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terça-feira, 28 de novembro de 2017

Transubstanciação, Aristóteles e a Biologia Moderna


Para explicar como a transubstanciação é possível tendo em vista que o pão continua com todas as propriedades do pão comum, os apologistas católicos costumam apelar às categorias “substancia” e “acidentes” de Aristóteles. Substância é aquilo que pertence a essência do ser, que o define. Acidente seria uma característica do ser que não o define, inclusive podendo ser encontrada em outros seres de uma substância diferente. Por exemplo, olhos azuis é uma característica que homens diferentes podem ter em comum, portanto é um acidente. O mesmo pode ser dito de tamanho, peso, cor e etc.

Os católicos afirmam que o mesmo ocorre com o pão. Os acidentes do pão (cheiro, textura, cor) continuam os mesmos, mas a substância do pão é convertida no corpo físico de Cristo. É de se notar que esta explicação deturpa o pensamento aristotélico. Seria inimaginável para o filósofo a ideia de que uma substância poderia ser convertida em outra sem a mudança de seus acidentes (aqui). Ademais, a explicação não faz sentido a luz da biologia e física modernas. 

A biologia moderna afirma que tudo é feito de uma mesma substância (átomos compostos por partículas subatômicas). O que vai diferenciar um ser de outro é a combinação dessa substância. Uma determinada combinação de átomos forma água, outra combinação forma o metal. Ao olhar em mais detalhe, água e metal são compostos por uma mesma substância fundamental (partículas subatômicas). Fazendo uma ponte entre as categorias aristotélicas e a biologia molecular, devemos considerar que o DNA por exemplo é substância e não acidente. É impossível que algo seja humano sem possuir DNA humano. Retomando o exemplo, algo não humano poderia ter olhos azuis, mas jamais poderia ter o DNA humano.

Dessa forma, se a substância do pão se converte no corpo humano de Cristo, segue-se que deveríamos encontrar DNA humano na Eucaristia. Afinal, os acidentes do corpo de Cristo não estão lá, mas a substância (que inclui o DNA) está. Obviamente não há DNA humano no pão eucarístico, o que refuta a ideia de que o corpo de Cristo está presente. Além disso, mudanças no DNA necessariamente resultariam em mudanças nos acidentes. Se o DNA de um homem for convertido no DNA de uma cobra, os acidentes (cor, forma, tamanho e etc) irão acompanhar essa conversão.

A transubstanciação não faz sentido por várias razões. Veja aqui outras razões e aqui uma lista de artigos sobre tema.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

O Batismo Infantil e os Pais da Igreja


Neste artigo vamos analisar o desenvolvimento histórico do batismo infantil. A pergunta chave a ser respondida se tal prática remonta ao tempo dos apóstolos. Os defensores do batismo de bebês costumam apelar à história da igreja. O artigo do site católico veritatis afirma (aqui): “Nos primeiros quatro séculos da era cristã, é completa a unanimidade a respeito (Tertuliano sendo praticamente a única exceção)” . Esse tipo de afirmação é comum em artigos católicos que visam demonstrar que as práticas do romanismo foram o consenso dos tempos antigos. Obviamente afirmações dessa natureza nunca vem acompanhadas de citações de historiadores ou eruditos patrísticos. Isso se dá porque a prática em questão passa longe de ter sido um consenso. O próprio artigo se contradiz pois afirma que foi uma “completa unanimidade”, mas logo depois cita a oposição de Tertuliano. As conclusões que trarei são referendadas pelas modernas pesquisas sobre o assunto. Por isso, farei amplo uso de citações de historiadores da Igreja. Para todos os que desejam se aprofundar no tema, recomendo a obra mais completa sobre o assunto: Baptism in the Early Church do Dr. Everett (aqui). São “apenas” 900 páginas. É uma obra magistral escrita por um dos maiores historiadores da Igreja de nosso tempo.

Didaque (Início do séc. II)

A Didaque é provavelmente o documento cristão mais antigo fora do Novo Testamento. É de interesse para o nosso estudo pois contém instruções específicas em relação ao batismo:

Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias. (cap. 7)

Não faria sentido exigir de um recém-nascido tal jejum. As instruções da Didaque se encaixam melhor com a tradição credobatista. Alguém pode argumentar que essa orientação tem em vista somente catecúmenos adultos sem descartar o batismo de crianças. É uma leitura possível, mas não é a mais provável. No cap. 7, há diversas orientações que tratam até mesmo da temperatura da água ou sobre o uso de água corrente, mas não há nenhuma orientação sobre o batismo de recém-nascidos. Uma vez que a Didaque foi concebida como um manual litúrgico a ser usado na igreja, essa ausência é relevante. Se a Igreja desse período batizasse recém-nascidos, seria esperado encontrar instruções específicas.

Aristides de Atenas (séc. II)

Aristides escreveu uma apologia em favor do cristianismo provavelmente dirigida ao imperador Adriano (117-138):

Mas quanto aos seus servos ou servas, ou seus filhos, se algum deles tem algum, eles [os cristãos] os persuadem para se tornarem cristãos pelo amor que têm para com eles; e quando eles se tornam cristãos, eles os chamam sem distinção de irmãos (...) (Apologia, cap. 15)

A versão traduzida dessa obra hospedada em sites católicos é mais curta e me parece ter usado o texto grego. Por isso, o trecho acima não é encontrado nelas. Eu traduzi da versão completa (a siríaca) que pode ser encontrada no site tertullian.org (referência em textos patrísticos). O trecho em questão é importante pois sugere que os filhos dos cristãos não eram automaticamente incluídos como membros da Igreja. Eles precisavam ser persuadidos e se tornarem cristãos, o que pressupõe uma decisão consciente.

Justino Mártir (100-165)

Em sua famosa I Apologia (150 d.C):

Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos em primeiro lugar para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração com que também nós fomos regenerados eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. (cap. 61)

Justino trata especificamente do batismo aqui. Aquele que iria se batizar deveria atender exigências que um recém-nascido jamais poderia. Observem como confissão e arrependimento eram pré-requisitos. Duas objeções podem ser levantadas: (1) o texto não exclui de forma explícita o batismo de recém-nascidos e (2) a igreja desse período era predominantemente missionária – a maioria dos cristãos seriam pessoas que se converteram na fase adulta, por isso, quando se fala de batismo, o foco sempre está sobre o batismo de adultos. Sobre a primeira objeção, a continuação da citação é relevante:

A explicação que aprendemos dos apóstolos sobre isso é a seguinte: Uma vez que não tivemos consciência de nosso primeiro nascimento, pois fomos gerados por necessidade de um germe úmido, através da união mútua de nossos pais, e nos criamos em costumes maus e em conduta perversa, agora, para que não continuemos sendo filhos da necessidade e da ignorância, mas da liberdade e do conhecimento e, ao mesmo tempo, alcancemos o perdão de nossos pecados anteriores, pronuncia-se na água, sobre aquele que decidiu regenerar-se e se arrepender de seus pecados, o nome de Deus, Pai e soberano do universo. Aquele que conduz ao banho pronuncia este único nome sobre aquele que vai ser lavado. (cap. 61)

Ele contrasta o primeiro nascimento (marcado pela nossa falta de conhecimento) com o segundo nascimento que requer conhecimento. Ele contrasta o fato de que não pudemos escolher em nosso primeiro nascimento, por isso o batismo foi instituído, pois agora é possível a escolha. É muito improvável que alguém que concebesse o batismo de bebês argumentasse dessa forma. Os bebês continuariam sendo ignorantes a respeito do primeiro e segundo nascimentos e também não podem exercer qualquer tipo de escolha. O batismo foi discutido por Justino em vários lugares de suas apologias e outras obras, sem qualquer menção ao batismo de infantes. O argumento de que a Igreja era formada por conversos também me parece não prosperar. No período em que Justino escreveu (150), já havia muitas famílias cristãs com filhos pequenos. A obra Diálogo com Trifão é relevante também. Nela, Justino discute com um judeu e diz bastante coisa sobre a circuncisão. Os pedobatistas afirmam que o batismo substituiu a circuncisão. Justino aplica a circuncisão aos cristãos de diversas formas, sem recorrer a qualquer analogia que implique no batismo de infantes:

Jesus Cristo circuncida todos os que desejarem - como foi declarado acima - com facas de pedra, para que eles sejam uma nação justa, um povo que mantem a fé, a verdade e a paz. (Diálogo com Trifo, 24)

Ainda que um homem seja um scitiano ou persa, se ele tiver o conhecimento de Deus e de Seu Cristo, e guardar os decretos justos e eternos, ele é circuncidado com a boa e proveitosa circuncisão. Ele é amigo de Deus e regozija-se com seus presentes e ofertas. (Diálogo com Trifo, 28)

Aqueles também da circuncisão que se aproximam dele, isto é, acreditando nele e buscando suas bênçãos, Ele tanto o receberá como o abençoará. (Diálogo com Trifo, 33)

A sua primeira circuncisão [de Trifo o judeu] foi e é realizada por instrumentos de ferro, pois você permanece com coração duro. Mas a nossa circuncisão, que é a segunda, tendo sido instituída após a sua, nos circuncidou da idolatria e de absolutamente toda espécie de perversidade pelas pedras afiadas, ou seja, pelas palavras pregadas pelos apóstolos. E nossos corações são assim circuncidados do mal, de modo que estamos felizes em morrer pelo nome da boa Rocha, que faz com que a água viva inunde os corações (...) (Diálogo com Trifo, 33)

Observem que, sempre que Justino aplica a circuncisão ao contexto cristão, ele se refere a pessoas que creram no evangelho e foram circuncidadas em seu coração. No último trecho, ele é explícito ao dizer que fomos circuncidados pelas palavras dos apóstolos, ou seja, pelo evangelho. Justino não é tão explícito quanto Tertuliano. Mas, quando alguém discute muito o batismo, a circuncisão e outras questões relacionadas, nunca mencionando o batismo infantil e associando repetidamente o batismo a conceitos que excluem bebês, por que devemos pensar que é provável que ele acreditasse no batismo infantil?

Irineu de Lyon (130-202)

Irineu é a testemunha mais antiga citada em favor do batismo infantil. Ainda que esse pai da igreja apoiasse a prática, há dois problemas: (1) os pedobatistas pressupõe que a posição de Irineu era adotada pela Igreja desde o princípio e (2) a posição de Irineu era generalizada. O problema é que (1) e (2) não podem ser sustentadas com base nos escritos de Irineu. Como abordado acima, documentos mais antigos sugerem que o credobatismo é a tradição mais antiga. E como veremos mais adiante, a Igreja antiga comportava opiniões diversas em relação ao batismo. No entanto, vejamos a citação:

Porque veio salvar a todos. E digo ‘todos’, isto é, àqueles tantos que por Ele renascem para Deus, sejam recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso, quis passar por todas as idades, para tornar-se recém-nascido com os recém-nascidos, a fim de santificar os recém-nascidos; criança com as crianças, a fim de santificar aos de sua idade, oferecendo-lhes exemplo de piedade e sendo para eles modelo de justiça e obediência. Fez-se jovem com os jovens, para dar exemplo aos jovens e santificá-los para o Senhor. (Contra as Heresias 2:22:4)

O argumento é que como Jesus regenerou os recém-nascidos, segue que eles também deveriam ser batizados. A premissa aqui é santificar/regenerar = batizar. A questão é se Irineu tratava as duas coisas como implicação uma da outra. Irineu respondia a afirmação de que o ministério de Jesus durou apenas um ano. Ele usou o argumento de que como Jesus veio para regenerar pessoas de todas as idades, ele deveria ter passado por todas as idades. Nesse mesmo livro, Irineu afirma que Jesus viveu mais de 40 anos. Obviamente, o bispo de Lyon estava errado. Em todo o caso, nem a citação nem o seu contexto imediato falam sobre batismo. Os pedobatistas complementam o argumento com uma citação de outra obra do bispo:

Nós somos limpos de nossas antigas transgressões por meio da água sagrada e da invocação do Senhor. Nós, portanto, somos regenerados espiritualmente como recém-nascidos, assim como o Senhor declarou: "Se alguém não nascer de novo pela água e pelo Espírito, ele não entrará no reino dos céus". (Fragmento 34)

O argumento então é que Irineu defendia a regeneração batismal, logo, se os recém-nascidos foram regenerados, eles eram batizados. Primeiro, essa combinação de citações diferentes em contextos diferentes é problemática. Hendrick Stander e Johannes Louw explicam:

É bastante pretensioso insistir em substituir a noção de batismo cada vez que um escritor usa o termo "regeneração", a menos que o contexto se relacione claramente com o batismo (...) [esta passagem em Irineu] apenas nos diz que a obra redentora de Cristo se estende a qualquer pessoa (...) A passagem não fala sobre a idade em que as pessoas eram batizadas. (Baptism In The Early Church [Webster, Nova Iorque: Carey Publications, 2004], pp. 53, 55)

Além disso, mesmo supondo que Irineu sustentasse a regeneração batismal, não segue que todo o indivíduo regenerado foi necessariamente batizado. Mesmo os defensores dessa doutrina admitem exceções à regra (ex. o ladro da cruz). Além do mais, Irineu está entre os defensores da salvação infantil – mesmo crianças não batizadas seriam salvas (uma crença popular no séc. II):

E, novamente, quem são os que foram salvos e receberam a herança? São os que sem dúvida acreditam em Deus e continuaram em seu amor, assim como Caleb, filho de Jefoné e Josué o filho de Nun, e os filhos inocentes que não tiveram consciência do mal. (Contra Heresias, 4:28:3)

E também sobra a matança dos recém-nascidos de Belém:

Por essa causa também, ele removeu de repente aqueles filhos pertencentes à casa de Davi, cujo destino feliz era ter nascido naquele tempo, para que Ele pudesse enviá-los antes para o seu reino. Desde que ele mesmo era uma criança, planejou que os bebês humanos fossem mártires assassinados de acordo com as Escrituras, por causa de Cristo, que nasceu em Belém de Judá, na cidade de Davi. (Contra Heresias, 3:16:4)

Nestas passagens, Irineu sugere que as crianças foram salvas apenas por serem inocentes. Dessa forma, como na teologia de Irineu a regeneração é condição necessária para a salvação, segue que regenerado não necessariamente implica em ser batizado. O trecho do fragmento 34 “somos regenerados espiritualmente como recém-nascidos” também não sugere o batismo de infantes. A analogia é que quando nascemos de novo espiritualmente na regeneração, tornamo-nos como bebês em sentido espiritual. Assim, podemos concluir que Irineu não pode ser contado como uma testemunha provável a favor do pedobatismo. Encerramos o segundo século com nenhum pai da Igreja ensinando explicitamente o batismo de recém-nascidos. Isso é problemático para a afirmação de que esta é a prática da igreja desde o princípio.

Tertuliano de Cartago (160-220)

Tertuliano foi a primeira testemunha a tratar de forma explícita sobre o batismo infantil. Em seu tratado sobre o batismo, ele escreveu:

E assim, de acordo com as circunstâncias e o caráter, e até mesmo a idade de cada indivíduo, o atraso do batismo é preferível; especialmente no caso de crianças pequenas (...) O Senhor realmente diz: Não os proibais de virem até mim. Deixe-os vir, então, enquanto estão crescendo. Deixe-os vir enquanto estão aprendendo, enquanto estão aprendendo para onde vir; que se tornem cristãos quando conseguirem conhecer Cristo. Por que o período de vida inocente se apressa para a remissão de pecados? (...) Deixe-os saber como pedir a salvação, que você possa ao menos fazer-lhes essas perguntas (...) Se alguém entender a importância de peso do batismo, temerá a sua recepção mais do que a sua demora: a fé sólida é segura da salvação. (Tratado sobre o Batismo, cap. 18)

O argumento de Tertuliano é claro no sentido de que o batismo é um passo de grande importância. Portanto, deve ser uma decisão consciente e convicta. Agostinho iria desprezar a posição de Tertuliano por entender que ele estava negando a existência do pecado original. Acredito que esse não foi o caso. Ao que parece, como outros pais da Igreja do séc. II, Tertuliano cria na salvação universal das crianças inocentes. Como ele não via risco na salvação de crianças não batizadas, não havia razão para adiantar algo que seria mais adequadamente administrado em idade mais tardia. Os pedobatistas costumam argumentar que Tertuliano pressupõe que a prática do batismo infantil já existia em seu tempo, por isso ele a critica.

No entanto, não está explícito que ele responde alguém em específico. Não há menção a qualquer grupo de dentro da Igreja. Tertuliano poderia muito bem tratar de uma mera possibilidade. É possível que o batismo infantil já fosse praticado? Sim, mas não é o mais provável. De qualquer forma, o mesmo argumento pode ser feito em sentido contrário. Ao condenar o batismo infantil, Tertuliano não parece ter consciência de estar indo contra a uma doutrina da Igreja. Além disso, o tratado sobre o batismo é da fase pré-montanista de Tertuliano, o que invalida a objeção que apologistas católicos constumam levantar contra ele (apenas quando Tertuliano contradiz o romanismo obviamente).

Supondo que o batismo já fosse praticado. É necessário pontuar que a simples existência da prática não a tornaria normativa. Ademais, não sabemos quão generalizada tal prática seria, pois poderia ser característico de um grupo minoritário ou de uma região geográfica específica. Não sabemos se os que a adotavam representavam a ala ortodoxa da Igreja. Toda a evidência anterior a Tertuliano sugere que o pedobatismo seria uma inovação. O fato é que o primeiro pai da Igreja a oferecer uma declaração explícita sobre o pedobatismo está negando-o.

Hipólito de Roma (170-235)

Hipólito, escrevendo no início do séc. III, afirmou:

Os batizandos se despirão e serão batizadas, primeiro, as crianças. Todos os que puderem falar por si próprios, falem; contudo, os pais ou alguém da família falem por aqueles que não puderem falar por si mesmos. Depois batizem-se os homens e, por último, as mulheres. (Tradição Apostólica 3:5)

Há alguns problemas no uso dessa citação em favor do batismo infantil:

1 – Há sérias dúvidas quanto a autenticidade desse trecho. O erudito patrístico David Wright afirmou:

Quase tudo concernente a esse texto continua sendo objeto de vigorosas discussões acadêmicas. (What Has Infant Baptism Done To Baptism? [England: Paternoster Press, 2005], p. 38)

Hendrick Stander and Johannes Louw também afirmam:

Esta citação da Tradição Apostólica é encontrada em uma tradução latina que data do século IV. Alguns estudiosos sugeriram até mesmo que não é improvável que este verso tenha sido inserido na tradução latina, pois foi no século IV que o batismo infantil se tornou popular (...) deve-se lembrar que os antigos tradutores não tinham objeções em inserir e omitir frases no texto a qual eles traduziam. Eles geralmente adaptavam os textos para sua situação atual. Isso pode ser claramente visto quando se compara, por exemplo, as seções existentes das traduções grega, saídica, árabe, etíope e boharica da tradição apostólica (...) O argumento mais importante, no entanto, para a adição posterior desta frase é que não se encaixa bem com o restante da obra. Como Aland (1963:43) apontou, as seções que precedem esta regulação batismal lidam exclusivamente com os catecúmenos adultos(...) Ele também se refere à tradução copta que contém uma declaração de que três anos de instrução na fé cristã são necessários para que uma pessoa receba o batismo. (Baptism In The Early Church [Webster, New York: Carey Publications, 2004], pp. 77-78)

2 – O texto não necessariamente implica em batismo de recém-nascidos. Stander e Louw explicam:

Aqueles que não podiam falar por si mesmos podiam ser crianças muito novas que precisavam de assistência para responder ao pronunciar as fórmulas necessárias. Elas não estavam isentas das preliminares de ensino e jejum etc. (Baptism In The Early Church [Webster, New York: Carey Publications, 2004], p. 77)

A obra em questão comina que os batizandos deveriam passar por um longo processo de instrução catequética e deveriam jejuar antes do batismo. Tais requisitos não poderiam ser atendidos por recém-nascidos, mas poderiam ser cumpridos por crianças pequenas. Dessa forma, a luz do contexto, parece improvável que Hipólito se referisse a recém-nascidos. Um destaque é importante aqui – os credobatistas não afirmam taxativamente que crianças não podem ser batizadas. Uma criança de 6, 7 anos pode estar em condições de entender e responder positivamente ao evangelho. David Wright assevera que a ideia de que um adulto falasse por uma criança, ainda que esta tivesse capacidade de falar não eram sem precedentes:

O que está em vista é a capacidade física e mental da criança ou a habilidade jurídica, implicando o reconhecimento romano de que com a idade de sete anos as crianças adquiriam certos direitos para falar por si mesmas? Agostinho e Jerônimo mais tarde considerariam sete como a nova idade de responsabilidade cristã. Agostinho [afirmou a idade de sete], em relação ao batismo de um menino falando por si mesmo. Em que termos um pai ou outro parente respondia por uma criança, ainda não sabemos e nenhuma fonte nos diz até cerca de 400. (What Has Infant Baptism Done To Baptism? [England: Paternoster Press, 2005], p. 40)

Ou seja, nos tempos de Agostinho, uma criança de 7 anos já poderia responder por si mesma. Isso implica que uma criança de 5, 6 anos não poderia. Todavia, crianças com tais idades não eram incapazes de falar. Elas apenas não tinham o direito jurídico de falar por si mesmas. Obviamente, Agostinho não pertence ao mesmo contexto que Hipólito. Mas isso no mínimo nos leva a concluir que a interpretação pedobatista da citação não é definitiva e necessitaria de mais dados para ser sustentada. Além disso, um concílio em Cartago permitia que alguém falasse pelas pessoas doentes nas cerimônias de batismo (veja o cânon 45 aqui). Isto vem a reforçar que o simples falar por alguém não implica que o catecúmeno fosse totalmente incapaz de se expressar.

Orígenes de Alexandria (185-254)

Orígenes foi o primeiro pai da Igreja a defender claramente o batismo infantil:

Um recém-nascido era capaz de pecar? Ainda assim ele tem um pecado pelo qual é ordenado que sacrifícios sejam oferecidos, e a partir do qual é negado que alguém seja puro, mesmo que sua vida dure apenas um dia (...) É também por isso que a Igreja recebeu dos apóstolos a prática de dar o batismo até aos filhos pequenos. (Comentário sobre Romanos, Livro 5, cap. 9)

A afirmação de Orígenes obviamente não tem raízes históricas confiáveis. Vimos que pele menos um pai da igreja anterior a ele ensinou explicitamente o contrário. Tertuliano não se oporia ao batismo infantil se o considerasse uma prática herdada dos apóstolos. O apoio de Orígenes ao pedobatismo se baseia na pecaminosidade dos bebês. Ele derivou este ensino da pré-existência das almas. Segundo o alexandrino, as almas foram criadas e teriam pecado antes da criação do mundo. Todas essas almas (exceto de Jesus) foram exiladas em corpos humanos. Obviamente, essa visão de queda e redenção não é apostólica. Por isso rejeitamos a doutrina de Orígenes, pois se baseia numa doutrina contrária ao que os apóstolos ensinaram.

Cipriano de Cartago (200-258)

Enquanto Orígenes foi o primeiro a defender o batismo de infantes na igreja oriental, Cipriano foi o primeiro na igreja ocidental.

“É no batismo que nós (...) recebemos a remissão dos pecados" (Carta 58 a Fido). Em resposta ao bispo Fido, que sugeriu que o batismo deveria ser no oitavo dia, Cipriano e o Sínodo de Cartago (cerca de 252) disseram que o 2º ou 3º dia eram melhores e que a espera "negaria a misericórdia e a graça de Deus" e "devemos fazer tudo o que possamos para evitar a destruição de qualquer alma".

É inegável que Cipriano ensinou o pedobatismo e que se tratava de uma prática já estabelecida na igreja norte africana em meados do séc. III. Cipriano cria na indispensabilidade do batismo para a salvação. Dessa forma, crianças não batizadas estaria correndo risco de irem para o inferno. Esta é uma visão contrária ao que os pais do segundo século ensinaram, nos quais a salvação infantil independente do batismo foi a visão majoritária.

Basílio Magno (330-379)

Sites católicos como o já mencionado Veritatis trazem uma citação de Basílio acerca da necessidade do batismo. Todavia, nada é falado sobre o batismo de crianças. De fato, nem poderia, pois Basílio via a fé como condição necessária:

A fé e o batismo são dois modos de salvação iguais e inseparáveis: a fé é aperfeiçoada através do batismo, o batismo é estabelecido através da fé, e ambos são completados pelos mesmos nomes. Pois, como acreditamos no Pai, no Filho e no Espírito Santo, também somos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; primeiro vem a confissão, apresentando-nos a salvação, e o batismo segue, estabelecendo o selo sobre o nosso consentimento. (O Espírito Santo, Cap. 12:28)

Na mesma obra, ele continua a ensinar a fé que precede o batismo:

Como, então, conseguimos a descida para o inferno? Ao imitar, através do batismo, o enterro de Cristo. Pois os corpos dos batizados estão, por assim dizer, enterrados na água. O batismo simboliza expulsar as obras da carne. (O Espírito Santo, Cap. 15:35)

No que diz respeito ao batismo (...) é impossível que alguém seja imerso três vezes, sem emergir três vezes. (O Espírito Santo, Cap. 15:35)

São descrições incompatíveis com o batismo de infantes.

Gregório Nazianzeno (329-389)

Gregório expressa uma opinião peculiar. É possível dizer que ele ficou no meio termo entre o credo e pedobatismo:

Tudo isto é dito para aqueles que pedem o batismo por si mesmos; mas o que podemos dizer das crianças, ainda de pouca idade, que são incapazes de perceber o perigo em que se encontram e a graça do sacramento? Certamente, no caso de perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que deixá-las morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados a dizer o mesmo acerca da prática da circuncisão, que era realizada no oitavo dia prefigurando o batismo, também realizada nos meninos desprovidos de razão. Da mesma forma, realizava-se a unção dos umbrais da porta que, embora se tratasse de coisas inanimadas, protegia os primogênitos. E quanto às demais crianças? Eis aqui a minha opinião: esperai que alcancem a idade de três anos, de modo que sejam capazes de compreender e expressar superficialmente os mistérios; apesar da imperfeição da sua inteligência, recebem o sinal, e o seu corpo e a sua alma se encontram santificados pelo grande sacramento da iniciação. Elas renderão conta dos seus atos no momento preciso em que, com plena posse da razão, chegarem ao pleno conhecimento do Mistério, já que não serão responsáveis das faltas que, pela ignorância da idade, tiverem cometido. Ademais, de todos os modos, lhes resulta vantajoso possuir a muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem sobre nós e ultrapassam as nossas forças (…) Porém, alguém dirá: ‘Cristo, que é Deus, se fez batizar aos trinta anos e tu nos empurras desde logo o batismo’. Afirmar assim a sua divindade é o que responde a essa objeção. Ele – a própria pureza – não precisava de purificação, mas se fez purificar por vós, assim como por vós se fez carne, uma vez que Deus não tem corpo. Além disso, Ele não corria nenhum perigo por retardar o seu batismo, pois podia livremente regular o seu sofrimento assim como regulou o seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria pequeno o perigo no caso de deixardes este mundo sem terdes recebido, no vosso nascimento, nada além que uma vida perecível, sem estardes revestidos da incorruptibilidade. (Sermão 40,26-27)

Gregório expressa a liberdade existente ainda no séc. IV sobre o batismo de crianças. Se a criança corria risco de morte, deveria ser batizada. Em caso contrário, dever-se-ia esperar até os três anos. Mas porque essa idade? Ele acreditava que nessa idade já seria possível expressar de forma superficial o consentimento ao evangelho. Percebam como a regra era que a criança deveria expressar algum consentimento, ainda que com razão imperfeita. Trata-se de uma posição incompatível com o pedobatismo, mas não necessariamente incompatível com o credobatismo. A maioria dos credobatistas discordaria de Gregório quando a idade do batizando, mas concordaria com o requisito do consentimento. Além disso, o bispo cristão atesta que em seus dias havia indivíduos provavelmente cristãos contrários ao batismo de infantes. Estes argumentavam que Cristo foi batizado apenas aos 30 anos, portanto, não faria sentido batizar crianças. Gregório rebate tal argumento. De todo modo, seu testemunho é importante para atestar a liberdade que havia a respeito dessa questão. Se a Igreja desde cedo creu que a prática era apostólica e obrigatória, a existência de opiniões como a de Gregório é inexplicável. Everett Ferguson escreve:

Gregório claramente não rejeita, mas incentiva o batismo de bebes. No entanto, não o reconhece como a prática regular, como também conhece questionamentos a respeito - fatores que não estimulam a ideia de que era uma prática rotineira de longa data. (Baptism in the Early Church, Grand Rapids, 2009, p. 595)

Pais da Igreja que nasceram em famílias cristãs

A evidência de que havia ampla liberdade sobre o batismo de crianças está no fato de que boa parte dos pais da igreja do séc. IV, que nasceram em famílias cristãs, somente foram batizados na idade adulta. S. L Greenslade escreveu:

Ambrósio nasceu no ano de 339 (...) era filho de cristãos e foi criado como cristão, mas, à maneira de seu tempo, teve seu batismo adiado. (Early Latin Theology, S. L. Greenslade, The Westminster Press, Louisville, 1956, p. 175)

O historiador Stefan Rebenich escreveu:

Jerônimo nasceu em 347 (...) [perto] da Dalmácia (...) Os pais de Jerônimo eram cristãos, que cuidaram para que ele tivesse sido como bebê "alimentado com o leite católico". Ele não foi batizado quando era criança (...) mas como jovem (...) Naquele tempo, o batismo foi adiado até a maturidade (...) Os amigos de Agostinho e Jerônimo, Rufino e Heliodoro, são casos paralelos. (Jerome, Stefan Rebenich, Routledge, London 2002, p. 2)
O erudito patrístico J. N. D. Kelly escreveu sobre João Crisóstomo:

Sua família (...) era cristã (...) Apesar disso, ele não foi batizado na infância. Seguindo a prática amplamente aceita naqueles dias (...) foi apenas como um jovem aproximando-se dos vinte que ele se ofereceu para o batismo. (Golden Mouth: The Story of John Chrysostom, Ascetic, Preacher, Bishop, J.N.D.Kelly, Cornell University Press, 1995, p. 5)

Agostinho também testemunha que ele próprio não foi batizado quando criança:

Eu pergunto-lhe, meu Deus, pois, se é sua vontade, eu desejo saber - para que propósito meu batizado foi adiado neste momento? Foi para o meu bem que as rédeas que me privaram do pecado fossem diminuídas? Ou não é verdadeiro que elas estavam relaxadas? (Confessions. Trans. R.S. Pine-Coffin. London: Penguin Books, 1961. Book 1.11, p. 31-32)

Na infância, Agostinho foi acometido por uma doença. Sua mãe Mônica – uma cristã piedosa – considerou a possibilidade de batizá-lo uma vez que o filho corria risco de vida. O bispo de Hipona foi curado e. como era o costume de seus dias, teve seu batismo adiado para a idade adulta. Todos esses exemplos demonstram que adiar o batismo não apenas era aceitável, como foi a posição padrão. Esse é um dado problemático para aqueles que defendem o batismo infantil como uma prática apostólica. O fato de tantos pais cristãos piedosos adiarem o batismo de seus filhos até a idade adulta demonstra que a igreja não havia dogmatizado sobre o tema. Comparemos com o que diz o catecismo:

A Igreja e os pais negariam a uma criança a graça inestimável de se tornar filho de Deus se não conferissem a ele o batismo pouco depois do nascimento (...) Mais urgente é o apelo da Igreja para não impedir que as crianças pequenas venham a Cristo através do presente do santo batismo (...) Com respeito a crianças que morreram sem o batismo, a liturgia da Igreja nos convida a confiar na piedade de Deus e a rezar pela salvação. (Catecismo da Igreja Católica, 1250, 1261, 1283)

Percebam que a prática do batismo infantil não é uma opção, mas uma obrigação dos pais. Negar o batismo às crianças poria em risco a salvação. Isso contrasta com a liberdade que houve na igreja antiga. O ponto de inflexão da história foi Agostinho. Apesar de ele mesmo não ter sido batizado na infância, tornou-se o voraz defensor dessa prática. Foi ele quem ofereceu a justificativa teológica para dogmatização do batismo infantil. Ele viu no pedobatismo um poderoso argumento em sua controvérsia contra os pelagianos. Para o bispo de Hipona, negar o batismo equivalia a negar o pecado original. 

O que a erudição moderna diz a respeito das raízes históricas do batismo infantil?

A erudição moderna realiza a opinião de que o batismo não foi uma prática dos apóstolos. Esta opinião tem sido seguida por muitos teólogos pedobatistas. O batismo de infantes teria sua origem nos filhos de cristãos que corriam risco de vida.  O estudioso luterano pedobatista H.A.W. Meyer diz:

O batismo dos filhos dos cristãos, do qual nenhum vestígio é encontrado no N.T, não deve ser considerado uma ordenança apostólica, pois, de fato, encontrou longa e precoce resistência; mas é uma instituição da igreja, que surgiu gradualmente nos tempos pós-apostólicos em conexão ao desenvolvimento da vida eclesiástica e do ensino doutrinário. Certamente não foi observado antes de Tertuliano, e por ele ainda foi decididamente combatido. Embora defendido por Cipriano, só se tornou uma prática generaliza após o tempo de Agostinho (...). (Commentary on Acts [16:15], New York: Funk & Wagnalls, 1883, p. 312)

O erudito patrístico pedobatista David Wright é um exemplo dessa tendência da erudição moderna:

Nós rastreamos, em grande parte nesta palestra, atendendo aos textos do desenvolvimento batismal ocidental, uma mudança verdadeiramente maciça na história da igreja de Cristo. De uma instituição que recrutava por resposta intencional ao evangelho pelo imperativo do discipulado e batismo, tornou-se uma sociedade inscrita desde o nascimento. Foi indiscutivelmente uma das maiores mudanças na história do cristianismo. Ela levou, como vimos, à formação da cristandade, compreendendo um império cristão, nações ou povos cristãos. O cristianismo tornou-se uma questão de hereditariedade e não de decisão. As famosas palavras de Tertuliano "feunt, non nascuntur, Christiani" - "pessoas são feitas, não nascidas cristãs", foram viradas de cabeça para baixo. (What Has Infant Baptism Done To Baptism? (England: Paternoster Press, 2005), p. 74)

Wright ainda diz sobre os credos ecumênicos:

O único credo ecumênico a mencionar o batismo é o niceno (nenhum menciona a eucaristia) na frase "um batismo para a remissão dos pecados". Tenho argumentado em outro lugar que isso não pode ter compreendido originalmente bebês, porque nos círculos em que este credo surgiu, para ser aprovado no Concílio de Constantinopla em 381 (se aceitarmos o testemunho dos Padres no Concílio de Calcedônia setenta anos depois, como a maioria dos eruditos faz), acreditava-se que os recém-nascidos não tinham pecados. (Ibid., p. 93)

E continua:

Peter Leithart afirmou recentemente que "a igreja foi salva da teologia e prática batista por Agostinho de Hipona". Se “batista” aqui implique a rejeição ao batismo infantil, essa afirmação corajosa é um exagero, mas dentro de limites perdoáveis (...) Para Leithart "o fato notável sobre o batismo na igreja primitiva é que o batismo infantil se tornou (...) a prática dominante da Igreja". Esta não é a maneira como a história geralmente é contada! Na verdade, é bastante enganador ver a era dos pais simplesmente como uma era de batismo infantil. Na verdade, dentre os indivíduos mais conhecidos daqueles séculos que eram cristãos e foram batizados em datas conhecidas, a grande maioria foi batizada pela profissão de fé (...) Como Leithart resume de forma útil: "as primeiras liturgias batismais (...) foram construídas sobre pressupostos batistas, mesmo quando as crianças era incluídas" (...) Leithart não consegue tirar a conclusão óbvia dessa evidência - o batismo infantil nunca pode ter sido a norma neste período inicial (...) O prazo do reinado do batismo de bebês se prolonga desde o início do período medieval, a partir do século VI, isto é, depois de Agostinho de Hipona, que morreu em 430. Foi ele quem forneceu a teologia que levou o batismo infantil a se tornar uma prática geral pela primeira vez na história da igreja. (Ibid., pp. 4-6, 8, n. 7 na p. 8, 12, 17)

O estudioso Anthony Lane expressa uma opinião peculiar:

A situação nos primeiros séculos foi de que as duas formas de batismo existiram lado a lado, tanto por causa do grande afluxo de conversos quanto porque de modo algum todos os cristãos trouxeram seus bebês ao batismo. A "dupla prática" de permitir aos cristãos a escolha de que os seus filhos fossem batizados ou não, e, em caso afirmativo, em que idade, pode parecer hoje confuso e sem princípio. O fato claro é que tal variedade de prática existiu no terceiro e quarto séculos e ninguém criou nenhum princípio opositor contra ela. Na verdade, pode-se argumentar com este fato que é muito provável que tal aceitação de variedades remonta aos tempos apostólicos. (Ibid., p. 7-8)

Everett Ferguson – autor do estudo mais detalhado sobre o tema – escreve:

Há concordância geral de que não há evidências firmes para o batismo infantil antes da última parte do segundo século (...) A explicação mais plausível para a origem do batismo infantil é encontrada no batismo de emergência de crianças doentes que se esperava que morressem em breve, de modo a garantir a entrada no reino dos céus. (Baptism in the Early Church, Grand Rapids, 2009, p. 856)

A respeito do período em que o batismo infantil se tornou dominante:

[Batismo infantil] foi geralmente aceito, mas questionamentos continuaram a ser levantados sobre a sua propriedade no século V. Tornou-se a prática habitual nos séculos V e VI. (p. 857)

Mesmo os eruditos pedobatistas tendem a afirmar que o batismo infantil não é uma prática que remonta aos apóstolos. Nós situamos a primeira evidência patrística favorável em meados do séc. III (Orígenes e Cipriano) e argumentamos contra aqueles que citam Irineu como a primeira evidência. Em todo o caso, o consenso sugere que o batismo infantil começou a ser praticado em virtude de crianças no leito de morte. Até o séc. V, não havia qualquer posição dogmática a respeito. Por isso, era usual que mesmo os filhos de pais cristãos tivessem o batismo adiado. Os defensores do batismo infantil costumam apontar para a história como o argumento decisivo em favor de sua posição. No entanto, concluímos que a história oferece mais problemas do que apoio a posição pedobatista.

domingo, 5 de novembro de 2017

Respostas a Argumentos Contra a Sola Scriptura



Em virtude dos 500 anos da Reforma, a internet foi tomada por protestantes comemorando essa importante data e católicos romanos lamentando a “rebelião” de Lutero. Além disso, observei que seguidores do Olavo de Carvalho estão cada vez mais engajados no debate contra protestantes. Por isso, vou responder algumas objeções levantadas especialmente por membros do “Terça Livre” contra a Sola Scriptura. O motivo pelo qual o faço não é bem a qualidade do argumento (parece-me que teologia não é bem o forte do Olavo e seus seguidores), mas porque não lembro de tê-los respondido nesse blog.

1 – No período apostólico havia Escritura (Antigo Testamento), Magistério (os apóstolos) e Tradição (mensagem dos apóstolos), logo a Sola Scriptura deve ser rejeitada

O problema óbvio desse argumento é que no período apostólico a revelação pública e vinculante de Deus ainda não havia cessado. Como agentes da revelação, eles não estavam condicionados apenas ao que estava escrito. Tanto a pregação escrita como a oral eram igualmente infalíveis e vinculantes. Esse era um período de transição em que a Escritura estava sendo produzida, logo se a revelação ainda não havia sido escriturada, o princípio não era aplicável em sua totalidade.

Católicos e protestantes concordam que a revelação publicou cessou com os apóstolos. O princípio reformado não era aplicável em sua totalidade aqueles que tiveram acesso ao ensino oral dos apóstolos, mas às gerações posteriores para as quais o ensino oral não estava mais disponível. Qual a fonte infalível de ensino apostólico que as gerações posteriores poderiam acessar? Somente as Escrituras. Uma vez que a Escritura contém o registro inspirado da pregação apostólica, é infalível. Já a tradição não pode ser uma fonte infalível de ensino. Suponha que a testemunha A ouviu um apóstolo pregar e repassou para a testemunha B que repassou para a C..... Todo o processo é falível. A testemunha A não era um autor inspirado, logo poderia ter interpretado errado ou sido traído por sua memória. Na II carta aos Coríntios, Paulo afirma que a igreja de Corinto não havia entendido algumas questões de sua primeira carta. O mesmo poderia ocorrer àqueles que receberam sua pregação oral. Em suma, o primeiro registro da pregação oral é falível, o primeiro registro da pregação escrita (os autógrafos) era infalível. Isso por si só coloca a Escritura numa posição de superioridade diante da tradição. Por isso, rendemos à Escritura a posição de autoridade suprema, pois é o registro inspirado da revelação divina. Nenhuma outra fonte atende a esse critério.

Outro erro do argumento católico é apelar ao magistério apostólico para invalidar a Sola Scriptura. Pelo contrário, justamente por ser fruto da atividade apostólica, a Escritura desfruta do ápice da autoridade. O magistério dos apóstolos é único. Inácio de Antioquia e Clemente de Roma corretamente conceberam que eles não tinham a mesma autoridade dos apóstolos. Eles exerciam função magisterial em suas igrejas, mas diferente dos apóstolos, seu ensino era falível e sujeito à correção. O argumento analisado utiliza um período em que havia um magistério infalível (os apóstolos) e aplica às gerações posteriores em que tal magistério não estava mais disponível.

Dessa forma, o que temos hoje? Temos o magistério falível da Igreja de Cristo que precisa ser submetido ao crivo da Escritura, a tradição (o ensino histórico da Igreja Cristã) que também está sujeita ao erro e correção e a Escritura (o único registro infalível da pregação dos apóstolos). Assim, a Sola Scritpura é plenamente aplicável. Lembrem-se que eu disse que o princípio não era totalmente aplicável ao período apostólico. Isso porque se tratava de um período em que a revelação pública ainda não cessara. No entanto, alguns aspectos do princípio eram aplicáveis mesmo nesse período. O Antigo Testamento era considerado a palavra inspirada de Deus e a pregação apostólica não poderia contradizer a revelação já escriturada. Não por acaso os bereanos foram elogiados por submeterem a pregação apostólica ao crivo das Escrituras.

Para o bem do debate, concedi que pudesse haver uma tradição oral com doutrinas extra bíblicas. Mas, a julgar pela evidência histórica, isso não aconteceu. Os pais da Igreja defenderam vorazmente a suficiência material das Escrituras. Não foi até meados do séc. XIV que a teoria das duas fontes (Escritura e Tradição como fontes independentes de revelação) ganhou força na Igreja. Além do argumento da inspiração, muitos outros poderiam ser feitos em favor da superioridade da Escritura sobre a tradição oral. Poder-se-ia argumentar em favor da maior confiabilidade da tradição escrita. A própria Escritura pressupõe a maior confiabilidade do registro escrito (Isaias 30:8)

Eu gostaria de ir além e argumentar que na verdade o período em que a revelação estava sendo produzida demonstra a inveracidade da regra de fé romana. Os apologistas católicos afirmam que a existência de um magistério infalível pós-apostólico não é apenas útil, mas uma necessidade. É o famoso “se não existisse, teríamos que inventá-lo”. Mas isso incorre nos seguintes problemas:

(1) Jesus responsabilizou os judeus (em especial os fariseus) por seguirem e interpretarem corretamente a Escritura. Como isso poderia ser demandado se os judeus não tinham qualquer intérprete infalível a disposição? Como um judeu que viveu 50 anos antes de Cristo poderia saber quais livros pertenciam a Escritura? Se na antiga aliança, Deus cumpriu seus propósitos sem um magistério oficial infalível, porque o mesmo não poderia acontecer na nova aliança?

(2) Se o magistério é necessário porque a Escritura não é formalmente suficiente ou perspicaz, como os apóstolos poderiam elogiar os bereanos por julgarem a pregação pelo crivo das Escrituras? Porque o mesmo não seria aplicável ao magistério da igreja romana?

(3) O magistério da Igreja romana seria a continuação do magistério apostólico. E a função do magistério é produzir declarações doutrinais claras de modo a prevenir a igreja do erro. Se o Novo Testamento nada mais é do que o ensino apostólico escriturado, como então ele não seria claro o suficiente? Ao afirmarem que a Escritura é insuficiente, os católicos estão implicando que o magistério apostólico não era suficiente e que Deus não fez um bom trabalho ao inspirar livros para guiar o seu povo.

(4) Jesus deu o exemplo ao julgar as tradições dos fariseus pelo crivo da Escritura. Alguém pode dizer que os judeus tinham a tradição errada, mas como poderíamos diferenciar tradições certas das erradas se a elevarmos ao mesmo patamar da Escritura inspirada?

(5) A igreja historicamente viu o magistério apostólico como único. Os pais da Igreja compreendiam que nenhum bispo (incluindo o de Roma) poderia ensinar infalivelmente como um apóstolo. Agostinho escreveu
:
Em tais termos, poderíamos nos divertir sem medo de ofender um ao outro no campo da Escritura, mas eu poderia muito bem perguntar se a diversão não foi à minha custa. Eu confesso a sua bondade de que eu aprendi a render este respeito e honra apenas aos livros canônicos da Escritura: Desses somente eu mais firmemente tenho acreditado que os autores foram completamente livre de erro. E se nesses escritos eu esteja confuso por qualquer coisa que me parece oposta à verdade, não hesitaria em supor que o manuscrito seja defeituoso, ou o tradutor não pegou o significado do que foi dito, ou eu mesmo tenho falhado em entender isso. (Carta 82 a Jerônimo)

O proeminente teólogo Tomás de Aquino afirmou que os autores canônicos poderiam produzir argumentos certos, enquanto os demais doutores da igreja apenas argumentos prováveis (aqui). Além disso, a promessa de Cristo de guiar em toda a verdade foi feita somente aos apóstolos e não a supostos sucessores (Jo 16:12-13). Na verdade, o apóstolo Paulo adverte que dentre os homens que ele próprio escolheu surgiriam falsos mestres (Atos 20:29).

(6) Os católicos costumam resolver o problema da falibilidade das fontes da tradição apelando a infalibilidade de sua própria igreja. O magistério infalível seria responsável por peneirar nos pais da igreja o que seria tradição apostólica autêntica. Ocorre que a infalibilidade da igreja romana depende em última instância da infalibilidade do bispo de Roma. O problema é que a infalibilidade papal é uma doutrina estranha a Escritura e história da Igreja. O proeminente medievalista católico Brian Tierney escreveu:

Não há evidência convincente de que a infalibilidade papal tenha constituído qualquer parte da tradição teológica ou canônica da Igreja antes do século XIII; a doutrina foi criada em primeiro lugar por uns poucos dissidentes franciscanos porque lhes era adequado e conveniente inventá-la; eventualmente, mas não somente após muita relutância, foi aceita pelo papado porque ela se adequava a conveniência dos papas em aceitá-la. (Brian Tierney, Origins of Papal Infallibity: 1150-1350, (Leiden: E.J. Brill, 1988) p. 281)

Historiadores católicos e protestantes estão de acordo que a infalibilidade papal não encontra qualquer evidência histórica nos primeiros séculos da Igreja. A controvérsia é se a doutrina foi primeiramente defendida pelos canonistas do séc. XII ou franciscanos radicais do séc. XIII.

(7) Os apologistas reivindicam que o ensino atual da Igreja Romana tem o mesmo conteúdo que a tradição apostólica referida nas cartas de Paulo. O problema é que o conceito de tradição atualmente adotado é a “tradição viva” (aqui). Trata-se de uma tradição dinâmica que se desenvolve ao longo da história levando a implicações que nenhum apóstolo de fato ensinou. Ratzinger ao comentar sobre o dogma da Assunção de Maria nos dá um relato de como funciona a tradição viva:

Antes que a assunção corporal de Maria ao céu fosse definida, todas as faculdades teológicas do mundo foram consultadas para dar opinião. A resposta de nossos professores foi enfaticamente negativa (...) "Tradição" foi identificada com o que poderia ser provado com base em textos. Altaner, o patrologista de Würzburg (...) provou de maneira cientificamente persuasiva que a doutrina da assunção corporal de Maria ao céu era desconhecida antes do século V. Esta doutrina, portanto, argumentou, não poderia pertencer à "tradição apostólica". E essa foi a conclusão que meus professores em Munique compartilharam. Este argumento é convincente se você entender a "tradição" estritamente como o manuseio de fórmulas e textos fixos (...) Mas se você conceber a "tradição" como um processo vivo pelo qual o Espírito Santo nos apresenta a plenitude da verdade e nos ensina como entender o que anteriormente não podíamos entender (Jo 16:12-13), então a "lembrança" subseqüente (Jo 16:4, por exemplo) pode reconhecer o que não tinha visto anteriormente e ainda como repassado na palavra original. (Milestones (Ignatius, 1998), 58-59)

Em outras palavras, ainda que uma determinada tradição não possa ser rastreada até uma fonte apostólica (nenhuma tradição extra bíblica pode), a igreja pode defini-la como parte da revelação apostólica. Por isso, apelar à tradição dos apóstolos é inócuo uma vez que a Igreja pode redefinir seu conceito de tradição ao longo da história e incluir no pacote ideias que nenhum apóstolo ensinou.

(8) Por último, os protestantes não estão sozinhos quando afirmam que tudo o que podemos determinar como pertencente à tradição apostólica está contido na Escritura. Estamos juntos com os Pais da Igreja, com teólogos como Tomás de Aquino e com boa parte dos atuais teólogos católicos. Se tudo o que a Igreja Romana chama de tradição fosse doutrinas explícitas ou implícitas da Escritura, não teríamos problemas em adotar tais tradições. O problema é que sob o título de “tradição apostólica” Roma tem introduzido inovações estranhas ao Evangelho como a assunção corporal de Maria.

2 – A Escritura não responde algumas questões éticas, logo não é suficiente

Essa objeção geralmente é apresentada se referindo a questões bioéticas. Já ouvi católicos argumentarem que o cristão protestante não pode ser contrário ao aborto, pois não há um versículo que diga “não abortarás”. Primeiramente, a Escritura é um livro de princípios gerais. Abortar pode facilmente ser encaixado no mandamento “não matarás” que melhor seria traduzido por “não assassinarás”. Não é preciso que a Escritura trate de cada tópico específico, basta que ofereça princípios ou critérios pelos quais um julgamento moral possa ser realizado. Alguém pode objetar que a aplicação do princípio ao caso concreto pode exigir conhecimento que não está na própria Escritura. Isso é verdade. No entanto, não é um problema para o princípio reformado, uma vez que não afirmamos que a Escritura é a única fonte de verdade ou conhecimento necessário.

Além disso, não somos nós que definimos quais perguntas devem ser respondidas, mas Deus. A Escritura não é para ser exaustiva, mas suficiente. Assim, se uma determinada questão não é tratada pela Escritura mesmo através de um princípio geral, é porque Deus não quis nos responsabilizar moralmente a respeito dessa questão. O magistério da Igreja Romana também não é capaz de responder todas as questões morais de nosso tempo. Não apenas morais, mas muitas controvérsias de natureza doutrinária ficaram séculos para serem respondidas ou nunca foram (ex. molinismo vs tomismo). Se o argumento católico contra a doutrina protestante é válido, ele também atestaria a insuficiência do próprio magistério. Ademais, a medida que o tempo passa novos problemas surgem. Ninguém sabe ao certo se e quando haverá uma resposta do magistério. Joseph Ratzinger escreveu:

De fato, somos constantemente confrontados com problemas em que não é possível encontrar a resposta correta em pouco tempo. Acima de tudo, no caso de problemas relacionados com a ética, particularmente a ética médica (...). Finalmente, devemos dizer, depois de longos estudos "respondemos que, agora, no nível local, não fomos suficientemente longe para ter certeza plena sobre isso". Novamente, na área da ética médica, novas possibilidades, e com elas novas situações limítrofes surgem constantemente quando não é imediatamente evidente como aplicar princípios. Não podemos simplesmente invocar certeza. Não é necessário que sempre haja respostas universais. Nós também precisamos realizar nossos limites e renunciar a respostas onde eles não são possíveis (...) simplesmente não é verdade que queiramos dar respostas em todas as situações ... "(J. Ratzinger, Salt of the Earth [ Ignatius, 1996], 100-101)

Ratzinger apenas admite o óbvio – a Igreja Romana não tem respostas para todas as questões éticas. A visão de que a Igreja Romana é um fundamento moral que fornece todas as respostas num mundo de incertezas é simplesmente ingênua e romântica. A realidade é que declarações ex-cathedra (infalíveis) são extremamente raras. Alguns teólogos afirmariam que existem apenas dois casos na história. O exercício do magistério extraordinário é tão raro na história que simplesmente não pode preservar a igreja romana do erro como muitos apologistas parecem acreditar. Gerações e gerações de católicos romanos morreram tendo crenças erradas ou sem respostas para questões éticas porque o magistério pode demorar séculos para se pronunciar ou declarar doutrinas e ninguém pode dizer ao certo que algum dia haverá resposta. Ademais, em muitas questões tudo o que o magistério oferece são princípios gerais. Assim como o protestante precisa utilizar conhecimento extra bíblico para aplicar o princípio ao caso concreto, o católico romano precisará utilizar conhecimento alheio a sua regra de fé para aplicar os ensinamentos do magistério.

3 – Nem John Wesley acreditava na Sola Scriptura, pois adotava um quadrilátero de autoridades (Escritura, Tradição, Razão e Experiência)

Isso nem é uma objeção, mas resolvi responder porque é demonstrativo de como os católicos não entendem o que é a Sola Scriptura. Essa afirmação surgiu na minha timeline e também foi produzida por um membro do Terça Livre. Os católicos leem “Somente a Escritura” e acreditam já ter a exata definição da doutrina. Ocorre que “Sola Scritpura” é um slogan e, portanto, não apresenta a própria definição da doutrina. Qualificações adicionais precisam ser feitas. Seria como alguém dizer “infalibilidade papal” e acreditar que somente com essas duas palavras já se tem a correta definição da doutrina católica. Quando afirmamos a Sola Scriptura, estamos dizendo que somente a Escritura é uma regra ou autoridade infalível. Por não haver nenhuma outra autoridade infalível, a Escritura é autoridade suprema, estando sobre a tradição e o magistério (autoridades falíveis). O quadrilátero de John Wesley aplica quatro autoridades, mas apenas a Escritura é suprema e infalível, o que faz dele tão proponente da Sola Scriptura quanto Calvino e Lutero. O teólogo metodista Thomas Oden e especialista em John Wesley escreveu:

É a 'fé dos protestantes' em acreditar em nada mais ou nada menos que está manifestamente contido e provado pelas Santas Escrituras. A palavra escrita é a única e plena regra de sua fé, assim como prática. Acreditamos que a Escritura seja de Deus. Somos orientados a não sermos sábios acima do que está escrito. Não devemos impor nada que a Bíblia claramente não imponha. Não devemos proibir nada que ela claramente não proíba." (ODEN, Thomas, John Wesley’s Scriptural Christianity. Grand Rapids: Zondervan, 1994. P.56)

O teólogo H. Ray Dunning escreveu sobre o quadrilátero wesleyano:

Seguindo João Wesley, a teologia Wesleyana sempre construiu sua obra doutrinária sobre quatro pilares essenciais comumente referidos como quadrilátero Wesleyano. Além da Escritura, elas são a tradição, razão e experiência. Estas, todavia, não estão em pé de igualdade. Na verdade, se propriamente entendidas, as três fontes auxiliares corroboram diretamente a prioridade da autoridade bíblica. (DUNNING, H. Ray. Grace, Faith, and Holiness. Kansas City, Mo.: Beaconc Hill, 1998. p.77)

Vejamos o artigo V da Confissão de Fé Metodista que apoia o quadrilátero wesleyano:

A Sagrada Escritura contém todas as coisas necessárias à salvação. Tudo que não possa ser lido nela, nem possa ser provado dela, não é exigido de qualquer homem que se possa acreditar como um artigo de fé, ou seja considerado necessário para a salvação.

Sola Scriptura não nega a existência de outras autoridades como tradição, igreja, família e estado. Todavia, apenas a Escritura é autoridade inquestionável e juiz final das disputas doutrinárias.