
antes do surto do século VIII, havia casos isolados de pessoas que temiam o
crescente culto de imagens e viam nele o
risco de um retorno à antiga idolatria. Precisamos dificilmente citar neste contexto as expressões dos padres apostólicos contra os ídolos
(Atenágoras "Apelo pelos cristãos" XV-XVI; Teófilo "A
Autólico" II; Minucio Félix "Otávio" XXVII; Arnobio "Contra
os Gentios"; Tertuliano "Da Idolatria", I; Cipriano "De
idolorum vanitate"), no qual eles denunciam não apenas o culto, mas até mesmo a fabricação e posse de tais
imagens. Estes textos referem-se aos ídolos, isto é, imagens feitas para
serem adoradas, mas o cânon XXXVI do
Sínodo de Elvira é importante. Este foi um sínodo geral da Igreja da
Espanha realizado aparentemente por volta do ano 300 em uma cidade perto de
Granada (Hefele-Leclercq, "Hist. des Conc. ", I, 212-64). Ele criou muitas leis severas contra os
cristãos que recaíram na idolatria, heresia ou pecados contra o Sexto
Mandamento. O cânon diz: "É ordenado (Placuit) que as pinturas não estejam
nas igrejas, de modo que aquilo que é cultuado e adorado não seja pintado nas
paredes" (ibid., P. 240). O significado do cânon foi muito discutido. De
Rossi e Hefele pensaram que era apenas uma precaução contra possíveis
profanações de pagãos que pudessem entrar em uma igreja (ibid). Dorn Leclercq ("Manuel
d'archeologie", II, 140) e J. Turmel ("Rev. du clerge franc."
1906, XLV, 508) veem nele uma lei contra as imagens por princípio. Em qualquer caso, o cânon pode ter
produzido um efeito ligeiro mesmo na Espanha, onde havia imagens sagradas no
século IV, como em outros países. (Fonte)
O proeminente teólogo, historiador
e bispo católico ortodoxo Kallistos Ware escreveu:
Foi somente em passos lentos
que o uso de ícones se tornou estabelecido na Igreja. Reagindo contra o seu
ambiente pagão, os primeiros cristãos estavam ansiosos por enfatizar acima de
tudo o caráter exclusivamente espiritual do seu culto, e procuraram evitar
qualquer coisa que pudesse ter sabor de idolatria: "Deus é Espírito, e aqueles que O
adoram devem adorá-Lo em espírito e verdade" (João 4:24). A arte cristã
primitiva - como encontrada, por exemplo, nas catacumbas romanas - mostra uma certa relutância em retratar
Cristo diretamente, e Ele era na maioria das vezes representado de forma
simbólica, como o Bom Pastor, ou como Orfeu com a sua lira, ou afins. Com a
conversão de Constantino e o progressivo desaparecimento do paganismo, a Igreja
tornou-se menos hesitante no uso da arte, e
por volta do ano 400 dC tornou-se uma prática aceite representar nosso Senhor
não somente através de símbolos, mas diretamente. (Extraído
de “Christian Theology in the East,” in A History of Christian Doctrine,
editado por Hubert Cunliffe-Jones [Philadelphia: Fortress Press, 1980], pp.
191-92
O também proeminente erudito
patrístico católico ortodoxo John McGuckin escreveu:
O cristianismo, no período
primitivo, parece ter compartilhado uma aversão comum ao judaísmo de pintar
imagens em contextos religiosos
(apesar de não absoluta como é demonstrado pela altamente decorada sinagoga do
século II Dura Europos). O mundo helenístico era tão profundamente imerso na
arte como um meio religioso que tanto a
sinagoga como a igreja tornaram isto parte de sua apologia contra o falso
culto, e os pensadores cristãos defenderam que apenas a imitação intelectual,
espiritual e moral eram representações válidas de Deus na terra. Orígenes de
Alexandria no terceiro século permanece imensamente hostil a ideia de arte
figurativa, e escritores como Eusébio de Cesareia (ele mesmo um origenista)
ou Epifânio de Salamina no quarto século eram também explicitamente hostis a
ideia de arte retratando Cristo em qualquer maneira no culto da igreja. (Fonte)
O renomado estudioso ortodoxo
oriental - George Florovsky – identifica
Orígenes como inspirador do movimento iconoclasta (Fonte). O
renomado historiador protestante Philip Schaff afirma:
"A
igreja primitiva", diz até mesmo um moderno historiador católico romano:
"não tinha imagens, de Cristo, uma
vez que a maioria dos cristãos da época ainda aderia ao mandamento de Moisés
(Êxodo 4: 4). Tanto aos cristãos gentios quanto aos judeus proibia todo uso de imagens, para os quais a exibição e a veneração de
imagens seriam obviamente uma abominação e para os pagãos recém-convertidos
poderia ser uma tentação a recair na idolatria. Além disso, a igreja foi
obrigada para sua própria honra se abster de imagens, particularmente de
qualquer representação do Senhor, para que não fosse considerada pelos incrédulos
meramente como um novo tipo de paganismo e adoração de criaturas” (Hefele, 1. c. p. 254). As
primeiras representações de Cristo são de origem herética e pagã. A seita gnóstica dos carpocratianos
adorava imagens coroadas de Cristo, junto com imagens de Pitágoras, Platão,
Aristóteles e outros sábios e afirmava
que Pilatos havia feito um retrato de Cristo (Contra as Heresias 1:25:6).
No mesmo espírito de adoração de heróis panteístas o imperador Alexandre Severo
(222-235 AD) instalou em sua capela doméstica
para adoração as imagens de Abraão, Orfeu, Apolônio e Cristo. (Fonte)
Notem que Schaff
cita o historiador católico romano Helefe. O artigo católico a qual respondemos
citou Helefe como autoridade na questão da interpretação do cânon 36 de Elvira,
mas parece não seguir seus posicionamentos quanto ao consenso de que os
cristãos primitivos não cultuavam imagens. Larry Hurtado –
reconhecido erudito neotestamentário e especialista em cristianismo primitivo –
escreveu:
Os cristãos
primitivos herdaram da tradição judaica da época a proibição do culto às
imagens. Por esse motivo, entre outros, seu culto pareceu estranho a seus contemporâneos
do mundo romano (...) A mais antiga arte
cristã que chegou até nós data do terceiro século, ou talvez de fins do segundo
século, e traz representações de Jesus. Contudo, não parece que funcionasse
da mesma forma que as imagens cultuais dos deuses no contexto religioso geral.
Em outras palavras, as imagens cristãs
primitivas não parecem ter servido de objeto de culto. Essa ausência de
imagens cultuais no judaísmo e no cristianismo, bem como sua recusa em prestar
veneração às imagens de outros deuses, foi uma das principais razões pelas
quais seus adeptos foram acusados de “ateísmo”. O uso generalizado de imagens cultuais na religião da era romana fez
que judeus e cristãos, inclusive no templo de Jerusalém, se posicionassem, por
uma questão de consciência, contra essa característica tão relevante daquele
contexto religioso. (Fonte)
Enfim,
há um consenso patrístico e acadêmico quanto à prática da veneração de imagens
no período primitivo. Dessa forma, a alegação de que o ensino atual das igrejas
católicas romana e oriental é aquilo que a igreja cristã sempre praticou é
totalmente falsa.