1
– Os Pais da Igreja e outras testemunhas
são intérpretes e transmissores falíveis da tradição que receberam, portanto, ela
não pode ser uma regra infalível de fé. A Igreja Romana admite esse fato e os
próprios Pais também. Não há como estabelecer uma tradição infalível se dependemos
de um intérprete falível. Um exemplo notório é Papias de Hierápolis. Eusébio
escreve:
O próprio Papias acrescenta
outras coisas que teriam chegado a ele por meio da tradição oral, além de certas parábolas estranhas do
Salvador, bem como o ensinamento dele e outras coisas que parecem ainda mais fabulosas. Entre essas coisas, diz que
haverá mil anos após a ressurreição dos mortos e que então o reino de Cristo se
estabelecerá fisicamente nesta nossa terra. Suponho que tenha essa opinião por ter interpretado mal as explicações dos
apóstolos e que ele não compreendeu as coisas que eles diziam de maneira
figurada e simbólica. O fato é que, segundo o que se pode deduzir de
seus próprios discursos, Papias parece homem de inteligência curta. Todavia, ele é culpado pelo fato de muitos
escritores eclesiásticos que lhe sucederam adotarem a opinião dele, pois
confiavam na antiguidade desse homem. Foi
o que aconteceu com Irineu e outros que pensaram as mesmas coisas que ele. (Eusébio
de Cesaréia, HE, III, 39, 11-14a)
Papias
escreveu cinco obras intituladas “Explicações das Sentenças do Senhor”. Delas,
sobreviveram apenas fragmentos. Irineu cria que Papias foi discípulo do
apóstolo João. No entanto, o próprio Papias menciona que apenas conheceu
pessoas que foram íntimas dos apóstolos. Estamos falando de um homem numa ótima
posição para receber uma genuína tradição apostólica. Ele conheceu pessoas que
andaram com os apóstolos e nos conta que era ávido em entrevista-los. Em virtude
de sua antiguidade, disseminou uma doutrina que a Igreja Romana rejeita – o
milenarismo, e fez com que outros Pais seguissem o mesmo ensino. Eusébio
rejeitou essa doutrina alegando que Papias interpretou errado as explicações
dos apóstolos e passou adiante uma falsa tradição. O que aconteceu com Papias é
passível de acontecer com qualquer testemunha patrística, pois eles eram intérpretes
falíveis da tradição.
2
– Em nenhum lugar a Escritura ensina que uma tradição oral será incorruptamente
transmitida adiante por séculos. Os católicos romanos pressupõe que o Espírito
Santo preservou o processo, mas em nenhum lugar é prometido que uma Igreja em
particular (no caso Roma) teria esse carisma. É prometido à Igreja de Cristo
que no fim ela irá vencer a batalha (Mateus 16:18), mas isso não implica em
infalibilidade de uma Igreja local. O
Novo Testamento está cheio de advertências contra a apostasia e exemplos de
Igrejas que se desviaram da fé (Atos 20:29-30, Romanos 1: 17-22 e Apocalipse 2:5).
Cada advertência bíblica e previsão de falsos cristos, falsos apóstolos e
apostasia é uma negação da doutrina da infalibilidade.
3
– Quando a tradição é elevada ao status de revelação de Deus, não há como
distinguir a tradição falsa da verdadeira.
Necessariamente precisamos de um juiz acima da tradição para saber quais
devem ser aceitas e quais rejeitadas.
Jesus nos dá o exemplo ao refutar as tradições farisaicas usando a
Escritura. Claramente, a autoridade da Escritura era superior à tradição. A
Igreja lidou com esse problema quando Vicente de Lérins criou a regra de que
tudo aquilo que foi crido “sempre, em todo o lugar e por todos” é tradição
verdadeira. Ocorre que as peculiares doutrinas romanistas não satisfazem essa
regra. Ninguém menos do que Cardeal Newman admite:
Não parece possível, então,
evitar a conclusão de que, qualquer que seja a maneira apropriada de harmonizar
os registros e documentos da Igreja Primitiva e da Igreja mais tardia e como
verdadeiro o ditado de Vicente. Ele [ditado de Vicente] deve ser considerado em
abstrato, e como possível a sua aplicação apenas em sua própria época, quando
ele quase poderia pedir aos séculos primitivos o seu testemunho, isso dificilmente está disponível agora ou
é efetivo para qualquer resultado satisfatório. A solução que ele oferece é tão
difícil quanto o problema original. (John Henry Newman, An Essay on the Development of Christian Doctrine (New
York: Longmans, Green and Co., reprinted 1927), p. 27)
4
– É inacessível ao povo de Deus. Ninguém possui acesso a um volume onde esteja
escrito todas as tradições genuínas. A Igreja Romana, mesmo reivindicando
infalibilidade, nunca criou um cânon da tradição. Ninguém pode dizer ao certo
quais são os limites e exato conteúdo da tradição.
5
– Não é mais fácil de ser interpretada do que as Escrituras. A Bíblia é um
livro portátil, delimitado e acessível, já a tradição não. A tradição está
espalhada por escritos de diferentes autores não inspirados produzido ao longo
de séculos e séculos. O número de contradições é enorme. Os Pais da Igreja
divergiam numa série de questões, havendo consenso apenas em doutrinas básicas.
Ou seja, se a Escritura é de difícil interpretação, a tradição não pode ser seu
intérprete infalível, pois essa é mais difícil ainda e carece mais de um
intérprete do que a própria palavra escrita inspirada de Deus.
6
– Mina a autoridade da Escritura. Quando a tradição é elevada ao mesmo status
da Escritura, não podemos mais fazer o que Jesus fez – julgar a tradição pela
Escritura. A Igreja Romana simplesmente pressupõe que suas tradições são
verdadeiras, mesmo que sejam contrárias às verdades da Escritura. É o que vemos
abundantemente no catolicismo romano - as tradições são postas acima da Bíblia,
fazendo com que doutrinas antibíblicas como papado, missa, dogmas, confissão
auricular sejam aceitas.
7
– É um conceito sem respaldo histórico. Os Pais da Igreja não definiam a
tradição apostólica como o Concílio de Trento definiu. Para eles, a tradição
doutrinal apostólica não era um suplemento às Escrituras, mas doutrinas
contidas nela pregadas pela Igreja. A ideia de que a tradição constitui de
doutrinas diferentes das que foram escritas só ganhou força na idade média. Foi
precisamente contra essa visão que os reformadores defenderam a Sola Scritpura.
Portanto, a Sola Scriptura não é uma negação da tradição, mas apenas a
constatação de que a Palavra Escrita é a única autoridade suprema e infalível
para a Igreja hoje.
Como
Roma soluciona esses problemas? Ela apela a sua própria infalibilidade. Uma
tradição é verdadeira porque a Igreja Romana que é guiada pelo Espírito Santo
diz que é. Essa posição encontra sérios problemas. Não há respaldo bíblico ou
histórico para tal afirmação. Ninguém no primeiro milênio acreditava que o
bispo de Roma fosse infalível, tanto é que houve casos de papas hereges.
O raciocínio também é
circular. Roma diz que é infalível, mas como alguém poderia saber que essa
Igreja é infalível? Roma dirá que basta olhar para a Escritura e tradição. Mas
como sabemos se a Escritura e tradição realmente endossam os apelos dessa
Igreja? Roma dirá que você deve necessariamente aderir à interpretação que ela tem
da Escritura e a interpretação e definição que ela tem da tradição. No fim,
tudo acaba na célebre frase de Inácio de Loyola: “Acredito que o branco que eu vejo é negro, se a hierarquia da Igreja assim o determinar”.
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